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APPENDICE Á SESSÃO N.º 30 DE 12 DE MARÇO DE 1896 547-A
Discurso do sr. deputado Pereira de Lima, que devia ler-se a pag. 547 da sessão n.° 30 de 18 de março de 1888
O sr. Pereira de Lima: - Pouco tempo tomarei á camara.
Tenho a declarar, em primeiro logar, que pouca tenção tinha de entrar no debate, por me ter fugido completamente a vontade de vir aqui, para um campo em parte politico e em parte juridico, produzir um discurso que fosse mais ou menos consentaneo com as idéas que eu apresentei na commissão do legislação criminal, de que tenho a honra de fazer parte: e isto porque, se não logrei fazer vencer o meu credo liberal perante a commissão, não tenho esperanças de agora o poder conseguir de melhor feita.
De mais a mais, para apresentar aqui as idéas que eu lá expuz, v. exa. e a camara sabem muito bem que nas discussões da commissão falla-se mais á vontade; e portanto, frizo bem, a minha posição é difficil por um lado, e pelo outro revela a franqueza das minhas opiniões, humillimas, mas arreigadas.
O sr. ministro da justiça, com cuja amisade me honro, faz a declaração peremptoria de que isto era perfeitamente uma questão aberta, e que acceitaria todos os alvitres que se apresentassem para modificar o projecto, e assim não levará á má parte qualquer opinião, seja de quem for, e de qualquer modo expendida.
É de mais, diga-se a verdade, era talvez furtar-me a uma grande responsabilidade, depois de ter assignado o projecto com declarações, se eu não viesse aqui apresentar em poucas palavras quaes eram essas declarações.
E desejando que ainda outros oradores possam hoje fallar, direi succintamente que essas declarações se resumem no seguinte.
Rejeito completamente a doutrina do § 1.° do artigo 3.°; rejeito completamente a doutrina do § 2.° do artigo 21.°; a doutrina dos artigos 23.º e 24.º; tenho duvidas sobre o artigo 30.° confrontado com o $ 12.º do artigo 32.º e discordo plenamente do artigo 38.º e seus differentes paragraphos.
Já v. exa. e a camara vêem que eu divirjo bastante, muito até, de alguns pontos principaes da economia do projecto.
Eu sei perfeitamente que n´esta terra todos somos liberaes, e que estou fallando n´uma camara liberal; mas, deixe-me v. exa. dizer, se porventura aqui houvesse um partido verdadeiramente radical, em principios politicos, eu filiava-me n´esse partido.
N´esta ordem de idéas, permitta-se que eu diga, que desejo mais o mal que me venha da imprensa, que o bem que me venha da sua repressão; perdôo todos os maleficios, todas as maladversões, tudo quanto de mau provenha da parte de um jornalista ou da imprensa, agradecendo, em compensação, os grandes beneficiou que têem feito á civilisação, ao progresso e á liberdade.
A rhetorica dava logar n´este ponto a fazer grandes declamações, e a empregar, muitos logares communs, cheios de erudição facil e já atrás citada; mas eu conhecendo, que, por uma questão de clima, todos somos enfermiços d´este mel, pedirei á minha força de vontade o remedio para debellar temporariamente este morbus oratorio, e conter-me-hei nos limites da eloquencia simples e vulgar, fazendo perante a camara um singelo e desataviado protesto, adianta do qual não quero passar por motivos que todos comprehendem.
No meu modo de vêr liberal, não admira, que eu esbarrasse logo n´este § 1.° do artigo 3.°:
"A offensa consisto na publicação de materia em que haja falta de respeito devido ao Rei, aos membros da familia real, soberanos e chefes de nações estrangeiras, ou cujo objecto seja excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas ou censurar o Rei por actos do governo."
Ora, sr. presidente, como esta lei é feita não só para o jornalismo propriamente dito, mas tambem para qualquer publicação graphica, como são, por exemplo, as caricaturas, muito usadas na imprensa moderna, desde o momento em que um jornal de caricaturas apresento o chefe do estado de uma maneira que não seja demasiadamente agradavel a um delegado do ministerio publico, eu tenho receio que aconteça, que esse delegado, olhando ao que dispõe o artigo 21.°, e temendo incorrer na sua pena, promova, sem rasão de maior monta e quiçá sómente por espirito de demasiada meticulosidade.
