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N.° 30

SESSÃO DE 8 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios - os Exmo. Srs.

Amandio Eduardo da Moita Veiga

José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, dá-se conhecimento á Camara de dois officios e um telegramma, recebidos na mesa e tem segunda leitura o projecto de lei sobre equiparação dos vencimentos actuaes dos amanuenses do Instituto Industrial aos dos seus collegas em serviço na Escola Polytechnica e no Instituto de Agronomia - O Sr Alfredo de Albuquerque renova a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 9 de abril de 1901. - O Sr. Presidente da Camara (Matheus Teixeira de Azevedo) compre o dever doloroso de participar o fallecimento do Conselheiro Arouca. Em nome do Governo associa-se ao voto de sentimento o Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques), em nome da maioria o Sr. Conselheiro Arrojo e Em nome da minoria o Sr. Antonio Centeno. - O Sr. Belchior Machado faz o elogio do tenente-coronel de Africa, Sr. Antonio J. de Araujo, e apresenta um projecto de lei, concedendo uma pensão vitalicia ao heroico e modesto militar. Approva esto projecto o Sr. Rodrigues Nogueira. - Faz varias considerações sobre hydrographia, pedindo a continuação e emprehendimento de obras hydraulicas em Portugal, o Sr. Belard da Fonseca. - O Sr. João de Mello Vasconcellos manda para a mesa o parecer da commissão de guerra, acêrca da renovação de iniciativa do projecto de lei n.º 14-C, de 1899. - O Sr. Alexandre Cabral manda para a mesa uma representação da Liga das Artes Graphicas do Porto.- O Sr Francisco Ramirez apresenta um requerimento e o Sr. Antonio Centeno um aviso previo.

Na ordem do dia, continuação da discussão do projecto de lei n.º 12 (Orçamento Geral do Estado para o anno de 1902-1903), fala o Sr. Anselmo Vieira, defendendo o Orçamento e fazendo largas considerações sobre politica internacional e nacional. - Presta juramento o Sr. Albano de Mello. - Responde ao Sr. Antonio Centeno, sobre uma pergunta relativa ao resultado de campanhas em Africa, o Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa), assegurando o prestigio das armas portuguesas. - Responde ao Sr. Anselmo Vieira o Sr. Moreira Junior. - Apresenta propostas de emendas o Sr. Luiz José Dias.-Manda para a mesa um requerimento o Sr. Abel Andrade. - Justificam faltas os Srs. Carlos Malheiros Dias e Vaz Ferreira.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 25 minutos da manha.

Presentes - 53 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim- Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Malheiros Dias, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo Burnay, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Pôças Leitão, José Coelho da Motta Prego, José Maria de Oliveira Simões, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Teixeira de Azevedo e Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Agostinho Lucio Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alvaro de Sousa Rego, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio de Almeida Dias, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José de Mattos Sobral Cid, Julio Augusto Petra Vianna, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio e Paulo de Barros Pinto Osorio.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Alberto Botelho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Tavares Festas,; Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Paçô Vieira, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio,

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Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, João Morteiro Vieira de Castro, João de Sousa Tavares, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Nicolau Raposo Botelho, Libanio Antonio Fialho Gomes Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça, participando que os documentos requeridos pelo Sr. Deputado João Augusto Pereira em 17 de fevereiro ultimo, foram pedidos ao procurador regio de Lisboa e não dos Açores, e que logo que cheguem áquelle Ministerio, serão enviados para esta Camara.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Augusto Fuschini, nota do rendimento bruto kilometrico das linhas do norte e leste, no quinquennio de 1897 a 1901.

Para a secretaria.

Telegramma

Exmo. Presidente Camara Senhores Deputados Nação.

Camara Municipal S. Vicente, Madeira, roga V. Exa. se digne apresentar este Srs. Deputados exorando patrocinem representação que lhes vae ser enviada pedindo conservação comarcas ruraes esta ilha cuja suppressão pretendida por alguns membros Parlamento seria calamitosa maioria povos districto. = Presidente Camara, Daniel Brasão Machado.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- Pela proposta apresentada á commissão do Orçamento, em 15 de maio de 1900, pelo illustre Deputado da minoria d'esta casa do Parlamento o Exmo. Sr. tenente-coronel Francisco José Machado, eram equiparados os vencimentos recebidos pelos amanuenses em serviço no Instituto Industrial e Commercial de Lisboa aos que são percebidos pelos funccionarios de igual categoria em exercicio no Instituto de Agronomia e Veterinaria. Já então, como muito judiciosamente ponderava áquelle illustre Deputado, nenhuma razão poderia explicar a desigualdade d'esse vencimento, recebido por funccionarios, cujos serviços e responsabilidades eram identicos; mas se se attender a que, nestes ultimos annos, o numero de matriculas tem augmentado consideravelmente, a ponto de ser nos ultimos tres annos a media das matriculas de 1:596 alumnos por anno no Instituto Industrial e Commercial de Lisboa (o que determina um excesso de trabalho nos citados funccionarios), reconhecer-se-ha a justiça da pretenção d'esses modestos servidores do Estado. Vencem actualmente os referidos amanuenses do Instituto Industrial e Commercial de Lisboa 260$000 réis emquanto que os funccionarios da mesma categoria em serviço na Escola, Polytechnica e Instituto de Agronomia e Veterinaria percebem annualmente 360$000 réis. Sendo, pois, tão pequena a verba do augmento, e tão limitado o numero dos empregados a que irá aproveitar, fiamos do vosso recto e criterioso espirito que vos digneis prestar a vossa esclarecida attenção ao seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São equiparados os vencimentos recebidos actualmente pelos amanuenses em serviço no Instituto Industrial e Commercial de Lisboa os vencimentos percebidos pelos empregados da mesma categoria em exercicio na Escola Polytechnica e Instituto de Agronomia e Veterinaria.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos Senhores Deputados, 5 de março de 1902.= O Deputado pelo districto de Santarem, Guilherme Augusto de Santa Ritta.

Foi admittido e enviado ás commissões de instrucção publica superior especial, ouvida a de fazenda.

O Sr. Alfredo de Albuquerque: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei, apresentado em sessão de 9 de abril de 1901, pelo Sr. Deputado Antonio José Boavida, que tem por fim criar no exercito o logar de capellão em chefe, com a graduação de major.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Cabe-me o doloroso dever de participar á Camara o fallecimento do antigo Deputado o Sr. Conselheiro Frederico de Gusmão Correia Arouca.

Comquanto a vida de Frederico Arouca não fosse longa, teve occasião, nas differentes commissões de serviço de que foi encarregado, de prestar relevantes serviços ao seu país. Proponho, por isso, que na acta da sessão de hoje se lanço um voto de sentimento pela sua perda e se façam as devidas communicações. (Apoiados geraes).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Alberto de Campos Henriques): - Em nome do Governo, venho associar-me commovidamente ao voto de profundo pesar e de muito sentimento que V. Exa. acaba de propor.
É justo que todos nós prestemos a homenagem do nosso respeito e da nossa saudade ao illustre extincto. (Apoiados).

Frederico Arouca foi um dos homens mais sympathicos, mais distinctos e mais queridos do nosso mundo politico, porque á delicadeza das suas maneiras, á correcção do seu procedimento, á afabilidade do seu trato, aos primores da sua educação, á natural e fidalga altivez do seu porte, á correcção elegante do seu trajar, alliava a rectidão da sua consciencia, a nobreza do seu caracter, a generosidade do seu coração e a belleza da sua alma. (Apoiados).

Frederico Arouca reunia um conjunto de raras qualidades que lhe marcavam um logar áparte. Era um bello talento e um grande caracter, um orador primoroso e um estadista ponderado e util, era um correligionario dedicado e lealissimo, e era ao mesmo tempo um conselheiro para todas as occasiões em que se appellasse para o seu alto criterio e para o seu grandissimo senso pratico. (Apoiados).

Com estas qualidades, a carreira de Frederico Arouca foi rapidissima, a breve trecho elle tinha alcançado as mais altas culminancias nas honras e na gloria; e, facto estranho, este homem que assim tinha ascendido rapidamente, não despertava uma inveja, não levantava um protesto. Porque?

Porque vivendo na luta das paixões, nunca se tinha deixado macular por ellas, porque não se tinha desviado um só momento do caminho do dever, da lealdade e da honra. (Apoiados).

Elle tinha o tão raro condão de se fazer estimar, porque era affavel, bom, generoso, e sobretudo, attrahente, captivante pela sua simplicidade tão distincta, pela sua franqueza no trato intimo e no seio da familia que elle estremecia e o adorava. (Apoiados).

E com verdadeira saudade, com profundo sentimento me associo ao voto proposto por V. Exa. Sr. Presidente,
curvo-me abatido perante o tumulo do Frederico Arouca, deplorando a perda de um amigo querido, que deixa em

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todos uma magua que é profundissima e uma saudade que será eterna.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: em nome da maioria parlamentar associo-me á proposta que V. Exa. acaba de dirigir á Camara. V. Exa. comprehende, já não direi a viva magua, mas a profunda commoção com que, neste momento, ergo a minha voz para commemorar, em simples e sentidas palavras, a morte d'aquelle que em vida se chamou Frederico Arouca, meu companheiro nas lides parlamentares e nos Conselhos da Coroa.

Foi uma das figuras que encontrei no Parlamento Português, assignalada já por triumphos de palavra de grande valia, quando me foi dada a honra de entrar neste casa; e não é preciso dizer a V. Exa. como, através da sua vida parlamentar e ministerial, a minha estima e consideração para com Frederico Arouca augmentava dia a dia.

Frederico Arouca trouxe para a vida publica uma grande qualidade, qualidade que, se se não impõe á primeira vista por manifestações de brilhantismo, todavia se accentua através da vida politica com efficacia inegualavel.

Essa qualidade foi a aprimorada instrucção, a aprimorada educação, a sua linha de perfeita gentilhomeria, que elle teve o talento de transportar da vida particular para a vida publica, e que fez com que, através de todas as vicissitudes da vida politica, mantivesse a elegancia moral e a pura correcção que todos admirámos. (Apoiados).

Como parlamentar, Frederico Arouca pertenceu ao numero d'aquelles que, sabendo estudar os assumptos que eram dados para o debate parlamentar, sabia ao mesmo tempo manter o culto da arte da palavra. (Apoiados).

A phrase, na boca de Frederico Arouca, era sempre distincta, bem recortada e fina, como a de um homem que sabia prestar attenção aos assumptos parlamentares e ao mesmo tempo render o seu culto á arte. (apoiados).

Como homem do Estado, Frederico Arouca distinguiu-se sempre pelo seu criterio seguro, pelo seu ponto de vista sensato e pratico (Apoiados), por uma absoluta lealdade de camaradagem para com aquelles que, conjuntamente com elle, occupavam as cadeiras do poder. (Apoiados).

Não devo tambem deixar de pôr ainda em saliencia a indefectivel lealdade de Frederico Arouca, manifestada através de toda a sua longa carreira politica, quer elle terçasse as suas armas de leal partidario sob a chefia de Fontes, quer sob a chefia de Antonio de Serpa e de Hintze Ribeiro. (Apoiados).

E se, por certo, é grande a magua e saudade de todos nós ao ver extinguir aquelle vulto distincto da politica portuguesa, estou convencido de que dobrada magua será a do actual chefe do partido, que nelle coutava um dos mais valiosos collaboradores.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Apoiado.

O Orador: - Por tudo isto, associo-me de todo o coração á proposta que V. Exa. fez.

Saudo nestas poucas palavras a brilhante passagem de Frederico Arouca através da scena politica portuguesa, e endereço-lhe d'aqui, em nome da maioria parlamentar, o nosso adeus, a mais sentida expressão da nossa saudade e do nosso agradecimento.

Vozes:- Muito bem.

(O orador não reviu, as notas tachygraphicas).

O Sr. Antonio Centeno: - Em nome da minoria progressista venho associar-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa., pela morte de Frederico Arouca. (Apoiados).

Não faço o elogio do extincto illustre, porque acaba elle de ser feito pelas vozes eloquentes e auctorizadas dos seus amigos e correligionarios. Limito-me apenas a assegurar a V. Exa. e á Camara que o partido progressista tem a honra de acompanhar o partido regenerador na dor profunda que este acaba de soffrer.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, considero a minha proposta approvada.

Far-se hão as communicações devidas.

Pela ordem da inscripção devia dar agora a palavra ao Sr. Deputado Antonio Cabral, para S. Exa. realizar o seu aviso previo ao Sr. Presidente do Conselho, mas como falta pouco tempo para se entrar na ordem do dia, não sei se S. Exa. quererá usar hoje da palavra.

O Sr. Antonio Cabral: - Agradeço a amabilidade de V. Exa. e como V. Exa. me consulta, prefiro usar da palavra na proxima sessão, visto que o tempo de que poderia agora dispor é resumido e o assumpto que tenho a tratar é vasto.

O Sr. Presidente: - Reservo a V. Ex. a palavra para o primeiro dia de sessão.

O Sr. Belchior Machado: - Pedi a palavra para fazer algumas referencias ás campanhas de Africa, que encheram a nossa historia de paginas gloriosas. (Apoiados).

Tenho lido em muitos jornaes e em alguns livros, e tenho ouvido em assembléas constituidas por pessoas eruditas, que o inicio das campanhas de Africa foi a batalha de Marracuene. Esta affirmação é menos exacta. O inicio das campanhas de Africa foi a batalha de Lourenço Marques, em que se distingiu o valente tenente-coronel de artilharia António José de Araújo; e se essa batalha não teve echos repetidos que a recommendassem aos chronistas do reino, foi devido á modestia dos individuos que nella tomaram parte e que não fizeram propaganda alguma do seu heroismo.

O official a que tenho a honra de me referir é um dos mais distinctos do nosso exercito; é um africanista prestimoso, um grande heroe modesto.

Este official, que durante 20 annos successivos desempenhou serviços importantissimos na Africa, quer como director de obras publicas na provincia de Moçambique, quer como director do Caminho de Ferro de Lourenço Marques, quer como governador d'este districto, mereceu sempre a maior attenção dos poderes publicos. Mas não são esses serviços que eu desejo mencionar, mas sim referir-me á parte activa que elle tomou na defesa de Lourenço Marques, em 1894.

Deve estar na memoria de todos a causa da revolta dos
cafres, que teve Lourenço Marques a dois passos da ruina;
e se ainda hoje esta cidade pertence á Coroa Portuguesa,
é isso unicamente devido ao Sr. Tenente-Coronel Araujo.

