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SESSÃO DE 22 DE FEVEREIRO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Remettem-se para a mesa requerimentos, representações e projectos de lei. — Na ordem do dia é approvado na especialidade até o artigo 8.° o projecto de lei para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

Presentes á chamada 48 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Correia Godinho, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Forjaz de Sampaio, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Pinto Basto, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello e Simas, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde da Azarujinha, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Teixeira de Vasconcellos, A. J. de Seixas, Telles de Vasconcellos, Filippe de Carvalho, Mouta e Vasconcellos, Matos Correia, Dias Ferreira, Namorado, José Luciano, Ferreira Freire, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Camara Leme, Freitas Branco, Rocha Peixoto (Manuel), Pedro Franco, Pedro Roberto, Visconde da Arriaga, Visconde de Guedes Teixeira.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, Arrobas, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Palma, J. Perdigão, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Cardoso Klerck, Guilherme Pacheco, Nogueira, Julio de Vilhena, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Coutinho (D.), Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso.

Abertura — ás duas horas da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Participação

Declaro que se estivesse na camara quando se votou o § 2.º do artigo 123.° do projecto de lei n.º 8 o teria rejeitado. = Ferreira Freire.

Mandou-se lançar na acta.

Interpellação

Pretendo interpellar o illustre ministro da fazenda sobre a necessidade de ser alterada a lei que permitte a livre cultura do tabaco nos Açores e Madeira, pelos funestos resultados que traz para os povos d'aquellas ilhas, pois a contribuição predial fica muito mais aggravada. = Visconde de Sieuve de Menezes.

Mandou-se fazer a communicação.

O sr. Presidente: — A grande deputação encarregada por esta camara de comprimentar Sua Magestade a Rainha e Sua Alteza o Principe Real, foi recebida por Suas Magestades com a sua costumada benevolencia.

A allocução que dirigi por essa occasião a Suas Magestades foi a seguinte:

«Senhor. — A camara dos deputados, representante do paiz por quem foi eleita, felicita a Vossa Magestade, a Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia, e Sua Alteza Real o Principe D. Carlos, pelo seu feliz regresso a esta cidade.

«Os testemunhos de grande consideração e sympathia prestados a Sua Magestade a Rainha e a Sua Alteza o Principe Real, pelos soberanos e povos que visitaram durante a sua rapida viagem, são altamente agradaveis ao paiz, por isso que mais uma vez lhe asseguram que a Familia Real Portugueza gosa fóra do Portugal do respeito e consideração a que têem direito pelas suas eminentes virtudes e pelo seu illustrado patriotismo.

«A camara dos deputados desempenha-se da mais grata obrigação apresentando a Vossa Magestade, a Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia, a Sua Alteza Real o Principe D. Carlos e a tudo a Familia Real as expressões dos sentimentos que a animam, que são os de todo o paiz.»

Sua Magestade El-Rei dignou-se responder com a sua costumada benevolencia, agradecendo á camara o ter encarregado uma deputação sua de comprimentar Sua Magestade a Rainha e Sua Alteza o Principe Real por haverem regressado felizmente a esta capital.

Manda-se lançar na acta.

Leu-se na mesa o seguinte

Officio

Illmo. e exmo. sr. — Tenho a honra de participar a v. ex.ª para seu conhecimento e da camara dos senhores deputados da nação portugueza, que não podem ter logar ámanhã na real capella da Ajuda as exequias solemnes por alma do Summo Pontífice Pio IX, como havia declarado a v. ex.ª em meu officio datado de hontem.

Deus guarde a v. ex.ª Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 21 de fevereiro de 1878. — Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = Antonio Rodrigues Sampaio.

O sr. Presidente: — Recebi hontem pela manhã este officio, e como não houve sessão, tomei a resolução de avisar todos os srs. deputados do seu conteúdo.

O sr. Ferreira de Mesquita: — Mando para a mesa um requerimento da sr.ª viscondessa de Paiva Manso, em que pede uma pensão pelos serviços de seu fallecido marido, o sr. visconde do mesmo titulo.

Não direi a este respeito senão que o paiz e a camara conhecem de certo os valiosos serviços que aquelle fallecido funccionario prestou como ajudante do procurador geral da corôa junto do ministerio da marinha e ultramar; e não menos conhecido é de todos o importante e relevante serviço que elle prestou ao paiz quando se ventilou a questão entre Portugal e a Inglaterra sobre a posse da bahia de Lourenço Marques.

Peço que se dê o andamento devido a este requerimento, e espero que a camara, fará, n'este ponto, a justiça que devo á memoria d'aquelle prestante cidadão.

Mando tambem para a mesa um requerimento de D. Maria Cecilia da Conceição dos Santos Velloso Larangeira, em que pede que se lhe dê uma pensão similhante áquella que actualmente gosam suas irmãs.

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O sr. Francisco de Albuquerque: — Mando para a mesa um projecto de lei, ao qual peço se dê o devido destino.

Creio que este projecto satisfaz a uma pretensão de toda a justiça, e espero que a commissão dê com brevidade o seu parecer sobre elle.

O assumpto de que trata está em parte n'um projecto que existe na camara; mas o que eu apresento vem completar o pensamento do primeiro. (Apoiados.)

Desejo tambem pedir a v. ex.ª o obsequio de dar as suas ordens, a fim de que as sessões da camara dos senhores deputados sejam publicadas com a regularidade possivel; porque é immensamente inconveniente, quando se quer entrar em qualquer discussão, não se poder ver aquillo que se disse nas sessões anteriores.

A ultima sessão que está publicada é a do dia 16.

Não sei de quem é a culpa; mas o que peço a v. ex.ª é que dê as providencias precisas, a fim de que a publicação se faça com toda a regularidade, o que é importantissimo para quem quizer seguir as discussões.

O sr. Presidente: — As providencias que o sr. deputado pede já foram tomadas, e ámanhã hão de ser distribuidas duas sessões.

O sr. Carrilho: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento da despeza para o anno economico futuro.

O sr. Presidente: — Manda-se imprimir.

O sr Pinto Bastos: — Mando para a mesa um requerimento de José Moreira Barreirinha, sargento ajudante reformado, pedindo melhoria de reforma.

Peço a v. ex.ª queira mandar este requerimento á commissão respectiva.

O sr. Guilherme de Abreu: — Mando para a mesa um requerimento de D. Marianna Augusta de Almeida Fonseca, viuva do capitão Antonio de Magalhães Fonseca, a qual, allegando o estado de miseria em que ella e seus filhos se acham, pede que, em vista dos importantes serviços prestados por seu fallecido marido á causa do throno e da liberdade, se lhe conceda uma pensão.

Peço a v. ex.ª que se digne dar a este requerimento o destino conveniente.

O sr. Alfredo Peixoto: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

(Leu.)

