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SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de requerimentos, representações e projectos de lei. — Ordem do dia: Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9.

Chamada — 36 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Alberto Carlos, Soares de Moraes, Sá Nogueira, A. J. Teixeira, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Eça e Costa, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Coelho do Amaral, Pinto Bessa, Guilherme Quintino, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Gusmão, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Nogueira, Mexia Salema, Julio do Carvalhal, Affonseca, Marques Pires, Paes Villas Boas, Lisboa, Pedro Franco, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Villaça, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Costa e Silva, Bicudo Correia, F. M da Cunha, Barros Gomes, Freitas e Oliveira, Jayme Moniz, Zuzarte, Mártens Ferrão, Mendonça Cortez, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Moraes Rego, Mello Gouveia, José Tiberio, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Arrobas, Pedroso dos Santos, Santos Viegas, Saraiva de Carvalho, Eduardo Tavares, Caldas Aulete, Van-Zeller, Silveira da Mota, Palma, Santos e Silva, Augusto da Silva, José Luciano, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Julio Rainha, Camara Leme, Mariano de Carvalho, Sebastião Calheiros, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

Ácerca das propostas tributarias do governo, e especialmente a da contribuição industrial

1.ª Dos industriaes com estabelecimentos aonde se fabricam phosphoros.

2.ª Dos especuladores de 2.ª classe, do Porto.

3.ª Dos marceneiros, carpinteiros, alfaiates, pedreiros, latoeiros, ferradores e outros artistas da cidade de Leiria.

Acerca de outros assumptos

1.ª Da camara municipal de Mourão pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal.

2.ª Da camara municipal de Mourão pedindo para ser auctorisada a empregar os fundos, existentes no cofre do municipio para viação municipal, em obras de construcção de um edificio para uma escola e para a cadeia d'aquella villa.

3.ª Dos officiaes de diligencias das comarcas de Sabugal e de Villa do Conde, pedindo para lhes serem extensivas as disposições da lei de 11 de setembro de 1861.

Communicação

Participo a v. ex.ª e á camara que o sr. deputado Julio Rainha me encarregou de declarar que falta á sessão de hoje e por ventura a mais algumas por motivo justificado.

Sala das sessões, 24 de abril de 1871. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

Declaração

Declaro que, se estivesse presente na respectiva sessão, teria assignado o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Julio do Carvalhal, relativo aos prasos para o pagamento das contribuições directas na provincia de Traz os Montes.

Sala das sessões, 24 de abril de 1871. = O deputado, Lopo Vaz de Sampaio e Mello.

Requerimentos

1.º Requeiro que seja prevenido o sr. ministro da marinha de que faço minha a interpellação, annunciada em 13 de março de 1871, sobre a execução que teve na provincia de Angola a portaria circular de 5 de setembro de 1870.

Sala das sessões, 24 de abril de 187l. = Visconde de Moreira de Rey.

2.° Requeiro que pelo ministerio da marinha se me envie uma nota da despeza mensalmente feita (e permanente) pela expedição mandada para a Zambezia em 1869, desde que chegou a Moçambique até hoje.

Sala das sessões, 24 de abril de 1871. = Telles de Vasconcellos.

3.º Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja informada esta camara ácerca da pretensão de Francisco Pedro Ferreira.

Sala das sessões, em 24 de abril de 1871. = O vogal da commissão, João José de Alcantara.

4.° Requeiro para ser inscripto e tomar parte na interpellação ao sr. ministro do reino, annunciada em 12 do corrente, sobre os actos da auctoridade administrativa de Belem.

Sala das sessões, em 24 de abril de 1871. = Visconde de Moreira de Rey.

Tiveram o competente destino.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Do notavel escripto que ha pouco vos foi distribuido do illustre professor e academico, sr. João Ignacio Ferreira Lapa, sobre a missão agricola de Braga, tereis de certo visto que dos 9.000:000 hectares, que conta approximadamente a superficie do continente do reino, cerca de 3.000:000 são terrenos incultos, mas capazes de fornecer pelo seu arroteamento á materia collectavel preciosos recursos, e ás subsistencias publicas grandes subsidios, que nos poriam ao abrigo da necessidade da importação de cereaes estrangeiros.

D'estes 3.000:000 hectares de terras incultas pertence uma parte consideravel ao dominio commum dos municipios e parochias, que na maioria dos casos os têem quasi abandonado. Retalhar estes terrenos e entrega-los distribuidamente aos povos é uma providencia de ha muito reclamada pelas necessidades economicas e financeiras do reino.

Por estas rasões e prescindindo das considerações de toda a ordem a que se presta tão grave assumpto, visto como todas ficariam áquem da largueza de idéas e elevação de

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intuitos com que este objecto é tratado no trabalho do distincto professor, o sr. Lapa, temos a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Proceder-se-ha immediatamente á demarcação e divisão dos baldios pertencentes aos municipios e ás parochias, por fórma que a cada fogo, dentro do municipio ou da parochia a que pertencer o baldio, caiba uma quota parte igual.

Art. 2.° Quando no mesmo baldio houver com-dominio, por serem a terra, os matos e os pastos de usufruição dos povos, e os arvoredos pertencerem a particulares, uma commissão mixta, em que uns e outros sejam representados, separará, de accordo com as camaras municipaes, ou as juntas de parochia, da parte dos baldios de que se tratar, a que seja precisa para compensar os particulares; e da outra parte se fará a divisão nos termos do artigo antecedente.

Art. 3.° As camaras municipaes e as juntas de parochia passarão titulos a todos aquelles a quem os baldios forem distribuidos, e estes titulos devidamente sellados em proporção do valor dos terrenos que representarem inscriptos no registo predial dão posse legal dos terrenos em questão.

Art. 4.° Aos baldios retalhados são applicaveis as isenções concedidas pela legislação vigente aos terrenos novamente arroteados.

Art. 5.° O governo fará os regulamentos necessarios para a boa execução d'esta lei.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 22 de abril de 1811. = José Dionysio de Mello e Faro, deputado pela Regua = Luiz de Almeida Coelho de Campos, deputado por Vizeu = Mariano Cyrillo de Carvalho, deputado pela Chamusca = José Bandeira Coelho de Mello, deputado por S. Pedro do Sul = Antonio Augusto Soares de Moraes, deputado por Sinfães = Julio do Carvalhal de Sousa Telles, deputado por Valle Passos = Francisco de Albuquerque, deputado por Mangualde.

O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa um projecto de lei que peço a v. ex.ª o mande remetter á commissão de obras publicas, para que ouvido o governo, ainda n'esta sessão, se delibere ácerca do assumpto de que elle trata.

Pela carta de lei de 12 de junho de 1862 creou-se um imposto especial sobre os artigos que entram e sáem pelo rio Portimão. Este imposto era destinado por aquella lei ao melhoramento da barra e canalisação do rio até á villa de Silves. Têem-se cobrado por este imposto 74:789$960 réis, sendo a media de 9:000$000 por anno, isto é, cem vezes mais do que aquelle que rende o imposto geral n'aquella delegação.

Tem-se empregado este imposto em fazer melhoramentos no concelho de Villa Nova, que fica na margem direita do rio Portimão.

Têem-se feito aformoseamentos locaes, tanques para lavadeiras, casas para a fiscalisação geral; em fim, tem-se consumido em uma parte d'aquella região que contribue, deixando completamente ao abandono o fim e os melhoramentos para que o imposto era especialmente destinado, e do qual não podia ser desviado pela disposição da mesma lei.

E com isto não pretendo censurar nem reclamar contra as obras com que os habitantes de Villa Nova têem sido dotados.

Ha porém um equivoco que desejo evitar e é ter-se incluido, por equivoco de certo, na disposição d'esta lei, que se construisse uma ponte que deve ligar a estrada do litoral. Se por acaso esta disposição da lei se executasse, o imposto especial para a canalisação do rio e melhoramentos da barra teria de ser consignado por vinte e cinco annos para a construcção de uma ponte, que deve saír da receita geral do estado, naturalmente do imposto de viação, porque era o complemento da estrada que vae de Lagos a Villa Real de Santo Antonio, e não póde de maneira nenhuma um imposto d'esta natureza ser applicado para a construcção de uma ponte, em uma estrada real de 1.ª ordem, e ser desviado do fim para que por lei foi votado n'esta casa.

Eu digo que é um equivoco, porque aconteceu o mesmo em Vianna do Castello. Nos productos d'aquelle districto do Minho tambem existia imposto especial para o melhoramento da barra de Vianna, e ao mesmo tempo para a construcção de uma ponte no rio Lima.

O artigo da carta de lei de 12 de junho de 1862 fôra copiado da lei que creára o imposto especial em Vianna do Castello; os poderes publicos reconheceram, porém, que tal disposição não se podia executar por iniqua; e em 2 de setembro de 1869 revogaram o artigo da lei de 21 de junho de 1852, determinando que a ponte sobre o rio Lima fosse construida pelos fundos geraes do estado, e que o rendimento especial fosse unicamente applicado aos melhoramentos do porto e barra de Vianna do Castello, addicionando-se alem d'isso por parte dos recursos geraes da nação uma verba de 4:000$000 réis, para dar maior desenvolvimento áquellas obras que são verdadeiramente necessarias para uma barra tão importante como aquella, que é a principal da provincia do Minho.

Ora, a barra de Vianna produz annualmente 4:300$000 réis, emquanto que pelo imposto excepcional a barra de Villa Nova de Portimão produz 9:000$000 réis. E eu proponho igualmente n'esta lei que, a exemplo do que se fez para Vianna, se revogue o artigo 1.º da lei de 12 de junho de 1862, na parte em que se refere á ponte, e se dê um subsidio de 6:000$000 réis para servir, conjunctamente com o imposto addicional, de garantia para o pagamento do capital e do juro a fim de se amortisarem as sommas que for necessario levantar para occorrer áquellas obras que são de grande necessidade (leu).

Se por acaso a camara e o governo não tomarem alguma deliberação a este respeito, quando vier a discussão do orçamento eu de certo me opporei a que esta contribuição especial continue a ser levantada sobre os habitantes da localidade que represento.

O sr. Figueiredo de Faria: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Villa do Conde, em que pedem para lhe serem concedidos ajudantes, que façam o serviço nos seus impedimentos.

O sr. Freitas e Oliveira: — Mando para a mesa vinte e sete requerimentos de differentes officiaes dos regimentos que estão de guarnição á cidade do Porto, que pedem para que não continuem a ficar sujeitos ás deducções os seus vencimentos; para que se lhes abone uma ajuda de custo quando marcharem, como se abona a outros funccionarios do estado; e para que tenham tambem uma ajuda de custo para renda de casas todos aquelles que pertencem a regimentos, cujos quarteis não têem alojamentos para officiaes.

A pretensão d'estes militares parece-me justa. Quando na legislatura passada se apresentou aqui a medida de grande alcance financeiro e economico, em virtude da qual se fizeram deducções nos ordenados dos funccionarios do estado, requeri eu que fossem exceptuados os officiaes arregimentados. Por essa occasião foi-me respondido por parte da commissão e de alguns membros d'esta casa, que não deveria haver excepção no onus que se votou a todos os funccionarios publicos, e que a classe militar não podia ser exceptuada sem injuria para ella; e alguns srs. militares, que eram deputados n'essa sessão, acrescentaram que a classe militar, que estava sempre prompta a sacrificar a vida pela patria, não podia nem devia recusar-se a qualquer sacrificio pecuniario que se lhe exigisse.

Pareceu-me temeraria a asseveração d'aquelles cavalheiros que respondiam por uma classe inteira n'uma questão de interesses em que elles não podiam ser arbitros, visto que, sendo deputados, venciam como deputados e a sua situação era muito melhor que a dos officiaes arregimentados. A fallada igualdade do onus, que para elles podia ser effectivamente igual, para os officiaes arregimenta

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dos traduzia-se em flagrante desigualdade, não só porque os seus soldos são já diminutos, senão porque o serviço que são chamados a desempenhar os obriga a trabalhos e a despezas, que em todos os paizes administrados com juizo e consciencia merecem dos poderes publicos e da nação contemplações e equidade (apoiados).

A igualdade perante a lei é uma cousa santa e justa, quando essa igualdade se estabelece tendo sempre em vista as circumstancias dos serviços que as differentes classes são obrigadas a desempenhar. Ora, o serviço dos soldados e dos officiaes arregimentados não é igual a nenhuma outra especie de serviços (apoiados); e portanto a nação não póde exigir com justiça áquelles militares deducções iguaes ás que exige aos outros servidores do estado (apoiados).

Não era, pois, cousa para estranhar que a camara dos deputados votasse deducções nos vencimentos dos empregados e exceptuasse os militares arregimentados. Faz-se isto em toda a parte onde as palavras igualdade e liberdade não estão só escriptas nas leis, mas são tambem expressão verdadeira e sincera do modo como essas leis se applicam.

Já chegou o diploma do illustre cavalheiro eleito deputado por Angola; provavelmente deve ser apresentado hoje na camara, e por consequencia vou retirar-me; mas não desejando que o sr. ministro da marinha que até hoje se não deu por habilitado para responder a uma interpellação que ha dois mezes lhe annunciei, deixe ficar o governador de Angola sob o peso das suspeitas que o annuncio d'essa interpellação denuncia, e como o ultimo paquete que veiu de Angola trouxe provavelmente noticias que habilitem s. ex.ª a responder áquella interpellação, pedi a um collega meu o favor de fazer sua a interpellação, a fim de que o sr. ministro possa dar do procedimento d'aquelle funccionario, empregado de confiança do governo, explicações que a camara aceite, e de que o partido liberal não tenha de envergonhar-se.

Mandando os requerimentos para a mesa, o orador retirou-se da camara.

O sr. Gusmão: — Mando para a mesa duas representações da camara municipal de Mourão.

Na primeira representação pede se á camara dos senhores deputados licença para applicar á construcção de uma casa para escola de instrucção primaria e para a construcção de uma cadeia a quantia de 2:011$000 réis, que existem no cofre da camara municipal de Mourão, com destino especial para viação municipal.

Apesar das impugnações que se têem feito á lei de 6 de junho de 1864, entendo que ella tem produzido vantagens incontestaveis.

Não obstante esta convicção que tenho, e que está fundamentada no espirito da lei, parece-me que póde haver necessidades no municipio que primem sobre esta para ser attendidas. Isto quer dizer que a camara de Mourão póde applicar os fundos, que tem em cofre para viação municipal, para estas obras.

Em Mourão não existe cadeia que possa, ainda de longe, ter as condições precisas que se exigem em uma casa d'esta ordem, e tambem na escola de instrucção primaria não ha as condições elementares para este fim.

Não quero fazer considerações antes de tempo; podia apresentar um projecto de lei a este respeito, mas prefiro que esta representação vá ás commissões competentes, porque depois apparecerá occasião opportuna em que me pronuncie sobre este assumpto.

A segunda representação pede a revogação do decreto de 30 de junho de 1869, que creou a repartição de obras publicas no districto.

Mandando esta representação para a mesa, devo dizer a v. ex.ª que sou um pouco inclinado á descentralisação, e que não vi com maus olhos aquelle decreto, mas comprehendo entretanto que póde succeder que elle tenha imperfeições, e uma das que se apresentam n'esta representação, e que eu tenho por justificada, é que os encargos que d'estas repartições de obras publicas provém ao concelho não estão em proporção e em harmonia com as vantagens que o concelho tira d'ellas.