Governando a provincia de Moçambique, em 1894, o Sr. General Fernando de Magalhães foi informado de que 5:000 indigenas cafres tentavam atacar a cidade. Em Lourenço Marques havia 22 soldados de policia e alguns soldados indigenas. Faltava tudo para defender uma cidade aberta, faltavam os officiaes, as praças, as munições!

Recorreu o Governador ao tenente-coronel Antonio José de Araujo, que organizou a defesa da cidade com uma proficiencia e uma promptidão inexcediveis. Estabeleceu postos, organizou barricadas e estabeleceu uma linha de defesa na extensão de 3:000 metros.

Este official teve muito naturalmente de recorrer aos habitantes da cidade, macaistas, mouros, baneanes, persas, aos de todas as nacionalidades, para defenderem a cidade.

Comprehende-se que, com tal organização era indispensavel uma vigilancia continua, successiva, não abandonando um só momento as improvisadas linhas de defesa.

Os ataques eram constantes e os habitantes passaram dias angustiosos, porque tinham a certeza de que se os indigenas entrassem em Lourenço Marques seria tudo destruido e todos ali mortos.

No dia 14 de outubro de 1894, pelas 7 horas da ma-

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nhã tentaram os indigenas entrar pelo lado esquerdo da cidade. Nessa occasião parte da guarnição tinha retirado das linhas, assim como o seu commandante. Uma vedeta que ali estava, deu o signal de alarme. O tenente-coronel Araujo correu ao ponto do ataque e commandou o fogo com inegualavel coragem de forma que os cafres desistiram do ataque deixando no campo perto de 900 cadaveres.

Sr. Presidente: parece-me que este official bem merece da patria. (Apoiados). Elle soube conservar as antigas veneraveis tradições da nossa bandeira. (Apoiados).

Sr. Presidente: deve considerar-se o coronel Araujo, brilhante e despretencioso heroe, um benemerito da patria (Apoiados).

Para se saber o que os estrangeiros pensam de Lourenço Marques, peço licença para ler o artigo de um jornal publicado no Cabo.

Diz o artigo:

" Para ter a ostentação de conservar a colonia de Lourenço Marques, Portugal continuara a fingir que coloniza a costa de Africa, até que o azagaia do cafre venha confirmar as razoaveis doutrinas do direito internacional".

E mais abaixo diz:

"No estado em que estão as cousas, é bem possivel, e até provavel, que Portugal venha a ser desapossado d'aquelle territorio.

De que poderão servir os seus regimentos, dando mesmo de barato que elles sejam capazes de entrar desde logo em campanha activa, se, á sua chegada a Lourenço Marques, abandonada a cidade pela sua antiga guarnição, cheia de febres, tiver sido atacada e já estiver de facto nas mitos dos cafres?"

Comprehende-se que, não só Lourenço Marques, mas a provincia de Moçambique esteve em risco de perder se, por isso que se os indigenas tomassem conta da cidade, ella cairia noutras mãos.

Para que uma sagrada divida se pague, num tempo em que começamos a pensar em ser gratos e já quando outras dividas, até menores, se pagaram, vou mandar para a mesa um projecto de lei concedendo uma pensão vitalicia ao tenente-coronel o Sr. Antonio José de Araujo, esperando que tanto o Governo como a Camara subscrevam este acto e justiça. (Apoiados).

O projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Sr. Presidente, direi duas palavras apenas.

Conheci em Africa o Sr. Tenente-Coronel Araujo, a quem o Sr. Belchior Machado acaba de referir-se. É um official intelligente, trabalhador e honrado. (Apoiados).

Deram-se pensões a outros, que não quer dizer que as não merecessem; mas este merece-a mais do que alguns d'esses.

É esta a rainha convicção; e como não pude associar-me em nome do partido progressista ao projecto que acabou de ser apresentado, porque me falta para isso auctoridade, quero ao menos, em meu nome, declarar que, se a Camara o approvar, considero essa approvação um acto de justiça.

(O orador não reviu).

O Sr. Belard da Fonseca: - É a primeira vez que tenho a honra de falar numa assembléa tão illustrada e distincta como esta, e mais ainda, é a primeira vez que falo em publico.

Cheio de receios, dominado pela convicção da falta de conhecimentos da vida publica e politica, e sem predicados litterarios, as minhas palavras modestas, mas sinceras, hão de fatigar, em vez de attrahir; mas eu espero que a Camara, a que tenho a honra de pertencer, desculpará as hesitações e os defeitos, a quem deixou ainda ha pouco tempo os bancos da escola, mas que entra na vida politica com vontade de ser util, e prestar ao seu país o pouco que vale.

É ao nosso Tejo que me vou referir.

Rio de alto valor para nós, já pela sua enorme bacia hydrographica, já pelo numero e importancia de alguns dos seus affluentes, que desnecessario é citar, pois são bem conhecidos da Camara, e que poderia prestar, não só á navegação mas tambem á agricultura, serviços importantissimos (Apoiados), é pelo contrario já hoje a causa de ruinas serias e graves, talvez mais graves no futuro. (Apoiados).

Não é só sobre este ponto, Sr. Presidente, que eu peço a attenção do Governo, e em especial a do Sr. Ministro dos Obras Publicas.

Ha outros não menos importantes. São os diques denominados dos Vinte, na Gollegã, e da Senhora das Dores, na Chamusca, para os quaes se tem seguido um systema commum entre nós, em todas as construcções, em todas as obras por mais simples que sejam, mas quo não pode continuar, que não deve continuar de forma alguma nas questões hydraulicas.

E a Camara sabe bem quaes são.

Approvam-se orçamentos, é certo, mas dá-se apenas um decimo ou um vigesimo do orçamento primitivo para a execução da obra, de forma que os trabalhos ficara sempre no principio (Apoiados), dando em resultado que, quando se concluem, teem custado tres e quatro vezes mais do que custariam se fossem executados de vez. (Apoiados).

E isto que succede com a maior parte das obras do nosso país (Apoiados), é isto que aconteceu e acontece com os citados diques dos Vinte e da Senhora das Dores.

Enche-nos de tristeza e desalento a comparação do que se tem feito lá fora, a favor da agricultura e dos meios de transporto pela via fluvial, com o que ha entre nós.

Emquanto a França, no fim do seculo XVI, se apresentava com 156 kilometros apenas de canaes e ribeiras canalizadas, um seculo mais tarde tniha já 677 kilometros.

Este salto enorme foi devido á construcção do canal de Briare e do canal do Meiodia, aos quaes ficaram ligados dois nomes notaveis: Cosnier de Tours e Riquet.

Esta febre de desenvolvimento de canaes e ribeiras canalizadas continua sempre, principalmente logo que se tornam praticas as barragens moveis (eclusas).

Assim, a França apresenta-se hoje com 12:250 kilometros abertos á navegação, divididos pela forma seguinte: 4:109 de rios e ribeiras de corrente livro, 3:299 de rios e ribeiras canalizadas, e 4:851 de canaes.

Para bem frisar os serviços que incontestaveis, prestam á navegação interior, ao commercio, á agricultura e á industria, basta a comparação do numero de toneladas transportadas pelas differentes vias.

Emquanto os transportes, referidos a toneladas kilometricas, são nas estradas de 1:517 milhões e nos caminhos de ferro de 10:409 milhões, são nas vias navegaveis de 4:365 milhões.

Se fizermos agora a comparação dos transportes pela via accelerada com os da aquatica entre:

Comprimentos medios explorados:

Vias navegaveis, 12:364 kilometros;

Caminhos de ferro, 36:472 kilometros.

Tonelagem media em relação ao comprimento da rede:

Vias navegaveis, 338:978 toneladas;

Caminhos de ferro, 362:398 toneladas.

Concluimos que, embora o comprimento das vias navegaveis seja inferior em 34 por cento ao dos caminhos de

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ferro, a tonelagem media é de 94 por cento, isto é, quasi igual.

Todos os países teem dedicado a sua attenção á questão dos transportes pela via fluvial, com interesse e cuidado, facilitando assim o desenvolvimento da sua riqueza. (Apoiados).

Na Belgica encontram-se 2:196 kilometros abertos á navegação, sendo 41 por cento de canaes e 25 por cento de rios e ribeiras canalizadas.

A Hollanda tem 4:063 kilometros, sendo 81 por cento de canaes e ribeiras canalizadas.

Emfim, a Europa central, na Italia, Russia, etc., e a America, mostram-nos milhares de kilometros abertos á navegação.

Se é certo que em condições de concorrencia o preço do transporto pela via fluvial e ferrea é quasi o mesmo, no nosso país, em que a rede ferro-viaria é bastante reduzida, os transportes fluviaes seriam de grande utilidade e alto valor, pois que o preço por kilometro e tonelada nestes é de 2 réis, emquanto que na via ordinaria regula por 45 réis.

Num país como o nosso, essencialmente agricola, tem-se dos rios e dos ribeiros um outro partido a tirar, talvez ainda mais importante que o da navegação.

São as irrigações. (Apoiados).

São ellas o sonho querido de todos os agricultores, porque enriquecem o solo, e portanto a nação.

Nesta Camara, Sr. Presidente, encontram-se bastantes proprietarios, e elles poderão dizer o que é, quanto vale, qualquer trato de terreno regado sem dispendio sensivel de trabalho. (Apoiados).

Quando as irrigações, porem, se podem fazer com aguas carregadas de sedimentos, que trazem em dissolução e suspensão, maior riqueza provém para a agricultura. Pois ao mesmo tempo que levam a humidade necessaria á vegetação, fornecem-lhe os elementos precisos á vida da planta, e mais ainda, consegue-se a colmatagem, tornando portanto productivos terrenos que o não eram. (Apoiados).

Varios exemplos poderia citar do alto valor das irrigações, quer na Hespanha, Inglaterra, Suissa, Italia, Egypto, etc., mas a Camara sabe, muito bem, que com ellas se pode estabelecer a rotação das culturas, ter por conseguinte optimos prados e bons gados, tirando do solo tudo que elle nos poderia dar, e não alternar, como se faz entre nós, a cultura com o poisio, isto é, a restauração das forças do terreno, simplesmente pelos agentes atmosphericos.

Tudo isto o nosso Tejo nos poderia dar. (Apoiados.) Eu bem sei que as condições economicas e financeiras do país não permittem estabelecer canaes e syetemas de irrigação em larga escala; mas começando modestamente, em pouco tempo tirariamos juros bem remuneradores dos capitaes gastos.

Ha, porem, outros trabalhos a executar, e esses não admittem demora, por serem urgentes.

O que é necessario, é que esses trabalhos assentem em methodos, fundados em observações minuciosas o demoradas das leis naturaes; não as modificar, mas sim fazê-las concorrer para um fim determinado, isto é, dirigir as aguas com um fim util e geral, como dizia a lei francesa de 1790.

Tem-se feito isto com o Tejo? Não.

É preciso subordinar qualquer obra, por mais simples que seja, a um plano geral. Foi isso que pensou o distincto engenheiro o Sr. Almeida Eça, quando apresentou ha annos um relatorio, onde indicava as obras a fazer entre Tancos e Mugem, relatorio onde estão bem patentes, os vastos conhecimentos, e a profunda illustração d'este homem de sciencia. Mas, tempo perdido, nada se fez, e Deus sabe quando se fará.

O assoreamento do Tejo augmenta do dia para dia, de uma maneira espantosa. (Apoiados).

A parte comprehendida entre a Barquinha e Porto de Mugem, cujo declive é bem suave, pois é de Om,2 por 1000 metros, concorre bastante para esse assoreamento, pois a menor velocidade das aguas obriga a deposição dos elementos que trazem em suspensão, como é sabido.

Já a distincta commissão, que organizou o re atorio acêrca da arborização geral do país, dizia que concorriam para o assoreamento d'este rio o arroteamento sem nexo das encostas e das montanhas.

Mas ha mais ainda.

Não são só os assoreamentos provenientes dos elementos que as aguas trazem, são os devidos ainda ás escavações continuas nas margens, o que representa um perigo para a agricultura, concorrendo ao mesmo tempo para a modificação do talweg do rio depois das cheias, o que representa um inconveniente grave para a navegação. (Apoiados).

É sabido que cada cheia renova os materiaes que atapetam o leito do rio, e modificam a sua forma, mais ou menos, segundo as circumstancias, apresentando differenças no traçado, das sinuosidades, posição das profundidades, situação, orientação e relevo dos patamares. Mas, se as margens forem solidamente fixas, estas modificações, estas differenças, só se dão em proporções muito restrictas.

No relatorio que tive a honra de citar á Camara, apresenta-se como urgente a consolidação das margens do Tejo.

Tem a casa Palmella e a Companhia das Lezirias, por exemplo, propriedades que confrontam com este rio, protegidas por faixas de vegetação (principalmente salgueiros) cuidadas com o maximo esmero e attenção, de forma que ha sempre uma zona de protecção efficaz, que alem de fixar a margem, impede os rasgões e valoriza os terrenos.

Nos outros pontos já não acontece o mesmo: as faixas de protecção são cortadas á vontade por quem quer, e algumas que teem escapado não são tratadas com o cuidado que deviam ser.

Ha um meio efficaz de evitar as torrentes, os rasgões, os assoreamentos emfim. Esse meio é a arborização.

São as florestas que, consolidando o terreno o augmentando a accumulação de detrictos, impedem as torrentes, os rasgões, os assoreamentos, que tão graves são para a agricultura.

São ellas ainda que diminuem notavelmente a massa de agua que se escoa pelas montanhas, exercendo um duplo fim. - por um lado, a acção moderatriz, evitando as bruscas variações de caudal nas cheias o por outro lado alimentando os cursos de agua na estiagem.

A Camara sabe muito bem as vantagens enormes que isto representa para a agricultura o para a navegação. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Previno V: Exa. que faltam apenas 5 minutos para entrar na ordem do dia.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa.; eu vou resumir as minhas considerações.

Na bacia do Tejo é preciso que comecem estes trabalhos o mais breve que for possivel, que se executem debaixo de uma administração diligente e vigilante, não permittindo que as arvores sejam devastadas, não deixando os gados roer as pequenas plantas, que, sendo tão pequenas, protegem tanto.

E agora que se pensa mais seriamente na arborização, seria conveniente, que se estudasse as especies que melhor se dêem no país, procurando ao mesmo tempo aclimatar outras, pois a madeira tem representado sempre um papel importante na economia, e continua a sua marcha triumphal; de dia para dia são maiores, mais extraordinarias e mais brilhantes as suas applicações.