O sr. Mouta e Vasconcellos: — Participo a v. ex.ª e á camara que o nosso collega e meu particular amigo, o sr. Marçal Pacheco, não póde comparecer á sessão de hoje e a mais algumas, porque, tendo-se-lhe aggravado ultimamente os seus padecimentos, foi aconselhado pelos medicos a ir tomar os ares patrios.

O sr. Presidente: — Suspendo a sessão por um quarto da hora até que esteja presente qualquer dos membros do gabinete, a fim de entrar se na ordem do dia.

Eram duas e meia horas da tarde.

As tres horas continuou a sessão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na especialidade do projecto de lei para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta

O sr. Dias Ferreira: — Poucas palavras direi á assembléa, mas a camara comprehenderá que eu tenho necessidade de tomar-lhe alguns momentos para explicar a minha adhesão ao parecer sujeito ao debate, tendo aliás assignado «vencido» o projecto anterior a respeito do caminho de ferro da Beira Alta.

No documento parlamentar, que se discute, não está a minha assignatura, que todavia se encontra no projecto original, não podendo attribuir-se esta falta senão a erro typographico.

A minha assignatura «vencido», no projecto original a respeito da construcção do caminho de ferro da Beira Alta, não significava de modo algum o intuito de impugnar a construcção de um caminho que eu reputo, como reputei sempre, o primeiro de todos no nosso paiz.

Este caminho atravessa uma região riquissima em grande parte; corta o coração do paiz, e é destinado a approximar o porto de Lisboa dos grandes centros da Europa.

Por isso eu não temia que ficassem sem justa compensação os sacrificios indispensaveis para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta; mas repugnava-me a obrigação imposta ao governo de construir esta linha por conta do estado.

E não nascia a minha repugnancia do facto de se ter votado anteriormente que o caminho fosse construido por adjudicação a uma empreza.

As questões relativas ao modo de occorrer aos encargos com a construcção de caminhos de ferro não são questões de principios, são questões de administração. (Apoiados.)

As circumstancias internas ou externas do paiz, as necessidades da fazenda publica, e quaesquer outros factos, podem aconselhar em differentes epochas, e ás vezes na mesma epocha, a construcção dos caminhos de ferro, já por adjudicação, já por administração directa do estado.

Mas eu, sem me regular n'estes assumptos, nem pelos livros que tratam da materia, nem pelos exemplos das nações estrangeiras, julgava que, nas circumstancias financeiras em que nos achÂmos, o caminho de ferro da Beira Alta não devia ser construido por conta directa do estado, sem se esgotarem todos os recursos para conseguir a adjudicação. E n'este proposito não me determinava senão pela nossa situação financeira.

Ninguem impugna hoje, no nosso paiz, as construcções dos caminhos de ferro, e muito menos poderia impugnar-se a construcção da linha ferrea da Beira Alta, que ha de produzir os mais salutares effeitos para o desenvolvimento da riqueza publica. (Apoiados.)

Demais os caminhos de ferro, alem de outros pontos de vista sob que podem ser considerados, são o meio mais proficuo de adiantar a civilisação de um povo, e contribuem efficazmente para o melhoramento da situação financeira.

Precisâmos de augmentar a receita publica, e eu confio pouco no augmento de impostos que não resulte do augmento de materia collectavel, e não ha melhor instrumento para a producção do rendimento collectavel do que são os caminhos de ferro.

Mas sempre tive a convicção de que em these era preferivel a construcção dos caminhos de ferro por adjudicação a companhias, comquanto n'esta materia não possam sustentar-se systemas absolutos.

N'outras circumstancias, e com respeito a outra linha ferrea, não sentiria repugnancia em votar a construcção por administração do estado, e ainda assim concordei com as illustres commissões, em que o caminho de ferro fosse construido por administração do estado, se de todo não podesse ser adjudicado a uma companhia.

Mas este expediente acceito eu só em ultimo caso, porque as circumstancias da fazenda publica não são para nos envolvermos em emprezas até certo ponto aventurosas, como eu reputo a construcção por conta do estado de uma linha que ha de absorver valiosos capitaes, comquanto mais tarde sejam resgatados com grande usura no interesse da nação.

Não podemos, porém, emprehender melhoramentos publicos, por mais promettedores que sejam, sem termos bem presente o estado da fazenda publica.

Por isso eu desejo que, a exemplo do que hontem fez o sr. ministro das obras publicas lendo-nos aqui o mappa dos orçamentos e do custo effectivo de differentes caminhos de ferro em varias nações estrangeiras, todos os srs. ministros tragam sempre nas suas pastas ou nas suas carteiras a nota do nosso deficit, da nossa divida fluctuante, e, sobretudo, do preço por que nos ficam os encargos da divida publica, para com a leitura d'essa nota darem a primeira resposta

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ás impaciencias por certos melhoramentos e pela reorganisação de certos serviços.

Esta minha lembrança não significa que eu julgue aterradora, nem mesmo embaraçosa, a situação da fazenda publica.

São muitos os recursos do paiz, é grande o patriotismo publico, e temos sobretudo um immenso capital, que nos tem auxiliado ha largos annos, o que eu creio firmemente que ha de continuar a auxiliar-nos, que é a paz publica. (Apoiados.)

A tranquillidade publica é, como todos sabem, um dos mais poderosos instrumentos do desenvolvimento das finanças e das condições economicas das nações. (Apoiados)

Todos sabem, e n'esta parte respondo a alguns dos meus illustres collegas, que a proposito da linha ferrea da Beira Alta propõem a construcção de novos caminhos de ferro, aliás de incontestavel vantagem publica, que nós não podemos deixar estacionar o caminho de ferro do Douro no Pinhão.

Essa linha ha de prolongar-se necessariamente até á fronteira. (Apoiados.)

Nenhuma linha nas condições d'aquella passa no centro do paiz. Mas não podemos destinar n'este anno recursos para a continuação d'esse caminho.

Pôde ficar reconhecida na lei a necessidade da continuação, até á fronteira, do caminho de ferro do Pinhão, por conta do estado ou por adjudicação, conforme as circumstancias opportunamente aconselharem, mas não podemos n'este anno gastar dinheiro com esse melhoramento.

O mesmo digo a respeito do ramal da Figueira. A construcção d'esse ramal é effectivamente necessaria, não só no interesse d'aquella importante terra, mas tambem no interesse das duas Beiras, (Apoiados.) que mantêem largas relações com o porto da Figueira. (Apoiados)

Tambem podem inserir-se na lei os preceitos necessarios para a construcção d'este ramal, mas n'este anno não devemos fazer sacrificios senão com o caminho de ferro da Beira Alta e com as outras linhas já em construcção.