Desejo, pois, que as commissões a que esta representação tenha de ser remettida, possam fazer na lei modificações que sejam uteis, mesmo sem a revogar, harmonisando assim os interesses locaes com os interesses geraes do paiz.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias do districto do Sabugal, pedindo que lhes sejam applicadas as disposições da lei de 11 de setembro de 1861.

Peço que esta representação seja enviada á commissão de legislação, á qual está affecto um projecto de um nosso collega, que tem por fim o que estes individuos requerem. Peço, pois, á illustre commissão que apresente o seu parecer, pró ou contra, sobre aquelle projecto com a maior brevidade possivel.

Mando tambem para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo (leu).

Espero que este requerimento seja enviado ao governo com a maxima brevidade, a fim de me serem remettidos, se possivel for, os documentas que exijo.

Já que tenho a palavra, chamarei a attenção da illustre commissão de saude, que parece-me estar representada pelo sr. Eça e Costa, para o projecto do governo que foi apresentado n'esta camara em sessão de 6 de dezembro do anno passado.

Este projecto tem por fim melhorar as condições em que se encontram as nascentes de aguas sulphurosas no nosso paiz.

Estamos habituados a desprezar tudo quanto póde ser elemento de riqueza e que póde ter um certo desenvolvimento (apoiados).

Na Inglaterra, onde ha trinta e cinco nascentes insignificantes, encontram-se ali as aguas aproveitadas e todas as commodidades que a hygiene aconselha, mas no nosso paiz não se podem contar as nascentes de aguas sulphurosas, porque uma grande quantidade d'ellas estão inteiramente abandonadas.

Ha apenas um estudo feito por uma commissão que deu o seu parecer, e que não sei em que epocha foi mandada ao Minho estudar as aguas de Vizella, sobre cujo relatorio o governo apresentou um projecto de lei.

A commissão de saude ainda até hoje não deu parecer algum sobre o projecto do governo, e eu peço-lhe que com brevidade apresente o seu parecer a este respeito.

O sr. Eça e Costa: — Mando para a mesa uma representação dos artistas da cidade de Leiria, contra o projecto apresentado em sessão de 11 de março d'este anno, na parte que lhes diz respeito.

Conheço todos os signatarios d'esta representação, os quaes são todos honrados e caprichosos em cumprir os seus deveres, mas tendo lutado com falta de trabalho e sendo já pesado o imposto existente torna-se impossivel sobrecarregar mais este imposto.

O pedido dos signatarios da representação é justo, e estou certo que a commissão de fazenda o ha de attender.

Agora em resposta ao meu amigo, o sr. Telles e Vasconcellos, só tenho a dizer que o projecto a que s. ex.ª se referiu foi distribuido ao sr. dr. Lisboa, que o está estudando, e a commissão espera em breve apresentar os seus trabalhos a este respeito.

O sr. Julio do Carvalhal: - Mando para a mesa um projecto de lei, que tem por fim acudir á segurança publica que tão descurada tem sido no nosso paiz, e descentralisar um serviço cuja centralisação não tem rasão de ser, concedendo ás camaras municipaes um pequeno rendimento para este fim.

Não leio o relatorio por ser muito extenso, e passo a ler o projecto (leu).

O sr. Alcantara: — Mando para a mesa um requerimento, por parte da commissão de marinha, pedindo escla-

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recimentos ácerca de uma pretensão de Francisco Pedro Ferreira.

Mando tambem dois requerimentos de Carlos Eduardo de Mendonça e Brito, e Pedro Coutinho da Silveira Ramos, distinctos capitães de artilheria, os quaes pedem á camara os livre do gravame desigual que estão soffrendo, principalmente em relação ás outras classes da sociedade, sacrificios que silenciosos têem supportado ha dois annos. O sr. Freitas e Oliveira já expoz o que por agora se podia dizer sobre o assumpto; e por isso não direi mais nada.

O sr. Pedro Nogueira: — Mando para a mesa um requerimento do agente da estação de saude publica de Setubal, pedindo augmento de vencimento.

O sr. Lopo Vaz: — Começo por agradecer á camara a sua benevolencia approvando a proposta do meu illustre amigo o sr. Pedroso dos Santos, em que se me concedeu licença para estar por algum tempo ausente d'esta camara; e aproveito a occasião para declarar que, se essa ausencia se prolongou, foi devido a motivos independentes da minha vontade.

Aproveito tambem o ensejo para declarar que, se estivesse presente na respectiva sessão, teria assignado o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Julio do Carvalhal e assignado tambem por todos os meus collegas da provincia de Traz os Montes, relativo aos prasos para o pagamento das contribuições directas n'aquella provincia. Mando para a mesa a minha declaração n'este sentido, se bem que me parece que melhor fôra que o governo elaborasse a este respeito um projecto de lei, que abrangesse todo o paiz e harmonisasse as exigencias do thesouro com as necessidades do contribuinte (apoiados).

Visto que fallei em Traz os Montes, não posso deixar de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o estado em que se acha a viação n'aquella provincia, e principalmente no trato de terreno comprehendido na antiga demarcação das vinhas do alto Douro.

Sendo s. ex.ª natural d'ali e sendo tão justas as reclamações d'aquelles povos, quero convencer-me de que pela primeira vez aquelles povos encontrarão um protector dedicado e justo.

Embora não seja affeiçoado á actual situação, confesso porém que a respeito do sr. ministro das obras publicas nutro algumas esperanças. Sei que s. ex.ª alguma cousa projecta a este respeito, mas não posso deixar de chamar especialmente a sua attenção para a necessidade de estabelecer uma mala posta de Amarante a Villa Real e de Villa Real a Chaves. A necessidade d'esta medida é obvia, e sendo s. ex.ª natural d'ali, sabe tão bem como eu quanto a provincia inteira aproveitaria com este melhoramento (apoiados).

Declaro tambem que, se estivesse presente quando se votou a generalidade do projecto de lei de contribuição pessoal, teria votado contra ella. E para definir a minha posição politica, direi que continua sendo exactamente aquella que tinha quando em fevereiro rejeitei a moção do sr. Arrobas relativamente á commissão do orçamento. O governo considerou essa moção como politica, e eu, considerando-a tambem exactamente como o governo a considerou, votei contra ella e por isso mesmo contra o governo. Ainda estou plenamente convicto de que votei bem, e por consequencia confesso que continuo a estar em opposição á actual situação, sentindo ver no meio d'ella o illustre ministro das obras publicas, cujos incontestaveis dotes correm grave risco de serem por ella atrophiados (apoiados).

Tenho dito.

Mando para a mesa a minha declaração.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um requerimento dos officiaes do exercito, pedindo que o seu soldo seja augmentado, que se abone uma gratificação para pagamento das rendas das casas dos officiaes que não tiverem quartel, e que seja abonada a todos os officiaes uma ajuda de custo quando o serviço os levar para longe das terras das suas residencias.

A minha opinião, em relação ao modo por que são remunerados os serviços militares, está bem conhecida desde que em uma das ultimas sessões tive a honra de mandar para a mesa um projecto de lei para que fossem elevados os soldos a todos os officiaes desde a graduação de tenente coronel até aos das outras graduações inferiores e a todas as praças de pret do exercito. Realmente não é possivel deixar de se reconhecer que as circumstancias em que se acham collocados os individuos militares, são difficeis por deficiencia de meios, e de meios não só para sustentarem a dignidade da posição que occupam, mas ainda mesmo para subsistirem. E já n'este sentido tinha pronunciado a minha opinião na primeira sessão em que tive a honra de ter assento n'esta casa; nem é possivel deixar de reconhecer a verdade do que eu então asseverára; reconheceu-a o governo de então, e poucos annos antes o governo tinha entendido que devia augmentar os soldos aos officiaes, dando-lhes uma gratificação, que denominou «alimenticia».

Por agora não acrescento nenhuma consideração emquanto a este assumpto, e reservo-me para o fazer quando vier á discussão o orçamento do ministerio da guerra, mas desde já devo declarar a v. ex.ª e á camara que, lamentando que as circumstancias obrigem os individuos da classe militar a fazer representações que, quanto a mim, fôra melhor que não fizessem, estou inteiramente de accordo emquanto á necessidade de lhes augmentar os vencimentos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Mando para a mesa dois requerimentos (leu).

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Mando para a mesa as seguintes propostas de lei (leu).

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): — Mando para a mesa as seguintes propostas de lei. Uma, modificando alguns pontos da lei organica do corpo de marinheiros da armada, onde a experiencia tem mostrado a necessidade de serem alterados. Outra, para que seja approvado o contrato da carreira da navegação a vapor entre Lisboa e o archipelago açoriano. Outra, pedindo o subsidio extraordinario para a provincia de Moçambique, que é necessario ainda n'este anno economico para liquidar as despezas da guerra e expedição da Zambezia. Outra, propondo a aposentação de um empregado do ultramar, para legitimar uma despeza que se faz ha muito tempo sem fundamento legal. Duas, emfim, fixando a força naval e o respectivo contingente do recrutamento maritimo. Estas duas ultimas propostas estão formuladas em conformidade com o orçamento apresentado á camara, e naturalmente hão de soffrer as modificações que resultarem da discussão do orçamento e resolução da camara em relação á força naval.

Alguns trabalhos se preparam no ministerio a meu cargo, taes como o codigo penal da marinha, o regulamento geral da fazenda da marinha, os regulamentos de pilotagem e policia dos portos, a reforma da ordenança geral da armada, e outros de que conto apresentar ainda n'esta sessão á camara as respectivas propostas de lei, para d'ellas se occupar se o julgar conveniente.

Emquanto á legislação do ultramar, a camara sabe que n'estes ultimos dois annos foi promulgado um grande numero de reformas relativas a todos os ramos de administração, cujos effeitos mal se conhecem ainda na metropole. O governo está colligindo as informações necessarias sobre as difficuldades que essas medidas encontram na sua execução, e á medida que se for esclarecendo sobre a necessidade da emenda d'essas leis providenciará como cumprir á boa administração das colonias, visto que tem na constituição a faculdade de legislar para o ultramar na ausencia do parlamento; sentindo todavia muito que as circumstancias o forcem a usar d'este expediente, porque desejaria sempre poder aconselhar-se com o parlamento em todas as cousas de governação publica.

Agora só tenho para dizer a v. ex.ª que, estando notificado para responder a tres interpellações, annunciadas ha

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já tempo, a uma das quaes alludiu ha pouco o illustre deputado, o sr. Freitas e Oliveira, a demora que tenho posto em me declarar habilitado para responder, e que póde ter sido um pouco reparada, provém, emquanto á mais antiga a que se referiu o nobre deputado, de que nos termos em que s. ex.ª apresentou a sua interpellação eu não tinha esclarecimento algum official nem extra-official com que lhe responder. S. ex.ª queria saber qual era a execução que tinha tido uma portaria do sr. marquez de Sá, que ordenou ás auctoridades do ultramar completa abstenção nos actos eleitoraes, e eu não tinha na secretaria informação, queixa ou reclamação de especie alguma que me esclarecesse o espirito sobre as duvidas de s. ex.ª Esperava naturalmente a chegada do processo eleitoral, porque era ali que eu havia de achar, e a camara ha de encontrar, o corpo de delicto das informações da portaria, se as houve, o que nenhum documento nem representação dos aggravados ainda nos revelou.

Aqui tem a camara a rasão da demora em me declarar habilitado para responder a esta interpellação; mas s. ex.ª acaba de dizer, que chegou hontem o paquete e veiu por elle o diploma do novo deputado eleito, o que eu não sabia, porque ainda hoje não fui á secretaria, deve por elle ter vindo tambem o processo eleitoral e tudo quanto nos póde informar sobre o assumpto, e por isso póde v. ex.ª considerar-me desde já por habilitado para responder á interpellação. Outra nota de interpellação versa sobre pontos vagos de administração em S. Thomé; e ha ainda outra, sobre a conveniencia de conservar ou de abolir o observatorio da marinha.

Quando v. ex.ª destinar dia para estas interpellações, estou prompto a responder, e que desejo de liquidar ás minhas contas com a camara como homem politico, do mesmo modo que procuro sempre traze-las ajustadas com Deus como christão.

O sr. Presidente: — A camara ouviu que o sr. ministro da marinha se dá por habilitado para responder a algumas das interpellações que lhe foram feitas.

Em occasião opportuna serão dadas para ordem do dia.

(Pausa.)

Vão ler-se as propostas do governo, e depois vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, visto a hora estar muito adiantada.

Os srs. deputados que tiverem requerimentos ou representações a mandarem para a mesa, podem faze-lo.

Leram-se na mesa as propostas apresentadas pelos srs. ministros das obras publicas e da marinha, as quaes são as seguintes:

Proposta de lei

Senhores. — O decreto com força de lei de 30 de setembro de 1852, creando o ministerio das obras publicas, commercio e industria, e o de 5 de outubro de 1859 reformando-o, estabeleceram que os logares de segundo official seriam providos em concurso publico de candidatos com determinadas habilitações litterarias.

Considerações de toda a equidade fizeram entretanto que os amanuenses então existentes, que não tinham aquellas habilitações, fossem tambem admittidos a concurso, alternadamente com os individuos habilitados.

O decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1868, que reorganiaou a secretaria do mesmo ministerio, limitou os concursos para segundo official aos habilitados.

Pedindo porém a justiça que os direitos adquiridos e a diuturnidade do serviço dos amanuenses sem habilitações legaes sejam attendidos, procura o governo harmonisar e lcompletar o mesmo decreto de 31 de dezembro de 1868 com o que n'esta parte dispunha a legislação anterior. Para esse fim tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Emquanto existirem nos logares de amanuenses alguns que o eram de 1.ª ou 2.ª classe em 5 de outubro de 1859, o concurso para segundos officiaes será feito, alternadamente, uma vez entre os ditos amanuenses de 1.ª ou 2.ª classe, e outra vez entre os individuos habilitados na conformidade do artigo 27.° do decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1868.

Art. 2.° Os amanuenses da secretaria d'estado do mesmo ministerio, com dez annos de serviço, são admittidos nos concursos para segundos officiaes, como se tivessem as habilitações indicadas no n.º 2.º do artigo 27.º do decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1868.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 22 de abril de 1871. = Visconde de Chancelleiros.

Proposta de lei

Senhores. — A communicação telegraphica pelo cabo submarino que a companhia «Falmouth Gibraltar and Malta company» immergiu entre Carcavellos e Gibraltar, e explora d'esde 11 de junho de 1870 em virtude do contrato por ella celebrado com o governo em 18 de março d'aquelle anno, foi interrompida em 28 de novembro por haver-se quebrado o referido cabo, conseguindo-se restabece-la apenas em 11 de fevereiro proximo passado.

As observações e experiencias feitas por essa occasião fazem receiar que talvez em pouco tempo se interrompa de novo a communicação telegraphica submarina entre Lisboa e Gibraltar.