Acho excessiva a lei n´este ponto, porque, mesmo nos paizes onde não ha muita liberdade, mesmo nas nações onde mais impera a realeza na plenitude do seu poder, como na Allemanha, na Austria, na Russia, e até na Inglaterra, onde o regimen, apesar de constitucional, é ainda mais severo e duro que entre nós, publicam-se jornaes como o Floh, de Vienna, o Ulk, de Berlim, o Punch, de Londres, o Klodderadatack, o Humoristicke listy, e tantos outros; e estes jornaes, de uma fórma mais ou menos innocente, mais ou menos satyrica, apresentam as caricaturas da minha Victoria e dos reis e imperadores que fazem parte do concerto europeu, provocando o bom humor, criticando os ridiculos e talvez mesmo corrigindo a seu modo os defeitos sociaes; e ninguem por isso vae intentar-lhes qualquer processo, attenta a maxima liberdade que se costuma dar a taes publicações, excepto quando ellas excepcionalmente tocam os limites pornographicos.
Sr. presidente, estas palavras "excitar o odio ou o desprezo das suas pessoas" são tão elasticas que sabe Deus até onde ellas poderão chegar. Poderão servir de muito a qualquer ministro palaciano enfatuado do poderio.
Este assumpto é muito escabroso, e tanto que pelas palavras, que vou ouvindo de mim proprio, me vae parecendo, que será bom parar e levantar sómente o protesto de que não concordo com tal doutrina, a qual fere a fundo os minhas convicções politicas.
Ainda n´este ponto direi, que o sr. Barjona de Freitas, na sua lei de 17 de maio de 1866, escapou perfeitamente á definição da offensa para não dar aso a esta interpretação, que de futuro poderá dar rigores de acerba applicação, nos nossos tribunaes.
N´este ponto a lei devia deixar o restricto d´essa definição ao arbitrio do julgador, fiando do seu são criterio, e conhecimento do meio e da epocha.
A offensa já está definida no codigo, penal, artigo 69.°
Mas nem o legislador do codigo penal introduziu n´esse artigo a palavra "desprezo", nem o sr. Barjona de Freitas entendeu metter-se em assumpto tão escabroso, - frizo bem a palavra, escabroso, - e de interpretação assas difficil.
Passemos adiante.
O § 2.° do artigo 21.° diz:
"A falta de cumprimento do disposto n´este artigo e seu § 1.° será punida com qualquer pena disciplinar, e até com
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APPENDICE Á SESSÃO N.º 30 DE 12 DE MARÇO DE 1896 578-A
Discurso do sr, deputado Oliveira Matos, que devia ler-se a pag. 533, da sessão n.° 30 de 12 de março de 1898
O sr. Oliveira Matos: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação, assignada por quarenta e dois ex-arbitradores judiciaes do districto de Coimbra, pedindo a v. exa. que se digno consultar a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.
Antes, porém, de mandar a representação para a mesa, permitta-me v. exa. que eu me dirija ao nobre ministro da justiça, chamando a sua attenção para o que pedem muito justamente os peticionarios que a assignaram.
E devo dizer que o meu illustre amigo e collega o sr. desembargador Francisco Matoso, zeloso deputado por Coimbra, tambem já ha dias chamou a attenção de s. exa. para o mesmo assumpto.
Tambem sei que s. exa. foi procurado no seu ministerio por uma numerosa commissão, que vinha solicitar a sua alta protecção, para que fosse deferido o pedido de justiça a que julga ter direito a numerosa o desvalida classe dos arbitradores judiciaes (Apoiados) que se mostra, e ao que parece com rasão, muito queixosa de que não tenham já sido attendidas as suas juntas reclamações. E que lamenta e sente que se esteja prolongando a apresentaçã do regulamento que s, exa. prometteu, e sem o qual se não póde pôr em vigor a lei que reforma o serviço judicial. (Apoiados.)
Já tive occasião, n´uma das sessões passadas, de me dirigir ao illustre sr. ministro da justiça, ponderando-lhe os graves transtornos que esta causando a demora do seu promettido regulamento, d´este e ainda do outros serviços judiciaes, que, pela nova reforma concelhia, ficaram e estão ainda fóra das comarcas a que antigamente pertenciam.
E v. exa. tem recebido directamente, e eu mesmo já tenho sido portador, de varias queixas em que os signatarios pediam o chamavam a attenção do sr. ministro, esperando que lhes fosse feita a inteira justiça, mas com a urgencia que o caso pedia, fazendo cessar um mal que tanto prejudica os povos que reclamam.
