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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. Ministro da Fazenda, pronunciado na sessão de 16 de fevereiro, que devia ler-se a pag. 397, col. 1.ª, d'este Diario.

O sr. Ministro da Fazenda (Antonio de Serpa): — O illustre deputado, com a competencia, que sou o primeiro a reconhecer, acaba de chamar a attenção da camara para um dos negocios mais importantes, do que póde tratar um parlamento, como é a questão de fazenda.

Estou de accordo com s. ex.ª em que este importantissimo assumpto do orçamento tem sido descurado entre nós, e tão descurado tem sido, que durante muitos annos não se discutiu nem se votou o orçamento.

Foi necessario que viesse ao poder o governo de que tenho a honra de fazer parte, para que se voltasse ao antigo systema, ao systema legal e constitucional de discutir e de votar o orçamento nas duas camaras legislativas.

Tem sido descurada entre nós esta questão do orçamento, e acabei de dizer á camara qual é o facto que prova como ella se tem descurado em alguns das ultimos annos.

A vantagem da discussão do orçamento não está sómente na discussão larga e minuciosa d'este importante assumpto; está primeiro que tudo no facto do cumprimento da lei, no facto de ser submettido á discussão dos representantes do paiz, e de ser por elles votado. A camara póde votar sem discutir, ou vota-lo depois de uma discussão curta e peremptoria, como faz a respeito de muitos projectos.

O illustre deputado, que é muito illustrado, que está ao alcance do que se passa n'outros paizes, sabe perfeitamente que em muitos parlamentes, tão liberaes como illustrados, a discussão do oi comento occupa muitas vezes apenas uma ou duas sessões. Nem isso admira: o orçamento transcreve as verbas que estão auctorisadas por leis anteriores. Há essas leis carecem de modificação, essa modificação é proposta em projectos de lei especiaes. Nos primeiros tempos do regimen representativo em todos os paizes discutiam-se muito os orçamentos, cuja fórma a principio era incompleta e irregular. Hoje estas discussões são menos importantes e mais rapidas. Mas o que é importante é o cumprimento do primeiro dever constitucional, é votar o orçamento do estado. Este dever, que outros têem descurado, temos nós cumprido religiosamente.

Diz o illustre deputado que a discussão do orçamento

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não é nada, que não ha fiscalisação possivel, emquanto o tribunal de contas não desempenhar as funcções todas que lhe estão incumbidas, emquanto não proferir a sua declaração, que o tribunal não tem podido proferir por motivos independentes da sua vontade, como elle tem dito nos seus relatorios.

Agora no que não estou de maneira nenhuma do accordo é em que a causa d'isto seja os membros do tribunal de contas pertencerem á camara dos deputados, á camara dos pares ou ao ministerio.

Oh! sr. presidente, pois por que 03 membros do tribunal de contas não são estranhos á politica é que o tribunal não desempenha hoje as funcções que deve desempenhar?

Todos sabem que infelizmente o systema da contabilidade não está ainda entre nós tão bem regulado que o tribunal de contas, apesar dos seus desejos, e de o ter manifestado nos seus relatorios, o possa fazer como devia. Em primeiro logar era necessario que fossem remettidos aquelle tribunal todos os documentos de despeza; sem isso aquella fiscalisação não póde ser o que convem.

Nem o tribunal sem o augmento do seu pessoal, mesmo independentemente de outras reformas na contabilidade publica, poderia desempenhar as funcções todas que lhe incumbia no assumpto de que se trata. Mas d'aqui a dizer-se com verdade que sem a declaração proferida pelo tribunal não póde haver fiscalisação possivel, por parte do parlamento, vae uma distancia infinita.

O governo publica todos os annos as suas contas, e á vista d'ellas e do orçamento, as camaras têem os bastantes elementos para poderem exercer a fiscalisação necessaria sobre a gerencia financeira do governo.

