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APPENDICE Á SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1896 336-E

Sou indio! Venha a accusação!

Mas uma cousa, tenho, que respeito em mim proprio, a consciencia do meu dever, que não ha ninguem, que não ha politico nenhum, seja quem for, que m'o imponha de outra forma. Ninguem!

E n'este, ponto, a santa memoria de meu pae póde orgulhar-se; porque me ensinou o caminho recto de respeital-o, amal-o e conaideral-o, a única cousa, a melhor do mundo...

Miseria e tristeza! N'este paiz, em que se não faz justiça aos funccionarios rectos e honrados, para se proteger e estender a mão benéfica e indulgente áquelles que andam pelas viellas tortuosas, fazendo perseguições odientas, para incommodar e deprimir os que mais sérios sito e que de mais consideração são dignos!

Tristissimo! Profundamente triste!

Vou ler a carta. Desculpe-me a camara este desabafo; a situação presente da minha vida é unica e extraordinaria! Nunca imaginei, que ao occupar uma cadeira no parlamento, teria de defender d'ella a memoria de meu pae, e que elle havia de fallecer tão cedo... porque robusto era, e ainda pelas ultimas noticias sei que desfructava da melhor saude, apesar da idade de setenta e cinco annos!

A carta é dirigida a minha irmã, que está no Porto, e que ma remetteu para aqui, ainda sem saber da tristissima noticia; documento preciosissimo, para mostrar a sua innocencia, devido á simplicidade com que está escripta e por onde se vê a impossibilidade de poder acreditar-se em quaesquer ligações com os revoltosos, por parte de Bernardo Francisco da Costa, que foi deputado durante muitos annos, portuguez lealissimo, e que acima de tudo tinha a consideração do seu dever e amava a sua patria.

Eis a carta:

"Diu, 19 de janeiro de 1896. - Minha querida Sophia. - Recebi hontem a tua terna carta de 30 do findo e por ella deduzo que tu, o Frias e os pequenos passam todos bem. Eu tenho, felizmente, gosado aqui de saude nos dois mezes que por cá ando.

"A difficuldade era vir, porque a viagem é mais incommoda do que ir ar Lisboa; mas depois de já estar, passando bem como tenho passado, é melhor estar aqui do que em Goa, onde anda o diabo á solta. Agradeço mesmo ao Raphael de Andrade a feliz lembrança que teve de me exportar para aqui, de onde resulta- estar eu longe e fora aquelle foco de intrigas reles e patifarias de toda a ordem. Calumnias vis, prisões aos centos, de grandes e pequenos e até de senhoras para responderem pelas imputações feita a maridos ou parentes, cercadas de súbito pela tropa as casas de noite, incendiadas muitas aldeias, o diabo, tudo por parte do que se chama governo. Agora os ranes a tomarem a desforra às escondidas e de surpreza, queimando de noite postos aduaneiros, etc., e fuzilando os soldados que encontram isolados. E o pobre povo entre dois fogos.

"Os europeus dividiram entre si a fazenda publica, augmentando 60 por cento os seus vencimentos por ordem do governador, lançando 20 por cento a mais sobre os habitantes e extorquindo-lhes dinheiro a titulo de multas por parte do governo, e por parte dos ranes, reduzidos a miseria, havendo quadrilhas que assaltam e roubam.

"E a gente a fugir para o territorio inglez como que em massa, temendo mais o governo que ataca pessoas e bens, do que os salteadores que atacam só os bens. Em uma palavra, um inferno. Varios empregados demittidos sem motivo ou exportados, e os seus logares accumulados pelos europeus.

"Bem sabes que eu não me mettia em eleições nem em politica, nem mesmo me correspondo com o Constando, e, comtudo, o Diario de noticias me fez chefe de uma seita negra, que eu não conheço nem existe. E foi esta calumnia que me enviou aqui. Abençoada calumnia!

"Não careço de demittir-me, porque o governador não me póde demittir, sendo eu nomeado pelo governo de Portugal. Tenho direito á aposentação e para isso incumbi o Alfredo de me obter o meu diploma, que agora elle mandou pelo capitão do porto e ainda me não chegou às mãos. Logo que o receba e haja outro governador e junta de saúde regular, e tenhamos garantias que ha tres mezes não existem e vivemos sob o arbítrio, requererei a minha aposentação, e tudo se fará sem precipitação nem abalo.

"Saudades ao Frias e beijos saudosos e do fundo do coração, a ti, minha querida filha, de teu = Pae muito amigo, B. F. da Costa."

Esta carta é edificante!

É terrivel esta tortura em que me encontro, mas procurarei ir até ao fim.
Ha tambem a satisfação d'este desabafo.

Preciso mesmo de ir até ao fim; desejo desaggravar-me e nada mais.

Para que a camara veja e fique sabendo o estado em que ao tempo se encontravam- as cousas na- índia, passo a ler o final da um artigo editorial do primeiro jornal da India ingleza, que tem grande cotação em Londres, e que é muito considerado, o Times of India, cujo artigo, tambem devo dizer, para que não haja* sobre elle duvidas ou suspeições de que seja esoripto por um indio, é puramente da redacção do jornal; porque n'aquella jornal, qualquer póde escrever um ou outro artigo; mas, os artigos editoriaes, são artigos da exclusiva responsabilidade da redacção, dos redactores principaes, que são de estro os mais altos funccionarios inglezes.

E quer a camara ver como esse jornal friamente porque não tem a paixão que eu tenho neste momento, mas em todo o caso em termos bastante duros critica e historia, os acontecimentos da India.

Eu leio alguns trechos.

Artigo de fundo do Times of Índia de 30 de dezembro, escripto por um alta funccionario inglez:

"Se as noticias que têem chegado diariamente de Goa, durante as ultimas semanas, são só metade verdadeiras, o governador Andrade tem sido levado a praticar actos de uma oppressão quasi pueril, que perante o senso commum não podem ter nenhum outro resultado senão o de afastar os governados dos governantes, e de provocar da parte d'aquelles uma profunda desconfiança sobre a maneira de proceder de um governo que a pretexto de suppressão de uma comedia de sedição (toy mutiny) julga necessario amordaçar a imprensa e tyrannisar vergonhosamente (wantonly) um povo inerme que não teve nenhuma parte nem lote nos motins.

"Quando mesmo não podesse haver duvidas de que uma parte dos actos attribuidos às forças do capitão Gomes da Costa tenham sido exagerados, é impossivel imaginar que todas as noticias de oppressão que têem vindo á luz tenham sido inventadas.

"Pois de facto parece estar indisputavelmente provada a verdade de um ou dois dos mais graves desses actos, quando um só devia ter sido bastante para se ter effectuado ha muito tempo a destituição desse bárbaro (truculent) chefe de policia.

"Uma das mais desgraçadas circumstancias para o futuro de Goa é que o governo de Lisboa se deixasse enganar tão completamente n'esta deshonrosa questão.

"Agora, o unico caminho rasoavel a seguir; a fim de se restabelecer a estabilidade da administração e reganhar a confiança do povo, a substituir os funccionarios desacreditados por homens bem escolhidos, que possam offerecer garantias de procederem com tacto, dignidade e firmeza, e prevenir que no futuro não seja mais possivel que o governo de Lisboa fique exposto ao ridiculo aos olhos do mundo por funccionarios ambiciosos mas desequilibrados de um lado e por superiores doentios e fracos do outro.

Eu tenho pressa de concluir apesar de ter muito que dizer, mas não desejo deixar de tocar em um ponto. Pe-