Bem sei que muitos outros negocios de estado de alta importancia prendem a attenção de s. exa. e do governo, e de certo se occupam primariamente d´elles do que d´estes para que estou chamando a attenção de s. exa.; mas para tudo ella é precisa.
E desde que se começou a fazer uma sabia e justa reforma, que teve por fim satisfazer as reclamações dos povos, emendando os erros o males passados, é justo, é equitativo, é urgente o indispensavel, que ella se faça e venha por completo...
O sr. Francisco Matoso: - Apoiado.
O Orador: -... e a tempo de produzir, e se utilisarem sem demora, os seus beneficos resultados.
É d´esta prolongada demora ano se está dando, e mal se justifica, que ou povos se queixam!
Dizendo, pois, a v. exa. muito em resumo, o que vem requerer e o que esperam os infelizes ex-arbitradores judiciaes, exporei o seguinte, que se deprehende da sua representação:
1.° Que o serviço seja feito por escalla e distribuido pelos contadores e distribuidores do juizo, como o dos escrivães;
2.° Que o numero dos arbitradores não seja mais do que dez nas comarcas de 1.ª classe, oito nas de 2.ª, e seis nas de 3.ª, sem prejuizo dos despachados ou reintegrados nos termos da lei;
3.° Que a tabella judicial seja modificada em seu beneficio, quanto possivel e equitativamente, na parte relativa a inventarios orphanologicos;
4.º Que a contribuição seja paga por meio de estampilhas, nos processos, como succede aos restantes empregados publicos;
5.° Que a lotação dos direitos de mercê não seja superior a 100$000 réis, porquanto ficam equiparados os interesses pelo numero da arbitradores.
V. exa., que bem conhece o assumpto, muito melhor do que eu, poderá avaliar a importancia d´esta reclamações de que eu sou portador; e espero por isso, que v. exa. tornando-as na devida consideração, não só os attenderá no que for rasoavel, mas, como é de toda a justiça, dentro do mais limitado periodo de tempo, sem demora nem delongas, tão prejudiciaes aos interessados, como ao serviço publico.
Eu estou bem convencido de que a demora que tem havido não tem sido por vontade ao nobre ministro da justiça, que é, como todas sabem, diligente e activo como poucos; mas o que é certo é que ella se dá, e que, tendo-se publicado a reforma ha tanto tempo, os desgraçados povos continuam a esperar e a soffrer indefinidamente! E se v. exa. não tomar uma protectora deliberação, mas com presteza, continuarão a ser desattendidos nas suas reclamações e prejudicados nos seus direitos, os povoa e os arbitradores, que tanto confiam no zêlo e intelligencia de v. exa. a quem se soccorrem.
Termino, mandando para a mesa a representação, e, como já disse, peço a v. exa. que, obtida a permissão da camara, a faça publicar no Diario do governo. E ao sr. ministro da justiça peço, com todo o empenho, que, tomando em alguma consideração os minhas modestas observações, não me dê margem a que eu tenha de voltar a este assumpto, porque é sempre desagradavel o estar a fatigar a attenção da camara e da ministros com repetidas reclamações de justiça, quando por qualquer fórma elles as não queiram ou não possam satisfazer promptamente, como lhes cumpre, dando causa aos reparos e descontentamentos dos povos e dos seus representantes n´esta casa.
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547-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
a demissão, conforme a gravidade do caso, immediatamente applicada, sob proposta do superior hierarchico do magistrado negligente."
Isto diz respeito aos delegados do ministerio publico. A magistratura portugueza não tem precisado d´este incentivo, e parece-me que tem cumprido o seu dever.
Eu não tenho procuração d´ella; entretanto devo dizer que me desagrada ver introduzido isto n´uma lei, como uma admoestação, um aviso previo, contra a sua pseudopreguiça. Os delegados do ministerio publico têem até hoje cumprido a alta missão do seu cargo.
Não é só por este lado que tambem me opponho, é ainda porque o delegado do ministerio publico ha de, em face d´este paragrapho, instaurar processos à tort et à travert; de mais a mais, tratando-se de rapazes saídos das escolas, querendo ter o prurido de fazerem reclame ao seu zêlo, á sua actividade, na esphera das promoções, para assim se notabilisarem perante os seus superiores e adiantarem talvez a sua carreira, usando um pouco mais de rigor. E assim ver-se-ha, que alguns hão de promover processos contra muitos jornaes sem bastante e justificado motivo.