Não sei se nos outros paizes existe alguma lei que afaste os membros do tribunal de contas das funcções politica?. Creio que não. Em todo o caso não existe nas nossas leis aquella incompatibilidade, nem ella foi proposta peles governos de que o illustre deputado tem feito parte, nem creio que tenha rasão de ser. Assim como aos juizes e outros funccionarios a lei permitte serem deputados ou pares, tambem aos membros do tribunal de contas concede o mesmo direito. Em todo o caso o illustre deputado quando esteve n'estas cadeiras não julgou aquella incompatilidade necessaria, para que o tribunal de contas se podesse desempenhar das suas funcções.

O illustre deputado, passando a fazer o seu calculo sobre a receita e despeza durante quatro annos, apresentou uma serie da considerações tendentes a provar que, se o governo tivesse procedido de outra maneira, estariam as finanças do estado hoje em situação muito mais lisonjeiro, a divida seria menor, o deficit estaria completamente extincto, e que feriamos até reformado com vantagem alguns dos nossos impostos.

(Interrupção.)

São duas escolas. Eu estou inteiramente convencido de que o governo deu ao crescimento da receita que temos tido a mais vantajosa e util applicação. Estou mesmo convencido de que aquelle crescimento não teria sido tão grande, e sobre tudo não o seria ainda mais no futuro, se não tivessemos feito as despezas de que nos accusam, vantajosas e reproductivas.

O illustre deputado queria que os 4.000:000$000 réis que gastámos na construcção dos caminhos de ferro do Minho fossem gastos em outra cousa?

Creio que não.

A minha opinião, a opinião do governo, a opinião da maioria é que nós os empregámos bem, e que n'aquelle emprego são muito mais productivos e concorrem muito mais para a prosperidade do paiz, do que se os tivesse empregado em ter um saldo positivo e em reformar os impostos. (Apoiados.)

Eu sou de voto que é necessario reformar alguns impostos; concordo que não chegámos á perfeição, nem mesmo se chegou ainda em paiz nenhum; mas a primeira necessidade n'um paiz que chegou ao estado em que nos achamos ha trinta annos, a primeira necessidade digo, é desenvolver a riqueza publica, embora tenhamos de fazer alguns sacrificios recorrendo ao imposto.

Creio pois que, empregando essa verba em desenvolver a riqueza publica, temos dado o melhor emprego que lhe podiamos dar. (Apoiados.)

Não seguirei o illustre deputado nos seus calculos para provar que temos gasto 12.000:000$000 réis a mais do que era necessario para consolidar a divida fluctuante que encontrámos. Acceito os calculos. São 12.000:000$000, são 15.000:00$000 réis, o que quizer. Resta provar que elles foram mal gestos. Podiamos ter evitado estas despezas. Podiamos ter deixado do construir muitas estradas, podiamos ter deixado de construir as obras de caminhos de ferro que temos construido, podiamos ter deixado de comprar navios e de fazer outras obras, podiamos ter deixado de comprar cavallos, equipamento, armas, artilheria. E n'este caso podiamos ter tido um saldo positivo e ter reformado alguns impostos. Talvez! Mas o nosso systema é outro. A questão da governação publica não consiste sómente em não ler deficit. As despezas reproductivas, dentro dos limites rasoaveis, fazem hoje o deficit, para nos dar ámanhã os recursos necessarios para o preenchermos, e para satisfazer a outras necessidades.

Se não gastássemos o que temos gosto com obras publicas o com o exercito, de carto não teriamos uma cousa nem outra. Todos sabem o estado em que se acha hoje o armamento do nosso exercito, que s. ex.ª diz não serve de nada.

Essa é a opinião do illustre deputado, mas a minha, a do governo e a da maioria é de que o exercito tinha chegado a um tal estado, que era indispensavel attender ao seu armamento. (Apoiados.)