Já no aquecimento para o qual tem qualidades superiores, já nas construcções, já nas cidades ou nos campos,

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nos palacios ou nas choupanas, em todas as obras, das mais simples ás mais complicadas, lá se encontra sempre a madeira como auxilio ou como accessorio importante. é ella companheira constante do homem a quem presta serviços os mais relevantes.

Na Inglaterra, por exemplo, a sua importação é de 13 milhões de metros cubicos, sendo 3 milhões para fabrico do papel.

O seu consumo augmenta sempre. De 2 milhões e meio de toneladas de papel fabricado, milhão e meio foram feitos com pasta cellulorica, o que representa um consumo de 10 milhões de metros cubicos de madeira.

É longo mas interessante o estudo das mil applicações da madeira, e pensando ainda que a massa cellulorica pela compressão e professos chimicos pode tomar toda a sorte de propriedades, mesmo a incombustibilidade, facil é ver que tudo com ella se pode fazer, sendo a unica difficuldade, por emquanto, a mão de obra.

É para coroar estas vantagens incontestaveis, vieram os primorosos trabalhos de Chardonnet e Vivier, conseguindo no laboratorio fazer soffrer a massa cellulorica reacções semelhantes ás que se dão no estomago e glandulas do bicho de seda, e obtendo assim a seda artificial.

A arborização leva porém muito tempo, e nós precisamos remedios para já.

Parecia-me pois conveniente abrir nas encostas, com o fim de moderar a impetuosidade das aguas, e evitando assim os rasgões que vão alvercar os campos, valas de protecção, como se faz para evitar as torrentes nos Alpes.

Aconselha-se para isso o emprego de dragas, como se está fazendo no Guadalquivir, com o fim de abrir no leito do rio um canal por onde a circulação dos barcos se pudesse fazer no verão.

Entre as obras urgentes a executar encontram-se os dois diques que citei.

O dique da Senhora das Dores, pela sua posição, soffre na testa escavações profundas e choques violentos devidos ás correntes; de forma que parte do seu soleiramento se encontra já em más condições.

As ultimas cheias produziram-lhe alguns estragos, que reparados a tempo nada são e pouco dinheiro custam, mas que, abandonados, são o inicio de ruinas graves não só para o proprio dique, mas para os campos, o que é peor, pois toda a Camara sabe os desastres e as perdas colossaes que teem resultado, quando teem rebentado obras em identicas circumstancias; toda a Camara sabe o que succedeu com o dique dos Vinte em 1895.

Tive já a honra de apresentar a S. Exa. o Ministro das Obras Publicas uma representação assignada pela Camara Municipal da Gollegã e pelos 40 maiores contribuintes, pedindo reparações urgentes no dique dos Vinte, que se encontra, num estado deploravel, e mesmo perigoso, devido á enorme cheia de 1895 e seguintes.

Um novo officio tenho presente em que a Camara renova esse pedido.

Entre os pedidos justos, este occupa o primeiro logar.

Desde o grande rombo de 1895 começaram as reparações, mas até hoje pouco ou nada se tem feito.

Tem havido reparações é certo, mas reparações, que mais parecem brinquedos de criança do que trabalhos onde toda a attenção e todo o cuidado é pouco.

Não porque o pessoal, que dirige essas obras, não seja o mais habil e competente. É o decerto.

Mas que pode a sciencia, a boa vontade, e o desejo de ser util, se para essas reparações se não dá o que os orçamentos indicam?

O orçamento dos estragos das cheias de 30 de junho de 1897, approvado por officio de 30 de janeiro de 1898, foi de 5:800$000 réis, mas só foi dado 1:000$000 réis.

O dos estragos de 1898, fui orçado em 311$000 réis, e o de 1900 em 2:680$000 réis, mas d'esses nada se deu.

Ora assim os estragos continuam de dia para dia, e o que se faz hoje com 6:000$000 réis, talvez com uma nova cheia custe dezenas d'elles.

Comtudo o peor não é ainda o dique; são os campos.

Pois o estoque da agua que passa por este rombo vae rasgando-os em extensões enormes, cavando, destruindo terrenos que davam optimo trigo; cobrindo por fim tudo de areias. E o que era outr'ora terreno de optimas culturas, são hoje areias estereis, que progridem de anno para anno, causando prejuizos, não de dezenas de contos, mas de muitas e muitas centenas. (Apoiados).

São ainda as communicações da Chamusca e da Gollegã interrompidas, pois não ha outro meio de communicação, durante o inverno, senão esse dique.

São finalmente as victimas que essa povoação paga todos os annos ao Tejo, porque se é obrigado a ir á comarca, sempre que para isso se intimado. E essas diga a Camara com que dinheiro se pagam.

E pedindo desculpa á Camara do tempo que lhe tomei, concluo, esperando que o Governo providenceie energica e urgentemente no sentido das minhas reclamações, que são as de todos os habitantes do circulo que tenho a honra de representar, fiando-me para isso, não na auctoridade da minha palavra, que é nulla, mas na justiça das minhas reclamações.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que pediram a palavra e tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. me diga se já chegavam os documentos que pedi pelo Ministerio das Obras Publicas.

O Sr. Presidente: - Ainda não chegaram.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa. me diga se já estão na mesa os documentos que pedi pelos Ministerios das Obras Publicas e da Fazenda.

O Sr. Presidente: - Já instei duas vezes por elles, mas ainda não chegaram.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa. que insista de novo por elles, e agradeço lh'o muito gratamente.

O Sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa uma representação da Liga das Artes Graphicas da cidade do Porto, e peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se consente a sua publicação no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

( Vae por extracto no fim da sessão).

O Sr. João de Mello Vasconcellos: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra acêrca da renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 14-C, de 1899, que tem por fim contar, para os effeitos da aposentação, aos presbyteros Antonio Coelho Ferreira Carreira e Antonio José Morão o tempo que serviram como professores de ensino primario.

Foi a imprimir.

O Sr. Frederico Ramirez: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro com a maior urgencia me sejam enviados pelo Ministerio da Marinha os documentos seguintes:

1.° Nota do rendimento das armações de sardinha "Barra da Fuzeta" e "Armona" desde maio de 1900 e em igual periodo de 1901;

2.° Rendimento da armação "Vergões", nos meses de julho e agosto de 1901;

3 ° Rendimento da armação de atum " Bias" na temporada de direito e na de revés, separadamente, de 1901;

4.° Se o concessionario da armação de sardinhas "Barra da Fuzeta" mantem ou já abandonou o local;

5.° Qual o rendimento da armação de "Amena", desde agosto de 1901 a fevereiro de 1902;

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SESSÃO N.º 30 DE 8 DE MARÇO DE 1902 7

6.° A que distancia fica a armação dos " Vergões " do novo local pedido pela empresa concessionaria de "Bias";

7.º Copia da acta da sessão da commissão local de pescarias em Olhão em que deu parecer sobre o desvio pedido "Bias";

8.° Copia de parecer sobre o mesmo assumpto da commissão departamental de Faro;

9.° Copia do parecer ainda sobre o mesmo assumpto da commissão central de pescarias. = O Deputado, Frederico Ramirez.

Mandou-se expedir.

O Sr. Antonio Centeno: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Tenho a honra de participar a V. Exa. que desejava interrogar S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre a exploração das obras do porto de Lisboa. - Antonio Centeno.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 12, Orçamento Geral do Estado na metropole para o anno de 1902-1903

O Sr. Anselmo Vieira: - Sr. Presidente: as homenagens da minha superior consideração, e nellas envolvo os meus cumprimentos pelo seu discurso, ao illustre Deputado que me precedeu, Sr. Luiz José Dias, que tão justamente disfructa vivas sympathias nesta Camara pelo seu caracter bonissimo e pelo seu espirito lhano. (Apoiados).

Cabe-me tambem cumprimentar o Governo pelo elogio que o illustre Deputado Sr. Luiz José Dias acaba de lhe fazer, que maior encomio eu não poderia encontrar, nem melhor justificação para o Orçamento Geral do Estado, do que a justificação e o encomio que S. Exa. lhe fez.

De feito, quando um adversario politico com as faculdades intellectuaes do S. Exa., com os seus vastos e valiosos recursos para discutir estes assumptos (Apoiados), com os conhecimentos particulares e profundos que S. Exa. incontestavelmente possue sobre o Orçamento, que ha largos annos estuda, analysa, aprecia e discute tão brilhante e proficientemente; quando um tal adversario apenas encontra motivo para as suas apostrophes mais acerbas, para as suas accusações mais graves, para o seu ataque mais rude, num simples erro typographico; quando semelhante facto occorre, e d'elle se forma a base, o plintho para a discussão de diploma tão importante, prova-se exuberantemente que S. Exa. estudou verba a verba o Orçamento, e que nossa investigação benedictina somente conseguiu colher um erro typographico, unica cousa digna de reparo e censura que foi encontrada. (Apoiados).

E eis tudo quanto o illustre Deputado Sr. Luiz José Dias fez ao discutir o Orçamento, alem de umas affirmações genericas, que S. Exa. produziu, e a que terei a honra de responder.

Realmente, eu esperava, quando vi o illustre Deputado inscrever-se para entrar neste debate, que S. Exa. viria aqui fazer uma verdadeira exegese de numeros, para explicar os graves erros que, no dizer da opposição, o Orçamento encerra, e, assim aprestado, formularia rubras accusações conta o Governo.

Antevi um d'aquelles discursos tão caracteristicos de S. Exa., prenhe de cerrada argumentação, irisado de notas alegres, que o seu espirito vivaz sabe pôr, em todas as suas orações, e esmaltado de citações latinas, que a erudição humanista do illustre Deputado lhe propina sempre tão a proposito no rendimento. (Apoiados).

E quando S. Exa. chegou áquella tectrica passagem da diminuição dos Caminhos de Ferro do Estado que, por virtude de um nefando erro typographico, a queda infeliz de um 7, passaram a render de 700:000$000 réis somente 50:000$000 réis; quando S. Exa.a, vigoroso e facundo, verberou com a vehemencia da sua palavra o medonho descalabro das finanças do Estado, de tal sorte assustador que só nas receitas dos Caminhos de Ferro se haviam perdido 700:000$000 réis - terrifico symtema de profunda depressão economica - então, creia-o a Camara, eu esperei que pelo menos nessa altura reboasse na sala uma apostrophe latina, grave e sentenciosa, como tanto convinha á gravidade do caso.

Por momentos pareceu-me que ia cair dos labios do illustrado orador áquella maguada exclamação que Virgilio põe na boca do tão conhecido pae Eneas ao narrar á Rainha de Carthago os seus infortunios - quis, fando talia, temperei a lacrymis! (Apoiados).

Mas nem então refulgiu em todo o seu brilho o bello espirito do Sr. Luiz José Dias. S. Exa., forçado a aproveitar até os erros typographicos, á falta de cousa melhor para verberar o Governo (Apoiados), sentia-se bisonho, confrangido, não estava á vontade, não era o mesmo que sempre costuma ser. (Apoiados). Tanto é o poder da consciencia! (Apoiados).

De tal forma estava S. Exa. sob o imperio da propria consciencia, que até se esqueceu da nossa historia contemporanea, quando affirmou não conhecer, desde a invasão de Junot até o presente, maior Baque ao país do que aquelle que está praticando o actual Governo. Ora veja a Camara! Como o illustre Deputado obliterou da sua memoria recentes acontecimentos! Então, como deveremos nós classificar aquelle horrivel saque, occorrido ahi já ao desabar do seculo passado, em que até umas miseras 72:000 virgens foram submettidas á tortura! (Apoiados). Como reproduzir pela palavra esse horrendo saque, ao qual não lograram escapar tão delicadas e frageis victimas! Eu bem sei que mais tarde as mesquinhas voltaram ao patrio poder; mas a feia acção já se tinha commettido, o nefando attentado chegou a perpetrar-se. (Risos e apoiados).

Verdade seja que em todo o discurso do illustre Deputado houve apenas uma passagem, em que S. Exa. julgou dever garantir á Camara que era inteiramente sincero: foi quando implorou a misericordia divina, para que derrubasse o Ministerio, a fim de que venha o partido progressista, com as suas reformas politicas, trazer á patria dias de larga prosperidade e ventura. Então, e só então, é que S. Exa. foi sincero; garantiu-o á Camara. Assim confessou implicitamente que o restante do seu discurso fôra pronunciado apenas no cumprimento do dever de disciplina partidaria, que obriga a accusar o Governo; mas uma tal accusação, á mingua de corpo de delicto, não era sincera, porque era officiosa, á semelhança da que nos tribunaes têem de fazer por vezes os promotores de justiça. (Apoiados).

E fora d'isto o que fica do discurso do Sr. Luiz José Dias?

A accusação vaga, generica, contra a existencia do deficit, o ataque ao successivo augmento de despesas, a proclamação, a eterna proclamação das economias, e a affirmação categorica que o partido progressista, quando for ao poder, fará reformas politicas, para guarecer os males economicos e financeiros do país.

Ora vejamos summariamente cada uma d'essas syntheses, em que se pode compendiar todo o largo discurso do Sr. Luiz José Dias.

Sr. Presidente: eu tenho ouvido chamar ao deficit uma instituição nacional, e parece-me dever chamar-se-lhe antes uma instituição universal (Apoiados), porque não ha país algum do mundo que não tenha tido quasi constantemente deficit nos seus orçamentos.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - A Suissa não teve deficit no anno passado.

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O Orador: - É certo; nem a Hollanda, nem o Japão, nem a Dinamarca, etc Pode não ter havido deficit num ou noutro anno, neste ou naquelle país, mas tal facto, na sythense geral de evolução financeira dos povos, tem constituido uma excepção. Tambem nós, na gerencia do partido regenerador, em 1893-1894, tivemos um deficit real, verdadeiro, apenas de 74:000$000 réis; isto é, pode dizer-se que não tivemos deficit. Esse facto, porem, constituiu uma excepção, como excepção foram os saldos dos annos economicos de 1874-1875, 1875-1876 e 1876-1877.

O deficit não é uma caracteristica especial do nosso orçamento, porque o teem em regra, diversos povos em seus orçamentos que teem engordado ininterruptamente, de sorte que, em toda a parte, a progressão das despesas excedo a da população e a da riqueza. Assim, neste momento, o encargo fiscal para todos os cidadãos, quer da velha Europa, quer da moderna America, quer de alguns povos da Asia, como o Japão, é infinitamente mais pesado do que o era ainda ha poucos annos. Qual a causa d'este phenomeno, que se observa na Allemanha ou na França, na Suissa ou na Austria, na Belgica ou na Hollanda e até por vezes nos Estados Unidos ou na propria Inglaterra?