Para prevenir essa interrupção, que não só affectaria os interesses da companhia, mas privaria o publico do importantissimo serviço telegraphico que actualmente se faz por estas linhas, resolveu a companhia estabelecer entre Lisboa e Gibraltar uma segunda via, e solicitou para isso do governo a respectiva concessão.

A conveniencia de assegurar a continuação de um serviço tão importante, a receita avultada que produzirá para o thesouro a taxa de transito cobrada pela passagem dos telegrammas na parte aerea da nova linha que a companhia se propõe estabelecer, a contemplação que merece uma empreza que assegurou a Portugal uma rapida e segura communicação com a Europa, e finalmente a necessidade ha muito reconhecida da immersão de um outro cabo submarino através do Tejo, para facilitar a communicação por este meio com as provincias do sul do reino, são rasões que justificam de sobejo a concessão pedida pela companhia, e determinaram o governo a celebrar com ella o contrato addicional ao de 18 de março de 1870, que tenho a honra de sujeitar á vossa approvação na seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É approvado o contrato addicional ao de 18 de março de 1870, celebrado em 15 do corrente entre o governo e a companhia «Falmouth Gibraltar and Malta company» que faz parte da presente proposta de lei para a collocação e exploração de um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar, e de uma linha telegraphica aerea entre Villa Real de Santo Antonio e a estação de Carcavellos com um cabo submarino através do Tejo, ficando em vigor todas as disposições do mencionado contrato de 18 de março de 1870.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercioe industria, em 21 de abril de 1871. = Visconde de Chancelleiros.

Contrato addicional ao de 18 de março de 1870, celebrado entre o governo portuguez e a companhia telegraphica submarina «Falmouth Gibraltar and Malta company» para a collocação de uma linha aerea entre a estação de Carcavellos e Villa Real de Santo Antonio, e de um cabo submarino d'esse porto a Gibraltar.

Aos 15 do mez de abril de 1871, n'este ministerio das obras publicas, commercio e industria e gabinete do ill.mo e ex.mo sr. visconde de Chancelleiros, ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, compareci eu o bacharel Antonio Augusto de Mello Archer, secretario do ministerio das obras publicas, e ali estavam presentes de uma parte o mesmo ex.mo mi

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nistro, como primeiro outorgante em nome do governo, e da outra parte Achilles d'Orcy, como agente e procurador da companhia denominada «Falmouth Gibraltar and Malta telegraph company limiter» de Londres, como mostrou ser por documento em devida fórma, que fica archivado em meu poder. Assistiu tambem a este acto o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da corôa e fazenda, devidamente auctorisado para isso. Pelos outorgantes foi dito na minha presença e das testemunhas abaixo nomeadas e assignadas, que entre si tinham ajustado e concordado no seguinte contrato addicional ao de 18 de março de 1870 para a collocação e exploração de um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar, e em communicação com o referido cabo uma linha aerea entre Villa Real de Santo Antonio e a estação de Carcavellos com um cabo submarino atravez do Tejo, e se obrigavam em nome das pessoas a quem representavam a cumprir todas as clausulas e condições seguintes:

Artigo 1.° É concedida á companhia telegraphica submarina «Falmouth Gibraltar and Malta company limiter» de Londres o direito de collocar e explorar um cabo submarino entre Villa Real de Santo Antonio e Gibraltar.

§ unico. Com este cabo submarino poderá tocar em Cadiz, se a companhia obtiver para isso á devida licença do governo hespanhol.

Art. 2.º É igualmente concedido á mencionada companhia o direito de explorar, em communicação com o cabo a que se refere o artigo 1.º, uma linha aerea entre Villa Real de Santo Antonio e a estação de Carcavellos com um cabo submarino atravez do Tejo.

§ unico. Para este fim a companhia estabelecerá em Villa Real de Santo Antonio uma estação com pessoal e apparelhos seus, para assegurar, do modo mais conveniente, a passagem dos despachos da linha aerea para o cabo submarino e vice-versa.

Art. 3.° A linha aerea seguirá de Carcavellos á estação do Bom Successo, d'esta atravessará o Tejo por um cabo submarino até á Torre Velha, d'ahi irá entrar no caminho de ferro do sul, ao longo do qual seguirá até Beja, d'ahi a Mertola, e de Mertola a Villa Real de Santo Antonio.

Art. 4.º A linha entrará nas estações do Bom Successo e Villa Real de Santo Antonio, na primera das quaes será mantida sempre em communicação directa, salvo os casos previstos nos artigos 18.° e 19.°

Art. 5.° O cabo submarino do Tejo terá pelo menos seis conductores, dos quaes quatro serão para uso exclusivo das linhas do estado, e dois para uso exclusivo da linha da companhia.

Art. 6.° O cabo submarino do Tejo terá armadura, pelo menos da força da dos cabos de costa empregados na linha de Carcavellos a Falmouth.

Art. 7.° O fio empregado na linha aerea terá pelo menos 4 millimetros de diametro.

Art. 8.° Os isoladores serão de dupla saia, modelo prussiano.

Art. 9.° Os fios da linha a que este contrato se refere occuparão a posição superior a todos os outros que forem fixados nos mesmos postes.

Art. 10.º Os cabos submarinos serão fornecidos, collocados, conservados e reparados á custa da companhia.

§ unico. O governo comtudo tomará as precisas providencias para que no local onde for immergido o cabo atravez o Tejo, os navios não deitem ancora n'uma zona de resguardo de 1:000 metros de largura, e para que seja punida segundo as leis toda a tentativa, malevola para damnificar o dito cabo.

Art. 11.º A companhia fornecerá, posto em Lisboa e pagos os respectivos direitos da alfandega, todo o fio necessario para o estabelecimento da parte aerea da linha.

Art. 12.° O fornecimento dos postes e dos isoladores, a sua collocação, e bem assim o transporte e collocação do fio serão feitos pelo governo.

Art. 13.° A conservação, reparação e substituição da parte aerea da linha será feita á custa do governo.

§ 1.° O governo não toma comtudo responsabilidade alguma para com a companhia pelas interrupções e avarias que se possam dar nas linhas, por accidente, malevolencia ou qualquer outra causa.

§ 2.° São porém applicaveis ás ditas linhas as leis e regulamentos que em Portugal vigoram sobre a guarda e conservação das linhas telegraphicas do estado.

Art. 14.° Entre Carcavellos e Bom Successo, e entre a estação do Barreiro e a de Villa Real de Santo Antonio poderá a linha ser fixada nos apoios existentes.

Art. 15.º O governo poderá em qualquer tempo fixar nos apoios da linha, á qual se refere este contrato, todos os fios que entender.

Art. 16.° A companhia, quando lhe convier, poderá exigir do governo lhe mande collocar um segundo fio nos mesmos apoios da linha, para seu serviço exclusivo, nas mesmas condições que ficam estipuladas com relação ao primeiro fio.

Art. 17.° Nas estações do Bom Successo e Villa Real de Santo Antonio e nas outras proximas á linha não será interrompida a communicação directa, ou cortado o fio, salvo para determinar alguma avaria, e só pelo tempo estrictamente necessario para a sua localisação e reparação.

Art. 18.º Em caso de guerra poderá o governo mandar cortar a communicação directa nas estações do Bom Successo ou Villa Real de Santo Antonio, se assim o julgar necessario, prevenindo com antecedencia, sempre que for possivel, o agente da companhia em Lisboa.

Art. 19.° Se se provar que a companhia faltou ás condições estipuladas nos artigos 20.° e 21.º d'este contrato, poderá igualmente o governo mandar interromper a communicação directa nas ditas estações do Bom Successo ou Villa Real de Santo Antonio.

Art. 20.° A taxa total de um despacho entre Lisboa e Gibraltar ou Cadiz, ou vice-versa, não excederá nunca o maximo de tres francos.

Art. 21.º A companhia pagará ao governo portuguez a taxa de transito de um franco por todos os despachos que transitarem pelas linhas a que este contrato se refere.

§ 1.° Para este fim obriga-se a companhia a mandar formular na estação de Carcavellos uma relação especial de todos os despachos que transitarem pela linha em questão, e a remetter esta relação mensalmente á direcção dos telegraphos em Lisboa.

§ 2.° A importancia da dita relação será verificada, liquidada e paga pela fórma que o é ou venha a ser o saldo das contas a que se refere a 9.ª condição do contrato celebrado em 18 de março de 1870, entre o governo e a mencionada companhia, com respeito aos cabos submarinos de Falmouth e Gibraltar.

Art. 22.° As estações de Carcavellos e de Villa Real de Santo Antonio não poderão receber do publico, nem entregar telegrammas alguns, sem que seja por intermedio das estações portuguezas ou dos cabos submarinos da mesma companhia.

§ unico. O governo reserva-se o direito de tomar todas as medidas, que tiver por convenientes, para fiscalisar a execução das disposições d'este artigo e do antecedente.

ARTIGO TRANSITORIO

As disposições do presente contrato ficam dependentes da approvação das côrtes, na parte em que carecerem de sancção legislativa.

E com estas condições hão por feito e concluido o dito contrato, ao qual assistiu, como fica dito, o bacharel Antonio Cardoso Avelino, ajudante do procurador geral da corôa e fazenda, sendo testemunhas presentes o primeiro official d'este ministerio, Viriato Luiz Nogueira, e o segundo official chefe de secção da repartição de commercio e industria, Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos. E eu o bacharel Antonio Augusto de Mello Archer, secre-

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tario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e subscrevi o presente termo de contrato, que vão assignar commigo os mencionados outorgantes e maia pessoas já referidas, depois de lhes haver sido lido. = Visconde de Chancelleiros = Achilles d'Orcy. — Fui presente, Antonio Cardoso Avelino = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos = Viriato Luiz Nogueira = Antonio Augusto de Mello Archer.

Está conforme. — Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 21 de abril de 1871. = Antonio Augusto de Mello Archer.

Proposta de lei

Senhores. — A communicação regular e breve por meio de barcos movidos a vapor entre o continente do reino e as ilhas dos Açores é uma conveniencia politica e economica do paiz, que os poderes publicos não podem desconhecer.

Comprehende-se facilmente que no estado pouco desenvolvido em que se acha a nossa marinha mercante, e considerados os habitos do commercio, não podemos ainda abandonar á iniciativa particular e ao impulso natural dos interesses commerciaes o cuidado de manter segura entre Lisboa e o archipelago açoriano uma navegação d'esta natureza, que só o subsidio pecuniario póde garantir regular em o numero e tempo das viagens e nos dias da saída dos diversos portos.

O subsidio é uma compensação necessaria dos interesses eventuaes de fretamento que o emprezario d'esta navegação tem de sacrificar á pontualidade da sua obrigação.

O governo, convencido da importancia d'este serviço, abriu para elle concurso pelo programma publicado no Diario n.º 7, de 10 de janeiro do corrente anno, e no dia 15 de março tomou conhecimento das propostas que a elle concorreram.

Duas foram as licitações que se apresentaram para esta empreza, sendo a do barão de Fonte Bella formulada em termos de merecer incontestavel preferencia pela modicidade do subsidio exigido de 6:750$000 réis annuaes e diminuição do tempo requerido para as viagens, e ainda por outras vantagens importantes para o serviço e para o thesouro.

Cumpre notar que nos termos das condições do programma do concurso e do contrato, fica livre para todos a navegação a vapor entre Lisboa e os portos do archipelago, e que a subvenção não importa exclusivo do nenhuma especie.

Resolveu, pois, o governo celebrar contrato com o dito barão de Fonte Bella nos termos da sua proposta e condições da licitação.

É para este contrato que venho, em conformidade aos preceitos constitucionaes, solicitar a vossa approvação pela da seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É approvado o contrato junto celebrado em 22 de março do corrente anno pelo governo com o barão de Fonte Bella, para o serviço de navegação a vapor entre Lisboa e os portos do archipelago dos Açores, que lhe foi adjudicado em concurso publico, aberto pelo ministerio dos negocios da marinha e ultramar.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 24 de abril de 1871. = José de Mello Gouveia.

Contrato celebrado com João Candido de Moraes, como representante do barão de Fonte Bella, para o serviço de navegação a vapor entre Lisboa e os portos do archipelago dos Açores, que lhe foi adjudicado em concurso publico aberto pelo ministerio da marinha e ultramar, e annunciado no Diario do governo n.º 7, de 10 de fevereiro do corrente anno

Aos 22 do mez de março de 1871, no ministerio dos negocios da marinha e ultramar, e gabinete do ex.mo ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar, o conselheiro José de Mello Gouveia, estando presente de uma parte o mesmo ex.mo ministro, como primeiro outorgante por parte do governo, e de outra parte o tenente do estado maior de engenheiros, deputado ás côrtes da nação portugueza, João Candido de Moraes, na qualidade de procurador do barão de Fonte Bella, residente na cidade de Ponta Delgada da ilha de S. Miguel, como fez certo pela procuração bastante que apresentou e fica archivada n'este ministerio, segundo outorgante, assistindo a este acto o visconde de Paiva Manso, ajudante do procurador geral da corôa e fazenda junto a este ministerio, pelo primeiro e segundo outorgantes foi dito na minha presença e na das testemunhas abaixo mencionadas e assignadas, que concordavam em um contrato para um serviço de navegação por barcos de vapor entre Lisboa e os portos do archipelago dos Açores, nos termos das condições abaixo indicadas, e se obrigavam a cumprir todas as suas condições e clausulas em seu nome e em nome das pessoas a quem representavam.

Artigo 1.° O barão de Fonte Bella, estabelecido na cidade de Ponta Delgada da ilha de S. Miguel, obriga-se a fazer o serviço da navegação regular por barcos a vapor entre Lisboa e os portos do archipelago dos Açores pelo tempo marcado n'este contrato.

Numero e duração das viagens

Art. 2.º Os vapores da carreira dos Açores saírão de Lisboa todos os mezes em dias certos e determinados, e do mesmo modo voltarão do porto da Horta, na ilha do Faial, todos os mezes em dias certos e determinados. A viagem de Lisboa á ilha de S. Miguel não excederá a quatro dias, e do mesmo modo da ilha de S. Miguel a Lisboa.

Escalas

Art. 3.º Os vapores entre Lisboa e o porto da Horta farão escala na ida e na volta nas ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge e Graciosa.

§ unico. A empreza fará mais uma viagem mensal em navio de vela ou vapor entre as ilhas do Faial e Flores, S. Miguel e Santa Maria.

Lotação dos vapores

Art. 4.° Os vapores da carreira dos Açores serão de lotação superior a 500 toneladas inglezas de construcção, com accommodações pelo menos para sessenta passageiros de 1.ª e 2.ª classe, e quarenta da 3.ª

Qualidade dos vapores

Art. 5.° Todos os vapores reunirão as necessarias condições de velocidade, solidez, commodidades e boa ventilação, e terão o numero de embarcações miudas adequado á sua lotação e ao numero de passageiros.

Art. 6.° Os vapores serão construidos de fórma que possam com o auxilio das machinas alastrar e desalastrar com agua quando for conveniente.

Art. 7.° Os vapores entrarão na doca de Ponta Delgada sempre que o piloto da mesma doca julgar possivel.

Força das machinas

Art. 8.° As machinas serão correspondentes á lotação dos vapores, de modo que estes possam fazer as viagens nos prasos marcados.

