O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

APPENDICE Á SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1896 336-A

Discurso do sr. deputado Bernardino Camillo Cincinnato da Costa que devia ler-se a pag. 330 da sessão de 24 de fevereiro

O sr. Cincinnato da Costa: - Sr. presidente, mando para a mesa a justificação das minhas faltas ás sessões anteriores.

Não compareci pelo motivo para mim dolorosissimo do fallecimento de meu pae, Bernardo Francisco da Costa, funccionario do estado, em serviço na India portugueza.

E venho aqui cumprir um dever sagrado. Venho pedir a justa reparação ao enormissimo aggravo recebido que lançando o luto sobre mim e sobre toda a minha familia, veiu ferir-me no que tenho de mais caro e santo no meu coração!

Sr. presidente, Bernardo Francisco da Costa, meu pae, leal servidor da patria e portuguez de lei, amigo dedicado de Antonio Rodrigues Sampaio e de Fontes Pereira de Mello; que muito o queriam, foi victima de uma odienta, repellente e criminosa perseguição!

D'isto venho pedir contas ao governo.

Mas antes de proseguir, algumas explicações necessarias.

Careço de dizer á camara qual a minha attitude nesta casa do parlamento, a que vim, e qual o desassombro com que posso fallar. Entrei n'esta casa, não por simples politica, não por ambições ou desejos de subir, nem pelo prurido de me exhibir em discussões estereis, que, se por vezes aproveitam aos homens que n'ellas mostram mais argúcia e habilidade, nada interessam ao paiz. Entrei para,o parlamento, e está presente o sr. ministro do reino que o póde attestar, com o desejo nobre, alevantado e patriótico, que talvez os meus fracos recursos na o permitiam satisfazer, de concorrer com o meu insignificante trabalho, e o meu conselho, para o levantamento da causa nacional, para o desenvolvimento do paiz no campo agricola e economico.

E isto vinha fazel-o com enthusiasmo, sem nenhuma outra preoccupação que não fosse a de ser util ao meu paiz, sem compromissos de qualquer ordem que me embaraçassem é meu campo de acção.

Nenhuns laços especiaes. me prendem ao governo que actualmente está á frente dos negocios do estado, e nenhum outro alvo tinha eu em mira, quando acceitei uma candidatura para vir como deputado ao seio da representação nacional, que não fosse o de contribuir para o bem commum e prosperidade do paiz.

Creio que isto o sabem muitos da illustres deputados presentes, e mais particularmente o conhece o sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco):- Apoiado, apoiado.

O Orador: - Careço, pois, de accentuar bem a minha situação politica nesta casa, para tirar força á calumnia que, assim como armou a mão cobarde que traiçoeiramente victimou o meu chorado pae, não vá tambem deturpar o sentido das minhas palavras, e se imagine que faço opposição systematica ao governo. Ataco-o hoje como o defenderia amanhã. Venho aqui simplesmente desaggravar-me da tremenda affronta que me lançaram; venho defender-a saudosa memória de meu pae; venho, como disse, cumprir um dever sagrado.

É indispensavel, sr. presidente, exige-o o decoro nacional, exige-o o prestigio de um governo que se diz seguidor das tradições gloriosas de Antonio Rodrigues Sampaio e de Fontes Pereira de Mello, que se dê uma reparação immediata e terminante, sem hesitações, sem tergiversações, a um facto da ordem d'aquelle que eu, acabo de communicar á camara, e que dando a morte a meu pae, victima de uma perseguição odienta e criminosa, me veiu ferir no mais íntimo da minha alma.
E não venho aqui pedir nenhum favor ou implorar o auxilio do governo para me desaggravar de tão terrível affronta. Venho pedir justiça.

Não vejo presente o sr. ministro da marinha, mas está representado o governo por quasi todos os srs. ministros, e 6 ao governo do meu paiz que me dirijo, pedindo justiça no seio da representação nacional. Peço justiça ao paiz inteiro, para uma acção que eu não sei classificar, mas, que numa idade provecta, numa idade de setenta e cinco annos, vindo trazer a morte a um funccionario do estado, servidor leal e honrado, como foi Bernardo Francisco da Costa, fechando-o caprichosamente em uma praça de guerra, na praça de Diu, onde o clima mortífero, o veneno local havia de fatalmente produzir o seu effeito, é tão criminosa e punível como a que leva o veneno directamente á victima que o assassino escolheu para satisfação de seus odios.

Vou provar isto que affirmo, e meço bem a gravidade das palavras que pronuncio para duvidar de que possa provar aquillo que avanço.

Releve-me a camara, releve-me v. exa., sr. presidente, se conturbado como está o meu espirito, porque ha três dias e três noites que não sei ligar duas idéas, methodisar o meu pensamento, releve-me a camara, se eu não conseguir ser claro e preciso no que vou dizer. E não trato, nem disso precisa a minha causa, não trato de impressionar a camara com a eloquência das minhas palavras, eloquência que nunca tive nem sei ter; apenas peço que se attente na eloquência dos factos, que singelamente vou narrar.

Sr. presidente, este facto tristíssimo que tão inesperadamente me veiu ferir e me enlutou de cima abaixo, que de uma maneira tão cruel como criminosa me veiu arrancar e dilacerar as fibras mais santas do meu coração, este acontecimento para mim ainda hoje quasi inacreditável da morte de meu pae, Bernardo Francisco da Costa, liga-se immediata e directamente com a desgraçada questão da índia. E eu posso estar á vontade para fallar n'ella, e de fronte erguida, porque afastado ha muito da índia, onde nasci, e desviado de tudo quanto de longe pareça estar ligado às questões politicas d'aquella nossa importantíssima colónia, estava bem longe de ter que tratar aqui deste tristíssimo assumpto, em um. momento em que parece haver empenho em fazer-se uma campanha de descrédito contra os filhos da índia. Nasci na India. Nascer na Índia não é vergonha, como o não é nascer em Sines, Sacavem, Porto ou Lisboa.

Em qualquer parte onde o indivíduo nasça, vale pelo seu sentimento, pela elevação do seu caracter, pelo seu mérito pessoal ou pelas suas qualidades de trabalho, sem motivo para distincções entre os filhos deste ou daquelle torrão de todo o território portuguez, que todos são irmãos e devem viver abraçados na commum bandeira da pátria, sem dissidências ou malquerenças, sem o espirito mesquinho de infundados odios ou o lastimavel preconceito de raças, impróprios sentimentos em uma nação civilisada. Cada um vale pelo que é e pelo que faz, e tanto maior direito deve ter á consideração dos outros, quanto mais recto é o seu proceder e honesto o seu trabalho.

Nasci na India, é facto. Trinta vezes o repito, se preciso for, para que a maledicencia, que infelizmente tudo envenena, me não aponte com o index, como motivo de vexame, o acto, para mim glorioso, de ter nascido n'aquella parte da, nação portugueza.

Nasci na India, fique bem claro, e sou filho de Bernar-

30 *