Este facto provém quer do suffragio popular, universal ou censitario, quer da multiplicação de funcções consignadas ao Estado nas sociedades modernas. (Apoiados). As volições sociaes cada vez mais exigentes, numa evolução constante e rapida, levam os Governos de todos os países a successivas reformas dos seus organismos funccionaes, e d'aqui o augmento de despesas e a consequente necessidade do incremento de receitas. (Apoiados).

Seria curioso observar este phenomeno em todos os Estudos modernos, se este logar se prestasse a semelhante analyse; mas a Camara pode observa-lo em brevissimo escorço, se attentar no alargamento dos orçamentos quer da França, desde fins do seculo XVIII, quer da Inglaterra desde o expirar do seculo XVII, quer da Allemanha, depois da guerra franco-prussiana, quer da Italia, depois de unificada, quer da Russia, depois das grandes reformas de Alexandre II, em 1861, quer dos Estados Unidos da America do Norte, depois do periodo tormentoso da guerra da separação (1861-1865).

Em todos, absolutamente em todos, se verifica esta luta, cada vez maior, entre a necessidade e tambem a facilidade de effectuar o augmentar despesas, e a difficuldade de procurar e adquirir recursos correspondentes, para occorrer a novos encargos.

Raros teem sido os parlamentos do mundo que teem opposto um dique a essa vertigem de augmentar despesas (Apoiados), e á excepção de alguns exemplos que offerece o Reitschag, defendendo com rara energia contra as investidas de Bismarck a bolsa do contribuinte, mas nitida assim acabando sempre por ceder, eu não me recordo, neste momento, de mais nenhum, que assim tenha procedido.

Por um conjuncto de circuinstancias communs a todos os povos, nos respectivos orçamentos figuram, com mais avultadas quantias pelo quo toca ás desposas, os capitulos referentes aos Ministerios da Guerra e Marinha, e aos encargos da divida. E no augmento da frota de guerra, como na manutenção de maiores effectivos, aperfeiçoamanto de material e acquisição de melhor equipamento, que todos os Estados consomem uma elevada percentagem dos seus redditos, e é interessante observar-se que todos os parlamentos votam, sem grandes preoccupações, sommas avultadas para as despesas d'aquelles dois Ministerios.

Desde que a idéa da grandeza da patria se ligou intimamente á grandeza do exercito - e assim é realmente - porque o que torna hoje um subdito allemão respeitado em todo o mundo é a força e o prestigio das armas prussianas (Apoiados); desde que os povos não encontraram por emquanto o seu centro de gravidade social - deixe-me a Camara exprimir assim -; desde que a luta tem ainda o seu ponto do apoio na força, o exercito, grande e aperfeiçoado, constituo uma cellula indispensavel no organismo social.

Bismarck, quando defrontava mais seria resistencia no Parlamento, em lhe votar creditos para a guerra e marinha, agitava aos olhos da Allemanha o espectro de uma guerra com o estrangeiro, e assim alcançava o que pretendia. Foi d'esta sorte que a percentagem das despesas naquelles dois Ministerios se tornou incomparavelmente superior ás dos restantes.

Na Inglaterra observa-se o mesmo phenomeno, ha muitos annos, e de um modo assombroso ultimamente, depois que ella iniciou o grande drama da Africa do Sul. O Parlamento Britannico, quer a Camara dos Communs, quer a Camara dos Lords, vota com enthusiasmo quasi louco successivos creditos para despesas de guerra, e d'este modo vemos que o Orçamento inglês, para 1900-1901, inscreveu no Ministerio da Guerra um total de 61.000:000 libras, ou seja, cambio ao par, 274.500:000$000 réis, e 110 da Marinha 28.000:000 libras, ou seja 126.000:000$000 réis, isto é, um total de 89.000:000 libras, ou sejam réis 400.500:000$000 réis, quando ainda em 1898-1899 as despesas com o Ministerio da Guerra eram 20.000:000 libras, 90.000:000$000 réis, e as do Ministerio da Marinha 24.000:000, 108.000:000$000 réis. A Inglaterra, portanto, augmentou nestes dois Ministerios, em dois annos, 302.500:000$000 réis.

Tambem por circumstancias quasi identicas para todos os povos, o capitulo das dividas do Estado representa grandes encargos nos respectivos orçamentos; mas ainda aqui a divida publica é devida, em grande parte, a encargos da guerra, como por exemplo, na França e na Russia; noutros, ou melhor, em todos, resulta tambem do desenvolvimento social, que impõe a realização dos chamados melhoramentos materiaes: caminhos de ferro, estradas, emfim, toda esta extraordinaria transformação que soffreram e estão soffrendo os povos ao impulso da civilização hodierna. (Vozes: - Muito bem).

A tão impetuosa corrente nem escapam os povos que muito recentemente entraram no caminho da civilização moderna, como o Japão, por exemplo. Com um deficit de cerca de 4.000:000$000 réis em 1899-1900, com um crescente augmento de despesas, resultantes em grande parte da guerra com a China, o Japão, que em 1895-1896 tinha receitas na importancia approximada de 55.000:000$000 réis, teve, no exercicio que fechou em 31 de março de 1901, despesas no valor do 128.000:000$000 réis; isto é, augmentou consideravelmente os seus encargos, e d'aqui a necessidade de recorrer ao aggravamento tributario.

Só por esta forma o Japão pude pôr em pratica o vasto programma de sua extraordinaria expansão, tanto nos exercitos de terra e mar, como em outros melhoramentos internos, de que fala o relatorio do Ministro das Finanças, Conde Matsukata Masayoshi, e entre os quaes se distinguem a adaptação dos rios ao serviço de navegação, a colonização de Hok-Kaido, o estabelecimento da Universidade Imperial de Tokio, a instituição de granjas para o ensino agricola, o lançamento de vias ferreas, em resumo toda a sua grande transformação social.

Em toda a parte, na velha Europa, na moderna America ou nos recentes estados asiaticos, os povos vão des crevendo a mesma trajectoria, que implica augmento de despesas, e conseguintemente o aggravamento de tributação, o recurso ao credito, comtanto que melhor possam avançar, progredir, desenvolverem-se nesta evolução quasi phantastica, que é o caracteristico das sociedades modernas.

Ora Portugal não podia, nem devia, ficar isolado no meio d'esta agitação, immobilizado em presença d'esta actividade excepcional que tem as mesmas causas - exi-

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gencias da civilização, - e os mesmos effeitos - aggravamento de encargos para o contribuinte.

Mas se assim é, e é, esta escala progressiva ha de naturalmente ter um fim.

Tem por certo, e quem attentar no que se passa no annos das actuaes sociedades, não poderá deixar de reflectir nas affirmações, que se nos afiguram ousadas, dos mais avançados sociologos e economistas, e de pensar se de facto uma revolução se estará preparando, mais tremenda, do que aquella com que fechou o seculo XVIII, porque então apenas se pôs á prova de sangue a liberdade civil e politica, emquanto que a nova revolução talvez tenha de submetter a propriedade, atagantada pelas razzias do fisco, contundida pela pressão do imposto, á prova de dynamite.

Sr. Presidente: ou não pretendo com semelhante criterio desculpar erros que tenha havido na administração financeira do país; mas julgo ter provado que os augmentos de despesas são em toda a parte uma consequencia da civilização actual. (Vozes, muito bem - Apoiados). E outros maiores augmentos de despesas teremos ainda de effectuar, se não quisermos ficar inertes, retardados, na marcha triumphal dos povos, porque hoje, mais do que nunca, parar é morrer. (Apoiados).

Ora Portugal só num ponto se afastou dos demais povos, e já vamos ver a quem pertence principalmente essa responsabilidade.

Temos tido crises mais ou menos violentas, e sobretudo tivemos a crise de 1891 intensissima, cujas consequencias ainda estamos sentindo amarissimamente. Essa crise, diz-se, resultou de erros economicos e de erros financeiros, e só a isso se deve a situação em que nos encontramos. Ora, crises resultantes de erros economicos e de erros financeiros, e tambem de circumstancias varias, a que é estranha completamente a acção e direcção dos dos Governos - porque importa não esquecer que para a nossa crise de 1891- concorreram energicas correntes exteriores, originadas na situação geral da Europa (apoiados); - crises similares teem - nas tido todos os povos do mundo, até os mais ricos. (Apoiados).

O que determinou a crise dos Estados Unidos de 1893-1896, tão grande que ella é inteiramente comparavel á maior crise por que tem passado aquelle povo - a de 1837,- aquelle povo tão rico, tão industrial, onde as grandes fortunas se fazem na rutilação de um relampago, e onde tambem ás vezes desapparecem como as espumas que a onda forma e no mar se desfazem?

Foram tambem erros economicos - o alargamento da cunhagem da prata e a questão do bimetallismo, - e erros financeiros - por exemplo, a tarifa Wilson. (Apoiados).

Eu poderia, Sr. Presidente, referir-me agora á Inglaterra, e analysar a crise de 1890; á França - a nação typo da épargne, e ver a que deveu ella as suas crises de 1857, 1864, 1870 e 1882; á Allemanha, e descrever o que neste momento por lá se está passando, naquella luta titanica, que resulta do conflicto de interesses antagonicos, da drenagem do capital para as grandes explorações industriaes, que augmentaram assombrosamente a producção allemã, para a qual não ha mercados. Poderia fazer isto, se não estivesse convencido de que a Camara sabe perfeitamente que Portugal neste capitulo da sua historia está inteiramente ao lado de todos ou quasi todos os povos europeus. (Apoiados). Só ha um ponto, como disse ha pouco, em que Portugal se desviou completamente dos demais países: - foi em não ter estudado e posto em pratica um plano financeiro, amplo, rasgado e profundo, que remodelasse o nosso regime fiscal, lançando-o em bases novas. (Apoiados). Mas vamos ver a quem pertence a maior responsabilidade d'este facto.

O desastre de 1891, que nos foi ensinamento para melhorarmos a nossa vida economica, porque não ha duvida que a riqueza do país augmentou ao impulso do regime proteccionista, embora imperfeito, devia-nos ter sido lição saluberrima tambem para entrarmos de vez no trabalho, arduo por certo; mas utilissimo e pratico, da reorganização das finanças.

Todos os factos attestam a expansão da economia nacional. (Apoiados). Basta olhar para a estatistica, confrontá-la com as dos ultimos annos, e assim se verificará o augmento do nosso commercio, tanto com os diversos países, como com as colonias, o maior movimento dos nossos caminhos de ferro e dos nossos portos, a crescente receita da nossa circulação postal e telegraphica, o consumo da hulha, consequencia do incremento fabril e da expansão industrial, maior extracção de ferro das nossas minas, as companhias e sociedades anonymas que se teem constituido com capitaes portugueses, a elevada somma de descontos das instituições bancarias, como symptoma do maior circulação do capital, de onde tom resultado o estado de prosperidade d'esses estabelecimentos, como o provam os dividendos que distribuem, o numero de patentes de invenção de industrias ou de introducção de novas industrias concedidas pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, emfim, todo um conjunto de factores economicos, que diariamente se offerecem á nossa ponderação, e que significam inilludivelmente a melhoria da vida economica do país. (Apoiados). O que não procurámos fui melhorar a situação financeira, como deviamos ter feito (Apoiados), seguindo um caminho recto e superiormente traçado.

Ora, em parte, iniciamos esse caminho. O Ministerio regenerador de 1893 deixou nos annaes da nossa vida politica algumas paginas brilhantes, porque traduzem um alto espirito administrativo e uma rigorosa comprehensão da conducta, que deveriamos ter seguido, se quisessemos caminhar pela estrada da vida nova, tão reclamada nos ultimos annos. (Apoiados).

Com effeito, o deficit real da gerencia de 1893-1894, foi de 74:000$000 réis, o de 1894-1895 foi de 175:000$000 réis, mas logo na gerencia de 1895-1896 se elevou a 1.449:000$000 réis, e d'ahi por deante o deficit cresceu, corporizou-se até chegar a 10.658:000$000 réis em 1896-1897. Foi como que uma reversão atavica ou uma força incoercivel da tradicção. E d'esta sorte tem o Estado exhaurido ao nosso meio economico capitaes que antes se deveriam ter derivado para empresas industriaes, e sobretudo para a indispensavel expansão agricola, que tem de ser necessariamente o fundamento sobre que ha de assentar o desafogo e bem estar economico do país. (Apoiados).

Sr. Presidente, eu procuro ser imparcial, analysando tão graves assumptos, e comprehendo que necessidades inadiaveis reclamaram grandes augmentos de despesa nos annos de 1897 e 1898.

Tivemos as guerras de Africa, onde, é certo, se affirmou o valor do exercito português, mas onde tambem se gastaram alguns milhares de contos de réis. Não ignoro que a elevação do agio do ouro importou pesados encargos para o Estado, e que só agora começamos a colher os beneficios do regime de protecção á agricultura, em que felizmente todos os Governos seguiram sem soluções de continuidade.

E não é por mero capricho de phrase que eu accentuo a circumstancia de terem seguido todos os Governos um regime de protecção á agricultura, porque um dos nossos grandes males tom sido a instabilidade dos serviços. Sei tambem que as condições da praça eram de ordem a soffrerem dolorosamente o influxo de circumstancias especiaes, que actuavam no mundo financeiro, perturbado pela crise da America do Norte, pela situação do Brasil, pela crise da praça de Londres, em 1890, e ainda pela grande affluencia de capitaes á Republica Argentina numa doida especulação de juros elevados.

Não ignoro isso, e sei que tudo isso teve um reflexo em Portugal. Mas era dever do Governo, então, lançar-se no

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caminho que tinha sido iniciado pelo Ministerio regenerador, e estudar o realizar um plano financeiro completo, para procurar ir colher receitas, onde ellas se devem ir haurir, alliviando até alguns elementos de producção que, pela desigualdade do imposto, morrem asphyxiados sob a pressão fiscal. Está na vanguarda d'estes elementos a agricultura, para cuja prosperidade é mister proceder-se a uma remodelação no systema de impostos.

