APPENDICE Á SESSÃO N.º 30 DE 12 DE MARÇO DE 1898 547-C
para pagar os honorarios do advogado, as custas e a multa! Todos sabem que n´estes casos de publicidade prohibida dá mais appetite ler o jornal que foi prohibido, do que muitas vezes quando elle anda em circulação franca e assentida, contendo, aliás, artigos mais attrabiliarios, mais vibrantes de critica acerba e mordaz.
Faz-se assim o que se chama o successo jornalistico, produzido unicamente pela prohibição da publicidade.
O mesmo acontece com as subscripções para as despezas dos processos intentados contra os diversos jornaes ou jornalistas.
Se todos souberem, que não se podem fazer subscripções publicas, acontecerá que quatro, cinco ou seis amigos ou correlegionarios do jornalista incriminado promovem uma subscripção às occultas, dando ao caso os foros de martyrio, e assim facilmente arranjam muito mais dinheiro do que arranjariam, se não estivessem inhibidos de o fazer publicamente, "sob pena de desobediencia", como no projecto se diz.
Como a pena, porém, é de desobediencia e isso dá logar a um processo especial, estou persuadido do que os julgadores não serão tão rigorosos na sua applicação como foi rigorosa a commissão com a doutrina do artigo 38.º
Agora o ponto capital para mim é o § 1.° do artigo 39.°, que diz o seguinte:
"A prohibição facultada n´este artigo poderá ser ordenada e effectuada pela auctoridade administrativa, mas será immediatamente submettida ao competente juiz de direito, a fim d´este a confirmar ou annullar."
Sr. presidente, eu ainda ha pouco ouvi dizer que isto já estava consignado no codigo administrativo. Bem sei.
Mas por estar consignado no codigo administrativo, feito pelo partido conservador, a que succedeu no poder o partido progressista, para mim é mais uma rasão para que até mesmo do codigo administrativo se elimine tal disposição tanto mais que esse partido tem no seu programma a reforma d´esse codigo, em sentido mais liberal e descentralisador.
Mas quando muito deixem tal doutrina como administrativa, e nunca fazendo parte do corpo de doutrina de uma lei que pretende regular a manifestação do pensamento, sob a epigraphe de lei de liberdade de imprensa.
Um codigo administrativo varia, geralmente, conforme os governos que estão no poder, mas uma lei de liberdade de imprensa, que é mais duradoura e que representa principalmente o alto ideal da grande força social moderna, que se chama o jornalismo, deve representar um padrão juridico, e por isso parece-me, que em parte alguma e muito menos n´este logar deve ter cabimento este principio, contra o qual o meu espirito liberal protesta energica e accentuadamente, e sobre o qual me apresentei aberta e intransigentemente em discordancia com a opinião dos meus collegas da commissão.
E não podendo conseguir a eliminação, cheguei a apresentar uma substituição, que foi taxada de inexequivel, mas que em todo o caso vou repetir á camara.
O meu alvitre era, quando a auctoridade administrativa suppozesse que havia offensa ao Rei ou a qualquer membro da familia real, ultrage á moral publica, crime contra a segurança do estado ou provocação a elle, immediatamente, depois do apparecer o jornal, e pelo processo que segue a auctoridade administrativa de ver o primeiro exemplar, se dirigisse ao juiz competente para que elle, no praso de horas, désse o seu despacho, o segundo este despacho poderia circular ou não o numero do jornal a que elle se referia.
Isto ao menos não seria tumultuario, e o poder judicial, que tinha a Julgar depois o facto, começava, por assim dizer, um principio de instrucção criminal sobre o assumpto, se encontrasse materia suficiente para a prohibição da circulação.
Nem isto pude conseguir.
Dizem que nem todos os juizes podem estar disponiveis, para julgar do facto, às horas em que o jornal deve estar na rua, e apresentam ainda outros argumentos, que não colhem força de convencer, o que só me levam mais a propor a eliminação de tal disposição.
Entendo, portanto, torno a repetir, que embora isto se determinasse na codigo administrativo, não se podia consignar n´esta lei, que devia ser uma lei liberal, porque não se trata de fazer uma lei de repressão da imprensa, mas sim de liberdade de imprensa.
Posto isto, devo attribuir a erro typographico a interpretação, que se póde dar às palavras do illustre relator, de que esta lei será uma mordaça.
Outros, porém, poderão dizer que, sem querer, fugiu-lhe a penna de escriptor para o campo da verdade.
S. exa. diz na ultima parte do seu relatorio:
"Tivemos a lei de 3 de agosto de 1850, que era uma mordaça.
"Seguiu-se-lhe a de 17 de maio de 1866, abertamente liberal.
"Temos a de 20 de março de 1890, arbitraria e rigorosa.
"Teremos, se for acceita, a do projecto, liberal como a primeira, affirmando qualidades oppostas á ultima".
Ora se a primeira foi uma mordaça, e se esta é tão liberal como ella, é claro que é tambem uma mordaça. E para mim assim o creio, sr. presidente.
Eu quero admittir que isto foi um erro de composição, mas notavel erro foi este, que definiu involuntariamente o espirito do projecto de lei.
Não julgo eu, porém, que a sua doutrina seja tão apertada como a de 1850, e reputo-a mesmo mais liberal que a de 1890, mas não tanto como a de 1866.
E o que me fere nos meus principios, os mais liberaes, repito, são: o § 1.° do artigo 87.°, o artigo 38.°, os artigos 23.°, e 24.° o artigo 1.° do artigo 3.º, o 2.º do artigo 21.º
Com isto, tenho dito; pedindo á camara desculpas de a ter incommodado com estas considerações tão simples e desconchavadas.
Mas não me calo, sem ter prestado o preito da minha homenagem aos merecimentos e intelligencia do nobre ministro da justiça, que todos conhecem como um jurisconsulto distinctissimo.
S. exa. pertence a uma dynastia de homens togados, de homens honestissimos e honradissimos, que têem revelado no foro portuguez muito talento.
Ainda me recordo, com intensissima saudade, de um seu antecessor na hierarchia juridica, que era não só um venerando ancião, mas um doutissimo advogado que nos todos ouviamos e respeitavamos. E, não havendo no nosso paiz a ordem dos advogados, elle era respeitado como se fosse o bâtonnier dos advogados, e como tal estimado e consultado.
Resalvendo o que acabo de dizer, noa pontos doutrinarios do projecto que não merece a minha approvação, devo declarar que o caracter do sr. ministro da justiça é para mim muito respeitavel, o que este projecto, segundo a orientação do seu auctor, é mais um padrão para a sua gloria como jurisconsulto, á parte, repito, os defeitos que apontei e indiquei na minha simples critica, insistindo na eliminação de taes disposições, a fim de que a futura lei de imprensa possa reputar-se uma lei liberal.