Temo, portanto, esta disposição, porque um tal incentivo é demasiado forte, e dará de sobra logar a muitos abusos.
Prosigamos, lavrando mais este protesto.
Os artigos 23.° e 24.° dizem:
"Os crimes de abuso de liberdade de imprensa serão julgados com intervenção de jury, salvo nos casos de offensa, injuria e nos de diffamação, quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados.
"Os crimes de offensa, injuria e os de diffamação, quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados e o procedimento judicial não depender de requerimento de parte, serão julgados por um tribunal collectivo."
Estas palavras "quando não for admissivel prova sobre a verdade dos factos imputados" precisavam de um commentario de muitas paginas, mas não me metto n´isso, porque mingua o tempo e não lograria que se eliminasse tal disposição, porque tambem prende com o artigo 3.° e portanto com o tal assumpto muito escabroso.
Deixe-me agora, porém, v. exa. dizer perante a camara que discordo, quanto ao jury, da opinião dos meus distinctos collegas o sr. Montenegro e o sr. Kendall, que produziram dois brilhantissimos discursos, e nem outra cousa era de esperar dos seus esperançosos talentos já manifestados, n´um como habilissimo professor universitario, e no outro como distincto causidico.
S. exas. demonstraram, com muita erudição, as suas opiniões favoraveis ao projecto e contrarias á instituição do jury; eu apresentarei tambem o meu humillimo parecer, patentearei o meu ideal, dizendo: quero o jury para tudo em que se lhe possa dar logar e cabimento juridico.
A lei de liberdade de imprensa é uma lei de excepção, poderá dizer-se, e por isso deve cercear-se o papel do jury, attribuindo tudo ao julgador togado, mas o julgador togado na plenitude da sua alta missão juridica e na verdadeira altura a que ella se deve elevar, deve julgar do direito, e nos crimes de liberdade de imprensa ha quasi sempre tambem questão de facto.
Quanto mais se interessar o jury no funccionamento juridico, melhor será, quanto a mim, para a causa da liberdade e da civilisação.
E por isso, n´esta lei de liberdade de imprensa eu desejaria o jury para todos os casos, embora isso importasse nalgumas, ainda que raras vezos, converter o jury em julgador de facto e de direito, ficando ao juiz togado a presidencia do tribunal.
Na Inglaterra ha o jury para o facto e para o direito, e nem por isso deixam de ser respeitadas, justas e acertadas as suas decisões, como diz Lacombe nos seus Estudos sobre a moderna Inglaterra.
Deixar tudo aos juizes de direito, singular ou collectivamente, é muito para uma lei, que em muitos casos se póde transformar n´uma arma politica.
Tambem no tempo de D. Miguel havia juizes singulares, e em nome dos principios que elles defendiam e haviam jurado defender, íam enchendo de presos politicos as prisões do Porto e Almeida, atulhando as masmorras do Limoeiro e da Junqueira, julgando cumprirem o seu dever; e assim poderão ámanhã fazer o mesmo outros juizes singulares, em nome do ideal politico que defenderem.
E isso repugna-me assás, sr. presidente:
Com o jury, instituição liberal, por excellencia de origem e funcções, já não acontece isso.
Bem sei que seria necessario que educassem mais o jury, mas no seu repetido funccionamento está a sua melhor educação, isto em geral.
A lei da imprensa é uma lei de excepção? De certo.
Crie-se, pois, para ella um jury de excepção, em que entrem as forças intellectuaes do paiz e em que estejam representados tambem o commercio, a industria, a agricultura e até o operariado, porque a todos diz respeito esta questão da manifestação do pensamento pela imprensa moderna.
Eu podia a este respeito estender-me em largas considerações e fazer a proposito eruditas citações de distinctos escriptores e publicistas; não o faço, porque está no meu programma sustentar com toda a simplicidade as minhas idéas, resumindo-me o mais possivel.
Ha tambem n´este projecto um artigo, cuja interpretação é necessario esclarecer, de maneira que não fiquem duvidas quanto á fórma do processo. É o artigo 31.° confrontado com o artigo 32.°, § 12.°
Diz o artigo 31.°:
"Do despacho, proferido nos termos do artigo antecedente, caberá recurso, com effeito suspensivo, que subirá nos proprios autos, e será interposto, processado e julgado, como os aggravos de petição."