Alem dos sacrificios valiosos com que vamos onerar o thesouro, auctorisando a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, devo recordar á camara e aos srs. ministros, porque todos somos igualmente interessados no assumpto, que temos ainda n'este anno de votar nova emissão de obrigações para a continuação das obras dos caminhos de ferro do Minho e Douro, que havemos de lutar no proximo anno economico com um deficit superior a réis 2.000:000$000, não computando ainda as avultadas despezas que não vem descriptas no orçamento, o que se saldam á custa do credito; que por culpa, não sei se dos homens, se das circumstancias, está ainda sem collocação uma grande parte do emprestimo com cujo producto se contava amortisar toda a divida fluctuante; que ainda collocado o resto d'esse emprestimo pelo mesmo preço por que foram collocados os 4 milhões de libras, já negociados, ficâmos com uma divida fluctuante de mais de 4.000:000$000 réis, e que os encargos da divida publica ascendem a 13.000:000$000 réis!

Esta situação não é aterradora, repito, nem mesmo embaraçosa, mas é bastante grave para convencer os poderes publicos de que na situação actual da fazenda não podemos emprehender melhoramentos, ainda dos de mais elevada importancia, nem reformar serviços, sem crearmos a receita correspondente.

Felizmente o governo tem submettido á apreciação das côrtes e ao exame da commissão de fazenda alguns projectos que hão de elevar a receita do estado; e por este lado podemos dotar o paiz com o incalculavel melhoramento do caminho de ferro da Beira Alta, sem receiarmos perturbação nas nossas finanças.

Sr. presidente, de proposito apontei estes factos da nossa situação financeira, para evitar pela minha parte que nos deixemos arrastar pelo enthusiasmo dos melhoramentos publicos e das reformas nos serviços do estado, sem augmentarmos a receita proporcionalmente. Se procedermos de outro modo, podemos enredar o estado do thesouro e crear graves perturbações na situação financeira.

Dadas estas explicações á camara, unicamente determinadas pela necessidade de explicar o meu voto e as minhas assignaturas nos differentes pareceres que se escreveram sobre o assumpto, devo lembrar ao governo e ás illustres commissões uma providencia que não occorreu quando se discutiu este assumpto, e vem a ser a necessidade de deixar dependente de approvação do governo os estatutos da sociedade que porventura se formar para a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta.

A lei das sociedades anonymas era destinada principalmente a regular a constituição das associações que a lei velha denominava companhias, e nem abrangia no seu capitulo a organisação dos estabelecimentos bancarios, que, todavia, se formaram á sombra d'ella em larguissima escala em varios pontos do reino.

E nós já sentimos as consequencias de se haver applicado, sem mais exame, a referida lei á organisação das casas bancarias (Apoiados), achando-se até submettidos á apreciação do parlamento projectos de iniciativa do governo, e de dois illustres deputados, propondo alterações e modificações n'essa lei.

Ora, a organisação de uma sociedade para construcção e exploração de caminhos de ferro não póde deixar-se entregue só ás prescripções da lei das sociedades anonymas, e a inteira isenção do governo quando o seu fim está inteiramente ligado com os interesses do estado.

Demais, invocando-se no projecto em discussão a lei de 5 de maio de 1860, que regula a constituição da companhia dos caminhos de ferro de norte e leste, e sendo a lei das sociedades anonymas muito posterior á organisação dos estatutos d’aquella companhia, póde haver contradicções e incoherencias, que eu não tive occasião de examinar, entre as disposições da referida lei de 5 de maio de 1860 e os preceitos estabelecidos na lei das sociedades anonymas, e o meio de remediar qualquer difficuldade é ficarem os estatutos da companhia, que porventura se organisar, dependentes da approvação do governo e serem esses estatutos a lei da mesma companhia. (Apoiados.)

A propria lei das sociedades anonymas, admittindo inteira liberdade na constituição das associações a que se refere, reconheceu ella mesmo excepções ao seu principio, deixando dependente de auctorisação legislativa a constituição de certas sociedades anonymas.

Não ha inconveniente na approvação da minha proposta, e é mais uma garantia para o estado que os estatutos da companhia que se organisar para a construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta fiquem dependentes da approvação do governo. (Apoiado.)

Por isso mando para a mesa uma proposta para que a sociedade a que for concedida a construcção e exploração do caminho de ferro de que trata a lei que estamos discutindo, se reja pelos seus estatutos, que devem ser approvados pelo governo. Tenho dito. (Apoiados.)

Mando para a mesa a minha proposta, que é a seguinte:

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A sociedade a que for concedida a construcção e exploração do caminho de ferro, a que se refere a presente lei, reger-se-ha pelos seus estatutos, que devem ser approvados pelo governo. = Dias Ferreira.

Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — Com respeito á proposta feita pelo illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, um dos ornamentos mais distinctos d'esta casa (Apoiados.) só tenho a declarar, que

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por parte do governo não ha a menor duvida ou difficuldade em a adoptar para fazer parte da lei que se discute.

Adopto, pois, o pensamento da proposta e concordo inteiramente com os considerandos que s. ex.ª apresentou para a sustentar.

Effectivamente este ponto tinha passado desapercebido quando da parte do governo ou das illustres commissões se tratou d'este assumpto, e convem attendel-o agora, e por isso não vejo senão vantagem na inserção da proposta na presente lei.

O sr. Carlos Testa (relator): — Effectivamente na redacção d'este projecto houve uma certa precipitação, attendendo ao empenho de o apresentar logo depois de discutido nas commissões, que me obriga a offerecer sobre elle algumas explicações.

Uma das primeiras é aquella que vou dar, é como uma satisfação que devo aos srs. Dias Ferreira e Telles de Vasconcellos, porquanto achando-se os nomes de s. ex.ªs assignados no original do parecer das commissões, por um lapso da imprensa não vieram seus nomes consignados no respectivo projecto, e peço desculpa se no exame das provas não houve a devida attenção, o que é de certo devido á minha deficiencia em tratar assumptos d'esta ordem, assim como muitos outros.

Por parte das commissões devo dizer que, vistas os declarações do sr. ministro das obras publicas, e o parecer dos membros das mesmas commissões, que já consultei, não ha duvida em acceitar a emenda do sr. Dias Ferreira.

Com relação a outras observações que os illustres deputados fizeram sobre o artigo 1.º, propondo differentes ramaes, estou persuadido que no projecto definitivo já se incluo a idéa do ramal de Vizeu e do de Coimbra, porque o projecto não é mais do que a reproducção de outro que se começou a discutir no anno passado, com a variante de ser no actual projecto construido o caminho por conta do estado, sómenfe no caso de não ter resultado favoravel o apresental-o á licitação em concurso.

Portanto não era possivel por parte das commissões mencionar e satisfazer n'este projecto todas as aspirações dos illustres deputados com relação aos differentes ramaes que elles propõem.

É preciso primeiro tratar do tronco e depois virão os ramos da arvore.

Concluindo peço licença para apresentar a seguinte emenda ao § 2.° do artigo 1.° (Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Artigo 1.° § 2.° A base da licitação será o quantum da subvenção kilometrica que o estado deve pagar, sendo preferida na adjudicação a empreza que menor subsidio pedir.

§ 4.° Supprimido. = Carlos Testa.

Foi admittida.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Gosto de ser claro, e quando não consigo sél-o completamente, não é de certo por ter prescindido de fazer as diligencias para bem definir a situação em que me colloco, com a maior clareza possivel.