Eu tenho a firme convicção, resultante dos meus estudos, do que uma remodela-lo methodica, scientifica, alheia a intuitos do partidarismo estreito, do nosso regime fiscal, dará alguns milhares de contos de réis ao Thesouro, alliviando-se muito contribuinte, que realmente, no regime actual, difficilmente pode pagar as suas contribuições. Parece paradoxal esta asserção, mas eu filio-a em rigorosos trabalhos, e sinto que o logar não seja apropriado para demonstrar o meu pensamento. Levar-nos-hia isso a uma dissertação, em tudo deslocada agora.

Ao invés de seguir este caminho, o Ministerio progressista proferiu as soluções faceis dos addiccionaes provisorios, que acabam sempre por se tornar definitivos, sem attentar a que por essa forma não remediava o mal, que já era profundo, e aggravava intensamente a situação d'aquelles para quem o imposto se transformara em onus insupportavel. (Apoiados).

O Governo, então, visou somente a ir vivendo, sem querer olhar alem do estreito horizonte que se tinha prescripto, preoccupado com a inteireza dos immortaes principios, que o partido progressista pretendeu, e pretende ainda, consubstanciar nas suas reformas politicas. A situação financeira, portanto, aggravou-se, porque o Governo não quis encarar de frente o problema que se lhe offerecia.

E o momento opportuno era esse. Serenadas as lutas coloniaes, affirmado inconcussamente a nossa auctoridade e prestigio naquelle rincão de terra, que é a nossa melhor garantia de nação livre, restava olharmos a serio e serenamente para a questão financeira, e estudar um plano de finanças adaptavel ás necessidades e condições da nossa vida.

E o momento opportuno era esse precisamente, quando o Governo por difficuldades do Thesouro teve de recorrer á venda de papeis de credito. Note a Camara que eu não alludo a esto facto, para fazer quaesquer recriminações.

É facil censurar, quando se está fora do poder, mas quando se está de dentro é que melhor se sentem as tormentas a que está exposta a nau do Estado. Mas se as difficuldades eram grandes, e foram-no realmente, tanto maior era o dever que ao Governo se impunha de remodelar o nosso regime de imposto e adoptar um vasto plano financeiro.

Já nessa epoca tinha o Governo progressista, alem das necessidades internas que para ahi o impelliam, o exemplo de quasi todas as nações europeias, que á remodelação de seus systemas de finanças e á transformação da sua legislação fiscal haviam consagrado os melhores esforços, quer no sentido de alliviar algumas contribuições que por desiguaes eram onerosissimas para o pequeno contribuinte, quer no intuito de colher, alargando a materia collectavel, mais avultados redditos para o Thesouro.

Já a Suecia tinha feito uma reforma no seu systema fiscal - imposto Bevillningnen - em 1892; a Prussia pela lei de 14 de julho de 1893 transformara os seus im postos; a Italia, reconhecendo que as reformas de 1894, que só procuraram augmento de receitas pelo aggravamento das taxas dos impostos existentes, discuto as reformas do Ministro Branca; a Hollanda, em 1893, levada pela vigorosa intelligencia de Pierson, financeiro tão habil quanto notavel economista, procura igualmente augmentar as suas receitas por uma melhor distribuição do imposto; a Austria, pela lei de outubro de 1896, que começou a vigorar em 1 de janeiro de 1898, segue o mesmo caminho de remodelar velhos processos fiscaes, para que o imposto vá seguindo as phases e vicissitudes da economia geral: e só Portugal fica amarrado a derelictas usanças, aos addicionaes que a tradicção recommendava, sem se aperceber de que era preciso mudar de orientação, á semelhança do que estavam praticando os demais Estados europeus, que ao imposto teem dado um caracter nitidamente social, conforme ás necessidades e condições da epoca em que vivemos.

Portanto, as responsabilidades da situação financeira do país, por não ser mais desafogada, pertencem muito principalmente ao partido progressista, como á sua conta deve lançar-se o melhor quinhão da culpa de vivermos ainda sob um regime do imposto anarchico o anti-economico. (Apoiados).

Vejamos agora o que são as economias reclamadas pela opposição, por essa opposição que, quando esteve no Governo, não se lembrou de economizar, e a tal ponto aggravou as despesas, que alguns Ministros d'esse tempo teem vindo a esta Camara penitenciar-se por terem augmentado os encargos do Thesouro.

Sr. Presidente, o pregão das economias é, em regra, a divisa inscripta no labaro de todas as opposições politicas nos Estados modernos. (Apoiados). Todos os partidos que aspiram a formar governo reclamam, a berros, economias. Todas as facções que se constituem com a esperança de alcançarem um dia o poder, insculpem logo na fachada do seu programma a velha formula vaga das economias. (Apoiados).

É isto de todos os países, ensina-o a historia politica de todas as nações, que teem o regime representativo. Mas tambem a historia politica ensina que as opposições, quando chegam ao poder, esquecem depressa a synthese do seu programma, a formula singela, mas suggestiva e sonora, das economias. (Apoiados). Esquecem, e são fatalmente levadas a esquecer; por que a soberania popular impõe-se-lhes em sentido contrario.

E aqui está porque eu disse ha pouco que o suffragio é uma das causas do augmento de desposas nos países do systema representativo. O povo soberano quer ser tratado como tal; exige despesas que não teria a pretenção de reclamar, se elle não fosse senhor e rei (Apoiados). Quando o poder residia todo no Principe, nas velhas monarchias, os aulicos de então, que formavam o Governo por delegação do Monarcha, só tinham de attender ás exigencias, e aos caprichos até, se caprichos elle tinha, do Principe reinante. Hoje, porem, cada cidadão é uma parte do poder, pelo menos em theoria, e este principio theorico dá na pratica a satisfação das exigencias e dos caprichos do moderno senhor. Ora taes caprichos e exigencias reflectem-se nos orçamentos, que é mister serem augmentados, para se occorrer ás despesas indispensaveis á manutenção da soberania popular. E haverá ainda quem duvide de que este successivo augmento de despesas, accusado por todos os orçamentos dos países democraticos, está em parte no suffragio?!

Quando se constitue um Governo, formado por aquelles que mais energicamente reclamaram economias, vão ás vezes animado do firmissimo desejo de realizar o seu programma, na apparencia muito singello. O peor, porem, é que se transpira que a execução do tal programma das economias vae ferir esta ou aquella classe, esta ou aquella população, o Governo vê-se por tal forma opprimido, que tem de transigir, para não cair na impopularidade e não desmerecer da benevolencia do povo soberano ou de quem o representa, porque tem de lhe dar votos. Este facto repete-se em toda a parte, e eu, porque não pretendo ferir nenhum dos partidos do meu país, referirei apenas um facto occorrido lá fora, para adensar, num exemplo, o que acabo de affirmar.

Quando, após o desastre de 1870, a França se encontrou naquella situação afflictissima, que a Camara melhor

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do que eu conhece, situação em que de feito a velha formula das economias surgiu como uma necessidade inelutavel, foi apresentada á Assembléa Nacional, por alguns Deputados, uma proposta de lei para que os serviços publicos fossem revistos, supprimidos empregos, diminuidos alguns vencimentos que eram reputados excessivos; emfim, tratava-se de ver se se punha em pratica o tal programma das economias.

Foi nomeada uma commissão de 45 membros, que, se bem me recordo, se subdividiu em varias sub-commissões, cada uma das quaes deveria estudar em especial a organização e serviços de um Ministerio. Successivamente foram apresentados ao Parlamento, nos annos de 1871, 1872, 1873, 1874 e 1875, os diversos relatorios, propondo as reclamadas economias. Se a memoria me não atraiçoa, parece-me até que o relatorio referente ao Ministerio do Interior, apresentado na sessão de 1872, concluia pedindo, entre outras cousas, a suppressão de um grande numero de conselhos de prefeitura e não sei se tambem uma nova divisão administrativa, para que fossem supprimidos alguns departamentos.

Pois, apesar da situação que a França atravessava, as reformas nunca se effectuaram. Mas ha mais.

Em 1884 foi apresentado, tambem ao Parlamento Francês, por alguns Deputados da minoria conservadora um plano de economias intitulado: Reformas a introduzir no Orçamento do Estado e na contabilidade publica. Esse projecto propunha grandes reducções nos serviços publicos sem os alterar profundamente. É realmente um plano muito estudado, com uma orientação segura. Encontra-se num pequeno trabalho do conde Luçay. Pois a maioria republicana nem sequer admittiu a proposta á discussão.

É que ha reformas que só se podem realizar, se os partidos combatentes estão de acordo, ou depois de uma revolução triumphante. Evidentemente nos serviços publicos poderiamos fazer algumas economias; mas desde que ellas fossem ferir corporações, individuos ou populações, seriam ephemeras, porque a opposição, para conquistar as sympathias do povo soberano, prometteria immediatamente restituir tudo ao statu quo, logo que constituisse Governo.

Imaginemos, por hypothese, que qualquer Ministerio se propunha alterar a divisão administrativa do país, pouco justificavel hoje com a facilidade de communicações de que dispomos, e que tão intimamente ligam os povos. Em verdade, não me parece que fosse inteiramente fora de proposito supprimir alguns districtos. A actual divisão districtal seria excellente em 1846; hoje afigura-se me que temos districtos de mais. Pois se tal facto se desse, se um Governo intentasse supprimir o districto A, B ou C, a opposição, para grangear as sympathias d'essas populações, prometteria logo solemnemente que restituira o districto supprimido. O povo soberano queria-o, e era o bastante.

Por igual forma aconteceria, se se pensasse em supprimir alguns lyceus. Eu penso que temos lyceus de mais, que só sorvem para que nos vejamos a braços, dentro de pouco, com uma legião de proletarios intellectuaes. Sou de opinião que se deveriam supprimir alguns, não para que se fizessem economias com essas suppressões, mas para que se dotassem os restantes lyceus com bom mate rial de ensino, que não teem, e se custeassem devidamente. (Apoiados).

Em logar de lyceus parece-me que seria mais util instituirmos escolas de ensino profissional, mas convenientemente montadas. (Apoiados).

Modificações d'esta ordem nos serviços publicos só se fazem, se os partidos que se revesam no poder estão de acordo. De contrario, é fazer hoje, para se desfazer amanhã. (Apoiados).

E, devo declará-lo á Camara, eu já tive na actual sessão ensejo de pensar que chegariamos a esse acordo; já antevi que poderiamos seguir por esse caminho, e tive então, sinceramente o confesso, um momento de verdadeiro prazer. Foi quando ouvi o discurso do Sr. Conselheiro José Maria de Alpoim, que veiu aqui trazer-nos o cantico da paz.

Escutei o discurso do illustre Deputado Sr. Conselheiro Alpoim com a admiração que a todos impõe a apojadura d'aquella palavra bella, com a religiosidade que merece tão primoroso orador e até com o respeito devido a S. Exa. pela posição brilhante que occupa no país o no seu partido, posição aliás muito justa, porque resulta do caracter honesto de S. Exa. e do seu honrado e indefesso trabalho, e nada ha que eu mais preze e respeite do que quem trabalha, e pelo trabalho se glorifica. (Apoiados).

Aquelle cantico de paz encantou-me. Eu sei bem o que é e o que vale este sonho de paz, que de quando em quando perpassa, como um sopro benefico, por sobre os espiritos mais delicados e exsurge de entre as cogitações de humanitarios philosophos. Eu sei o que vale essa velha utopia da paz, quer ella seja apregoada a um povo, para que termine suas dissenções intestinas, quer seja evangelizada a humanidade, para que os povos vivam e se amem na dulcissima communhão do amor universal e da universal ternura.

Quem ignora quanto tem custado a utopia da paz. Até o sangue do Homem-Deus, - segundo a crença da nossa religião - já foi vertido entre os homens, para que a arvore da paz brotasse, viçosa e frondente, e a ella se abrigasse a misera humanidade. Como augusto testemunho d'essa tragedia ficaram crvstailizadas em todas as manifestações artisticas as gotas d'esse sangue precioso, rubis de uma capella de soffrimentos. - (Vozes: - Muito bem, muito bem). E, comtudo, a paz apenas entreluziu na esperança de alguns crentes, mas o homem continuou sendo, na phrase de Terencio, um lobo para o seu semelhante. Homo homini lupus.

Entretanto, d'esta vez acreditei que realmente a paz se poderia estabelecer, pois que apenas era apostolada para dois partidos políticos, cujas differenças organicas, de credo e de principios não me parecem a tal ponto sensiveis, que fosse um sonho o realizar-se essa aspiração. Mas illudi-me. Em vez da paz, que eu suspeitei que viria trazer-nos o Sr. Conselheiro Alpoim, para que os dois partidos resolvam de acordo questões que só por acordo se podem resolver, numa perfeita communhão de esforços e numa integral applicação de energias, como são todas as que concernam a assumptos economicos e á reorganização financeira do país, S. Exa. veiu pôr uma questão politica, e fez mais, assegurou a sua convicção de que o partido, em que S. Exa. milita tão brilhantemente, ha de restituir ao povo português as perdidas liberdades, e ha de com as suas reformas politicas dar aos negocios publicos uma organização, que implique a prosperidade nacional.

Esta valiosa declaração de politico tão eminente, que confere com as que os mais illustres membros do partido progressista, desde o sen respeitabilissimo chefe, teem feito, é motivo, Sr. Presidente, para séria ponderação. O partido progressista, partido da vanguarda, no momento historico em que todos os povos se entregam aturadamente á solução dos grandes problemas economicos, que são os que hoje podem e devem preoccupar gravemente os homens publicos, os estadistas de todos os paises; o partido progressista, perante a situação do país, que solicita instantemente reformas economicas e financeiras, declara solemnemente reformas politicas. E eu naturalmente, dadas as premissas verdadeiras que estabeleci, sou levado a concluir, em homenagem á logica, que esse partido confessa não poder ou não saber fazer mais nem melhor pelo que se refere a assumptos economicos (Apoiados), e assim, o partido progressista está fora do seu legitimo campo de acção; crystallizou no romantismo politico. (Apoiados).

Sr. Presidente: nas sociedades modernas, por mais que se queira dar á questão politica o primado entre as de-

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mais questões que preoccupam os espiritos reflexivos e pensadores, ella não o pode ter, e só poderá prender as attenções dos grandes estadistas, quando com a questão politica ao ligar e adjungir a capitalissima questão dos nossos tempos, a questão economica, que o mesmo é que dizer a questão social. (Apoiados.- Vozes: - Muito bem, muito bem).

Em nenhum país moderno, que tenha já transitado da forma do governo absoluto para o regime representativo, constitue hoje objecto das locubrações intellectuaes ou das grandes lutas dos seus homens publicos a subtileza casuistica de uma formula constitucional ou de um principio de direito administrativo.

