597
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Moreira de Rey, acho inutil a inserção d'esta substituição ao artigo 1.°, em primeiro logar porque não póde ter uma execução immediata, e em segundo logar porque entendo como o governo, que os caminhos de ferro devem ser votados tanto quanto possivel pelos poderes publicos, com perfeito conhecimento de causa; e direi a s. ex.ª que venham os factos apoiar esta asserção ou não, eu não prescindo dos projectos e orçamentos, por menos confiança que elles possam merecer ao illustre deputado.
Entendo que um projecto é sempre um trabalho até certo ponto susceptivel de modificações, mas é um trabalho indispensavel.
Um orçamento não póde ser superior á força dos factos, nem de modo algum se póde subtrahir a execução de uma grande obra ás consequencias e ás circumstancias que se dão tanto no nosso paiz como em todos os paizes.
Agora peço licença para me referir ás suas apreciações sobre o orçamento.
Em primeiro logar as linhas do Douro e Minho não são linhas caras e podem ser contrapostas a qualquer linha estrangeira, com toda a vantagem e com toda a honra para o paiz; (Apoiados.) não digo só emquanto ao seu custo, como tambem (e n'isto não vae em nada empenhada a minha modestia) emquanto á sua execução. (Apoiados.)
Posso citar alguns factos de um paiz bem proximo de nós; á Hespanha.
A rede de Madrid a Saragoça e Alicante, na extensão de 1:425 kilometros, foi orçada em 35:000$000 réis e custou mais de 48:000$000 réis. A do norte de Hespanha, de 719 kilometros, foi orçada em 39:000$000 réis e custou 83:000$000 réis. A rede de Saragoça, Barcelona e Pamplona, foi orçada em 42:000$000 réis e custou mais de 58:000$000 réis.
Emfim, para não fazer muitas outras confrontações, termino por uma que é singularmente notavel.
A linha de Alar dei Rey a Santander, orçada em réis 49:000$000 custou 136:000$000 réis! Isto vem a proposito para provar que a fallibilidade do orçamento é inevitavel.
S. ex.ª de certo já tem mandado construir alguns muros de vedação nas suas propriedades, estou persuadido que ha de ter feito os respectivos orçamentos, que ha de ter consultado os mestres de obras e homens competentes, e depois de discutir real a real, verba por verba, artigo por artigo, esses orçamentos ha de ter muitas vezes reconhecido que excedem a sua previsão. E porque? Porque um orçamento só é digno de confiança quando é elaborado em condições de previsão iguaes ás condições da realisação.
Tenho dito isto muitas vezes e repito ainda; o orçamento kilometrico do caminho de ferro do Douro foi de 33 contos e uma fracção, e se se for analysar os preços que serviram de base para esse orçamento com os preços reaes n'aquella epocha, estou perfeitamente seguro do que d'esse exame, d'essa comparação minuciosa, e feita a correcção devida não póde senão resultar a convicção de uma conformidade entre uns e outros; mas quem fez o orçamento computando os jornaes, supponhamos a 300 ou 400 réis, póde ser responsavel pela exactidão do seu calculo se quando a obra se realisar os jornaes subiram de 300 a 500 réis, ou de 400 a 700 réis? (Apoiados.) Esta é a realidade.
Pôde o engenheiro encarregado de fazer o orçamento de qualquer obra estabelecer a seu falante e por seu livre alvedrio, preços que não são os d'essa epocha, sómente para até certo ponto prevenir a elevação dos salarios? Não póde ser.
Eu declaro que pela minha parte posso, elaborando um orçamento, designar uma certa somma para os imprevistos; mas levar tão longe as minhas previsões que altere n'uma proporção tão elevada os preços elementares do orçamento, não o faria nunca.
Tenho pena de ser obrigado a tratar de uma questão que é tão especial, e que ao mesmo tempo é tão enfadonha; mas realmente, quando s. ex.ª vem lançar uma condemnação geral sobre os orçamentos portuguezes, e vem por declaração sua dizer que os governos podem prescindir dos projectos e dos orçamentos, realmente na minha opinião é uma apreciação demasiado severa com respeito aos trabalhos dos funccionarios que procuram, quanto possivel, quanto cabe nas suas faculdades, desempenhar um dever como lhes cumpre. (Apoiados.)
Por outro lado parece-me ser a abdicação, a meu ver injustificada, de mais importante direito que tem o parlamento, que é o de conhecer as questões de facto com toda a clareza e com toda a especificação.
Mas permitta-me v. ex.ª que ainda compare, em questões de custo de caminhos de ferro, os do Minho e Douro com os dos principaes paizes da Europa.
O custo kilometrico dos caminhos de ferro hespanhoes foi de 58:000$000 réis. E note v. ex.ª que a media d'estes caminhos, computadas as suas difficuldades de construcção e circumstancias especiaes que podem influir sobre a carestia ou barateza de uma linha, é muito superior, comparado com as duas linhas do Minho e Douro, especialmente do Douro.
Mas não é só em Hespanha que os caminhos de ferro custaram este dinheiro; permitta-me v. ex.ª que eu faça mais algumas citações.
Na Inglaterra o custo kilometrico dos caminhos de ferro foi de 101:000$000 réis. E não se diga que é influencia de serem os caminhos todos de duplas vias, porque a Inglaterra, que tem 26:000 kilometros de caminhos de ferro, 14:000 são de duas vias e 12:000 de uma só via.
Na França o custo kilometrico dos caminhos de ferro foi sem subvenção 73:000$000 réis, e com subvenção 85:783$000 réis.
Na Belgica o custo kilometrico dos caminhos de ferro foi de 52:800$000 réis, na Allemanha foi de 44:100$000 réis, na Austria de 50:040$000 réis, na Italia de 58:500$000 réis.
Os caminhos de ferro francezes, chamados da nova rede, quasi todos de uma só via, custaram em media uma somma muito superior.
Para cada uma das companhias os preços são:
Norte 58:300$000 réis – Meio dia 61:400$000 réis — Orleans 74:500$000 réis —Paris, Leão, Mediterraneo — 79:700$000 réis — Leste 82:400$000 réis — Oeste réis 83:880$000.
Estes são os caminhos da segunda rede. Ora, pois, póde dizer-se porventura que caminhos que custam a 50:000$000 réis, acceite esta media para duas linhas, sejam caros, comparados com os caminhos de ferro de toda a Europa, muito principalmente nas condições e difficuldades que carecterisam aquelles caminhos de ferro, e particularmente o do Douro?
Peço desculpa de ter fatigado a camara com estas comparações, mas como este negocio deriva da apreciação do orçamento não podia deixar de tocar n'este ponto.
O sr. visconde de Moreira de Rey apresentou uma proposta que por todos os motivos me é sympathica. Acceito inteiramente o seu pensamento, mas como já ha pouco disse, não me parece esta a occasião propria e opportuna para a resolução do parlamento sobre este assumpto.
Apenas esteja habilitado o governo com os estudos para a continuação do caminho de ferro do Douro até Barca d'Alva, e que por parte da Hespanha este caminho seja continuado de Salamanca, hei de trazer á camara a proposta para que seja construido immediatamente a parte que nos resta a fazer.
Posso assegurar a v. ex.ª que eu, como ministro, não hei de de modo algum concorrer para que o caminho de ferro do Douro seja atrazado nem um mez na sua conclusão até Barca d'Alva.
Este caminho de ferro tem uma importancia que v. ex.ª
Sessão de 11 de março de 1878