O nobre ministro das obras publicas, e meu amigo, na resposta com que me honrou na ultima sessão, pareceu felicitar-se por me contar no numero dos seus adeptos. Se isto se refere ao desejo que eu possa ter de ver o paiz cortado por todas as linhas ferreas, de certo que o desejo do illustre ministro não póde ser superior ao meu, nem eu ergui a minha voz n'esta casa para fazer opposição alguma á construcção dos caminhos de ferro em geral, mas simplesmente para significar o meu receio no estado actual das nossas finanças, e para mostrar as minhas duvidas em relação ao methodo que seguimos na construcção das linhas ferreas, e de outros melhoramentos, de cuja excellencia ninguem duvida, mas de cujo preço ainda menos se póde duvidar, esquecendo ou fingindo esquecer os sacrificios que se preparam para qualquer paiz, que sem preparar os meios e sem examinar os seus recursos, se apressa em usufruir esses melhoramentos.

É por isso que eu da primeira vez fiz sentir quanto me pareceria conveniente habituar o paiz que exige melhoramentos a pagal-os desde o momento em que se lhe concederam ou que se votam as auctorisações para serem realisados. (Apoiados.)

Por isso eu mostrei quanto me pareceria difficil obter do paiz o preço dos melhoramentos, depois de o ter habituado não só a vêl-os construir, mas até a possuil-os e exploral-os gratuitamente. (Apoiados.)

N'este ponto, como eu costumo ser muito franco, talvez o meu receio provenha de eu não fazer apreciar os elementos de que o governo dispõe, e que eu não conheço, mas é certo que eu não posso ver a nossa situação financeira nem como prospera, nem mesmo tão pouco difficil como a apresentou o meu nobre amigo o sr. Dias Ferreira.

Em relação á nossa situação, não tenho duvida alguma em declarar ao meu amigo o nobre ministro das obras publicas, que divirjo tanto da sua opinião, que eu não me atreveria a propor os emprestimos indispensaveis para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, sem primeiramente ter creado os recursos que hão de fazer face a esses encargos n'um periodo que não é immediato, mas que por este systema de adiamento não fica tambem muito distante, e em todo o caso, quando chegar a epocha do vencimento, ha de apresentar encargos superiores aos que seriam hoje, se nós attendessemos a esses meios desde já.

Por coherencia com este systema é que me vi forçado a insistir pela conclusão do caminho de ferro do Douro, desde o Pinhão até á fronteira. Não é porque em absoluto reconheça a incontestavel superioridade da linha do Douro sobre todas as outras linhas possiveis em Portugal, é simplesmente pela circumstancia de encontrar essa linha construida já, grande parte em exploração e proxima da conclusão no termo que foi assignalado pela lei actual, que é o Pinhão.

A minha amgmentação reduzia-se ao seguinte: se a linha do Douro excedendo a receita que se lhe calculava no orçamento, ou quando se decretou a sua construcção, attinge hoje proximamente a cifra de 3:000$000 por kilometro, creio que é este o rendimento; esse rendimento é ainda muito inferior aos encargos que pesam sobre o thesouro pelo pagamento dos juros e amortisação das sommas que foram despendidas no caminho de ferro do Douro. Para mim é evidente, é incontestavel para todos que o caminho de ferro do Douro depois de levado á fronteira e ligado com a linha hespanhola, ha de ter um rendimento kilometrico muito superior áquelle que tem actualmente. Por consequencia, o excesso do rendimento que obtiver, vem necessariamente attenuar ou extingir o encargo que a construcção do caminho de ferro do Douro representa permanentemente sobre o orçamento portuguez. Diminindo ou extincto este encargo evidente me parece que mais habilitado se fica para a construcção de novas linhas que hão de produzir sobre o orçamento um encargo realmente grande.

É por isso que eu insisti pela conclusão da linha do Douro antes da construcção da linha da Beira Alta, ou pelo menos que a construcção da Beira Alta nunca podesse ser motivo para a interrupção do prolongamento da linha do Douro, que nas actuaes circumstancias não dá o resultado que deve dar.

Ora, sr. presidente, eu creio que esta minha theoria é muito diversa do que pareceu ter entendido o meu amigo o sr. ministro das obras publicas, quando fallou, dando a entender que eu só queria caminhos de ferro quando o seu rendimento fosse superior aos encargos produzidos pelo seu custo, ou quando suspeitou que eu queria desconhecer as

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grandes vantagens que ha na construcção de qualquer linha.

Estou muito longe d'isso. Eu sei que alem da receita obtida pelos caminhos de ferro, ha o grande desenvolvimento da riqueza e o augmento da materia collectavel, e que isto, portanto, aproveita em muito á organisação financeira de qualquer paiz.

Mas não era d'este ponto generico que eu tratava; eu tratei de que o caminho de ferro do Douro até ao Pinhão, rendendo 3:000$000 réis, traz um encargo grande sobre o nosso orçamento, e eu quiz mostrar que esse encargo se diminuo desde o momento que, prolongando-se esta linha, já construida na maior parte, o seu rendimento fosse superior ao actual, podendo talvez ser superior aos encargos.

N'esta parte, e tendo dito o sr. ministro que estava de accordo com a minha idéa quanto ao prolongamento, e tendo s. ex.ª declarado que a votação da minha proposta ou additamento na lei não era indispensavel, porque, votando-se agora esta lei, ainda tinhamos tempo de votar em outras sessões o prolongamento, antes de estar concluida a obra da linha do Douro até ao Pinhão, compromettendo-se s. ex.ª a trazer á camara uma proposta especial, ou associar-se a ella para que a construcção principie assim que o caminho termine proximo de Pinhão, não tenho duvida em retirar a minha proposta no caso de s. ex.ª julgar que ella póde embaraçar esta lei, deixando-a para occasião opportuna, e para projecto em separado se o governo julgar que é mais conveniente. (Apoiados.)

E como o meu fim não é tirar o tempo á camara, ponho aqui termo ás minhas observações.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Sr. presidente, depois das observações feitas pelo nobre ministro das obras publicas, com relação á proposta que tive a honra de mandar para a mesa em uma das sessões passadas, não tenho remedio senão desistir do meu empenho, em que no projecto de lei, que se discute, se introduzam as idéas consignadas na referida proposta.

Pareceu-me ter ouvido dizer ao nobre ministro, que é homem technico e competente, que são pontos forçados em qualquer traçado, que tenha de executar-se, para a construcção da linha ferrea da Beira Alta, ou fosse de Pampilhosa ou outro qualquer, tanto Celorico da Beira, como a Guarda.

Se esta é a verdade, e eu não posso deixar de acreditar que o seja, sendo feitas aquellas declarações por um cavalheiro tão competente como é o sr. ministro das obras publicas, (Apoiados) da minha parte seria demasiada teimosia ou exquisita pretensão, querer que na lei se introduzisse uma cousa que é desnecessaria e só significaria uma prolixidade, e por consequencia hei de pedir a v. ex.ª que consulto o camara se ella me permitte o retirar a proposta.