Demora nos portos

Art. 9.° A demora em cada um dos portos da escala não será inferior a seis horas nem excederá o tempo necessario para desembarque de passageiros e malas, e movimento de mercadorias.

Relações da empreza com o estado e com os particulares

Art. 10.º A empreza é para todos os effeitos portugueza, assim como os seus barcos, e por isso:

1.º Está sujeita ás leis portuguezas e aos regulamentos publicados pelo governo;

2.º Fica sujeita nas questões com terceiros á competencia dos tribunaes portuguezes, civis, commerciaes ou administrativos, segundo a natureza da causa;

3.° Aceita nas questões com o governo sobre a execução do contrato, que sejam decididas definitivamente pelo supremo tribunal administrativo, salvo o caso de juizo arbitral previsto no artigo 14.°;

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4.° Os estrangeiros interessados na empreza ou representantes d'estes expressamente renunciam a todas as suas immunidades e privilegios para o effeito de serem considerados portuguezes em todos os actos ou questões, que por qualquer modo e fórma se refiram á mesma empreza.

Art. 11.° A empreza terá sede e domicilio em Lisboa, e em todos os portos de destino ou escalas terá agentes que a representem, com relação aos agentes do governo ou a terceiros.

§ unico. Pela palavra «empreza» empregada n'este contrato entender-se-ha sempre o concessionario ou aquelles a quem elle (com previo e indispensavel consentimento do governo) tiver feito cedencia da concessão em todo ou em parte.

Inspecção dos vapores

Art. 12.° Os vapores serão examinados e experimentados por agentes do governo, depois da sua entrada no porto de Lisboa, e só começarão o serviço depois de approvados.

Esta approvação, porém, não prejudica o direito que o governo expressamente se reserva de rejeitar qualquer vapor que nas viagens, salvo caso de força maior, não satisfizer ao serviço nos prasos marcados.

Art. 13.° Durante o praso do contrato poderá o governo, alem d'isto, mandar inspeccionar os vapores da empreza sompre que o julgar conveniente, e esta será obrigada a cumprir as instrucções que o governo lhe der em resultado da inspecção.

Art. 14.° Não aceitando a empreza a resolução do governo, em qualquer dos casos dos dois artigos antecedentes, poderá recorrer no praso improrogavel de dez dias, contados d'aquelle em que lhe for communicado em Lisboa, ao jury de arbitros, nomeados um pelo governo, outro por ella, e o terceiro por accordo entre as duas partes, e na falta d'este pelo presidente do supremo tribunal de justiça.

A decisão arbitral será sempre definitiva.

Fixação das carreiras

Art. 15.° Em todas as carreiras serão marcados pelo governo, de accordo com a empreza, os dias da saída de Lisboa o os do regresso.

Transporte de passageiros, malas e mercadorias

Art. 16.º A empreza obriga-se:

l.° A transportar gratuitamente nos seus vapores as malas do correio portuguez e os dinheiros do estado, qualquer que seja a sua importancia;

2.º A transportar em cada viagem por metade do preço das tarifas os passageiros e carga do estado.

Art. 17.° As tarifas dos preços de passagens e carga serão fixadas pela empreza de accordo com o governo.

Art. 18.º A empreza submetterá á approvação do governo um regulamento do serviço de bordo, no qual se hão de consignar as condições necessarias para garantir a segurança, commodidade e bom tratamento dos passageiros de todas as classes.

§ unico. Sempre que o governo o julgar conveniente poderá nomear um fiscal, a fim de percorrer a linha como passageiro de 1classe, á custa da empreza, e examinar o modo como é cumprido o dito regulamento.

Subvenção

Art. 19.° O governo concede á empreza por este serviço e durante o praso do contrato a subvenção annual de réis 6:750$000.

Art. 20.º A subvenção será liquidada e paga no ministerio da marinha e ultramar, em relação a cada viagem e na proporção da mesma subvenção.

§ unico. A liquidação será feita na capitania do posto de Lisboa á vista dos seguintes documentos:

1.° Certidão das auctoridades maritimas dos portos onde os vapores tocarem, indicando o dia e hora da chegada e da partida, e bem assim quaesquer circumstancias que occorrerem;

2.° Diarios nauticos relativos a cada viagem.

Vantagens concedidas á empreza.

Art. 21.° A empreza poderá importar livres de direitos os barcos de vapor, machinas, caldeiras, bóias e amarrações necessarias para o serviço que explorar, segundo as condições do seu contrato.

§ unico. A empreza fica sujeita aos regulamentos e instrucções que o governo julgar necessarios para fiscalisar o despacho dos objectos acima mencionados.

Artigo 22.° Os barcos empregados n'esta carreira serão considerados para todos os effeitos como paquetes.

Art. 23.° Â empreza poderá empregar os seus vapores na exploração de quaesquer outras linhas de navegação, sem por isto ficar dispensada de cumprir pontualmente as condições do contrato, nem poder allega-lo como causa justificativa de qualquer falta.

Art. 24.º Â concessão da subvenção não importa o exclusivo de qualquer especie, ficando livre a navegação de vapor entre quaesquer dos portos mencionados no contrato, nos termos da legislação em vigor.

Multas

Art. 25.° A empreza fica sujeita ás seguintes multas:

1.° Não saíndo qualquer dos vapores nos dias fixados pagará 450$000 réis pelo primeiro dia e 45$000 réis por cada um dia a mais;

2.° Por cada dia de demora que exceder a duração da viagem, tanto na ida como na volta, 3600000 réis.

§ 1.° As multas serão liquidadas no ministerio da marinha e ultramar, e pagas por desconto na respectiva subvenção.

g 2.° A empreza será isenta das muitas no unico caso de allegar e provar caso de força maior que justifique as faltas.

Duração do contrato

Art. 26.° O contrato durará por tempo de tres annos, a começar do dia 15 de outubro do corrente anno de 1871.

O praso nunca se entenderá prorogado sem nova e especial convenção entre o governo e a empreza.

Art. 27.° O deposito de 5:000$000 réis feito pelo concessionario é caução d'este contrato. Se o concessionario não se habilitar conforme o contrato, para começar devidamente o em tempo o serviço a que se obriga, perderá para o estado o mesmo deposito.

Approvados os barcos pelo governo poderá ser levantado o deposito, ficando então subrogada a garantia nos mesmos barcos, os quaes desde já para então ficam todos e cada um d'elles havendo-se n'este logar como especificados, especialmente hypothecados á responsabilidade do não cumprimento do contrato.

§ unico. O concessionario para levantar o deposito deverá provar por certidão em fórma legal ter elle proprio feito o registo d'esta hypotheca nas estações competentes. Rescisão do contrato

Art. 28.° Se a empreza deixar de cumprir as condições do contrato, salvos os casos de força maior, poderá o governo rescindi-lo por decreto seu, sem dependencia de processo nem intimação previa.

§ 1.° A empreza poderá recorrer d'este decreto para o supremo tribunal administrativo, dentro do praso de 15 dias, improrogaveís, a contar do dia da publicação do mesmo decreto na folha official.

§ 2.° Não terão fundamento para rescindir o contrato as faltas provenientes de não saírem os barcos nos dias marcados ou da demora das viagens, salvo se essas faltas forem repetidas.

Approvaçâo do contrato

Art. 29.° Este contrato fica sujeito á approvação das côrtes em tudo o que depende da sancção legislativa, e sem ella não será valido para effeito algum.

E com estas condições hão por feito e concluido o dito contrato, ao qual assistiu, como fica declarado, o visconde de Paiva Manso, ajudante do procurador geral da corôa e fazenda, junto a este ministerio, sendo testemunhas presentes os amanuenses da secretaria d'estado dos negocios da

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marinha e ultramar, Vicente Elesbão de Campos e Bernardo Lemos da Fonseca.

E eu Rayniundo Maria Jacobetty, segundo official da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e subscrevi o presente termo de contrato, que vão assignar commigo os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas, depois de lhes ser lido. = José de Mello Gouveia = João Candido de Moraes = Visconde de Paiva Manso = Vicente Elesbão de Campos = Bernardo Lemos da Fonseca = Raymundo Maria Jacobetty.

Está conforme. — Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 24 de abril de 1871. = Visconde da Praia Grande.

Proposta de lei

Senhores. — O decreto com força de lei de 17 de dezembro de 1868 reorganisou o corpo de marinheiros da armada, dando-lhe uma fórma mais conveniente ao serviço que é chamado a desempenhar, e conforme as necessidades publicas. Mas, como sempre, a pratica, o mais exacto e seguro meio de aperfeiçoamento de todas as reformas, não deixou de mostrar com o tempo a existencia de outros obstaculos que, continuando ainda a embaraçar o mesmo serviço, se tornava necessario remover em vista das diversas representações feitas pelos commandantes d'aquelle corpo.

Com este intuito, entendi dever nomear uma commissão composta de officiaes da armada, a qual, tendo presente as referidas representações sobre o assumpto, propozesse todas as modificações que julgasse conveniente introduzir na actual organisação do corpo de marinheiros, para maior regularidade e facil execução do seu serviço. Esta commissão apreseutou os seus trabalhos; e, convencido da utilidade das modificações propostas, adoptei aquellas que julguei menos difficeis de executar, alterando outras por assim me parecerem mais conformes á indole de um dos nossos mais importantes corpos militares.

A necessidade de resolver de um modo decisivo se o corpo de marinheiros deve ter o seu quartel no mar ou em terra é a primeira que se apresenta na reorganisação de 17 de dezembro de 1868, porque, não podendo ter iguaes conveniencias tão oppostas situações, não parecerá estranho ver preferida e adoptada pela lei a que se mostrar melhor ou necessaria, a fim de evitar os transtornos que podem resultar ao serviço pelo arbitrio de qualquer resolução menos fundada.

Por isso, attendendo á falta de um navio proprio e de uma doka que seria indispensavel para o abrigar de accidentes adversos ao seu serviço resultantes das condições naturaes do porto de Lisboa, onde tantas vezes no inverno a communicação dos navios com a terra é embaraçada se não interrompida por causa do tempo, pareceu-me, por agora, prejudicada toda a discussão sobre o logar do aquartelamento dos marinheiros da armada, que as circumstancias actuaes fixavam em terra, aonde aliás deve ser considerado mais como escola de importantes exercicios militares, do que como escola profissional do marinheiro, que, segundo a pratica do corpo, é dada com toda a proficiencia aos recrutas a bordo dos navios de guerra surtos no porto de Lisboa, e depois n'aquelles em que tomam praça de guarnição para as viagens de longo curso.

Não é esta medida de prevenção, contra eventualidades prejudiciaes ao serviço de marinha militar, a que acode ás difficuldades do irregular e penoso desempenho do serviço actual do corpo de marinheiros aquartelado hoje em terra; facil é perceber que ha outras de immediata influencia n'este serviço, que as necessidades conhecidas do seu aperfeiçoamento reclamam como indispensaveis aos fins de utilidade publica a que elle se destina.

O corpo de marinheiros da armada não póde merecidamente gosar do fôro de corpo militar, nem corresponder á idéa da sua instituição, sem que tenha uma organisação essencialmente militar. Afastar-lhe os collaboradores mais

necessarios á sua feição característica, torna-los adventicios e indifferentes á sua existencia e exigir-lhes toda a responsabilidade e empenho no seu serviço, é annullar o elemento mais precioso do vigor de uma instituição que se pretende militarmente organisar.

A lei de 17 de dezembro de 1868, innegavelmente util e previdente na maioria das suas disposições, afastando os officiaes que até então faziam parte integrante e recebiam auctoridade e força vital do corpo de marinheiros, e chamando arbitrariamente outros com o nome de addidos e transmittindo-lhes indifferentemente um serviço que era deixado com a mesma indifferença e desinteresse com que havia sido recebido (salvo raras excepções), não previu, infelizmente, as perniciosas consequencias d'este preceito.

Agora, porém, que se trata de remedia-las, convem novamente ordenar, como meio mais efficaz de consegui-lo, que os officiaes encarregados dos destacamentos a bordo dos navios do estado continuem como antigamente a ser praças effectivas do corpo, porque o serviço de officiaes addidos não póde nem deve ser admittido e considerado como principio organico de uma corporação militar, mas unicamente como um recurso extraordinario em casos excepcionaes previstos pela lei. Para os que não ignoram a qualidade do serviço e encargos dos officiaes dos destacamentos, os addidos nem mesmo se recornmendam por uma bem entendida economia, porque, pelo facto dos officiaes terem praça no corpo de marinheiros, não deixam de pertencer ao quadro da armada, concorrendo em todo o serviço de bordo com os seus camaradas alheios ao corpo, sem alterar o numero determinado pelas lotações dos navios em que se acham. Havendo hoje 24 officiaes addidos, a despeza do thesouro nem augmenta quando se tornem praças effectivas do corpo de marinheiros, nem diminue quando deixem de o ser, visto os seus vencimentos não soffrerem alteração alguma.

Assim, reconhecendo a utilidade das tres grandes divisões em que o corpo está dividido; das doze secções em que estas se acham sub-divididas; e dos tres commandantes permanentes no quartel, centralisando o serviço de cada divisão e assumindo a primeira responsabilidade d'elle, julguei de maior utilidade que, na composição de cada uma das divisões, entrasse quatro primeiros tenentes e quatro segundos, os quaes distribuidos pelas quatro secções ficam substituindo de um modo mais vantajoso os actuaes officiaes addidos.

Se a reorganisação de 1868 tem no quadro da armada onde supprir-se largamente dos seus officiaes addidos, outro tanto não succede a respeito dos officiaes inferiores do corpo de marinheiros. Esta classe, tão importante e considerada em todos os corpos militares, não só foi por ella excessivamente reduzida, porém ainda n'uma tal desproção gerarchica para a força d'este corpo, que o serviço não póde deixar de resentir-se.

Um grande numero de destacamentos, que precisam ter officiaes inferiores para instrucção e melhor disciplina das suas praças, estão sem elles; e o serviço do quartel, sendo na maior parte feito pelos primeiros sargentos addidos ao corpo, soffrerá de certo muito mais quando fiquem só os tres legalmente auctorisados no quadro. Alem d'isto, a differença entre os vencimentos dos primeiros e segundos sargentos é tão pequena e tamanha a distincção do seu serviço em todos os corpos militares que, augmentando o numero dos officiaes inferiores do corpo de marinheiros, julguei não dever desattender a necessidade de augmentar proporcionalmente o dos primeiros sargentos, entrando no quadro effectivo os sete que se acham actualmente addidos. As classificações, feitas com o louvavel intuito de melhor aproveitar o pouco tempo de serviço a que a lei do recrutamento obriga os recrutados da armada, foram supprimidas, não só pela difficuldade e menos conveniencia de formar tres divisões iguaes com os caracteres distinctivo que as ditas classificações lhes dão, mas tambem pela impossibilidade de fazer respeitar devidamente a bordo as mesmas

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classificações. A bordo todas as praças do corpo de marinheiros exercem a profissão do marinheiro e satisfazem a todos os deveres do serviço militar, sem que possa haver para as praças de pret distincção alguma de obrigações em uma marinha pequena como a nossa, que não seja fundada em uma instrucçâo muito especial em beneficio de um serviço igualmente especial. Com o intuito, pois, de aproveitar reconhecidas aptidões, sem offensa da lei nem embaraço a classificações difficeis, estabeleceu-se só tres secções de marinheiros artilheiros, compostas unicamente de praças habilitadas pela escola pratica de artilheria naval, para as quaes fica reservado o serviço de chefes e carre- gadores da artilheria, sem por este facto serem isentas de qualquer outro serviço. Na composição das mais secções, denominadas de marinheiros fuzileiros, entram todas as outras praças que não têem aquella habilitação especial.