A opinião do illustre deputado é muito respeitavel; a nossa é que as cousas não se fazem por transformação repentina, é necessario prover-se a tempo. (Apoiados.) E se estamos longe da perfeição, creio que nunca estivemos n'uma situação militar como aquella em que nos achámos hoje, e com o exercito armado da maneira por que o está. (Apoiados.)

A lei do recrutamento não é ainda tão má como a querem fazer, parque, executada ella, fazendo-se todos os esforços para que ella se execute, podemos ter um numero sufficiente de homens em armas. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Luiz de Campos, que não se percebeu.)

Podemos ter um exercito instruido em harmonia com os nossos recursos e com a nossa população, se a lei do recrutamento for fielmente executada, porque 10:000 homens que annualmente forem sendo chamados ás fileiras, isto é, á instrucção e disciplina militar, dão-nos dentro de poucos annos um numero de homens em todo o paiz adestrados para a guerra, para poderem ser chamados n'um momento dado, n'um momento de perigo, comtanto que tenhamos armas, munições o fortificações.

Pergunto, quem é que tem cumprido a lei, e olhado assim pelos interesses mais vitaes do para? São os governos que passem annos sem lançar este tributo de sangue, ou são aquelles que tratam de a fazer executar? (Apoiados.)

Não digo que nós tenhamos conseguido tudo, mas conseguimos mais do que os outros. É já alguma cousa. (Apoiados.)

O illustre deputado fez-me a honra de acreditar, julgando naturalmente que as suas idéas são as melhores, que as minhas tendencias eram para as suas idéas; e se não as tenho posto em execução, é porque me falta a coragem para resistir aos meus collegas.

(Interrupção.)

O illustre deputado e a camara podem não acreditar; mas as pessoas que me conhecem sabem que não tive ne-

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nhuma ambição por estas cadeiras. Se não estivesse de accordo com os meus collegas, não estava aqui, nem mais um momento. (Interrupção.)

Estou completamente de accordo em todas as applicações que se têem dado aos creditos extraordinarios. (Interrupção.)

O que terá a nossa felicidade com o accrescimo da receita e com o melhoramento do credito? Felicidade é uma palavra vaga, que não sei o que significa na administração da fazenda publica.

Uma voz: — Antes feliz do que tumba. (Riso.)

(Interrupção.)

O Orador: — Falla-se em economias. Quer a camara saber o que foram certas economias? Havia uma repartição que tinha 19 empregados, reduziam-se a 14; uma secretaria tinha 10 primeiros officiaes, reduziam-se a 8; 25 amanuenses reduziam-se a 18; e não se reformavam nem se simplificavam os serviços. Fazia-se aqui uma economia de 2:000$000 réis, ali uma da 3:000$000 réis, acolá outra de 5:000$000 réis. Os relatorios vinham mencionando grandes economias; mas essas economias não passavam do papel em que foram escriptas. (Apoiados.) Os serviços que se diziam reformados continuavam com os mesmos empregados, sem que n'aquelle momento se realisasse nenhuma diminuição de despeza. Passam-se os annos, e os empregados, uns fallecem e outros vão-se aposentando. O serviço não pode fazer se, mas os successores que lá se avenham como poderem.

E outra a nossa escola.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Escola onde tem adquirido alguma pratica.

O Orador: — É verdade, e temos tido comnosco a maioria da camara e do paiz. (Apoiados.)

O illustre deputado que me precedeu fez ao governo e á situação a accusação mais injusta que podia fazer lhe. Disse que nós, o partido regenerador, as situações presididas pelo sr. Fontes, faziamos as despezas que lisonjeavam o paiz, e que deixávamos os encargos para os successores.

Os factos dizem-nos exactamente o contrario. Pois o sr. Fontes não foi por longo tempo accusado do celebre aphorismo — o povo póde e deve pagar mais! — Será isto lisonjear o paiz.