As soluções que a revolução francesa deu á organização politica das sociedades, abstractas e em absoluto irrealizáveis, que fizeram as delicias dos romanticos politicos de todos os paises até mais de metade do seculo XIX, cairam perante evidencia inconcussa de que ellas são na maior parte das suas applicações meros sophismas politicos, por melhores que sejam as intenções de quem as evangeliza, e por mais fervoroso e cordial, que seja o culto que lhes vote quem por ellas se sacrifique. (Apoiados).

Não ha democracias puras, como não ha monarchias puras. Quando Luiz XIV, num arranco de orgulho que se perpetuou na Historia, ironizado por vezes ao sabor de quem de ,tal phrase quer tirar determinados effeitos, exclamou L'État c'est moi, illudia-se. O Estado era elle, mas era-o tambem toda a pleiade de grandes homens que o cercaram, Colbert á frente.

Não ha, repito, democracias puras, como não ha monarchias puras, porque a civilização, quer dizer, a synergia social, ha de ser sempre o producto de selecções, isto é, a resultante de élites das diversas classes sociaes. Da mesma sorte os parlamentos tendem a tornar-se representantes d'esses agrupamentos, perdendo assim o seu caracter abstracto, que lhes tinham querido dar os implantadores dos immortaes principios.

E é d'este conflicto entre os phenomenos de ordem economica, que agitam as sociedades, e as discussões politicas dos parlamentos, com o seu caracter abstracto de representantes do povo, que resulta a grande crise parlamentar, que em todos os paises estão atravessando estas assembléas. A prova de uma tal verdade está em que, em toda a parte, ás convulsões politicas dos parlamentos responde a atonia do respectivo país. (Apoiados).

As revoluções e ás reformas politicas mudaram as formas do Governo: a sua missão está cumprida. Por isso hoje não ha, nem pode haver, questões politicas em toda a plenitude do termo.

Havia realmente uma questão politica, palpitante e vivissima, como bellamente o diz Enrico Ferri, quando existia um ardente conflicto entre as aspirações democraticas das populações e a tyrannia dos principes. Havia a questão politica, quando os povos desarmados soffriam o jugo de despotismos internos e externos.

Mão, como se pode levantar hoje uma questão politica?

A forma actual do Governo, na Europa ou na America, é tão livre quanto o pode ser. Os Estados modernos são republicas monarchicas ou monarchias republicanas, estas ainda mais livres do que aquellas, e até de facto se pode dizer que a forma actual de governo é em toda a parte a forma republicana. (Apoiados).

Não ha questões politicas; pode haver acontecimentos politicos, mais ou menos intensos, mais ou menos importantes, mas taes acontecimentos só teem uma revibração profunda na vida social, se se ligam á solução de problemas technicos ou economicos.

É assim que a divisão dos partidos, pelo que se refere á differenciação de principios politicos, vão desapparecendo em toda a parte, torna-se quasi imperceptivel, porque as lutas politicas já não podem apaixonar ninguem. Este phenomeno dá-se em Portugal entre progressistas e regeneradores, como se dá na Inglaterra entre icighs e tories, ou em Italia entre conservadores e, progressistas, ou em Hespanha entre conservadores e liberaes, ou em França entre opportunistas e radicaes, ou nos Estados Unidos da America do Norte entre republicanos e democratas, ou na Republica Argentina entre porteni e provinciani. Por toda a parte os velhos partidos politicos tendem a fundir-se, porque desappareceu a razão primaria que os dividia. Outras aggremiações mais avançadas se teem ido formando, mas os principios desses aggrupamentos emergem de uma base economica.

Assim é que não ha hoje questões politicas, como não ha uma questão religiosa. Tambem havia, de facto, a questão religiosa, quando a religião pretendia algemar o pensamento e encerrar num circulo de ferro as investigações scientificas.

Havia a questão religiosa, quando a Igreja pretendia imporse, e impunha-se por vezes á auctoridade secular; isto é, quando se feria um duello de morte entre o poder civil e o poder theocratico, e neste caminho a Igreja dictava regras aos Governos e limitava a esphera de acção ao poder civil. Mas hoje a religião abriga se na consciencia de cada um; é um phenomeno sentimental e psycologico; resulta da fé, do sentimento, de modo de ser subjectivo da criatura, em toda a plenitude do principio de Santo Agostinho - nihil voluntarius quam religio, porque, de feito, nem a religião aspira já a pôr diques ás manifestações do pensamento, embora as mais audaciosas, nem as doutrinas materialistas podem impedir, nem impedirão jamais que a criatura humana, acossada de soffrimentos, retalhada de dores, calcinada de amarguras, vá ajoelhar livremente perante os altares, e que a alma, sedenta de confortos e de consolações, se evole e suba, suba, anhelosa de esperança, até se perder e se confundir no immenso seio do Eterno. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem, muito bem).

Bellamente o disse Pasteur na sua espiritualissima refutação a Renan : "Emquanto a ideado Infinito andar adstricta á mente humana, ha de haver sempre altares, e perante elles ha de haver sempre homens ajoelhados na reconcentrada adoração a Deusa. (Muitos apoiados).

Resta, pois, ás sociedades modernas, Sr. Presidente, a intensa, a collosal questão economica, e quando um grande facto politico as agita, é ainda ao terreno economico que a solução vae procurar-se.

Permita mo a Camara um só exemplo.

Quando em 1895 o povo dos Estados Unidos se preparava para a luta eleitoral, de onde deveria sair o novo Presidente da Confederação Republicana, não foi no campo traçado pelos partidos politicos que essa pugna se feriu. A contenda foi inteiramente derimida no terreno economico, ou, para me expressar mais propriamente, no terreno monetario.

Nem podia deixar de ser assim. A America, essencialmente positiva e pratica, que resumo em si, melhor que nenhum outro Estado, o espirito social do nosso tempo, debatia-se então, como já tive occasião de referir, com uma crise pela financeira e economica. Tinha o desequilibrio produzido depreciação do ouro, consequencia do alargamento da circulação da prata, e do enfraquecimento da reserva metallica pela drenagem do ouro; tinha uma diminuição sensivel nas receitas aduaneiras, produzida pela vigencia da tarifa Wilson; tinha um deficit, entre as receitas e as despesas do Governo, que já nosso anno de 1895 era de 140 milhões de dollars; tinha o panico na praça de New-York pela corrida dos Bancos de alguns Estados da Federação a levantarem os seus depositos nas casas bancarias da grande metropole da finança; e como logica sequencia de todos esses factos, assistia a frequentes fallencias de alguns Bancos e de algumas casas commerciaes das mais importantes.

Ora, em presença de semelhantes acontecimentos e diante

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de uma tal situação, tinha de proceder-se á eleição do Presidente da Republica. Tratava-se da primeira e mais elevada magistratura politica num país democratico. Não seria, pois, muito para surprehender que as paixões politicas se accendessem, e no campo politico se derimisse a questão.

Não succedeu, porem, assim. O povo americano não procurou o homem que fosse o mais habil politico, mas o cidadão que melhor comprehendesse a situarão economica, do país, e que, orientado nos bons principios da sã doutrina economica, pudesse prover do remedio aos males que ameaçavam a Republica. D'aqui a razão por que as lutas que precederam a eleição de Mac-Kinley, foram feridas, como já disse, num campo economico ou, se antes preferem assim, no campo monetario.

E d'esta forma se aggruparam em campos distinctos de um lado os sectarios do monometallismo, cujo nucleo principal era formado por todo o partido republicano e pela elite do alto commercio e dos grandes industriaes, que queriam, levados por um justissimo e são criterio, o equilibrio financeiro e a expansão economica da America do Norte, e de outro os defensores interessados regime do bimetallismo, e com elles todo o partido democratico. Não se agitaram questões politicas perante circumstancias tão graves, e mal cabidas, seriam ali, quando o país não carecia de reformas politicas, mas reclamava organizações economicas.

Não occorrerá agora em Portugal alguma cousa de semelhante ao que se dava então na America do Norte, estabelecidas todas as condições de relatividade?

Não é preciso um grande esforço de observação, para se verificar que ha uma tal ou qual similaridade entre a situação de Portugal, agora, e a da America, em 1895: os mesmos effeitos, embora não possamos a rigor encontrar as mesmas causas. E é em conjuntura tão seria e grave que o partido progressista faz solemnemente a declaração de que, quando for ao poder, fará reformas politicas. Exhibiu essa declaração, quando se discutiram as reformas realizadas pelo actual Ministerio em virtude das auctorizações que lhe foram dadas pelas Côrtes na sessão passada, e pela voz de todos os oradores que até agora teem discutido o Orçamento, vem ratificá-la ainda.

Sr. Presidente: eu respeito muito o illustre partido progressista; tenho por essa valorosa aggremiação de homens politicos o profundo respeito, que merece, e a elevadissima consideração, de que é digna. (Apoiados). Os seus mais distinctos elementos são intelligencias de fina tempera e caracteres honestos (Apoiados), que ao serviço do país teem empregado as suas bellas aptidões. Ao seu venerando chefe Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, que eu só de vista conheço, e ha pouco tempo ainda, consagro a homenagem de admiração, a que tem jus como uma das já raras individualidades vivas, que a meio do seculo XIX, constituiram a notavel pleiade de homens de valor, a um tempo nas letras, nas sciencias e na politica. Parece-me que, por um phenomeno inexplicavel então, houve em Portugal, como que para lhe dar um outro renascimento, um brilhante conjunto de aptidões, politicas, scientificas e litterarias.

A esse numero pertence o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro. (Apoiados). Quaesquer que sejam os problemas que a geração moderna tenha de resolver na complexa questão social, nunca poderá deixar de curvar-se respeitoso perante aquelles que procuraram soluções a outros problemas que, em devido tempo, preoccuparam os espiritos reflexivos e pensadores. Então as questões politicas constituiam objecto primás de acaloradas discussões, e os partidos politicos tinham de inscrever na fachada dos seus programmas as reformas de caracter politico. Nessa phase evolutiva da sociedade portuguesa, coube ao illustre chefe do partido progressista inconfundivel acção e brilhantissima interferencia, que a historia do nosso periodo constitucional regista, e que o país gratamente reconhece. (Apoiados). Pode ter havido erros, filhos de circumstancias varias, mas ha tambem muito de proveitoso e util, que enaltece e glorifica os nossos homens publicos mais distinctos d'esse tempo, em cujo numero é dever de justiça incluir o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro. (Muitos apoiados).

E feita esta declaração sincera e muito merecida, mais á vontade me sinto, Sr. Presidente, para analysar o que são e para que servem, neste momento historico, reformas politicas, que o partido progressista effectuará, quando for ao poder.

De feito, não se comprehende que um partido politico, que pelas suas tradições e pela sua propria constituição deve caminhar na vanguarda do movimento evolutivo da sociedade, dentro da esphera da sua acção de partido monarchico, venha propor reformas politicas, quando todas as difficuldades que nos cercam são totalmente de ordem economica e financeira. (Apoiados).

Reformas politicas para quê? Para que a Constituição não seja atropellada pelas dictaduras?

Eu não desejo reerguer nesta Camara assumpto já tão largamente discutido pelos mais prestigiosos parlamentares, na presente sessão; mas pretendo frisar tão somente que o partido progressista não pode anathematizar as dictaduras, porque ellas são o seu peccado original. (Apoiados). Se esse illustre agrupamento politico é o filho legitimo de Passos Manuel, terá de amaldiçoar a memoria do progenitor para poder execrar os dictadores. (Apoiados).

E porque tem semelhante peccado Original, á semelhança da misera humanidade, agrilhoada ao soffrimento pela gulodice do pae Adão, o partido progressista, seguindo a fatalidade da sua genese, tem commettido, e continuará commettendo, assim o espero, dictaduras, por que ellas fazem parte integrante da sua propria existencia. (Apoiados). Passos Manuel foi um dictador - e ainda bem que assim procedeu tão eminente republico; - mas por herança transmittiu á sua prole politica essa caracteristica, que quasi chega a imprimir-lhe indelevel feição. (Apoiados).

Para que, pois, reformas politicas? Para que o Parlamento seja a lidima representação da vontade popular?

Não entrarei agora na apreciação do que tem sido, na pratica, a chamada soberania popular, em todos os paises de regime representativo. Levar-nos-hia muito longe essa analyse, e teriamos de cair em larga dissertação de philosophia politica, impropria da occasião e do logar. Não pretendo discutir, neste momento, se esse principio é rigorosamente applicavel, somente direi que difficilmente o será em Portugal, ou melhor talvez, não o poderá ser num país em que tudo e todos dependem do Estado, e em que a noção da importancia de um homem se avalia, em regra, pelo numero de recrutas que livra do serviço militar.

Quando é que o Parlamento foi entre nós a legitima expressão da vontade popular?

Eu lembro apenas, Sr. Presidente, a Camara eleita em 1838, por uma lei essencialmente democratica, moldada pelo liberrimo espirito de Passos Manuel, que foi o brilhantíssimo caudilho da democracia, sem deixar de ser tambem vigoroso dictador. Tudo se tinha concertado, para que a legitima democracia triumphasse, e o Parlamento fosse então o vero representante do povo, perante o qual o Governo houvesse de se curvar.

Pois d'essa Camara dizia José Estevam, em 1840, quando, segundo creio, porque cito de memoria, (não verifiquei esta affirmação em quaesquer documentos), o Governo propôs a suspensão de garantias, para assim poder suffocar um movimento contra o Ministerio: "O que nos resta, Sr. Presidente, depois de tantas perdas? Apenas uma ficção de liberdade, quatro Ministros com o sequito da sua maioria, o absolutismo com criados parlamentares, o absolutismo arrancado do segredo dos Gabinetes para o meio d'esta sala, o absolutismo discutido, sanccionado e

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approvado em presença de centenares de testemunhas, o absolutismo com escandalo".

Pertence a quem fizer a philosophia da historia do nosso regime constitucional observar pela analyse dos factos, se o inspirado orador não deixou nessas palavras a synthese nitida do que tem sido, salvas honrosas excepções, a nossa epoca parlamentar.

Com effeito, ou não comprehendo para que e porque se annunciam reformas politicas, quando nem as circumstancias internas do país as reclamam, nem o exemplo de outros paises nos convida a entrar nesse campo. (Apoiados).