Introduzidas estas importantes modificações na reorganisação de 1868, e convindo tornar os seus elementos homogeneos, conservar a maior analogia de serviço no quartel e a bordo, e evitar denominações estranhas sem nenhuma influencia no bom desempenho d'elle, julguei ainda indispensavel que, na organisação do corpo de marinheiros, se determinasse: 1.°, que o instructor seja sempre um official da armada, primeiro ou segundo tenente; 2.º, que um fiel de generos e um enfermeiro entrem na composição do estado menor, como as outras praças, das quaes não se póde prescindir; 3.°, finalmente, que o official de fazenda conserve o nome official por que são conhecidos a bordo dos navios de guerra todos os da sua classe, deixando por consequencia de chamar-se «quartel mestres.

Uma duvida, porém, se apresentava relativa ao estado menor do corpo, que cumpria resolver na sua definitiva recomposição.

O corpo de marinheiros que, por uma rasão de economia, deixou de ter musica, não obstante a necessidade reconhecida d'ella, conservou sempre uma charanga, a que, não estando comprehendida na actual reorganisação do corpo, é comtudo officialmente auctorisada, pois que muitas vezes tem sido requisitada não sómente para serviço em terra, mas tambem para embarcar a bordo dos navios de guerra em differentes commissões.

D'esta situação anormal devia forçosamente resultar o embaraço do commandante do corpo não saber se maior responsabilidade lhe resulta em conserva-la, sem estar auctorisada na lei, ou em supprimi-la, apesar da sua existencia ser de todas as auctoridades conhecida.

Para remover esta difficuldade e conservar regularmente ao corpo de marinheiros a charanga de que elle nunca prescindiu, era conveniente estabelece-la e fixar-lhe um quadro de músicos por disposição legal.

O systema seguido até aqui no corpo de mariheiros, de dispensar um certo numero de praças para o serviço de músicos, não póde ser sustentado por arbitrario nem louvado por algum beneficio de economia, pois que um primeiro marinheiro tem maior vencimento de que o necessario para contratar um musico da charanga, sendo portanto evidente que as oito praças musicas do estado menor em que fica organisada a charanga do corpo de marinheiros, são menos onerosas á fazenda, do que o arbitrio seguido até aqui.

Fica inderminado o tempo de serviço para alguns officiaes que o não podem nem devem ter igual, como o primeiro commandante que exerce um cargo de confiança do governo essencialmente amovivel, e os officiaes dos destacamentos que desempenham commissões de duração quasi sempre imprevista e incerta. O serviço dos mais officiaes, considerado tambem de commissão, não durará todavia mais de tres annos, a fim de que, nos differentes ramos de serviço militar do corpo do marinheiros, possa instruir-se um maior numero de officiaes da armada.

Quanto ao provimento dos postos dos officiaes inferiores e cabos, sendo bem conhecida a inconveniencia no serviço da marinha de guerra de quasi todos os individuos das diversas classes que compõem o estado menor das guarnições serem completamente alheios á instrucçâo militar e profissional exigida ás praças de marinhagem, estava bem indicada a necesssidade de evitar que o mesmo inconveniente se desso a respeito dos officiaes inferiores do corpo, determinando se que sejam tirados dos cabos artilheiros, sem competencia de pessoas estranhas á corporação, pois que, por meio d'estas considerações merecidas, se cria o verdadeiro estimulo no serviço da armada.

Com esse intuito foi augmentado o numero de cabos artilheiros, a fim de, facilmente, se poder tirar d'esta classe os furriéis, como da classe dos cabos de marinheiros são tirados os guardiães. Para evitar aos officiaes inferiores preterições injustas e garantir-lhes, em qualquer situação em que se achem, o direito de promoção, adoptou-se a escala rigorosa de antiguidade em cada posto, sendo por ella promovidos logo que haja vacatura, se não tiverem informações que lhes estorvem o accesso. E este o systema preferivel n'um quadro tão pequeno como o seu, a qualquer outro que seja de propostas eu de exames, pois que estes raras vezes deixam de trazer injustiças graves para os que desempenham o serviço longe do logar onde é feita a promoção.

A ordem das propostas póde, no entanto, adoptar-se na promoção a cabo artilheiro, por ser o commandante da escola pratica de artilheria o unico que propõe. E por que não succède o mesmo com os cabos marinheiros propostos por differentes commandantes e em differentes situações, facil era ficarem preteridos primeiros marinheiros em serviço no ultramar, seguindo-se com elles igual systema.

É por consequencia justo que n'esta promoção não se attenda á ordem das propostas, mas sim á antiguidade de primeiro marinheiro entre os propostos que não devem para isso ter menos de cinco annos de serviço no corpo de marinheiros e ser exemplar o seu comportamento.

Foram estes mesmos principios e o desejo de melhorar quanto possivel o serviço na armada, que obstaram a permittir-se aos cabos marinheiros concorrerem a exame para passarem á classe de guardiães antes de terem na sua classe, pelo menos, dois annos de embarque fóra dos portos do continente do reino, e oito annos de serviço, contados do tempo da sua primeira praça, com exemplar comportamento, evitando assim serem preteridos injustamente os que servem nas estações navaes pelos que raramente saem dos ditos portos, e que facil e prematuramente são muitas vezes promovidos.

O tempo de serviço exigido para estas promoções é uma disposição indispensavel na actualidade, attendendo ao pouco tempo a que são obrigadas a servir as praças do corpo de marinheiros a quem o estado paga e educa para no fim de cinco annos, pela maior parte, requererem as suas baixas e irem servir nas marinhas estrangeiras na occasião em que a nossa começava a tirar maior proveito d'ellas.

No que diz respeito ás praças de marinhagem, a importancia do serviço da artilheria reflectindo sempre uma consideração merecida sobre aquelles que a exercem distinctamente, era justo no entanto que os cabos artilheiros não podesseni ser promovidos á classe de guardiães sem terem previamente passado ás secções de fuzileiros na praça que tinham antes de entrarem para a escola pratica de artilheria. Prevenindo d'este modo um prejuizo no serviço, pareceu-me tambem de grande conveniencia que os chefes de peça sejam unicamente tirados da classe de marinheiros entrados para a mesma escola, a fim d'este importante cargo a bordo dos navios de guerra não ser desempenhado por grumetes.

Succedendo que, no regresso das estações navaes ou de longas viagens, pelo desarmamento dos navios, as praças recolhem ao quartel d'onde são as primeiras a destacar para bordo dos navios que de novo armam, muitas vezes para estacionar ou emprehender longas viagens, emquanto outras praças embarcadas continuam a permanecer tranquil-

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lamente dos portos do continente do reino, entendi, para prevenir uma tal desigualdade de serviço; que muito tem concorrido para a innumeravel quantidade de baixas pedidas por aquellas praças, ser necessario determinar que as praças regressadas de similhantes commissões rendam as embarcadas nos navios surtos no Tejo ou distinados a viagens entre os portos do continente do reino e ilhas adjacentes.

Passando á analyse dos vencimentos e do serviço que elles remuneram, julguei dever reparar as inconsequencias de uma tabella que muito desconsidera e desauctorisa a classe dos officiaes inferiores do corpo de marinheiros da armada. Os segundos sargentos e furriéis não devem vencer soldos inferiores ao de cabo do mesmo corpo, a graduação militar não póde deixar de ser, por injustificavel excepção na corporação dos marinheiros, o que foi sempre em todos os corpos da milicia, definida em consideração, obrigações e vencimentos correspondentes a estes e aquella.

Alterando se a tabella dos vencimentos na parte que diz respeito aos officiaes inferiores do corpo de marinheiros, uma outra disposição não menos justa foi adoptada a favor d'esta classe, fazendo-lhe extensivo um beneficio de que gosam ha muito outras praças. Concedem-se adiantamentos rascáveis aos furriéis para se fardarem e a todos para refazerem os seus uniformes, sem prejuizo da fazenda e sujeitando-se estes abonos a desconto nos respectivos vencimentos. E uma medida equitativa que ha de exercer uma influencia salutar na moralidade e disciplina do corpo, e portanto na regularidade do serviço militar. Não é necessario justificar aqui o augmento dos 25 por cento abonados nos soldos dos officiaes inferiores em serviço nas estações navaes, porque de mais está elle justificado por todas as rasões que prevalecem para sustentar igual abono a outras classes que servem nas mesmas condições.

Emquanto ao vencimento das praças que cumprem sentença, recebido unicamente em artigos de vestuario, tendo mostrado a experiencia que, não obstante estas praças viverem sempre a bordo, precisam como as outras de tabaco e diversos objectos para conservação e aceio da sua roupa, os quaes não podem obter gratuitamente, e para os adquirir são muitas vezes levados da necessidade de fazer dinheiro a vender parte do vestuario, violando assim a disciplina e soffrendo os castigos que lhes são applicados. Para evitar, n'este caso, todo e qualquer desvio na boa ordem e disciplina a bordo dos navios de guerra, foi estabelecido que as praças que cumprem sentença continuem a vencer 2JÍ000 réis mensaes, na rasão de 1$500 réis em artigos de vestuario e 500 réis em dinheiro.

A parte administrativa da organisação actual do corpo de marinheiros, que muito abona a previsão da lei de 17 de dezembro de 1868, não carecia de modificação alguma, e ficou nos termos em que acertadamente havia sido combinada.

Sobre a distribuição do serviço e disciplina do corpo era mister attender a que os navios do estado, sendo tripulados por destacamentos compostos de differente numero de praças, convinha determinar a proporção em que os officiaes subalternos e inferiores deveriam acompanhar os destacamentos. Assim, tomando por base a sua força numerica e procurando satisfazer a todos os deveres do serviço militar, foi adoptada a que pareceu mais racional. Era ainda preciso attender a que, na formação dos destacamentos, não entrasse em uns maior numero de praças das secções de marinheiros artilheiros do que o necessario, faltando n'outros o indispensavel. Mettendo na sua composição um chefe e um carregador por cada bôca de fogo para guarnecer a respectiva bateria aos dois bordo?, tornou-se impossivel a desordem que se pretendeu acautelar.

A repressão disciplinar tambem foi modificada em um ponto importante, cuja emenda era ha muito reclamada pela justiça distributiva.

As praças do corpo de marinheiros servem por mais tempo do que as do exercito, e a lei de 21 de julho de 1856, applicada por analogia aos desertores da armada, é responsavel pela flagrante injustiça de castigar com desigualdade de pena o mesmo crime. Ao marinheiro, justamente recrutado e devidamente recompensado, não repugna o serviço da armada, porque aprende ali uma profissão util a que se affeiçoa o raras vezes deixa de exerce-la em serviço do seu paiz, ou do estrangeiro quando alcança a sua baixa; mas hesita sempre em alistar-se quando pensa que, se por qualquer eventualidade chega a desertar e fica sujeito a ser processado e punido como soldado, soffre por igual delicto maior castigo do que este, contra todos os principios de moral e de justiça. Reparando como convinha este defeito da lei de que a justiça se aggrava, eque muito concorre para difficultar o serviço da armada, pensei tambem que, sem quebra da disciplina, podia determinar que as praças que não comparecem ás mostras de saída dos navios não sejam por esse simples facto consideradas logo como desertores, mas só depois de responderem a conselho de investigação, onde serão admittidas a justificar, se poderem, a sua falta; e que as praças julgadas incorrigíveis perante um conselho da mesma natureza se reputem desertores para servirem como taes no Ultramar.

Sobre a inspecção do corpo de marinheiros relativa á disciplina, instrucçâo e economia, pareceu conveniente que, estando a inspecção permanente do mesmo corpo a cargo do commandante geral da armada, a inspecção annual seja encarregada a um official da escolha e nomeação do ministro da marinha.

Na ordem das disposições geraes fica estabelecido: 1.° Que os descaramentos dos navios armados, acompanhados dos seus officiaes, venham um dia em cada mez a terra instruir-se nas praticas militares e exercicios de pelotão;

2.° Que as praças novas não destaquem do quartel antes de tres mezes de instrucçâo militar;

3.° Que no quartel haja uma bateria de peças de desembarque a cargo do fiel de artilheria do corpo, para instrucçâo n'esta artilheria especial;

4.° Finalmente que os commandantes dos navios do estado informem das differentes aptidões das praças na occasião de recolherem ao quartel ou serem passadas para outros navios, e que do quartel nunca destaque praça alguma para bordo sem que vá acompanhada de uma informação similhante.

Persuado-me de que estas disposições hão de contribuir muito para a regularidade e melhor execução do serviço do corpo de marinheiros.

Por estes fundamentos, tenho a honra de propôr á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

CAPITULO I

Organisação do corpo de marinheiros da armada

Artigo 1.º A marinhagem dos navios do estado fórma um corpo permanente com a denominação de «Corpo de marinheiros da armada», cuja residencia é em Lisboa n'um quartel em terra proximo do mar.

Art. 2.º O corpo de marinheiros é composto de: 1.° Um estado maior; 2.° Um estado menor; 3.° Tres divisões.

Art. 3.° O estado maior tem a seguinte composição: Primeiro commandante, official general ou capitão de mar e guerra............................... 1

Segundo commandante, official superior da armada.. 1

Ajudante, primeiro tenente..................... 1

Secretario do corpo e do conselho administrativo, primeiro ou segundo tenente..................... 1

Instructor, primeiro ou segundo tenente........... 1

Segundo official ou aspirante do corpo de officiaes de

fazenda da armada......................... 1

Facultativo naval com graduação de offisial superior Capellão da armada........................... 1

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Art. 4.º O estado menor é composto do modo seguinte:

Sargento ajudante............................. 1

Mestre de armas, com graduação de primeiro sargento 1

Mestre de apparelho, mestre da armada........... 1

Espingardeiro, com a graduação de segundo sargento 1

Enfermeiro da companhia de saude naval......... 1

Fiel de generos do quadro da armada............ 1

Corneta mór e mestre da charanga............... 1

Cabo de cornetas.............................. 1

Musicos..

de 1.ª classe...................................... 4

de 2.ª classe...................................... 4

Art. 5.° A composição de cada uma das divisões é a seguinte:

Commandante, primeiro tenente da armada........ 1

Primeiros tenentes............................. 4

Segundos tenentes............................. 4

Primeiros sargentos............................ 4

Segundos sargentos............................ 7

Furriéis..................................... 4

Cabos....................................... 36

Primeiros marinheiros.......................... 104

Segundos marinheiros.......................... 136

Primeiros grumetes............................160

Segundos grumetes............................ 216

Corneteiros................................... 8

Sendo o total de cada divisão 684 praças, o total das divisões de 2:052, e a força total do corpo de 2:076.

§ unico. Na falta de primeiros tenentes podem as secções ser commandadas por segundos tenentes.