Mas já que tenho a palavra, v. ex.ª e a camara hão de permittir que eu, ainda que ligeiramente, me refira ás observações feitas pelo sr. deputado Pinheiro Chagas, que tenho o desgosto de não ver presente, o mesmo porque me pareceu ter melindrado, sem o querer, as susceptibilidades d'aquelle cavalheiro, e eu que costumo sempre discutir com cortezia, devo dizer que pela minha parte não tive a mais pequena intenção, nem ao menos de beliscar o amor proprio, aliás bem fundamentado, de s. ex.ª

Direi tambem a v. ex.ª e á camara, que a argumentação de que o illustre deputado se serviu, não só me não convenceu, mas creio eu que é contraproducente, e que o illustre deputado ficou collocado em peior terreno do que o estava antes.

S. ex.ª disse que, alem de encontrar não só contraditorio o governo, mas a maioria, esta estava em contradicção com as idéas do chefe do partido regenerador, ou antes que a maioria havia abandonado as opiniões do sr. Fontes Pereira do Mello, exaradas no seu relatorio de 1872, apresentado a esta camara quando aquelle dignissimo estadista foi ministro da fazenda, e para provar o que asseverou serviu-se o illustre deputado de algumas palavras do referido relatorio.

Eu peço licença á camara para ler dois periodos do mencionado relatorio, e peço licença para os ler porque me parecia impossivel que o sr. Fontes, que tinha iniciado n'este paiz os caminhos de ferro, que durante todas as suas administrações tem procurado desenvolver quanto possivel os melhoramentos materiaes, que tem considerado a viação accelerada como grande meio de desenvolver a riqueza publica, tivesse abandonado completamente as suas idéas e tivesse feito um relatorio, em que dissesse, que sendo necessario matar o deficit era forçoso abstrahir de desenvolvimento da viação accelerada, e tratar simplesmente de obter meios, lançando mão, como unico remedio, dos impostos.

O relatorio de 1872 diz o seguinte:

(Leu.)

Já v. ex.ª vê e vê a camara, que o illustre chefe do partido regenerador, a quem o paiz tanto deve, não abandonou as idéas que sempre teve com relação ao desenvolvimento da viação accelerada, idéas que tambem tinha em 1872 o illustre deputado meu amigo, e creio conserva ainda hoje, porque em 1872 s. ex.ª defendeu as doutrinas do referido relatorio com aquella elegancia de phrase e arredondamento do periodo que a sua elegante penna sabe escrever.

Eu creio, e estou mesmo convencido que, se quaesquer rasões, que eu não tenho direito de prescrutar, nem saber, determinaram o illustre deputado a abandonar a nossa camaradagem, elle não abandonou por certo as idéas que o obrigaram a louvar em artigos aliás bem escriptos, não só o relatorio a que se referiu, mas o seu auctor, e se o relatorio diz o que eu acabei de ler á camara, é certo que a maioria não abandonou as idéas do chefe do partido regenerador, nem este em 1872 poz de parte o empenho que sempre tem mostrado no mais rapido desenvolvimento de todas as forças vivas do paiz. (Apoiados.)

Quando um ministro da fazenda encontra um deficit avultado, e se vê na necessidade de trazer ao parlamento projectos para o matar, recorrendo ao imposto, segue-se por isso que elle tenha abandonado todos os meios de desenvolver a riqueza publica? Pois é só o imposto o meio a que se deva recorrer? Pois não é necessario conseguir primeiro a materia collectavel? Creio que sim. Mas se no relatorio de 1872 estão os periodos que tive a honra de ler, o illustre deputado avançou aquillo que se não póde sustentar: — que eu defendendo a construcção directa do caminho de ferro da Beira Alta abandonei as idéas do chefe do partido regenerador.

Eu sinto ter que fallar na ausencia do illustre deputado, mas a verdade é que eu não o quero encontrar em contradicções, pois nem elle nem nós estamos em contradicção; são contradições n'este caso são apparentes, perfeitamente apparentes, e creio que para todos, sem excluir o sr. ministro das obras publicas. (Apoiados.)

E n'esta occasião permitta se-me que diga uma cousa. Se eu tivesse a certeza de que o caminho de ferro da Beira Alta se fazia, que se tornava n'uma realidade só pelo facto de eu ser contradictorio uma, duas, tres, quatro mil vezes, declaro a v. ex.ª que principiava por me contradizer e constantemente até ver concluido aquelle grandioso emprehendimento. As contradicções passavam, mas o caminho de ferro ficava, e eu tinha feito um grande serviço ao meu paiz. (Apoiados.)

Eu já tive occasião de dizer aqui e repito-o hoje, que em tempos que lá vão, e quando discutiamos estas questões, e nos empenhavamos pela realisação d'estes melhoramentos, soffremos muitas calumnias, mas resistimos a ellas, suportamol-as com coragem, e eu applaudo-me d'isso, e applaudo-me, porque as calumnias passaram, os caminhos realisaram-se, os melhoramentos ficaram, e aquelles que nos ca-

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lumniaram talvez hoje estejam arrependidos d'isso. (Apoiados.)

O sr. Pinheiro Chagas disso que elle havia combatido o projecto do governo em 1877, porque a construcção directa ficava mais cara o que eu mesmo havia confessado.

Eu disse, é verdade, que os caminhos construidos por conta dos governos eram mais caros, mas que eram mais perfeitos. Era este o argumento de que se serviu o illustre deputado, mas é certo que por esta fórma o illustre deputado ficou em peor terreno do que estava. Pois se ficam mais caros, o illustre deputado não podia trazer á camara uma proposta para auctorisar o governo a construir por conta do estado, não um caminho de ferro, mas dois caminho de ferro. (Apoiados.)

Por consequencia o argumento do illustre deputado ou prova de mais, ou não prova cousa alguma. E assim a proposta do illustre deputado, ou ha de ser retirada ou ha de ser votada pela camara em sentido contrario ao que o illustre deputado deseja. Não póde deixar de ser assim.

Sr. presidente, por mais alto que a aguia suba, por mais que esvoasse no espaço, por mais esforços que empregue para cortar a corrente, ha de ser sempre victima d'esta, todas as vezes que os elementos a estabeleçam por uma fórma forte e verdadeira; assim tambem a proposta do illustre deputado, apesar de vestida com roupagens côr de rosa, brancas e azues, adornos que a tornam bella, apesar de ter sido sustentada com o vigor da phrase e argumentação peculiar do illustre deputado, ella ha de morrer diante dos argumentos e phrases com que o illustre deputado veiu combater o projecto para se construir o caminho de ferro por conta do governo.