Em toda a parte, quer na Allemanha, debatendo-se com a grande crise resultante do excesso de producção, quer na Austria, dilacerada pela questão das nacionalidades, quer na Italia, vergada ao poso de enormes impostos, que lhe tem custado a, sua politica de unificação, quer, emfim, em Estados que menos valem no apreço geral das nações, como a Roumania, onde a queda do Ministerio Carp nos pode servir de exemplo pelo que toca á orientação d'aquelle povo; em toda a parte a grande preoccupação de Governos e governados é a questão economica complexa e ampla, porque lhe anda indissoluvelmente adjacente a questão financeira, e não raro a questão politica.

Reclamam as necessidades mais graves do país reformas politicas?

Ora vejamos.

Comecemos exactamente pelas condições que resultam da situação geographica. Somos um país maritimo. Ao mar temos devido tudo, o que de resto é uma consequencia da lei historica, em virtude da qual todo o povo, cujo territorio é em grande parte banhado pelo mar, e que, por difficuldades physicas ou antinomias politicas ou de outra especie, não pode expandir-se para o interior da terra, caso povo naturalmente procurará desenvolver a sua vida e actividade no mar. Foi o que succedeu aos phenicios na antiguidade oriental, e aos portugueses na idade media.

D'este facto resultou o sermos hoje um país colonial. Uma grande, a melhor parte da nossa acção mercantil provém das colonias.

Pois, apesar de todo este conjunto de circumstancias, não temos marinha de commercio (Apoiados), ou, para ser mais rigoroso, a que temos é de tal ordem, que só lhe é comparavel a de algumas pequenas republicas da America Central.

De facto, com os 10 ou 11 barcos da Empresa Nacional de Navegação para a costa occidental de Africa, com o Peninsular, o Patria e D. Maria, da casa Anderson, do Porto, com o Funchal e Açor que fazem a navegação para ao ilhas adjacentes, e com o Guilherme VI o Guilherme VII para a navegação de cabotagem, é pouco, é nada o que temos. Não chega para as necessidades do nosso commercio, e d'ahi resulta que somos tributarios do estrangeiro em alguns milhares de contos de réis, para pagamento de fretes. (Apoiados).

Eu não ignoro o que tem succedido em Portugal com a marinha de commercio, desde a tentativa, em 1854, para a constituição, que nunca se chegou a effectuar, da Companhia Real de Navegação Portuguesa, com o capital de 1.800:000$000 réis, até aos recentes desastres da Mala Real Portuguesa. É certo que não temos sido inteiramente felizes nas emprezas de navegação; mas este facto não releva os Governos da menos attenção que para este assumpto teem dispensado. (Apoiados).

Todas as nações europeias estão fazendo enormes sacrificios, sob formas diversas, para manterem uma marinha mercante, e este facto decisivo na economia de qualquer país, redobra então de importancia, quando se trata de um país colonial. (Apoiados).

A Camara sabe quanto despendem os diversos Estados europeus, para manter a marinha do commercio. Esses algarismos veem editados em varias revistas ao alcance diario de todos. Seria fastidioso repeti-los agora, para provar que em todos os povos se consomem sommas maiores ou menores, conforme as circumstancias, para a manutenção da marinha mercante.

Ora nós temos absoluta necessidade de estabelecer essa base da expansão commercial, não com a mira no triumpho, mas com a esperança de não se ser inteiramente esmagado neste combate, em que são necessarios os elementos de luta, sem o que todo o esforço é vão. Sem meios de transporte, que permitta levar a toda a parte os productos, a permuta será sempre acanhada.

Virão as reformas politicas, que constituem o programma do illustre partido progressista, resolver este problema? (Apoiados).

Ainda como uma consequencia da nossa localização geographica, temos o formoso e bello porto de Lisboa. Eu não quero, Sr. Presidente, referir as circumstancias em que elle se encontra, nem desnudar agora o que se faz e o que passa na Alfandega da capital, onde a morosidade dos serviços por falta de material é absoluta. Basta affirmar á Camara, que d'isso se pode certificar, quando quiser, que na Alfandega de Lisboa se leva mais tempo a descarregar um barco, do que aquelle que é preciso para vir da America ao nosso porto. Isto é inteiramente exacto.

Tranquillizemo-nos, porém, porque este estado de cousas tão prejudicial à economia do país, modifica-se inteiramente, logo que se façam reformas politicas. Basta que o partido progressista restaure as perdidas regalias populares, para que surjam, como que por encanto, guindastes, pontes, caes, etc., na Alfandega de Lisboa. O peor, porem, é que o commercio vae soffrendo as morosidades, a que o obriga a forma por que se fazem os serviços aduaneiros.

Paralelamente a este ramo de administração ha outro, a que tambem é urgente prestar todas as attenções. Refiro me á nossa viação forro viaria, e particularmente á linha sul e sueste, cujo estado é verdadeiramente lastimoso.

Torna-se indispensavel completar as nossas linhas ferreas, para que a circulação se faça mais livremente por todo o país, e até para que possamos dar maior incremento ao nosso commercio de transito para Hespanha. A linha sul e sueste, mais do que nenhuma outra, carece dos cuidados e attenções dos Governos. (Apoiados). Falta-lhe material circulante, e é defeituoso o material fixo. Assim, os productos do nosso riquissimo Alemtejo, tanto agricolas como das minas, mas sobretudo aquelles, difficilmente podem ser transportados.

A Camara não desconhece a grande importancia que essa linha tem já na economia do país, e maior deverá ser, quando for convenientemente melhorada e ligada ás linhas hespanholas.

Pois apesar do papel economico que a linha sul e sueste está destinada a desempenhar, e devia desempenhar já, no movimento commercial do país, ella encontra-se em condições que não pode transportar convenientemente e a tempo devido os generos, productos e mercadorias, que do Alemtejo se destinam a Lisboa, ou a embarque no Tejo para exportação. (Apoiados), Ha falta de vagons, encerados, coberturas, caes ou molhes abrigados em quasi todas as estações, e d'aqui resulta: prejuizos para o Estado, que não raro tem de pagar indemnizações por generos que se deterioram; prejuizos para o commercio, que não pode contar com os seus productos em dias certos, e que muitas vezes tem de cancellar fretamentos de navios, pagando fortes indemnizações aos armadores; prejuizos á economia do país, porque, impedindo-se a exportação, diminue-se a riqueza; emfim um conjunto de males, que se poderiam, e deviam evitar. (Apoiados).

Para se fazer uma idéa perfeita acêrca do estado dessa linha bastará referir que muitos proprietarios de Estremoz mandam os seus productos em carroças até Elvas,

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para se aproveitarem da linha norte e leste, cujo serviço é incomparavelmente melhor pela rapidez e commodidade de transporte. É lhes mais util esse expediente, do que sujeitarem-se ás contingencias, a que obriga a linha sul e sueste.

E já que me estou referindo a linhas ferreas, como elemento de prosperidade economica, não deixarei de accentuar o muito que conviria alargar as linhas do Algarve até as entroncar com as de Hespanha.

Afigura-se me que um tal melhoramento importaria augmento de trafego nos portos de Algarve. (Apoiados).

Dependerão estes melhoramentos indispensaveis da realização das reformas politicas, que o partido progressista promette effectuar, quando for ao poder?

Podem as Côrtes Geraes reunir-se, por direito proprio, automaticamente, no dia 2 de janeiro, como chronometro infallivel; pode a legitima soberania popular ter a sua representação no Parlamento: se os Governos não curarem de taes assumptos, morreremos necessariamente, como um povo que não pode acompanhar as grandes transformações sociaes, que a civilização impõe, e que são imprescindiveis. E para que taes melhoramentos se realizem, parece-me que é estreito, acanhado e até perigoso o criterio, que tenho visto aqui seguir, de que não se approve nem um projecto de lei que represente augmento de despesa. Como effectuar todos esses melhoramentos urgente, fundamentaes á vida das nações, inadiaveis entre nós para que sejamos um povo moderno, que comprehende e realiza as aspirações do seu tempo?

Eis porque eu disse que é necessario gastar muito ainda, para que o país se desenvolva e prospere. Eis porque eu affirmei que este Governo ou outro que queira cumprir a sua alta missão, ha de necessariamente augmentar receitas, porque ha de ter necessidade de fazer despesas. O gastar impõe-se aos Governos, como uma necessidade inelutavel. A civilização é cara.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - A questão é gastar bem.

O Orador: - De acordo, nem V. Exa. me ouviu a apologia do esbanjamento. Ouviu me, sim, a condemnação d'esse criterio acanhado que proclama que o país se salvará tão somente com a singella medida de não augmentar nem um ceitil nas despesas.

Imagine-se semelhante criterio applicado ao nosso problema colonial. Sem se gastar nem 5 réis, como se poderão effectuar os grandes melhoramentos, do que as colonias carecem, para que não sejam suffocadas na luta commercial pela concorrencia das nações colonizadoras que nos cercam?

Analysando, portanto, o programma do partido progressista, reeditado solemnemente ao discutir-se o Orçamento Geral do Estado, eu devo perguntar, depois de ter traçado rapidamente o quadro das maiores necessidades, a que urge attender, se esse programma satisfaz ás aspirações da nacionalidade portuguesa e preenche os melhoramentos indispensaveis no nosso meio?

Assim, Sr. Presidente, eu sou levado a concluir que o illustre partido progressista ou tem de mudar de programma politico, ou, mantendo A theoria das suas reformas, não corresponde á sua funcção de agrupamento politico avançado, não procura satisfazer ás necessidades do país, immobiliza-se, e a immobilidade não pode ser um programma, porque é a negação da vida.

Vou concluir.

O Sr. Francisco Machado: - Porque é que V. Exa. não tem aconselhado esses processos ao Governo do seu partido, onde V. Exa deve ter a influencia que merece? Eu tenho gostado muito de o ouvir falar, porque tem falado muito bem; mas, repito, porque é que V. Exa. não tem dito ao Governo do seu partido para fazer tudo isso?

O Orador: - Eu não tenho a pretenção de dar conselhos ao Governo, como não pretendo dá-los ao partido progressista, que pela illustração e valor dos seus homens, d'elles não carece. Exponho simplesmente a minha opinião. (Apoiados).

É velho costume nosso amesquinharmo-nos uns aos outros, deturpando por vezes as intenções de cada um. É vulgar, quando analysamos os factos recentes da nossa historia, em que figuram individualidades que já desappareceram da vida, e confrontamos esses factos com a situação actual, ouvir-se dizer: "Eram outros homens".

É uma illusão e uma injustiça. Se alguma cousa tiveram de superior em relação aos que hoje dirigem os destinos do país, foi tão somente em terem melhor comprehendido as necessidades da epoca, em que viveram, e as exigencias do meio, em que exerceram a sua acção.

Disse, não me lembro agora que grande pensador, que não ha pequenos povos, o que ha, infelizmente, é pequenos homens. E com effeito assim é. E os homens são sobretudo grandes, quando sabem e querem comprehender o meio, em que vivem, e a epoca a que pertencem.

Foi grande Gregorio VII, porque personificou em si o pensamento theocratico da idade media, e sem isso nunca o nome de Hildebrando bastaria para baptisar um cyclo historico. De entre todos os príncipes que representam, ao terminar da idade media, o principio da unidade monarchica, é D. João II, na phrase do Prévost-Paradoll, aquelle que com mais audacia e firmeza traça o seu caminho. É o maior, porque foi o que melhor comprehendeu as necessidades do seu tempo, e mais resolutamente se incumbo á tarefa de prover de remedio aos perigos que cercavam.

De entre todos os reformadores politicos do seculo XVIII, Aranda, Choiseul, Turgot e até o proprio Voltaire, sobresae o nosso marquez de Pombal, porque foi elle a personificação mais integra d'esse seculo, com as suas duas feições demolidora e reorganizadora.

Nós vivemos numa epoca em que as soluções de todos os conflictos sociaes vão procurar-se ao terreno das grandes questões economicas, porque em regra de lá saem. Mais ou menos sempre isso assim foi, mas nas sociedades modernas esse caracter concreto é então profundamente accentuado, visivelmente distincto.

Em nome do país, que eu já aqui tenho ouvido invocar, em nome da nossa patria, que deve ser para nós synthese dos nossos affectos, em nome das nossas glorias passadas e das perspectivas do nosso futuro, olhemos para essas questões, consagremos-lhes os nossos cuidados e os nossos esforços. Ahi o terreno é vasto e grandes são as glorias que lá se podem colher. (Apoiados).

Só assim poderemos acompanhar os demais povos na sua luminosa e brilhante trajectoria, descripta em voos rapidissimos pela aguia immensa do progresso, que ora se enrola nos ardores do Equador, ora pousa nas cumeadas de gelo, que invadem as vastidões dos polos, nunca vencida, porque está conscia da sua victoria, e sempre cravando a pupilla radiante de altivez onde quer que haja um grande principio a defender ou uma grande idéa a implantar, triumphadora em todas as lutas, tenaz em todos os emprehendimentos, continuadamente clama na tuba dos tempos: eu sou pela aguia do infinito moral, o symbolo dos povos que não morrem, mas dos povos que prosperam.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado pelos Srs. Ministros presentes e pelos seus collegas de um e outro lado da Camara).

O Sr. Presidente: - Achando-se nos corredores da Camara o Sr. Albano de Mello, convido os illustres Deputados os Srs. Queiroz Ribeiro e Francisco José Machado a introduzirem S. Exa. na sala, a fim de prestar juramento.

Prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Antonio Centeno: - Hoje de manhã lendo um jornal, dos mais cotados e de maior circulação no país, fui surprehendido com uma noticia transcripta de algumas

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folhas estrangeiras importantes, na qual se faz narrativa de um desastre grave soffrido pelas armas portuguesas em Angoche.

Pedi a palavra sobre um negocio urgente para interrogar o Sr. Ministro da Marinha sobre este importante assumpto, e para que S. Exa. nos diga se a noticia é verdadeira.

Bem vê V. Exa. que, formulando esta pergunta pela forma tão simples por que o fiz, não trago o menor intuito politico, sobre assumpto tão grave e que tanto affecta os interesses da nação, a todos tem distracção de partidos, (Muitos apoiados), nem desejo levantar a mais pequena difficuldade ao Governo e fazer-lhe qualquer interrogação que o ponha em embaraços.

O que eu acho indispensavel é que o Sr. Ministro da Marinha dê explicações a Camara, para socego e tranquillidade do país.