Art. 6.° Cada divisão é subdividida em quatro secções denominadas: as tres primeiras de marinheiros fuzileiros, e a 4.* de marinheiros artilheiros; as doze secções do corpo são numeradas seguidamente de 1 a 12. Pertencem á 4.ª, á 8.ª e á 12.ª secções de marinheiros artilheiros unicamente as praças habilitadas pela escola pratica de artilheria naval; todas as outras praças de marinhagem compõem as secções de marinheiros fuzileiros. As praças de estado menor e os creados dos officiaes pertencem á 1.ª secção.

§ 1.° A cada secção de marinheiros artilheiros corresponde um primeiro sargento, um segundo sargento, um furriel e doze cabos artilheiros. O numero de praças das classes inferiores é igual em todas as secções.

§ 2.° Para os assentamentos dos officiaes é destinado um livro especial.

Art. 7.° As praças de que se compõem as tres divisões exercem a profissão de marinheiro da armada, executando indistinctamente todos os trabalhos, e satisfazendo a todos os deveres do serviço militar, ficando excepcionalmente reservado o serviço especial de chefe de peça e de carregadores de artilheria para as praças das secções de marinheiros artilheiros.

CAPITULO II

Nomeação dos officiaes, e provimento dos postos de officiaes interiores e cabos

Art. 8.º O primeiro commandante é de nomeação regia; os demais officiaes são nomeados pelo ministro, sob proposta da auctoridade superior naval.

§ 1.° O serviço do primeiro commandante e dos officiaes das secções é por tempo indeterminado, e só dependente das conveniencias do mesmo serviço.

§ 2.° O serviço do segundo commandante, dos mais of ficiaes do estado maior e dos commandantes das divisões é de commissão, e não póde durar mais de tres annos.

Art. 9.° A promoção dos officiaes inferiores é feita por escala rigorosa da sua antiguidade, quando na vida militar do inferior a quem ella pertencer não se dêem circumstancias que justifiquem a sua preterição.

§ unico. Os primeiros sargentos, com mais dez annos de bom e effectivo serviço, sem nota como officiaes inferiores, podem ser despachados alferes para o ultramar, quando o requeiram e o governo julgue conveniente.

Art. 10.° Os furriéis são tirados da classe dos cabos artilheiros.

Art. 11.º As promoções na classe de marinhagem são feitas pelos commandantes dos navios em que as praças estejam servindo. Exceptua-se a promoção a cabo marinheiro ou cabo artilheiro, a qual só póde ser feita pelo commandante do corpo; a primeira sob proposta dos commandantes dos referidos navios, e a segunda sob proposta do commandante da escola pratica de artilheria.

§ unico. A promoção a caba marinheiro é feita por escala de antiguidade de praça de primeiro marinheiro entre os propostos, os quaes não devem ter menos de cinco annos de serviço no corpo de marinheiros da armada, e ser exemplar o seu comportamento.

Art. 12.° Os officiaes marinheiros são tirados da classe dos cabos marinheiros.

§ 1,° Os cabos marinheiros não podem ir a exame para serem promovidos a officiaes marinheiros sem que tenham n'aquella classe, pelo menos, dois annos de embarque nos portos fóra do continente do reino, oito annos de serviço, contados do tempo da sua primeira praça no corpo de marinheiros, e ser exemplar o seu comportamento.

§ 2.° Os cabos artilheiros não podem ser promovidos a officiaes marinheiros sem que previamente passem ás secções de fuzileiros com a praça que tinham antes de entrarem para a escola de artilheria.

§ 3.° A classificação de chefe de peça não poderá ser concedida senão aos individuos entrados para a escola com praça de marinheiro.

§ 4.° Os individuos com praça de grumete, que sejam classificados na escola de artilheria como carregadores, poderão, quando adquirirem a promoção de marinheiro a bordo dos navios armados, volver á mesma escola para se habilitarem para chefes de peça.

Art. 13.° Da classe dos cabos artilheiros são escolhidos os fieis de artilheria que continuam a fazer parte das secções de artilheiros, e servem principalmente ria escola pratica de artilheria, sempre que estejam desembarcados.

§ unico. Um cabo artilheiro desempenha no quartel as funcções de fiel de artilheria.

Art. 14.° Os officiaes inferiores e os corneteiros do corpo de marinheiros são obrigados a servir por tempo igual ao que está fixado por lei para as demais praças do mesmo corpo.

§ 1.° Aos officiaes inferiores tirados da classe de marinhagem conta se a antiguidade desde a sua primeira praça no corpo de marinheiros para todos os effeitos.

§ 2.° Os individuos que assentem praça de corneteiros e que no fim de tres mezes de aprendizagem não hajam mostrado aproveitamento são despedidos.

CAPITULO III

Dos vencimentos

Art. 15.° Os officiaes e mais individuos da corporação da armada em serviço no corpo de marinheiros têem direito a vencimentos iguaes aos que competem aos officiaes de igual patente ou praças de iguaes classes embarcadas em navios surtos no Tejo.

Os vencimentos do primeiro e segundo commandantes são iguaes aos dos officiaes de iguaes patentes em commissão de commando no Tejo.

Art. 16.° Os vencimentos das praças de pret do corpo de marinheiros são os que vão determinados na tabella que faz parte integrante d'esta lei.

§ 1.° Alem do vencimento, abona o estado a cada praça de pret, maca, travesseiro, colxão e um sacco de lona para roupa. Quando a praça seja reconduzida é-lhe feito novamente igual abono.

§ 2.º As soldadas das praças são pagas por quinzenas nas mesmas occasiões em que se paga o pret á guarnição de Lisboa. Exceptuam-se as praças embarcadas em navios que estejam fóra do continente do reino, as quaes continuam

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a receber os seus vencimentos na fórma das disposições legaes em vigor.

§ 3.º Das soldadas se deduzem as quantias determinadas para deposito, custo do vestuario e mais objectos fornecidos ás praças por adiantamentos e os de quaesquer artigos que extraviem ou destruam.

§ 4.° O desconto feito ás praças pelos motivos indicados no § antecedente nunca póde ser maior que dois terços da soldada que tenham a receber.

§ 5.° As praças de marinhagem presas para conselho de guerra são consideradas como segundos grumetes, qualquer que seja a sua graduação, e recebem sómente metade do pret correspondente áquella classe. Quando, porém, sejam absolvidas, é-lhes paga toda a differença entre a quantia que hajam recebido e a que lhes pertencia segundo a sua graduação.

§ 6.° As praças desertadas que sejam presas por crimes communs são abonadas segundo o disposto no § antecedente, e só a partir do dia em que com o processo respectivo sejam entregues ao fôro militar.

§ 7.° Os presos cumprindo sentença vencem sómente 2$000 réis mensaes, que lhes são abonados 1$500 réis exclusivamente em artigos de vestuario e 500 réis em dinheiro.

§ 8.º Depois de cumprida a sentença são as praças reintegradas nas classes a que anteriormente pertenciam.

§ 9.º As praças de pret effectivas do corpo de marinheiros que completem o tempo legal do serviço e sejam reconduzidas por outro igual periodo de tempo, vencem mais um quinto das respectivas soldadas, e conservam o mesmo acrescimo as que não queiram continuar, emquanto lhes não sejam concedidas as suas baixas.

§ 10.° Os officiaes inferiores em serviço nas estações navaes têem direito a mais 25 por cento do soldo, na conformidade do estabelecido para os individuos mencionados no § l.° do artigo 7.° do decreto de 30 de dezembro de 1868.

§ 11.° Ás praças de marinhagem promovidas a furrieis é concedido o adiantamento de 30$000 réis por uma só vez para se fardarem; e para refazerem os seus uniformes é concedido a todos os officiaes inferiores do corpo de marinheiros o adiantamento da quantia de 20$000 réis, quando o pedirem, e que lhes será descontado pela fórma estabelecida nos descontos ás demais praças em divida. CAPITULO IV

Da administração

Art. 17.° Um conselho administrativo recebe e applica não só os fundos destinados pelo governo, mas tambem os que provém de substituições, remissões e espolios, de contas com os corpos do exercito ou com a fazenda, relativas ao fardamento das praças que existem no corpo, e ainda das contas de qualquer repartição estranha ao ministerio da marinha.

Art. 18.° O conselho administrativo tem a seguinte composição:

1.° O primeiro commandante do corpo;

2.° O segundo commandante;

3.° O mais antigo dos commandantes das divisões do corpo;

4.° O official de fazenda;

5.° O secretario do corpo.

§ unico. Ao primeiro commandante, e na sua falta ao vogal mais graduado, compete a presidencia do conselho. O secretario do corpo é tambem secretario do conselho, e como tal encarregado da sua escripturação.

Art. 19.º O conselho administrativo do corpo deposita em um estabelecimento de credito, designado pelo governo, os fundos provenientes de depositos, espolios, substituições e remissões, e sobre aquelle estabelecimento saca as sommas que sejam necessarias á medida que haja de lhes dar applicação legal.

Art. 20.° As contas com a repartição superior de contabilidade naval para municiamento de rações, recebimento de soldadas e liquidação de mostras, ficam a cargo do official de fazenda do corpo.

Art. 21.º A estação a que compete no ministerio da marinha a contabilidade naval passa mostras ao corpo, e exerce na sua administração toda a fiscalisação no que respeita aos interesses da fazenda nacional.

CAPITULO V

Do serviço, disciplina e inspecção do corpo

Art. 22.º N'um regulamento especial são marcadas as attribuições e definidos os deveres de todos os officiaes e praças, o systema de administração e contabilidade, e tudo quanto seja concernente á disciplina, regimen militar e economia do corpo.

Art. 23.° Os differentes navios do estado são tripulados por destacamentos do corpo de marinheiros. As praças das secções de marinheiros artilheiros entram na composição d'estes destacamentos na rasão de um chefe e um carregador por cada peça de artilheria do navio, exceptuando os rodizios, a cada um dos quaes correspondem dois chefes e dois carregadores.

Art. 24.° Os destacamentos do corpo de marinheiros são acompanhados por officiaes na seguinte proporção: de 25 a 100 praças um official, primeiro ou segundo tenente; e maior de 100 praças, dois officiaes, um primeiro e um segundo tenente. Os officiaes inferiores destacam do seguinte modo: até 60 praças um segundo sargento ou furriel; de 60 até 160 praças um segundo sargento e um furriel ou dois segundos sargentos; e de 160 praças para cima um primeiro sargento, um segundo e um furriel.

§ 1.º Os commandantes das divisões e bem assim os tres primeiros sargentos d'ellas encarregados não destacam para bordo.

§ 2.º Os guardas-marinhas embarcados são considerados como fazendo parte dos destacamentos e coadjuvam os officiaes encarregados de tal serviço.

Art. 25.° O artilhamento e desartilhamento dos navios de guerra é executado pelos marinheiros artilheiros. Nos trabalhos de apparelho de navios a cargo do arsenal da marinha, nos da casa das vélas ou em outros analogos podem tambem ser empregadas as praças do corpo quando o serviço o permitta e seja assim determinado pelo commandante geral da armada.

Art. 26.° Ha no quartel do corpo de marinheiros da armada uma escola de instrucção primaria, a qual é dirigida pelo capellão.

Art. 27.° As praças de pret do corpo de marinheiros que desertarem são processadas e punidas segundo os preceitos da lei de 21 de julho de 1856, devendo para similhante effeito ser o tempo de serviço contado a essas praças como se fossem praças de pret do exercito.

§ unico. São considerados como desertores os individuos com praça no corpo, que faltem á mostra de saída dos navios em que estejam destacados, quando não justifiquem perante um conselho de disciplina a referida falta.

Art. 28.° São processadas como as praças desertoras aquellas que pelo seu irregular comportamento sejam julgadas incorrigiveis perante um conselho de investigação.

Art. 29.° São feitos a bordo dos navios os conselhos de investigação a que tenham de responder as praças n'elles destacadas; feitos no quartel os conselhos de investigação ás praças não destacadas e as que faltarem á mostra de saída no porto de Lisboa, e bem assim os conselhos de disciplina pelo crime de deserção, requisitando-se para este fim ao commandante geral da armada os officiaes que sejam necessarios quando os não haja no quartel.

Art. 30.º A inspecção permanente do corpo de marinheiros da armada, em relação á instrucção, disciplina e economia, pertence ao commandante geral da armada, e a este compete tambem propor ao ministro da marinha tudo quanto julgue conveniente para bem se desempenharem os serviços a que este corpo é destinado.

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Art. 31.° O corpo de marinheiros é tambem annualmente inspeccionado por um official general da armada designado pelo ministro.

CAPITULO VI

Disposições geraes

Art. 32.° As praças que regressam das estações navaes ou de longas viagens substituem as praças dos differentes navios armados surtos no Tejo, e dos que estiverem empregados em commissões no continente do reino e ilhas adjacentes, quando estas praças não estejam no mesmo caso.

Art. 33.° Praça alguma nova destaca do quartel antes de tres mezes de instrucção nos exercidos militares.

Art. 34.° As praças de marinhagem são obrigadas a deixar em deposito a quantia de 6$000 réis, que lhes são restituidos quando recebam a escusa do serviço.

Art. 35.° Os commandantes dos navios informam individualmente das aptidões especiaes das praças da sua guarnição quando essas praças recolham ao quartel ou sejam passadas para outros navios, e estas informações devem acompanha-las quando destaquem do quartel.

Art. 36.° Haverá no quartel do corpo de marinheiros uma bateria de peças de desembarque para exercicio das praças de marinhagem.

Art. 37.° Os destacamentos dos navios armados, acompanhados dos respectivos officiaes, comparecerão no quartel um dia em cada mez, designado pelo commandante geral da armada, de accordo com o commandante do corpo de marinheiros, a fim de se instruirem nas praticas de desembarque e no exercicio de pelotão.

Art. 38.º A divisão de veteranos continua a ser dependencia do corpo de marinheiros para todos os effeitos.

CAPITULO VII

Disposições transitorias

Art. 39.° Os primeiros sargentos addidos ao corpo de marinheiros ficam desde já pertencendo ao quadro effectivo.

Art. 40.° O quadro dos officiaes inferiores fixado por esta lei completar-se-ha á proporção que hajam cabos artilheiros habilitados para furrieis.

Art. 41.° As praças que já se acham habilitadas na escola pratica de artilheria naval, serão desde já distribuidas igualmente pelas tres secções de artilheiros.

Art. 42.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar,

24 de abril de 1871. = José de Mello Gouveia.

Tabella dos vencimentos das praças de pret de corpo de marinheiros da armada, a que se refere o artigo 16.° da proposta de lei de 24 de abril de 1871

[Ver Diário Original]

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar,

24 de abril de 1871. — José de Mello Gouveia.

Proposta de lei

Senhores. — Desde 1856 tem sido todos os annos auctorisado o governo a applicar um subsidio á provincia de Moçambique. O subsidio que até 1867 não excedeu de réis 52:000$000, foi elevado a 150:000$000 réis, para o exercicio de 1869-1870, por decreto de 14 de outubro de 1869 com fundamento na carta de lei de 23 de agosto do mesmo anno. No actual exercicio é de 90:000$000 réis.

A guerra da Zambezia, e as expedições que por causa d'ella foram enviadas do reino e de Goa, têem obrigado a metropole a conservar tão avultado subsidio; e as consequencias d'este facto, continuando a fazer-se sentir, obrigam ainda a sobrecarregar o thesouro de Portugal com identica despeza.