Estes aggravos ficarão apenas na relação, ou subirão até ao supremo? Porque, emquanto aqui nada se refere á sua subida até ao supremo tribunal, contrasta com este silencio, que se póde tomar como uma negação, a clara e taxativa affirmação da alçada até ao supremo, que o artigo 32.°, § 12.° preceitua para o caso a que n´elle se refere. Pois diz o dito § 12.°:
"Da sentença absolutoria, com intervenção do jury, caberá recurso de revista para o supremo tribunal de justiça; da sentença condemnatoria, como do accordão collectivo, caberá recurso de appellação do districto; e do accordão d´esta caberá recurso de revista, para o supremo tribunal de justiça."
No artigo 31.° portanto, repetimos, nada se determina quanto ao recurso subir até ao supremo, e como no artigo 32.°, § 12.° se diz que no caso previsto n´elle póde subir, pareço que a omissão de tal disposição no artigo indica, que o recurso não passará da relação.
Mas isto é uma questão secundaria, de simples fórma de processo, que estou certo será supprida pela erudição dos meus illustres collegas, quando se tratar da discussão das emendas do projecto.
Fica, portanto, consignada a duvida, alvitrando que o recurso em todos os casos deve subir até ao supremo tribunal de justiça.
Temos agora o artigo 38.°
Diz o seguinte:
"É prohibido, sob pena de desobediencia, abrir subscripções publicas para despezas relativas á, processos criminaes seus incidentes o respectivas cauções."
Não acho, nem achava no seio da commissão, que isto fosse perigoso para as instituições ou para a ordem publica. Que importa de perigoso que seja publica a subscripção aberta à favor d´este ou d´aquelle jornal que não tem meios
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APPENDICE Á SESSÃO N.º 30 DE 12 DE MARÇO DE 1898 547-C
para pagar os honorarios do advogado, as custas e a multa! Todos sabem que n´estes casos de publicidade prohibida dá mais appetite ler o jornal que foi prohibido, do que muitas vezes quando elle anda em circulação franca e assentida, contendo, aliás, artigos mais attrabiliarios, mais vibrantes de critica acerba e mordaz.
Faz-se assim o que se chama o successo jornalistico, produzido unicamente pela prohibição da publicidade.
O mesmo acontece com as subscripções para as despezas dos processos intentados contra os diversos jornaes ou jornalistas.
Se todos souberem, que não se podem fazer subscripções publicas, acontecerá que quatro, cinco ou seis amigos ou correlegionarios do jornalista incriminado promovem uma subscripção às occultas, dando ao caso os foros de martyrio, e assim facilmente arranjam muito mais dinheiro do que arranjariam, se não estivessem inhibidos de o fazer publicamente, "sob pena de desobediencia", como no projecto se diz.
Como a pena, porém, é de desobediencia e isso dá logar a um processo especial, estou persuadido do que os julgadores não serão tão rigorosos na sua applicação como foi rigorosa a commissão com a doutrina do artigo 38.º
Agora o ponto capital para mim é o § 1.° do artigo 39.°, que diz o seguinte:
"A prohibição facultada n´este artigo poderá ser ordenada e effectuada pela auctoridade administrativa, mas será immediatamente submettida ao competente juiz de direito, a fim d´este a confirmar ou annullar."
Sr. presidente, eu ainda ha pouco ouvi dizer que isto já estava consignado no codigo administrativo. Bem sei.
Mas por estar consignado no codigo administrativo, feito pelo partido conservador, a que succedeu no poder o partido progressista, para mim é mais uma rasão para que até mesmo do codigo administrativo se elimine tal disposição tanto mais que esse partido tem no seu programma a reforma d´esse codigo, em sentido mais liberal e descentralisador.
Mas quando muito deixem tal doutrina como administrativa, e nunca fazendo parte do corpo de doutrina de uma lei que pretende regular a manifestação do pensamento, sob a epigraphe de lei de liberdade de imprensa.