Na primeira administração do sr. Fontes, quando no paiz começou a vigorar uma politica verdadeiramente reformadora, quando se emprehenderam os primeiros melhoramentos materiaes, fez se lhe guerra porque pretendia crear impostos, crear os recursos necessarios para pagar os melhoramentos publicos.

Em 1856 e 1860, quando se propozeram e votaram os caminhos de ferro que hoje temos, o sr. Casal Ribeiro, então ministro da fazenda, propoz uma grande reforma de impostos, que em grande parte ainda hoje vigora, e os seus successores, o governo historico, de que o illustre deputado fez parte, viveu por espaço de quasi cinco annos sem ter de lançar outro imposto mais do que o pequeno augmento de 80:000$000 réis na contribuição predial.

Em resultado das importantes medidas da iniciativa do sr. Casal Ribeiro a receita publica augmentou em quatro annos na importancia de 4.000:000$000 réis. Mas sabe s. ex.ª a rasão porque esse augmento não melhorou sensivelmente o estado das nossas finanças?

Foi porque durante aquella epocha, toda da gerencia de um governo historico, a despeza ordinaria do estado, não fallo da despeza extraordinaria com melhoramentos publicos, fallo da despeza ordinaria, despeza com o serviço ordinario dos ministerios e com a junta de credito publico, augmentou em 3.800:000$000 réis, de modo que o excesso de receita ordinaria apenas excedeu em 200:000$000 réis o excesso da despeza ordinaria.

Agora o que succede? A receita ordinaria em quatro annos tambem cresceu 5.500:000$000 réis e a despeza ordinaria, ministerios e junta do credito credito publico, apenas cresceu, como eu demonstrei no meu relatorio, réis 3.200:000$000, mesmo chamando despeza ordinaria a que se designa no orçamento com o nome de despeza extraordinaria de alguns ministerios, e que se vota todos os annos. (Interrupção.)

Quer dizer, a receita cresceu muito mais que a despeza, 2.300:000$000 réis.

Passámos de um deficit de muitos mil contos, deficit, note-se bem, entre as despezas e receitas ordinarias.

Uma voz: — E agora?

O Orador: — Qual era o deficit nos annos de 1868 e 1869? Era de réis 5.000:000$000, 6.000:000$000 e 7.000:000$0000.

O sr. Braamcamp: — O orçamento apresentado pelo sr. Carlos Bento foi em 1871-1872.

O Orador: — O sr. Carlos Bento fez um calculo n'essa epocha, mas o facto é que n'esse anno o deficit foi muito superior.

(Interrupção.)

Agora temos porventura um deficit de 7.000:000$000 réis? Agora não ha deficit entre as receitas e as despezas ordinarias. Temos tido nos ultimos annos um deficit de 2.000:000$000 réis por despezas extraordinarias feitas com melhoramentos publicos e com o armamento do exercito.

A questão toda é saber se esta despeza foi bem feita.

Eu tomei alguns apontamentos sobre o discurso do illustre deputado que fallou ultimamente, mas não sei bem se os vou seguindo com toda a ordem, e vou respondendo ao que me lembra.

Disse o illustre deputado que bastava levar aos olhos o parecer da commissão para se ver que o deficit ha de ser muito maior do que o anno passado. A despeza será maior, o deficit não, porque o augmento da receita será maior do que o da despeza.

O illustre deputado sabe que a despeza foi augmentada por algumas leis votadas n'esta casa, mas felizmente a receita n'este periodo tem crescido n'uma proporção mais favoravel. O crescimento da receita no semestre passado já cobre quatro vezes quasi o augmento da despeza que se encontra no parecer da commissão. No mez de janeiro a receita das alfandegas de Lisboa e Porto excedeu a do anno anterior 90:000$000 réis; e já nos primeiros quinze dias d'este mez cresceu, em relação a igual periodo do anno passado, mais de 30:000$000 réis...

O sr. Osorio de Vasconcellos: — E a divida fluctuante?