Moçambique é actualmente a unica provincia ultramarina que tem dotação extraordinaria na lei da despeza do reino; e de tal sorte têem crescido nos ultimos annos os rendimentos das suas alfandegas, que talvez podesse prescindir, já sem perigo, dos soccorros pecuniarios da metropole, se não fossem os acontecimentos a que me refiro.

Emquanto, porém, a provincia não entra no estado normal da sua administração, e ali se conservarem os restos das duas expedições, que demandam despeza extraordinaria, mas impreterivel, a prudencia exige que, para se evitarem maiores males, se continue a applicar ainda no proximo exercicio uma verba importante para as despezas extraordinarias de Moçambique.

No pensamento de diminuir successivamente o sacrificio que a metropole está fazendo com esta provincia, e de approximar o mais possivel a epocha em que ella, á similhança da de Angola, possa dispensar este auxilio, proponho que se diminuam 10:000$000 réis na importancia do subsidio, esperando do vosso esclarecido patriotismo que não haveis de negar a uma das mais ricas provincias ultramarinas os meios de se regenerar.

Artigo 1.° É o governo auctorisado a applicar á provincia de Moçambique, no exercicio de 1871-1872, um subsidio até á quantia de 80:000$000 réis, para occorrer ás despezas extraordinarias da mesma provincia.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 24 de abril de 1871. = José de Mello Gouveia.

Proposta de lei

Senhores. — José Maria Pimenta Brasão de Albuquerque, tendo bem servido no tribunal do thesouro publico desde 6 de novembro de 1833 (e anteriormente como praticante do extincto erario), foi por decreto de 24 de maio de 1848 nomeado administrador da alfandega de Benguella, e tomou posse do seu logar em setembro seguinte; mas passados dois annos, sendo accommettido de uma grave molestia nos olhos, viu-se obrigado a regressar á metropole em janeiro de 1851, e aqui perdeu totalmente a vista.

Ficando assim impossibilitado tanto para o serviço do estado, como para qualquer outro, pediu que se lhe continuasse a abonar o ordenado de administrador da dita alfandega, visto não ter outros meios de subsistencia, e, em attenção ás suas desgraçadas circumstancias, ordenou-se por portarias de 6 de agosto de 1851 e 17 de julho de 1861, que se lhe abonasse esse ordenado por conta do cofre de Benguella, até que fosse resolvida pelas côrtes uma proposta de lei que se tencionou fazer (mas que nunca se fez) sobre os vencimentos que elle deveria ficar recebendo, attentos os seus serviços e especiaes circumstancias.

O empregado de que se trata requereu ultimamente a sua aposentação com o ordenado por inteiro (400$000 réis), como está recebendo em virtude das sobreditas portarias, allegando achar-se no ultimo quartel da vida, cego, doente e rodeado de familia, e referindo-se aos documentos que existem n'este ministerio, pelos quaes se prova que elle serviu com aptidão e zêlo tanto no reino como na Africa, tendo igualmente bem servido no 2.° batalhão nacional fixo, creado em Lisboa em 1833.

Comtudo, este empregado, aliás benemerito e impossibilitado de todo o serviço, não póde ser aposentado em virtude da lei de 24 de junho de 1864, porque pouco tempo serviu na Africa, nem se lhe póde contar o tempo que anteriormente serviu no reino, em vista da disposição final

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do artigo 2.° da mesma lei; sendo porém dignas de especial consideração as suas tristes circumstancias, attendendo a que elle prestou bom serviço ao estado; e conformando-me com o parecer dado a este respeito pelo ajudante do procurador geral da corôa e fazenda junto a este ministerio, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a aposentar com o ordenado por inteiro (400$000 réis) o administrador que foi da alfandega de Benguella, José Maria Pimenta Brasão de Albuquerque.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar,

em 24 de abril de 1871. = José de Mello Gouveia.

Proposta de lei

Senhores. — A força de marinhagem indispensavel para tripular os navios do estado e occorrer a todas as necessidades do serviço maritimo é de 1:956 praças, segundo o proposto no orçamento de 1871-1872 e o decreto com força de lei de 17 do dezembro do 1868, que reorganisou o corpo de marinheiros da armada.

Apresentando o effectivo d'este corpo 1:752 praças de marinhagem, das quaes devem receber baixa 302, umas por terem completado o tempo de serviço e não haverem ainda sido d'elle escusas em consequencia de se acharem fóra do porto de Lisboa, e outras porque concluem o seu tempo até 30 de junho proximo futuro, é necessario, portanto, abater o referido numero de 302 individuos, e considerar o corpo de marinheiros como tendo sómente 1:450.

Convem pois exigir, para o completo da força de marinhagem no anno de 1871-1872, 506 praças, ás quaes se devem acrescentar mais 143, numero este de voluntarios alistados, durante o anno de 1870, no corpo, e figurando já no estado effectivo d'elle como existentes, e que, em conformidade da lei, devem ser deduzidos do contingente pedido, e se tornam necessarios para perfazer o numero total de 1:956 praças.

Não se attende n'esta proposta aos individuos que entram necessariamente no corpo de marinheiros como recrutas de contingentes anteriores, porque são approximadamente em numero igual ao das praças que annualmente sáem do mesmo corpo por causas legaes.

Estabelecem os §§ 2.° e 3.° do artigo 30.° da carta de lei de 2 de junho de 1867, que as camaras ou commissões remettam as copias authenticas do recenseamento geral, e que por este recenseamento rectificado seja feito o recrutamento do contingente votado pelas côrtes; e o decreto de 22 de abril de 1868, para reparar a impossibilidade que havia de satisfazer ás diversas operações do recrutamento nos prasos marcados no regulamento de 30 de dezembro de 1867, fixou o dia 15 de agosto de cada anno como limite para as commissões districtaes e as juntas de revisão decidirem todas as reclamações que lhes forem apresentadas.

N'estas circumstancias, e não tendo por conseguinte as camaras ou commissões remettido ainda as referidas copias dos recenseamentos, não póde o governo pedir já o contingente distribuido pelos departamentos e districtos maritimos como prescreve a lei, e por isso venho apresentar á vossa apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° O contingente para o serviço da armada, relativo ao anno de 1871-1872, é fixado em 649 recrutas.

Art. 2.° O governo fará a distribuição do contingente pelos departamentos e districtos maritimos na proporção do numero dos individuos recenseados em cada um dos mesmos departamentos e districtos.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar,

em 24 de abril de 1871. = José de Mello Gouveia.

Proposta de lei

Artigo. 1.° A força de mar para o anno economico de 1871-1872 é fixada em 2:890 praças distribuidas por 5 corvetas e 4 canhoneiras de vapor, 1 vapor, 1 fragata de véla escola pratica de artilheria naval, 2 corvetas, 1 brigue, 1 escuna, 1 hiate e 1 transporte de véla, 1 corveta e 1 canhoneira de vapor em meio armamento e 2 vapores, 1 hiate e 1 cuter de véla para o serviço da fiscalisação das alfandegas.

Art. 2.º O numero e a qualidade dos navios armados podem variar segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza total não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar,

24 de abril de 1871. = José de Mello Gouveia.

Foram remettidas ás respectivas commissões.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mando para a mesa uma representação dos exploradores da cidade do Porto.

O sr. Bernardino Pinheiro: — Mando para a mesa uma representação dos industriaes com estabelecimento de phosphoros na cidade de Lisboa, contra a proposta de contribuição industrial, apresentada pelo sr. ministro da fazenda.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa treze requerimentos dos officiaes de cavallaria n.º 5, pedindo á camara melhoria de vencimento.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 9

O sr. Presidente: — Tem a palavra, para continuar o seu discurso o sr. Pinheiro Borges.

O sr. Pinheiro Borges: — Dizia eu na ultima sessão, quando v. ex.ª me reservou a palavra para hoje, que em 1860 se tinha passado do systema de quota para o systema de repartição, tendo em vista augmentar a contribuição sem recorrer aos meios que era necessario empregar para melhorar as bases do lançamento, e que em 1871 se restabelece o systema de quota, para evitar as desigualdades consequentes do systema de repartição; e eu voto o projecto e o artigo, não porque me persuada que pelo augmento da taxa o governo tire grandes recursos, mas sim porque espero que elle corrija os vicios das matrizes, e que sejam por este modo relacionados muitos dos individuos que até hoje não têem contribuido, porque são remissos e refractarios.

Se acaso admittisse o principio de que o dominio do patronato não póde ser debelado, como dizem alguns dos illustres deputados que têem defendido o systema de repartição, e na hypothese de que se conhecia com exactidão o valor da propriedade collectavel, tambem seria de opinião que esse systema fosse o adoptado, porque produziria para o estado a verba do imposto orçada na sua receita, deixando aos contribuintes debater entre si os seus interesses, e corrigir as desigualdades resultantes de pratica tão condemnavel.

Mas eu não posso admittir esse principio, porque o governo deve ter força para o corrigir, e bastará seguir o conselho indicado pelo sr. Alves Matheus, para obter desde logo grande melhoramento nas matrizes, que servem de base para o lançamento da contribuição pessoal; castiguem com severidade os delinquentes, e não arvorem os empregados da fazenda em beleguins eleitoraes.

Disse um illustre deputado, que defendeu o systema de quota, que todos sabem o que são as matrizes, e que por isso aconselhava o governo a continuar com o systema de repartição, calculando o imposto pessoal pelos dados estatisticos que possue para esse fim.

Mas eu tambem posso dizer ao illustre deputado, que todos sabem o que são as estatisticas entre nós, porque todos sabem as difficuldades que ha em obter esclarecimentos exactos. E assim como podem existir interesses á sombra dos vicios das matrizes, tambem podem existir outros acobertados pela desigualdade da repartição.

Recorrendo alguns dos illustres deputados a dados estatisticos para provarem os vicios das matrizes, permitta-me

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v. ex.ª que tambem apresente alguns apontamentos colhidos de dados officiaes, que mostram qual é a desigualdade que resulta do modo por que o systema de repartição tem sido praticado entre nós.

Comparemos, por exemplo, o districto de Evora, que tem de população 100:000 habitantes, com o districto de Beja, que tem 140:000 habitantes.

A Evora foi distribuido em 1870, 5:505$000 réis de contribuição pessoal, e 88:000$000 réis de contribuição predial; emquanto que a Beja, que tem, como disse, mais 40:000 habitantes, por consequencia maior consumo, e uma verba de exportação muito mais importante, o que tudo denota maior producção, foi distribuido no mesmo anno réis 2:150$000 de contribuição pessoal e 66:000$000 réis de contribuição predial.

A verba lançada ao districto do circulo, que eu tenho a honra de representar, é para mim um poderoso argumento contra o systema de repartição. Pelos 100:000 habitantes do districto de Evora foi lançada em 1870 uma verba de contribuição pessoal superior á que foi distribuida pela população dos districtos de Bragança, Vianna do Castello e Aveiro, reunidos, e que tem mais de 600:000 habitantes!!

O districto de Faro, que tem maior população e maior producção do que o de Beja, paga de contribuição pessoal 4:685$000 réis e de contribuição predial 63:500$000 réis.

O districto de Bragança, que tem 161:500 habitantes, paga 860$500 réis de contribuição pessoal, isto é, 10 por cento apenas da que paga o districto de Evora, o qual, estabelecidas as devidas proporções, é o mais sobrecarregado pelo imposto depois dos de Lisboa e Porto.

Tenho aqui a nota do que pagam todos os districtos do continente do reino, foi extrahida do relatorio do ministerio da fazenda, e basta consultar este documento para se conhecer que ha uma desigualdade muito frisante nas verbas da repartição; e como ellas tem sido satisfeitas sem queixume pelos districtos mais sobrecarregados, tira-se naturalmente por consequencia ser muito provavel alcançar, por meio de uma matriz completa e exacta, que do systema de quota resulte para o estado muito maior subsidio do que o que actualmente percebe do imposto cobrado pelo systema de repartição.

As desigualdades do systema de repartição podem ser augmentadas pelo arbitrio, na determinação da verba annual, e são aggravadas pelos addicionaes; pelo systema de quota o contribuinte está ao abrigo d'estes aggravos, e só póde haver prejuizo para o estado, por abuso ou fraude, que lhe pertence reprimir e castigar.

Não comprehendi o alcance do argumento dos illustres deputados, que affirmaram que pela inexactidão das matrizes e com a adopção do systema de quota ficavam uns concelhos a pagar mais do que outros, nem percebi as injustiças contra que reclamavam quando se trata de que o contribuinte pague exactamente o que deve pagar. Se existem matrizes más, o que é necessario é torna-las boas, e parece-me que a intenção do governo, apresentando o projecto que se discute, foi principalmente aperfeiçoar as matrizes.

O sr. Ministro da Fazenda: — É verdade.

O Orador: — Se ha concelhos aonde se tem conseguido a exactidão, é forçoso concluir que o facto é possivel, e não percebo como as declarações despercebidamente conduzem á diminuição annual e successiva da contribuição, quando ella deva augmentar, e quando o dever dos empregados de fazenda é conseguir a exactidão relacionando os refractarios e remissos, e corrigindo as indicações falsas.

O manifesto é, no meu entender, o unico meio de arrolamento digno de um paiz honrado, e se o patronato é lei, e a probidade problema, é inutil pensar no melhoramento das finanças.

A circumstancia de ter cumprido com o dever não dá direito a reclamar

fundando-se que outrem o não cumpre. O prejuizo resultante da imperfeição das matrizes de qualquer concelho recáe sobre o estado, e não sobre os que têem as suas matrizes exactas. O bom cidadão cumpre com o seu dever, e censura o remisso não lhe seguindo o exemplo; o bom cidadão encontra na sua consciencia o premio da sua virtude; e aquelle que, conhecendo os seus deveres toma por exemplo o refractario, é tão criminoso como elle, porque um colloca o paiz á beira do abysmo, e o outro dá o impulso para que elle se precipite.

Eu esperava que os illustres deputados que defenderam o systema de repartição, baseando os seus argumentos nos vicios das matrizes, e na connivencia dos funccionarios, concluissem pedindo medidas severas contra similhantes fraudes; mas não aconteceu assim, pediram o statu quo, e houve mesmo quem fosse mais longe, quem desviasse o castigo dos delinquentes sobre os outros funccionarios publicos, e especialmente sobre o exercito, assegurando que não votava nenhum imposto não se fazendo primeiro grandes economias no orçamento do ministerio da guerra.

Estou chegado ao assumpto que me obrigou, como já disse, a pedir a palavra.

Notou muito bem o meu illustre amigo, o sr. deputado Barros e Cunha, que o exercito não gasta hoje proporcionalmente tanto como gastava em 1852. O exercito em 1852 gastava 3.252:000$000 réis, hoje gasta 3.462:000$000 réis, ha uma differença para mais de 210:000$000 réis. Mas se notarmos que se votaram indemnisações a todos os militares que tinham sido preteridos por causa das nossas dissenções politicas; se notarmos que foram reformados em alferes todos os individuos que eram primeiros sargentos em 1846, o que importa n'uns poucos de contos de réis annuaes; se notarmos que se alterou a tarifa dos vencimentos militares; se notarmos que n'aquelle tempo as forragens custavam 150 réis e hoje custam mais do dobro; emfim, se notarmos outras despezas, havemos de achar em tudo isto explicação, que devia produzir um augmento de despeza muito superior ao que acabo de indicar, e que denota que se têem feito economias no seu effectivo.