O sr. deputado podia ainda agora achar-me em outra contradicção, e é com relação aos traçados, pois que eu vim aqui sustentar que o traçado mais conveniente, segundo se me afigurava, avaliando só a questão economica, era o da margem esquerda do Mondego, e n'esta occasião estava eu até em opposição com o sr. Thomás Ribeiro, e hoje defendo e vou votar o traçado pela Pampilhosa, um pouco mais ao norte da margem direita do Mondego do que o eram os traçados que eu combati.

E com relação ás circumstancias economicas ainda hoje estou convencido do que disse, e defendi o traçado pela margem esquerda do Mondego, porque as estatisticas das producções, a quantidade e qualidade dos terrenos, o progresso das industrias fabris me levaram a isso; porém eu espero tambem justificar-me d'esta contradicção.

O sr. Pinheiro Chagas disse que o sr. Thomás Ribeiro tinha vindo cantar n'essa occasião a excellencia dos vinhos do Dão. Tinha vindo effectivamente. E porque não havia de vir? Elle que tanto ama o seu paiz... Elle que foi o primeiro a fallar em favor do caminho de ferro da Beira... Elle que tanto ama áquella celebre Parada de Gontha, que tem a honra de ter dado o berço ao cantor do D. Jaime... Elle, que ama tudo quanto ali vive e vegeta, e que quando passa vê como que curvarem-se em signal de respeito os proprios arbustos, que se miram nas limpidas aguas do rio que a banha... (Vozes: — Muito bem.) Elle, para quem tudo o que ali ha é bello, como tudo o que ali ha morre de amores por elle.

Mas o sr. Thomás Ribeiro veiu, como eu, como os srs. Luiz de Campos, e Albuquerque, com as estatisticas na mão, provar que, mesmo n'aquellas circumstancias, o caminho de ferro da Beira Alta era mais importante que o da Beira Baixa, isto mesmo comparando os traçados de um e outro, estudados n'esse tempo.

Não viemos com asserções gratuitas, com reclamações vagas, viemos com estatisticas, e com as estatisticas é que se deve argumentar, porque com ellas é que se prova a verdade.

Eu voto o projecto, voto que o traçado d'este caminho parta da Pampilhosa, e sabe v. ex.ª porque? Porque os homens technicos me convenceram que era impossivel fazer o caminho pela margem esquerda do Mondego.

E desde o momento que a sciencia me diz que é impraticavel, ainda mesmo por maior preço, eu tenho necessariamente de concordar com ella, e adoptar o traçado que ficar em melhores condições de velocidade e ao mesmo tempo for mais barato (Apoiados.)

Eu peço licença a v. ex.ª e á camara para citar alguns algarismos e procurar assim livrar-me das taes contradicções.

Tenho aqui uma memoria, que tenho lido e examinado com cuidado, memoria feita com esmero, e por um engenheiro distincto como é o sr. Essa, para mim pessoa muito respeitavel e entendida; pois esta memoria diz-me o seguinte:

Custo total da linha pelo valle do Mondego 7.385:449$530 réis, pela Pampilhosa 6.586:629$505 réis, differença réis 798:820$025, o projecto definitivo tem de Lisboa á fronteira 432 kilometros, o do sr. Combells, tem 476 kilometros, differença 44 kilometros, que a 32:000$000 réis por kilometro se traduz em 1.408:000$000. Do Porto á fronteira, o projecto definitivo tem 302 kilometros, o do sr. Combells tem 320 kilometros, differença 18 kilometros ou menos 576:000$000 réis.

Creio que estes algarismos são argumento bastante para que ninguem me possa taxar de contradictorio em ter acceitado o projecto onde se estabelece como ponto de partida a Pampilhosa, por isso que o traçado é mais curto e se faz uma economia de setecentos e tantos contos de réis.

Com relação a ser ou não ser caminho de ferro internacional, eu creio que todos os caminhos que partem de qualquer ponto de um paiz, e vão entroncar com um caminho de ferro estrangeiro, são internacionaes. (Apoiados.)

Se a questão da internacionalidade é em relação á velocidade que póde ou deve ter, eu creio que pelas condições em que se encontra o nosso paiz, pelas difficuldades do terreno, nós não podemos aspirar a ter caminho nenhum, parta elle d'onde partir, nas condições da maxima velocidade a que têem attingido alguns caminhos estrangeiros.

Eu que tenho empenho em que a discussão se não protraia, porque o debate já vae longo, e eu já é a segunda vez que fallo n'esta questão, restrinjo aqui as minhas observações, que levaria mais longe ainda se estivesse presente o illustre deputado a quem acabei de me referir.

Declaro porém a v. ex.ª e á camara que venho aqui tranquillo e socegado; venho, como todo o homem que tem a consciencia segura de cumprir o seu dever como póde e sabe, sem dar a quem quer que seja o direito de tomar-lhe contas do seu proceder; (Apoiados.) d'este... só os meus constituintes me podem pedir contas mais tarde. (Apoiados.)

Não venho, sr. presidente, como aquelle fr. Luiz de Leão a que se referiu o illustre deputado em um jornal que redige, com as faces macilentas dos miasmas das enxovias, venho com a consciencia tranquilla sustentar como posso e devo as minhas opiniões.

Venho tranquillo de espirito e de animo sereno, como aquelle que de nada se póde arreceiar, no uso mais completo da minha liberdade, ligando o maior desprezo a quaesquer calumnias, bem como acompanhado sempre da coragem, que tive e conservo, para repellir quaesquer insinuações, venham ellas como vierem, e venham de que lado vierem.

Tenho concluido.

(O orador foi comprimentado.)

(O sr. deputado não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que consentem que o sr. deputado retire a sua proposta tenham a bondade de se levantar.

A camara decidiu affirmativamente.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Sr. presidente, a não ser o cumprimento de um dever a que não posso fal-

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tar, depois das observações que fez o meu illustre collega e amigo o digno relator d'este projecto, declaro a v. ex.ª que desistiria de apresentar as propostas que sou mandar para a mesa; no entretanto vou obrigado a isso pela minha posição especial n'esta camara.

As propostas são as seguintes.

(Leu.)

Eu não estava presente quando o meu illustre collega e amigo o sr. Luiz de Campos apresentou uma proposta com relação ao ramal de Vizeu, se estivesse tel-a-ia assignado. Aquella proposta é mais restricta, seria de muito mais utilidade se o governo a acceitasse, mas como illustre ministro das obras publicas dá como rasão para a sua não acceitação o facto de se inserir n'ella a obrigação do governo proceder immediatamente á construcção da ramal de Vizeu, logo que o troço do caminho de ferro da Beira Alta comprehendido entre a Pampilhosa e Santa Comba Dão esteja em exploração, eu apresento esta proposta, que não obriga o governo a construir o ramal logo que a via ferrea chegue a Santa Comba Dão, como seria para desejar, mas em que peço se de ao ramal de Vizeu a consideração que lhe é devida, deixando-o em igualdade de condições com o caminho de ferro da Beira Alta. Quero dizer, vendo a impossibilidade, pela reluctancia do governo, de conseguir o mais, que era a acceitação da proposta do sr. Luiz de Campos, pretendo conseguir o menos, que é a adopção da minha proposta, que é melhor do que o que temos.