O Orador: — E verdade que tem crescido, mas o illustre deputado queria que não houvesse deficit tendo-se feito despezas extraordinarias?

Mas qual é o paiz que, chegando a faltar-lhe a terça parte da receita para a sua despeza ordinaria, póde em quatro annos elevar a receita ao ponto de extinguir completamente o deficit, mesmo tendo de fazer despezas extraordinarias?

Em 1867 o governo fez exactamente o contrario do que o sr. Braamcamp acaba de dizer; vendo que era necessario gastar em melhoramentos publicos, tratou de alcançar os meios necessarios para satisfazer os encargos d'ahi provenientes. Crearam-se então recursos importantes, e desappareceram do orçamento dois mil e tantos contos de deficit.

(Interrupção do sr. Mariano de Carvalho, que não se ouviu.)

Citarei ao illustre deputado a opinião de um estadista, que é de certo auctoridade competentissima e reputada em materia de finanças, o sr. marquez d'Avila.

Dizia ha poucos dias o sr. marquez d'Avila, tratando-se de não sei que economia que tinha feito n'uma repartição publica não sei que governo, dizia: «As importantes

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economias fazem-se nas operações do thesouro. Essas é que se contam por centenares e milhares de contos de réis, e não as que cerceiem os ordenados de tres ou quatro empregados.» (Apoiados.)

O governo actual não pede ser accusado de não ter aproveitado as circumstancias prosperas nas operações do thesouro.

Os illustres deputados, ainda ha tres annos, quando se tratava da consolidação da divida fluctuante, instavam commigo para que eu trouxesse uma proposta de lei para o governo ser auctorisado a consolidar a divida fluctuante em condições mais largas do que as da lei de 13 de março de 1858; e eu disse-lhes que não trazia, porque não o julgava necessario, e esperava fazer aquella operação dentro dos limites da lei.

O sr. Mariano de Carvalho: — Era outra a questão.

O Orador: — Era tambem outra, mas era tambem essa uma das questões.

Eu disse que os governos passados tinham abusado d'aquella lei, e sabem o que me respondiam? Que se se tinha abusado da lei era em virtude da suprema lei da necessidade.

O illustre deputado acabou de dizer que a França, depois dos ultimos sacrificios que fez em consequencia da ultima guerra, está em circumstancias excepcionaes relativamente á sua divida, mas que nós pouca vantagem lhe levámos n'este particular.

Eu perguntarei se a França poderia tirar-se tão depressa do estado em que se encontrou depois da guerra, se, durante longos annos, a administração de tres governos, o da restauração, o de Luiz Filippe e o do imperio não tivesse empregado sommas immensas no melhoramento das suas condições.

A França resistiu, e o que lho deu forças para isso foi o desenvolvimento dos recursos do paiz.

Não desejo por agora cansar mais a attenção da camara.

Creio que haverá accordo em que a proposta mandada para a mesa pelo illustre deputado seja enviada á commissão, e por isso, quando vier o respectivo parecer, então discutiremos esse assumpto.

Discurso do sr. deputado Pinheiro Chagas, pronunciado na sessão de 16 de fevereiro, que devia ler se a pag. 398, col. 2.ª d'este Diario

O sr. Pinheiro Chagas: — Vejo-me obrigado a começar por um assumpto que não tencionava discutir, visto que a interrupção do sr. Thomás Ribeiro veiu levantar uma questão que me parece utilissimo que se discuta n'esta camara.

Se fosse seguida a doutrina do sr. Thomás Ribeiro, se por patriotismo occultassemos ao paiz a verdade que elle deve saber, esse patriotismo poderia conduzir-nos ás mesmas condições que conduziram a França a Sédan, como muito bem disse o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Thomás Ribeiro, interrompendo o orador, que me precedeu, fallou como poderia fallar Rouher na assembléa franceza.