Estamos desgraçadamente habituados a ver como os jornaes estrangeiros publicam noticias inexactas e muito desagradaveis para nós, e é sempre conveniente desmenti-las. Francamente, no meio das nossas atribulações e quando se demonstra directa ou indirectamente por parte dos Deputados da opposição que não é risonha a nossa situação, e agora mesmo na discussão do Orçamento isso se percebe, porque um Deputado que acaba de falar a favor do Governo, nem a um algarismo do Orçamento se referiu, nem um facto apresentou, - a unica cousa que nos alentava ainda, era que tinham sido sempre coroados de bom exito os esforços dos soldados portugueses em Africa. Portanto, faço esta pergunta, pedindo ao Sr. Ministro da Marinha nos diga se é verdadeira ou não essa noticia, convencido aliás de que os Deputados de todos os lados da Camara fazem votos para que o não seja. (Muitos apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Sr. Presidente: felizmente para as armas portuguesas, a noticia a que se referiu o illustre Deputado é absolutamente inexacta. Nem ou era capaz de occultar qualquer facto d'essa ordem, ainda que nos fosse contrario.

As armas portuguesas triumpham, e vão de victori em victoria.

É certo que na nossa Africa tem havido ultimamente alguns recontros com forças portuguesas. O gentio do Ambrizette, nos ultimos tempos tem, por assim dizer, expulsado os commerciantes portugueses para o litoral até ao ponto de ao Ministerio da Marinha chegarem repetidas queixas.

Acêrca de 10 dias eu recebi a noticia de que vou dar conta á Camara: O Sr. Governador Geral da provincia de Angola organizou uma pequena expedição com alguns soldados do exercito, com a guarnição dos nossos navios de guerra estacionados nas aguas d'aquella provincia, sob o commando do Governador do districto de Congo.

Ao nossas forças entraram no Ambrizette, arrasaram 10 ou 12 povoações e prenderam o regulo mais importante, assegurando-nos assim um triumpho completo.

Na região do Libollo, a cêrca de 8 ou 10 dias, o gentio atacou uma caravana de commerciantes portugueses. Prevenidas na nossas auctoridades, o regulo que dispunha d'esse gentio foi atacado pelas forças portuguesas.

O gentio foi derrotado e pagou uma consideravel contribuição de guerra. Mais uma vez as nossas forças militares se cobriram de gloria.

Os soldados portugueses que estão na fortaleza do Humbe foram avisados de que seriam atacados pelos côamatas; e a Camara sabe que esse gentio é o mais adverso e o mais aguerrido para Portugal.

Dado o ataque, os gentios tiveram 60 mortos e fugiram em debandada.

Isto, pelo que se refere a Angola.

Com respeito a Angoche, devo dar informações mais precisas.

Ha 15 ou 20 dias a nossa canhoneira Chaimite, que se emprega na fiscalização ao norte da provincia de Moçambique, teve de desembarcar alguns dos seus marinheiros em perseguição de alguns pangaios que, em Naburi, se entregam ao commercio da escravatura.

Parte da guarnição desembarcou dos escaleres, mas foi surprehendida por diversos tiros de espingarda e de artilharia que chegaram a matar um marinheiro e feriram um official.

Recolheu a guarnição e a canhoneira retirou para Moçambique, dando o seu commandante parte d'estes factos ao Governador.

Tive conhecimento dos acontecimentos, e determinei que a Chaimite esperasse ali a chegada da canhoneira Liberal e do cruzador S. Rafael, que sairam de Lourenço Marques levando a seu bordo, alem das guarnições, mais 100 soldados, pertencendo 47 ao exercito europeu.

Chegados a Moçambique, partiram estes navios com a Chaimite para a embocadura de Angoche, e ali encontraram grande numero de pangaios negreiros.

O que se passou então?

Dois pangaios foram queimados; tres foram aprisionados, um dos quaes tinha a seu bordo algumas peças de artilharia, ainda que de pequeno calibre; as povoações mais importantes foram destruidas; os principaes negreiros foram presos e os regulos prestaram vassallagem, compromettendo-se a entregar os negreiros ás auctoridades portuguesas.

Já vê o illustre Deputado que ao contrario do que se lê nos jornaes que S. Exa. citou, as nossas armas mais uma vez se cobriram de gloria. (Muitos apoiados de ambos os lados da Camara).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Antonio Centeno: - Agradeço ao Sr. Ministro da Marinha a resposta que acaba de dar-me, que a todos nos encheu de alegria e de orgulho, e peço a S. Exa. que faça desmentir a noticia nos jornaes estrangeiros. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sobre o Orçamento.

O Moreira Junior: - Entra no debate debaixo da mais intensa alegria, attentas as declarações que o Sr. Ministro da Marinha acaba de fazer e que a todos são extremamente gratas, porque em todas as questões em que o brio nacional está em foco, todos são portugueses.

Deve agora associar-se, individualmente, ás homenagens prestadas a um illustre parlamentar, distincto pelas qualidades preciosas de seu talento e pelas virtudes preclaras do seu caracter, Frederico Arouca. Mal andaria, sã, adversario politico do illustre morto, mas admirador das suas qualidades civicas, não procedesse assim.

Quer ainda cumprir outro dever, o de felicitar o illustre orador que o precedeu, a quem, pela primeira vez, teve o deleito de ouvir, e que revelou tão valiosas qualidades parlamentares, que o obrigam a esta sincera felicitação.

E dito isto, entra immediatamente na apreciação do Orçamento Geral do Estado, sem se afastar do assumpto e analysando com todo o rigor, mas tambem com toda a lealdade, o documento trazido ao debate.

Por mais accentuada que seja a ingenuidade d'aquelles que querem acreditar na absoluta exactidão d'este docucumento, não pode deixar de ser de desalento e até da mais intensa amargura, a impressão que resulta da sua analyse rigorosa, pois que essa analyse demonstra que não só o deficit ha de ser mais avultado do que se diz nelle, como as receitas foram consideravelmente augmentadas e as despesas foram artificialmente diminuidas.

Alem d'isso, o Orçamento tem todos os vicios dos anteriores orçamentos e outros que nelles se não encontram, procurando encobrir ao país a situação desgraçada que elle atravessa.

E isto succede quando, se alguma cousa havia a espe-

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rar, era um escrupulo absoluto - são as proprias palavras do illustre ministro - ao calcular essas receitas e ao determinar essas despesas, como resultado das declarações feitas, na Camara dos Dignos Pares pelo Sr. Presidente do Conselho, de que era indispensavel mudar de costumes politicos.

Mas, se o Sr. Ministro da Fazenda peccou, esquecendo para o calculo das receitas e das despesas os preceitos do regulamento da contabilidade publica, que mandam observar a media triennal para esses calculos, a commissão commetteu ainda maior falta, acceitando tudo quanto S. Exa. fez e hypertroplicando os calculos feitos.

E por que assim fez, encontra-se, por exemplo, que estão consideravelmente augmentadas as receitas provenientes do imposto do rendimento, da contribuição de registo, dos direitos de importação e exportação de varios generos e até da contribuição industrial, que não só por effeito das crises que o país atravessa, como em resultado de uma proposta de lei apresentada á Camara pelo Sr. Ministro da Fazenda, ha de ser consideravelmente reduzida.

O mesmo succede em relação á receita dos correios e telegraphos e ao imposto do consumo em Lisboa, que S. Exa. muito bem devem saber que, são muito menos do que em annos anteriores, pondo mesmo de parte a diminuição proveniente dos direitos sobre vinhos communs.

Percorrendo-se o orçamento, receita a receita, trabalho improbo, mas util, encontrara-se mais de 2:000 contos obtidos pelo processo de calcular receitas pelo rendimento, do ultimo semestre e até do ultimo trimestre, não contando, ainda, com a receita dos cereaes a que mais tarde ha de referir-se.

O mesmo processo é ainda seguido em relação aos direitos de mercê, e só não é usado, quando não convém ou é desnecessario para encobrir ao publico o augmento de despesa de 84 contos, resultado da interferencia da commissão no projecto que se discute.

Para se reconhecer a candura e a veracidade das affirmações da commissão, basta ver que tendo ella calculado os direitos de importação e exportação de varios generos pelo rendimento do primeiro semestre do anno economico corrente, quando o parecer foi presente á Camara já era conhecida a extraordinaria diminuição que esses direitos tinham soffrido.

Na forma como foi calculada a receita dos cereaes é tambem iniludivel a candura e a generosidade da commissão.

Mas se isto é assim em relação ás receitas, succede o mesmo quanto ao calculo das despesas, o que transforma o deficit tão rachitico e enfesado em um deficit avultadissimo, não inferior a 8:000 contos. Para prova basta ver o accrescimo extraordinario da divida fluctuante.

E o mais grave é que este deficit assim monstruoso não provém de medidas de fomento que o Governo adoptasse, mas resulta unicamente da organização e reorganização de serviços em que se empenhou a titulo de realizar economias, mas que acabou por se revelar com um onus verdadeiramente esmagador.

O país vê-se a braços com a crise de lanificios, com a crise algodoeira, com a crise ultramarina, que com esta se prende, e com a crise vinicola.

O exercito, extraordinariamente valoroso, não tem organização apropriada, nem possue o material de que carece; o mesmo succede á marinha, uma das mais bellas e das mais heroicas tradições do mundo.

A nossa rede ferro-viaria é insignificante; a instrucção primaria não soffre comparação com a da Dinamarca, da Suecia e da Noruega, mais ricos que nós, certamente, mas com tino administrativo, que entre nós absolutamente fallece.

Em compensação o orçamento do Ministerio da Guerra, está sobrecarregado com 921 contos só para pessoal inactivo, e possuimos um corpo de 1:800 addidos.

Nesta situação qual é o plano financeiro do Governo que ha de fazer face a tão extraordinario deficit?

Não sendo nenhuma das propostas, apresentadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, segundo a propria declaração de S. Exa., não pode ser senão o contrato com o Banco de Portugal.

O orador, depois de analysar detidamente este contrato, apreciando-o em todas as suas minucias, affirma que elle é pernicioso, sob o seu ponto de vista economico, incoherente nos principios em que assenta, e extraordinariamente confuso na sua redacção.

As crises a que se referiu ha pouco, permanecem sem resolução que as attenue, mas se o Governo quiser debelá-las, não poderá consegui-lo, sem augmentar enormemente a despesa e sem que a receita seja consideravelmente diminuida.

O Sr. Presidente: - Previno o orador de que decorreu a hora regimental e tem apenas um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Contrahirá, quanto possa, as suas considerações.

A seu ver, a receita ha de diminuir em resultado de quaesquer medidas que o Governo adopte, para debellar essas crises. Assim, por exemplo, a crise algodoeira ha de refletir-se na diminuição da contribuição industrial e ha de trazer comsigo o desapparecimento do imposto estatistico de 10 réis por kilogramma de algodão.

Por outro lado, a crise vinicola, tem de ser debelada por meio de companhias vinicolas e de adegas sociaes. É necessaria uma larga, efficaz e dispendiosa propaganda, como do desenvolvimento da nossa marinha mercante e precisa da valorização do nosso consumo interno.

A nossa situação é, pois, no fim de tudo isto, um deficit generosamente calculado, uma divida fluctuante sempre crescente, as crises de lanificios, algodoeira, vinicola e ultramarina sem nenhuma solução; e no meio de tudo isto, o Governo despreoccupado e feliz, faz reformas de que ha de resultar um onus extraordinario para o Orçamento, e no fim d'este quadro tenebroso, prepara um convenio que oxalá nos não esmague desapiedadamente.

Nestes termos é preciso converter em realidade as palavras do Sr. Presidente do Conselho: - mudar de costumes politicos e de orientação administrativa.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Luiz José Dias: - Mando para a mesa as minhas propostas.

O Sr. Presidente: - Vão ler se.

Leram-se. São as seguintes:

Propostas

Proponho que a receita classificada de extraordinaria, proveniente do addicional de 5 por cento, seja incorporada na ordinaria, visto que se auctoriza a criação proveniente da lei orçamental que a criou. = O Deputado, Luiz José Dias.

Proponho:

1.° Que seja eliminada a alinea a) do § 4.º do artigo 1.°;

2.° Que seja eliminado o artigo 6.° e seu § unico, sendo substituido pelo seguinte:

"Artigo 6.° Os escritos, letras e bilhetes do Thesouro, que o Governo fica auctorizado a emittir para representação da receita não poderão exceder 3:500$000 réis, devendo esta somma ficar amortizada dentro do respectivo exercicio, não podendo as sobras das verbas da despesa dos differentes capitulos do Orçamento ter outra applicação emquanto se não effectuar esta amortização, ficando subordinadas a esta regra quaesquer disposições que auctorizem a distracção d'essas sobras para outro fim". = O Deputado, Luiz José Dias.

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Proponho que se façam as correcções devidas na avaliação das receitas, a fim de que se cumpram os preceitos economicos e financeiros e se faça por isso no computo dessas receitas o abatimento de 2:000 e tantos contos, que estão indevidamente avolumando o resultado final do orçamento. - O Deputado, Luiz José Dias.

Foram admittidas.

O Sr. Abel Andrade: - Mando para o mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro:

a) Que as votações sobre o projecto em discussão se façam sem prejuizo das emendas, as quaes devem ser enviadas a commissão respectiva;

b) Que durante toda a discussão d'este projecto se possam apresentar emendas sobre qualquer assumpto relativo ao Orçamento.-Abel Andrade.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vão ler-se o capitulo 1.° do projecto, para ser votado.

Lido na mesa foi approvado, salvo as emendas, que vão á commissão.

O Sr. Presidente: - Na segunda feira haverá sessão á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que vinha dada para hoje, e mais o parecer sobre as emendas ao projecto n.° 10, Hospital Colonial; e o parecer sobre as emendas ao projecto n.° 13, Casa de Detenção e Correcção, no Porto.

Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 10 minutos da tarde.

Documentos enviado para a mesa nesta sessão

Representação

Da Liga das Artes Graphicas do Porto, pedindo que os impressos sejam postos novamente a concurso, e que nas clausulas do programma, publicado no Diario do Governo n.º 198, de 5 de setembro de 1891, seja admittida a interferencia da Liga das Artes Graphicas.

Apresentada pelo Sr. Deputado Alexandre Cabral, enviada á commmissão de ouras publicas e mandada publicar no Diario do Governo.

Justificação de faltas

Participo a V. Exa. e á Camara que tenho faltado as ultimas sessões, por motivo de doença. = Carlos Malheiro Dias.

Participo a V. Exa. e á Camara que tenho faltado ás ultimas sessões por motivo de doença. = Vaz Ferreira.

Para a acta.

O redactor interino = Affonso Lopes Vieira.

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