Um codigo administrativo varia, geralmente, conforme os governos que estão no poder, mas uma lei de liberdade de imprensa, que é mais duradoura e que representa principalmente o alto ideal da grande força social moderna, que se chama o jornalismo, deve representar um padrão juridico, e por isso parece-me, que em parte alguma e muito menos n´este logar deve ter cabimento este principio, contra o qual o meu espirito liberal protesta energica e accentuadamente, e sobre o qual me apresentei aberta e intransigentemente em discordancia com a opinião dos meus collegas da commissão.
E não podendo conseguir a eliminação, cheguei a apresentar uma substituição, que foi taxada de inexequivel, mas que em todo o caso vou repetir á camara.
O meu alvitre era, quando a auctoridade administrativa suppozesse que havia offensa ao Rei ou a qualquer membro da familia real, ultrage á moral publica, crime contra a segurança do estado ou provocação a elle, immediatamente, depois do apparecer o jornal, e pelo processo que segue a auctoridade administrativa de ver o primeiro exemplar, se dirigisse ao juiz competente para que elle, no praso de horas, désse o seu despacho, o segundo este despacho poderia circular ou não o numero do jornal a que elle se referia.
Isto ao menos não seria tumultuario, e o poder judicial, que tinha a Julgar depois o facto, começava, por assim dizer, um principio de instrucção criminal sobre o assumpto, se encontrasse materia suficiente para a prohibição da circulação.
Nem isto pude conseguir.
Dizem que nem todos os juizes podem estar disponiveis, para julgar do facto, às horas em que o jornal deve estar na rua, e apresentam ainda outros argumentos, que não colhem força de convencer, o que só me levam mais a propor a eliminação de tal disposição.
Entendo, portanto, torno a repetir, que embora isto se determinasse na codigo administrativo, não se podia consignar n´esta lei, que devia ser uma lei liberal, porque não se trata de fazer uma lei de repressão da imprensa, mas sim de liberdade de imprensa.
Posto isto, devo attribuir a erro typographico a interpretação, que se póde dar às palavras do illustre relator, de que esta lei será uma mordaça.
Outros, porém, poderão dizer que, sem querer, fugiu-lhe a penna de escriptor para o campo da verdade.
S. exa. diz na ultima parte do seu relatorio:
"Tivemos a lei de 3 de agosto de 1850, que era uma mordaça.
"Seguiu-se-lhe a de 17 de maio de 1866, abertamente liberal.
"Temos a de 20 de março de 1890, arbitraria e rigorosa.
"Teremos, se for acceita, a do projecto, liberal como a primeira, affirmando qualidades oppostas á ultima".
Ora se a primeira foi uma mordaça, e se esta é tão liberal como ella, é claro que é tambem uma mordaça. E para mim assim o creio, sr. presidente.
Eu quero admittir que isto foi um erro de composição, mas notavel erro foi este, que definiu involuntariamente o espirito do projecto de lei.
Não julgo eu, porém, que a sua doutrina seja tão apertada como a de 1850, e reputo-a mesmo mais liberal que a de 1890, mas não tanto como a de 1866.
E o que me fere nos meus principios, os mais liberaes, repito, são: o § 1.° do artigo 87.°, o artigo 38.°, os artigos 23.°, e 24.° o artigo 1.° do artigo 3.º, o 2.º do artigo 21.º
Com isto, tenho dito; pedindo á camara desculpas de a ter incommodado com estas considerações tão simples e desconchavadas.
Mas não me calo, sem ter prestado o preito da minha homenagem aos merecimentos e intelligencia do nobre ministro da justiça, que todos conhecem como um jurisconsulto distinctissimo.
S. exa. pertence a uma dynastia de homens togados, de homens honestissimos e honradissimos, que têem revelado no foro portuguez muito talento.
Ainda me recordo, com intensissima saudade, de um seu antecessor na hierarchia juridica, que era não só um venerando ancião, mas um doutissimo advogado que nos todos ouviamos e respeitavamos. E, não havendo no nosso paiz a ordem dos advogados, elle era respeitado como se fosse o bâtonnier dos advogados, e como tal estimado e consultado.
Resalvendo o que acabo de dizer, noa pontos doutrinarios do projecto que não merece a minha approvação, devo declarar que o caracter do sr. ministro da justiça é para mim muito respeitavel, o que este projecto, segundo a orientação do seu auctor, é mais um padrão para a sua gloria como jurisconsulto, á parte, repito, os defeitos que apontei e indiquei na minha simples critica, insistindo na eliminação de taes disposições, a fim de que a futura lei de imprensa possa reputar-se uma lei liberal.