O sr. Thomás Ribeiro attribuiu os desastres da França aquelles que combatiam, no segundo imperio, as illusões com que muitos pretendiam embalar esse paiz; é forçoso portanto que se lhe diga, que onde estava o patriotismo não era nos homens que illudiam a França e que a conduziram a Sédan; era no coronel Sttofel, que dizia a verdade ao seu governo, que lhe dizia que não estava capaz de se medir com a Prussia, porque esta estava armada convenientemente e tinha um exercito solido e serio. (Muitos apoiados.)

Quem dizia a verdade á França era Thiers, e foi Thiers quem a arrastou á ruina, ou foi Thiers quem a salvou dos ultimos desastres? (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Os que a illudiram foram os que a levaram a Sédan; aquelles que diziam a verdade ao seu paiz, aquelles que lhe diziam que se enganava quando se suppunha forte para entrar na luta, foram esses os que no momento da catastrophe levantaram a bandeira franceza caída na lama, e se não conseguiram desfralda la ao vento dos triumphos, souberam dar-lhe horas de gloria, de lustre e de esplendor. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Esta questão era completamente incidental; não devia trazer-se para aqui uma questão que melhor se levantaria no parlamento francez; mas desde que ali se foi buscar o exemplo, para duvidar do nosso patriotismo, era indispensavel que invocássemos tambem os exemplos da historia franceza para provarmos o contrario (apoiados), e defender-nos das accusações injustíssimas que nos são feitas pelo sr. Thomás Ribeiro, era necessario dizer-lhe que nos honramos como patriotas, que nos honramos como cidadãos, seguindo, não os exemplos de Leboeuf, mas os exemplos de Thiers.

O sr. Marçal Pacheco: — Deixem fallar Thiers. (Apoiados.)

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço ao sr. presidente que tenha a bondade de chamar o sr. deputado á ordem, visto que não se permittem aqui allusões pessoaes. (Muitos apoiados.)

Vozes: — Ordem, ordem.

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco, que se não percebeu.)

O sr. Mariano de Carvalho: — O sr. Thomás Ribeiro que se defenda; V. ex.ª não é defensor d'elle.

O sr. Marçal Pacheco: — Se eu não sou Thomás Ribeiro, o illustre deputado tambem não é Pinheiro Chagas. (Apoiados.)

Vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Presidente (tocando a campainha): — Peço ordem.

Convido os srs. deputados a tomarem os seus logares. (Pausa.)

O Orador: — Lamento profundamente que as minhas palavras levantassem este tumulto, e que o sr. Marçal Pacheco se lembrasse de suppor que eu pretendo comparar-me ao illustre estadista francez; não me comparo a elle, mas os mais humildes têem direito de ser tão patriotas como os mais illustres e os mais nobres. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Se o sr. Thiers em França teve a gloria inacessível de poder salvar o seu paiz, outros homens houve, humildes e ignorados, que, se o não poderam coadjuvar com o seu talento, o coadjuvaram com a sua dedicação patriotica, o auxiliaram com os seus esforços obscuros, mas não menos santos, porque não eram menos leaes. (Muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Eu aqui sou um dos humildes, dos desconhecidos, mas permitta-me s. ex.ª que, sem me comparar com Thiers, tenha tambem o direito de dizer, como elle disse á França, a verdade ao meu paiz. (Muitos apoiados,)

O sr. Julio de Vilhena: — Está o inimigo na fronteira.

O Orador: — Pois se não está o inimigo na fronteira, que pressas são estas de gastar em couraçados o dinheiro que nos é necessario para tanto trabalho civilisador. (Apoiados.)

Uma voz: — Preparemo-nos com antecedencia.

O Orador: — Pois comecemos pelo que é util, e não pelo pimpão, e aqui appello para o sr. Carlos Testa, para a sua consciencia de intelligente e digno official da armada, para elle que disse ha pouco, que o pimpão não serve para defeza do porto de Lisboa.