O illustre relator d'este projecto acabou de dizer-nos que os ramaes virão depois.

Pois muito bem, se não podem vir já, não venham, mas se os ramaes hão de vir depois, eu não vejo rasão nenhuma para que não façamos desde já uma lei em que se determine a construcção d’esses ramaes. (Apoiados.)

Nós não podemos desperdiçar o tempo; e, se logo que for occasião de mandar construir um d'esses ramaes, for preciso trazer aqui uma lei, para a fazer discutir e votar, isso são apenas demoras que não significam senão desperdicio de tempo e tropeços aos pretendidos melhoramentos.

O que peço para o ramal de Vizeu e que elle se faça quando houver opportunidade.

É por isso que mando uma proposta differente da do sr. Luiz de Campos. Quero tirar todos os pretextos, para que deixem de ser melhoradas as condições em que se acha o ramal de Vizeu.

O que é indispensavel é que fique habilitado o governo para que, quando se entender que chegou a occasião de construir esse ramal, esteja armado da auctorisação precisa para mandar proceder á sua construcção. Peço pouco para ser attendido.

O illustre relator veiu aqui dizer que o ramal de Vizeu estava já considerado na lei. De accordo, o ramal de Vizeu está já considerado na lei, como o caminho de ferro da Beira Alta o está igualmente, mas nós não tratâmos de votar o caminho de ferro da Beira Alta ou o ramal de Vizeu, porque estão votados, tratâmos unicamente de alterar ou ampliar o methodo da sua construcção; mas desde que se diz «para o caminho de ferro da Beira Alta, experimente-se o methodo do concurso, e não dando resultado fique o governo auctorisado a construil-o por conta do estado», eu digo: experimente-se tambem o methodo do concurso para o ramal de Vizeu, e não havendo concorrentes, ou em termos idoneos, fique o governo auctorisado a construil-o. (Apoiados.)

Parece-me que a commissão não póde deixar de acceitar a minha proposta, mesmo pela rasão que apresenta no relatorio para não acceitar a proposta do sr. Pinheiro Chagas em referencia á Beira Baixa.

A proposta do sr. Pinheiro Chagas foi rejeitada pela illustre commissão, porque, nos diz ella, não tratâmos aqui do caminho de ferro da Beira Baixa, e tratamos unicamente do caminho de ferro da Beira Alta.

Ora, se nós tratâmos unicamente do caminho de ferro da Beira Alta, que já está considerado na lei, porque não havemos de tratar de um ramal d'esse mesmo caminho de ferro da Beira Alta, que já está tambem considerado na lei?

Pois não é tudo tratar da viação accelerada da Beira Alta?

Pois não é este o mesmo governo regenerador que acceitou a construcção do ramal do Vizeu? Porque hoje mudar de opinião?

Deixem pois na lei a auctorisação para que este ou outro qualquer governo, quando um dia entenda que deve mandar construir essa obra, a mando construir independentemente de outra lei.

Isto é justo, isto não altera o nosso estado financeiro, este não póde deixar de ser o pensamento de quem é sincero na manifestação de desejo de ver realisado o ramal de Vizeu.

N'este ponto peço o auxilio do meu illustre amigo o sr. Thomás Ribeiro, actual ministro da marinha.

S. ex.ª tem as suas opiniões compromettidas n'este assumpto; completamente compromettidas. (Apoiados.) Ou s. ex.ª ha de declarar que está em desaccordo com o sr. ministro das obras publicas, ou ha de desdizer o seu passado, e como não posso admittir esta hypothese, felicito-me antecipadamente porque o governo acceitará a minha proposta. O sr. ministro das obras publicas não póde deixar de acceitar uma proposta que não só não vae do encontro ao pensamento do projecto nem do governo, mas antes está em perfeita harmonia com elle.

Chamo pois á autoria o sr. Thomás Ribeiro, porque estou convencido de que s. ex. ha de por força advogar esta causa. (Apoiados.)

Se o sr. Thomás Ribeiro, quando deputado, com o poder da sua eloquencia e com o peso da sua auctoridade e da sua voz, advogou sempre os interesses d’esta parte da Beira Alta; se s. ex.ª foi sempre um dos mais extrenuos defensores do caminho de ferro da Beira Alta e do ramal de Vizeu, que atravessa a terra que lhe serviu de berço, se s. ex.ª foi até o auctor de uma proposta identica á minha apresentada em 1875, não póde hoje deixar de estar ao meu lado, e juntar á justiça da causa a sua influencia como ministro para que ella triumphe.

Nada de reservas, nada de tergiversações. Ou se quer ou se não quer este ramal.

Na affirmativa facilitemos os meios para a sua feitura, já que o governo não quer a obrigação de o construir logo que o caminho de ferro da Beira Alta toque em Santa Comba Dão.

Peço pois, repito, a interferencia do sr. Thomás Ribeiro, a fim de que s. ex.ª peça ao seu collega das obras publicas que acceito a minha proposta, e se s. ex.ª não a acceitar, creia o sr. ministro da marinha, que fica muito mal collocado.

Para a segunda parte da proposta, peço ao illustre relator da commissão o seu auxilio, como representante do concelho de Gouveia e dos concelhos que aproveitam com ella.

Não março na minha proposta o ponto de partida consignado no caminho de ferro da Beira Alta.

Podia consignar o ponto de partida de Mangualde, mas parece-me que talvez seja mais conveniente adoptar como ponto de partida Abrunhosa, no extremo de Mangualde. Em todo o caso os estudos respectivos é que o devem decidir.

O illustre relator da commissão, v. ex.ª e a camara, sabem como está hoje desenvolvida em toda a região da abada serra a industria fabril, e quanto é importante a producção de cereaes, e devem lembrar-se que deixando consignada a necessidade da construcção d'esta linha, não tem por fim a sua realisação immediata, mas o reconhecimento da sua necessidade para que o governo possa leval-a a effeito quando as circumstancias o permittirem.

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Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam inseridos no artigo 1.º os seguintes numeros:

3.° O ramal de Vizeu, que terminando n'esta cidade partirá do ponto que for designado no caminho de ferro da Beira Alta.

4.° O ramal de Gouveia, que partirá do ponto que for designado no caminho da Beira Alta, dentro do concelho de Mangualde, terminando n'aquella villa. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

Foi admittida.

O sr. Carlos Testa (relator): — Respondendo ao sr. deputado Francisco de Albuquerque, direi por parte da commissão o que ha pouco já tive occasião de enunciar.

A commissão elaborou o seu projecto, e resolveu, nas conferencias que houve posteriormente, admittir a proposta apresentada pelo sr. Dias Ferreira.

Emquanto á questão de ramaes, a commissão resolveu não acceitar nenhuma outra indicação ou emenda.