Disse o illustre deputado, que foi causa de que eu pedisse a palavra, que não tinhamos exercito. Contesto esta asserção. Nós temos exercito ainda capaz de garantir a segurança publica, e todos os partidos que têem estado no poder têem encontrado no exercito a força necessaria para fazer cumprir a lei (apoiados). Nós não temos exercito para dar batalhas, e para isso tem poderosamente concorrido as economias feitas no seu effectivo, que ha pouco indiquei. Os exercitos modernos custam muito mais caros do que custavam d'antes, e para organisar convenientemente o nosso, teriamos que transformar primeiramente todo o nosso material de guerra, teriamos de gastar annualmente muito mais do que gastâmos, seriam necessarios sacrificios de dinheiro superiores aos recursos actuaes do paiz. O exercito não se oppoz em 1868 ás economias (apoiados). Se nós consultarmos os documentos d'aquella epocha, veremos que foi no exercito onde se fizeram os maiores córtes. Em 1868, no orçamento do ministerio da guerra, fez-se uma economia de mais de réis 200:000$000. Estou comtudo de accordo em que se póde aproveitar melhor a despeza que se faz com o exercito. E em 1868 foi submettido ao governo um projecto de organisação, proposto por uma commissão nomeada para estudar o assumpto, no qual se dava nova organisação aos quadros das armas, obtendo-se uma economia superior a 100:000$000 réis, que n'esse mesmo projecto era destinada para organisar convenientemente a reserva, por isso que desde muito tempo reconhecem os militares a necessidade de substituir o exercito permanente pelo exercito nacional, isto é, de ter preparado no paiz um poderoso elemento de força, que em occasião opportuna venha reunir-se ao quadro do exercito permanente.

Todos concordam que é necessario cuidar com toda a attenção da fazenda nacional, todos pensam que é necessario saldar o deficit, é este o fim para que todos os partidos affirmam que se dirigem, e é este o principal intuito do par-

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tido a que tenho a honra de pertencer. Não existe portanto senão divergencia nos meios, e não póde deixar de a haver de confiança pessoal, por isso mesmo que existem partidos.

Não é agora occasião de discutir os meios propostos pelos differentes partidos, nem tão pouco justificar a confiança que um ou outro póde merecer ao paiz, mas julgo que era possivel que todos concordassem no modo de resolver esta questão vital, e que depois de encontrada a solução do problema, nunca mais se fizesse politica com as questões de fazenda.

Eu tenho sido sempre mais doutrinario do que politico. O movimento de 19 de maio encontrou-me eclectico. Eu condemnei o facto como cidadão e como soldado (apoiados), e para o contrariar julguei conveniente alistar-me n'um partido, e seguir uma bandeira; segui naturalmente a do partido reformista, que tendo por divisa reforma e economias offerece, no meu modo de pensar, os remedios mais efficazes para melhorar a causa publica (apoiados). Tenho fé e confiança nos meus correligionarios, e por isso os tenho seguido com a maior lealdade (apoiados).

Dois são os elementos que devem concorrer para destruir o deficit: um d'elles é a diminuição da despeza, fazendo todas as economias possiveis e resultantes da simplificação dos serviços; mas todos concordam tambem em que se não podem fazer economias taes na despeza do estado, que se consiga equilibrar a receita com a despeza; e reconhecida a insufficiencia do elemento economico, forçoso é recorrer conjunctamente ao segundo.

Feitas todas as economias, ha de restar do deficit ainda uma parte, que só póde ser satisfeita ou pelo imposto ou pelo emprestimo. Eu declaro que prefiro o imposto ao emprestimo, porque os emprestimos são muitas vezes a causa de que os governos se tornem maus, e foram os continuados emprestimos que nos trouxeram esse deficit que hoje existe (apoiados).

Quando o sr. ministro da fazenda apresentou n'esta casa um certo numero de propostas de lei, entre as quaes estava aquella sobre que foi formulado o projecto que agora se discute, e que eu approvo, porque o não julgo superior aos recursos do paiz, disse s. ex.ª que parallelamente com aquelles impostos se haviam de fazer 500:000$000 réis de economias.

Eu esperava, pois, que se apresentariam successivamente n'esta casa algumas propostas de lei para simplificar a administração; mas quando alguns srs. deputados se dirigiram ao sr. ministro, perguntando-lhe por ellas, s. ex.ª respondeu-lhes que as economias se fariam discutindo o orçamento.

Ora, sr. presidente, parece-me que d'esta maneira não se póde conseguir o resultado proficuo que se pretende alcançar (apoiados). Parece-me que o orçamento é a traducção de todo o systema da administração, parece-me que ali não existe uma verba que não tenha relação com um serviço a fazer ou com um melhoramento a adquirir (apoiados).

O sr. ministro declinou as economias para a commissão de fazenda; e a commissão de fazenda, não encontrando propostas para diminuir a despeza publica, para satisfazer ao que o paiz espera da camara, e para justificar a exigencia de um augmento de imposto, terá de cortar nas despezas do estado tudo quanto á primeira vista lhe pareça que póde ser cortado sem prejuizo do serviço publico; mas eu sempre receio que estas reducções de momento vão tocar n'algum orgão, de modo que o serviço publico seja atacado de paralysia; parecia me muito mais conveniente que se tivesse simplificado todo o systema administrativo, porque as reformas haviam de ser muito mais radicaes.

Todos sabem que as primeiras machinas de vapor consumiam uma quantidade de carvão extraordinaria e indeterminada, e que trabalhavam muito regularmente. Watt, que se tinha imposto a missão de corrigir todos os defeitos das machinas de Newcomen, conseguiu o regular o consumo do combustivel, e d'isto resultou grande economia. Os aperfeiçoamentos de Watt, que tinham reduzido o consumo do carvão a 12 kilogrammas por cavallo e por hora, têem ha pouco sido excedidos de modo que as machinas mais modernas consomem por cada cavallo e por hora 2 1/2 kilogrammas de carvão. Quem empregar actualmente uma machina de Watt ha de conseguir muito trabalho, mas quem quizer economisar combustivel ha de comprar as machinas mais aperfeiçoadas (apoiados). Quem quizer fazer economias seguras e vastas tem de estudar primeiro a administração e applicar-lhe reformas que a simplifiquem, sendo certo que toda a nossa administração precisa muito simplificada, por isso que as continuas e incompletas reformas parciaes a tem viciado e complicado (apoiados).

Quando se trata de melhorar o deficit, é sempre conveniente conhecer as causas que o produziram, a fim de as evitar no futuro.

No meu entender são tres as causas que deram origem a esse deficit enorme que tanto preoccupa o paiz e o governo. Uma d'ellas tem sido a politica apaixonada que indica ás massas todos os homens publicos dos differentes partidos como pervertidos e devassos (apoiados). N'este ponto concordo eu com as idéas de transacção e conciliação apresentadas pelo sr. Francisco de Albuquerque, porque d'este mal tem resultado a falsa convicção de que é licito a qualquer subtrahir-se ao pagamento dos impostos que são devidos ao estado; e esta doutrina é sobretudo aproveitada pelos remissos, porque lhes serve de desculpa affirmando que não subtrahem ao estado, mas aos individuos que tão mal administram e esbanjam os dinheiros publicos.

Outro mal é o grande deficit de moralidade produzido pelas repetidas dissoluções das camaras (apoiados), pela instabilidade dos ministerios, e pelos meios que empregam os governos para vencer as eleições (apoiados).

São exactamente estes meios que nos têem trazido uma grande quantidade de funccionarios, que têem complicado a administração do paiz, que têem povoado as secretarias de modo que muitas vezes é necessario pôr dobradiças para acoramodar todos os que obtem empregos, e finalmente os que em occasião de eleições, pela sua pratica, têem feito das eleições uma industria que tem desmoralisado tudo (apoiados).

Uma voz: — E que têem produzido as bandeirolas.

O Orador: — Não é só as bandeirolas, têem desviado os traçados da direcção mais acertada, construiram-se obras inuteis, e outras que estão abandonadas, têem feito muitas outras cousas, que não direi agora.

O sr. Barros e Cunha: — Diga, diga, diz-se tudo agora.

O Orador: — O outro mal principal é o que resulta da accumulação dos erros economicos e administrativos que se têem praticado.

O sr. Barros e Cunha: — Muitos apoiados.

O Orador: — Creou-se uma riqueza ficticia, á sombra do credito publico, apropriando-se um certo numero de particulares dos beneficios que o paiz devia aproveitar (apoiados).

Tem-se abusado do credito, não só por ignorancia como por especulação. O credito é uma alavanca muito poderosa; mas é necessario ser manejada por quem lhe conheça bem o ponto de applicação e a occasião opportuna para se servir d'ella. O credito conduz por veredas quasi parallelas á prosperidade e á ruina; devia ter se caminhado com cautela, e não se deviam ter desprezado os indicios que elle sempre apresenta para mostrar aonde começa o effeito dos abusos.

Fomos por isso victimas da agiotagem que especula com o credito, como o falso sacerdote, com a religião que profana, apparentando virtudes que não possue. Nós, apesar dos indicios evidentes de constrangimento que o credito manifestou pelas crescentes exigencias da agiotagem, continuámos a abusar. Pedimos um dia a 6 por cento para pagar a divida contrahida, a fim de realisar certos melhoramentos;

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pedimos outro dia a 8 por cento para pagar os juros da divida contrahida a 6; pedimos outro dia a 10 para pagar a divida contrahida a 8 por cento; e assim successivamente chegámos a pagar juros a 20 por cento!

O sr. Barros e Cunha: — A 25, no tempo do sr. conde de Samodães.

O Orador: — Não quer isto dizer, que eu condemno a divida publica, porque uma nação póde dever muito e estar muito prospera, póde a sua divida mesmo ser a demonstração da sua prosperidade, se ella equivale ao capital correspondente ao excesso das receitas do estado sobre as despezas correntes.

Se não tivermos estabelecido a doutrina de que o futuro deve pagar os melhoramentos que o passado lhe lega; se tivessemos mobilisado pouco a pouco os excedentes da receita do estado, teriamos o dobro dos melhoramentos materiaes que foram feitos a credito, e não teriamos deficit.

Nós, finalmente, descontámos os recursos do futuro sem prevenirmos os meios que deviam substituir n'esse futuro os recursos descontados; nós confiámos n'um augmento de riqueza, que não póde desenvolver-se por ser o proprio governo o mais temivel concorrente ao capital preciso para desenvolver as industrias; e em logar do esperado augmento encontrámos a divida aggravada pelos juros accumulados com a rapidez de quem recorre ao credito para pagar o credito.

Por consequencia não póde imputar-se ao exercito a origem do deficit, como me pareceu indicar o collega, que foi causa de que tomasse parte n'esta discussão, porque elle é devido ás causas que acabei de indicar.

O nosso exercito é a classe da sociedade que em todas as epochas, e principalmente no seculo actual, tem dado ao paiz provas da maior abnegação; a elle se deve a independencia, e a elle se deve a liberdade; e ao passo que numerosos parvenus, originarios de todas as profissões, ostentam luxuosa riqueza, muitas vezes resultante das operações ruinosas do thesouro; a pobreza é o patrimonio dos filhos dos militares, d'esses cidadãos que contrahiram com a patria o compromisso de morrer por ella.

Estou intimamente convencido de que a historia lhe ha de fazer justiça, e que a posteridade vingará o exercito das injustas accusações que alguns contemporaneos lhe fazem.

Tenho dado a rasão do meu voto ácerca do projecto, e dito o bastante a respeito do assumpto que me obrigou a pedir a palavra; só me resta pedir desculpa á camara de ter abusado da benevolencia que era indispensavel a quem, não tendo tenção de entrar na discussão, se viu obrigado a tratar de um assumpto que comporta um estudo minucioso que não tive occasião de fazer.

Tenho concluido (apoiadas).

(O orador foi comprimentado por muitos dos seus collegas.)

O sr. Barão do Salgueiro: — Mando para a mesa um parecer da commissão de estatistica.

O sr. Alves Matheus: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Francisco de Albuquerque (por parte da commissão de recrutamento): — Mando para a mesa um parecer da commissão de recrutamento com relação á proposta apresentada na sessão de 24 de dezemhro ultimo, pelo illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho, ácerca do projecto de lei n.º 30.

Peço a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente; isto é, que o mande imprimir e distribuir.

Não havendo mais ninguem inscripto leram-se na mesa as propostas que se tinham apresentado ao artigo 1.°, sendo n'esta occasião admittidas as do sr. Francisco de Albuquerque e José Tiberio.

O sr. Barros Gomes: — Pedi a palavra para declarar a v. ex.ª e á camara que a commissão de fazenda não póde aceitar a substituição proposta pelo sr. José Tiberio, que equivale a conservar-se o actual estado de cousas; e que entendeu, embora fosse talvez mais logica a redacção dada pelo sr. Barros e Cunha ao artigo 1.º, que havia rasões de conveniencia, a algumas das quaes já alludi por occasião de usar da palavra quando se discutia a generalidade do projecto, que aconselhavam a conservação da denominação de contribuição pessoal, sendo dividida em duas, como foi proposto pelo governo.

Em relação á proposta do sr. deputado por Mangualde, e meu amigo, o sr. Francisco de Albuquerque, dão-se, por parte da commissão, as mesmas rasões que se nos apresentam a respeito da substituição proposta pelo sr. José Tiberio.

Posto á votação o artigo 1.°, foi approvado, ficando prejudicadas as propostas que lhe diziam respeito.

O sr. Pinto de Magalhães (por parte da commissão do ultramar): — Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar.

O sr. Presidente: — Este projecto ha de ir ainda á commissão de saude publica, que tambem tem de ser ouvida e dar parecer. Devo notar que não vem aqui nenhum senhor assignado como relator, quando o regimento manda que o relator se assigne sempre como tal.

A ordem do dia para ámanhã é: na primeira parte, a continuação da discussão do projecto de lei n.º 6, advertindo que immediatamente depois do expediente se entrará n'esta discussão, porque de outro modo não haverá tempo; e na segunda parte a continuação da discussão do projecto de lei n.º 9.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Rectificações

No discurso do sr. deputado José Elias Garcia, pronunciado na sessão de 21 de abril, e publicado no Diario da camara, a pag. 363, lin. 47.ª, onde se lê = illegalidades = deve ler-se = irregularidades =.

Na mesma pagina, lin. 53.ª, onde se lê = 1864 = deve ler-se = 1844 =.

Na mesma pagina, lin. 108.ª onde se lê = modernos = deve ler-se = antigos =.

Na pag. 364, lin. 5.ª, onde se lê = governos = deve ler-se = generaes =.

Na mesma pagina, lin. 42.ª, onde se lê = poderia fazer-se = deve ler-se = poderia esta fazer-se =.

Na mesma pagina, lin. 118.ª, onde se lê = materialmente = deve ler-se = naturalmente =.

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