S. ex.ª entende que o pimpão serve para pôr fóra da barra navios que, entrados amigavelmente, se mostrem aqui hostis; quer dizer, s. ex.ª entende que este pimpão em que se não gasta menos de 500:000$000 réis, serve unicamente para áquelle excepcionalissimo caso, em que

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dois navios do dois paizes belligerantes venham aqui violaria nossa neutralidade.

E necessario que o sr. Corvo vá pedir á America do norte e do sul que travem de novo entre si uma luta, que venham os seus navios ao Tejo, que pretendam aqui aggredir-se, para se fazer uso d’aquelle celebrado pimpão. (Apoiados.)

O sr. Carlos Testa: — Eu não disse unicamente: disse que alem da defeza do porto, servia para isso (Apoiados.)

O Orador: — É um pimpão que serve para tudo: serve para defender o porto de Lisboa e para pôr fóra os navios que quizerem violar a nossa neutralidade.

Admitíamos a hypothese.

E quando é que s. ex.ª imagina que os grandes perigos que um dia possam ameaçar Lisboa venham do lado do mar e não do lado da terra? (Muitos apoiados.)

Não sabe que nunca, durante as diversas invasões que tem havido em Portugal ninguem se lembrou de violar o porto de Lisboa?

Não havia general que se lembrasse de vir metter os seus navios no Tejo, desembarcar as suas tropas em plena capital populosa e guarnecida.

O duque de Alba, que dispunha de uma poderosa esquadra, o duque de Alba, estrategico de tal ordem, que algumas das suas manobras foram imitadas por lord Wellington na guerra da peninsula...

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Apoiado.

O Orador: — O duque de Alba embarcou as suas tropas em Setubal, foi desembarcar em Cascaes, e depois veio a Lisboa.

Os inglezes da rainha Izabel, que já então dominavam os mares, desembarcaram em Cascaes e vieram atacar Lisboa por terra.

O sr. Hermenegildo da Palma: — O couraçado servia para evitar um insulto como o do Charles et George. (Apoiados.)

O Orador: — Evitava o insulto do Charles et George! Se tivessemos pimpão mandavamos pôr fóra do porto os navios francezes; e, depois, como a França não se resignaria a isso, destruíamos a esquadra franceza; se tivessemos pimpão os navios americanos que estiveram aqui tinham levado um lição severa.

Portanto, agora que o temos, podemos dar lições aquelles paizes, podemos resolver com o pimpão a questão de Cuba.

Peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que offereça os nossos serviços á Hespanha contra a esquadra dos Estados-Unidos.

O sr. Marçal Pacheco: — Tem muita graça.

O Orador: — V. ex.ª acha-me graça: é favor que me faz. Eu aproveito a occasião para dizer ao sr. Marçal Pacheco que sinto realmente não ouvir sempre os seus ápartes. A sua voz é-me sempre muito agradavel, mas chega-me aos ouvidos na fórma de um murmúrio de sons inarticulados, que não percebo, o que me impede de responder ás suas interrupções cortezes e illustradas.

O sr. Marçal Pacheco: — Estava-lhe achando muita graça: parecia-me que estava fazendo um magnifico folhetim.

O Orador: — A camara apreciará se é folhetim que eu estou fazendo, ou se estou defendendo a causa do patriotismo sensato e serio. (Apoiados.)

Tinha tomado a palavra simplesmente para responder a algumas considerações do sr. Carlos Testa, por isso termino, appellando ainda para a consciencia de official de marinha, do sr. Carlos Testa. S. ex.ª sabe perfeitamente que entre as questões de marinha, uma das que mais se discutem é a questão da utilidade dos couraçados. E uma das questões mais duvidosas que actualmente se debatem no campo scientifico. (Apoiados.)

Pois bem, nós que não temos marinha para defender as nossas colonias, que não temos marinha para sustentar a navegação nos rios africanos, expondo-nos assim a factos iguaes aquelles que se deram no rio Zaire, que não temos se não dois transportes para as nossas tropas, devemos no entender do sr. Carlos Testa, pôr de parte essas necessidades urgentes, e começar exactamente por aquillo cuja utilidade 6 mais contestável e mais contestada. (Muitos apoiados.)

Admitto que o nosso pimpão, já que esse nome foi hoje consagrado pela maioria, seja muito util; mas não é de certo a cousa mais util e mais necessaria para a defeza do paiz; comtudo o pimpão, que não tem senão a utilidade problematica de defender o porto de Lisboa, que nenhuma potencia pretende atacar, e de sustentar a nossa neutralidade, que não póde ser violada e não em casos rarissimos, é o que primeiro se compra, e para isso gastamos réis 500:000$000. (Apoiados.)

Não querendo interromper esta discussão, pedia comtudo a V. ex.ª que me reservasse a palavra para um negocio urgente, que é completamente diverso d'este que se discute.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — E para chamar a attenção do sr. ministro do reino para os factos que se estão dando no districto de Castello Branco.

Na eleição camarária do Fundão houve protesto contra a eleição de um vereador. O governador civil do districto não apresentou ainda esse protesto ao conselho de districto; e comtudo marcou o dia 20 para a eleição dos procuradores á junta geral. E claro que essa eleição feita por vereadores, contra quem se levantam protestos, por vereadores cuja eleição se ha de reconhecer que foi viciada, ha de forçosamente ficar viciada tambem.

Peço pois ao sr. ministro que não consinta que isto se faça, e que ordene ao sr. governador civil que dê andamento aos protestos, como é do seu estricto dever.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador foi comprimentado.

PARECERES

N.° 18-A

Senhores. — A commissão de guerra, examinando o requerimento do major reformado Antonio Pereira Dias Castedo, em que pede se lhe mande pagar o soldo correspondente ao tempo que mediou entre a sua apresentação no regimento de cavallaria de Chaves e a sua collocação na inactividade temporaria pela ordem do exercito n.º 28 de 30 de julho de 1855; considerando que o governo é que póde julgar da justiça d'esta pretensão; é de parecer que lhe remettido o requerimento do major reformado Antonio Pereira Dias Castedo, para o tomar na consideração que lhe merecer.

Sala da commissão, 17 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Rego = José Frederico Pereira da Costa = Hermenegildo Gomes da Palma = José Joaquim Namorado = Alberto Osorio de Vasconcellos = João Miaria de Magalhães = Antonio Manuel da Cunha Belem = Antonio José d'Avila.

N.° 20-A

Senhores. — A vossa commissão de guerra, a quem foi presente o requerimento de Joaquim Antonio Pinto de Almeida, em que pede que lhe seja contada como effectividade para os effeitos da reforma a graduação de alferes, que obteve em virtude da carta de lei de 14 de abril de 1874, é de parecer que este requerimento deve ser remettido ao governo para o tomar na consideração que lhe merecer.

Sala da commissão, 92 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Rego = José Frederico Pereira da Cos-

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ta = José Joaquim Namorado = Hermenegildo Gomes da Palma = João Maria de Magalhães =. Antonio José d'Avila — Antonio Manuel da Cunha Belem.

N.º 20-B

Senhores. — A vossa commissão de guerra, a quem foi presente o requerimento de D. Rita Manuela da Nobrega Furtado, viuva do marechal de campo reformado, José Joaquim Furtado, solicitando que se lhe conceda uma

pensão, é de parecer que não pertence á camara resolver esta pretensão, e que deve o requerimento ser remettido ao governo.

Sala da commissão, 22 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Rego = José Frederico Pereira da Costa = José Joaquim Namorado = Hermenegildo Gomes da Palma = João Maria de Magalhães = Visconde de Villa Nova da Bainha = Antonio Manuel da Cunha Belem = Antonio José d'Avila.

Sessão de 22 de fevereiro

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