Pela minha parte approvo o caminho de ferro da Beira Alta com o fim principal de encurtar o trajecto entre o porto de Lisboa e a fronteira de Franca, approximando-nos do centro da Europa, e não com o intuito de attender ás conveniencias especiaes d'esta ou d'aquella localidade. É este um assumpto de interesse geral.

Se o caminho de ferro da Beira Alta, para melhor preencher áquelle fim, se houvesse de sujeitar a um traçado que não o approximasse de Gouveia, Celorico, Ceia, etc., nem por isso deixaria de o votar.

O caminho de ferro da Beira Alta tem importancia de um caracter generico e não local.

Não se póde estabelecer em uma lei geral d'esta natureza, que se satisfaçam as conveniencias especiaes de toda e qualquer localidade; nem se póde discutir debaixo do ponto de vista technico, se o caminho de ferro fica mais distante d'esta ou d'aquella localidade um ou mais kilometros, subordinando o traçado a condições que o difficultem na execução.

O caminho de ferro da Beira Alta passa por uma provincia rica e importante, mas na directriz d'este caminho deve-se ter em vista principalmente o encurtar distancias extremas e não bater á porta de cada localidade. Entretanto, na qualidade de relator declaro que só acceito a emenda do sr. Dias Ferreira, e á qual já o sr. ministro das obras publicas, por parte do governo, annuiu.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Usando da palavra n'este momento, o meu fim principal é declarar que ha perfeito accordo entre mim e o meu illustre collega o sr. Thomás Ribeiro. Nós que somos amigos ha muito, já estavamos perfeitamente harmonicos no nosso pensamento antes de fazermos parte do governo. Sei bem que o illustre deputado é incapaz de querer promover qualquer divergencia de sentimentos entre nós, mas parece que s. ex.ª quiz estabelecer uma certa scisão de opiniões, uma certa discordia entre duas pessoas amigas; entretanto, direi que por mais esforços que se façam, não se consegue esse resultado.

O sr. Thomás Ribeiro deseja o ramal de Vizeu com tanta ancia, com tanta vehemencia, com tanto fervor como s. ex.ª deseja. O illustre deputado póde pois usar dos vastissimos recursos da sua eloquencia parlamentar que não chega a demonstrar o contrario do que affirmo, porque esta é a verdade. (Apoiados.)

Ainda ha pouco ouvimos o sr. deputado Telles de Vasconcellos apresentar o sr. Thomás Ribeiro como iniciador do pensamento do caminho de ferro da Beira Alta. Lembro-me bem de que em 1867, sendo eu n'esta casa relator da proposta apresentada pelo governo para a construcção do caminho de ferro do Minho e Douro, vi-me aqui verdadeiramente assoberbado com a hoste, com a phalange Beirôa de que s. ex.ª era o verdadeiro Viriato, usando de todos os recursos da sua intelligencia, para conseguir, como conseguiu, que na mesma lei ficasse consignado o pensamento inicial do caminho de ferro da Beira Alta.

Ora, sr. presidente, quando se consegue esta victoria póde-se porventura ser accusado alguma vez de descurar os interesses da sua terra natal?

Mas, sr. presidente, não parece conveniente ás commissões, nem parece conveniente ao governo que este projecto, especialmente relativo ao caminho da Beira Alta, que é a nossa principal linha internacional, venha complicado com outra disposições.

Ainda ha poucos dias, tratando-se do caminho de ferro do Douro, rejeitei uma proposta do sr. visconde de Moreira de Rey...

(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque.)

Pela lei de 1866, ficou o governo auctorisado a contratar a construcção e exploração do ramal de Vizeu, por consequencia que necessidade temos de inserir e novo essa disposição? Será porventura para a hypothese da construcção ser por conta do estado?

Mas em primeiro logar devemos ter em vista que não podemos saber desde já se se tira vantagem do concurso a que se vae proceder.

O sr. Francisco de Albuquerque: - Desejava que o illustre ministro me dissesse que inconveniente ha em se inserir na lei essa disposição.

O Orador: — Como disse, pela lei de 1866, o governo já está devidamente auctorisado para esse fim, entretanto, creio que tenho explicado o pensamento do governo e demonstrado que nas suas idéas não ha a menor omissão, nem falta de interesse não só pelo ramal de Vizeu, mas por todos os ramaes e linhas do paiz. (Apoiados.)

O projecto refere se expressamente ao caminho de ferro da Beira Alta, tratemos pois de construir essa linha de preferencia a qualquer outra.

Isto não quer dizer que o governo não esteja auctorisado a mandar proceder á construcção de outras linhas; mas n'este momento, n'esta conjunctura politica e financeira, o governo entende que o caminho a que deve dedicar de preferencia toda a sua acção e todos os recursos de que dispõe, é o da Beira Alta.

Estou certo de que o illustre deputado, como natural d'aquella provincia, deve concordar com este pensamento, sobretudo sendo certo que a realisação d'este melhoramento não é só uma vantagem local, mas um verdadeiro beneficio nacional, uma dotação para todo o paiz.

Sr. presidente, dito isto, explicado o pensamento do governo, e bem assente a harmonia entre o meu modo de ver e pensar e o do meu muito distincto collega o sr. Thomás Ribeiro, dispenso-me de adduzir novas considerações com respeito á proposta que foi mandada para a mesa.

O sr. Lencastre: — V. ex.ª e a camara sabem que apresentei uma proposta para que se fizesse um ramal de caminho de ferro da Figueira a entroncar com o da Beira Alta; não era verdadeiramente um ramal o que eu pedia, era o complemento do caminho de ferro da Beira Alta.

Mas em vista das considerações do sr. relator da commissão, vejo que a minha proposta não é acceite e fica para melhor occasião.

Satisfaz-me ao menos ver a justiça que foi feita á minha proposta n'esta camara, por dois cavalheiros, para mim muito competentes e muito importantes, como são o sr. ministro das obras publicas e o illustre presidente da commissão de fazenda, e que ao menos consegui alguma cousa, isto é, o reconhecer-se a vantagem do que propunha.

Contento-me, pois, com a promessa do sr. ministro, de que ha de tomar de futuro em consideração esta minha proposta. (Apoiados.)

Não quero causar embaraços á discussão d'este parecer,

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e por isso concluo pedindo licença a v. ex.ª e a camara para retirar a minha proposta.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Fiquei vencido, mas não convencido.

Da parte do illustre ministro das obras publicas houve uma carencia absoluta de rasões que justificasse a rejeição da minha proposta. (Apoiados.)

S. ex.ª fallou de tudo, mas o que não póde foi justificar a rejeição da minha proposta; e s. ex.ª deve saber que o pensamento harmonico do governo, porque este governo é o de 1875, era acceitar exactamente que se inserisse na lei esta minha proposta.

V. ex.ª sabe perfeitamente que o ramal de Vizeu foi aqui apresentado quando se discutiu esse projecto, e acceite e considerado pela commissão, está na lei; mas o que o governo não póde é mandal-o construir por sua conta no caso de que, ou não haja em praça concorrentes, ou o preço da praça não convenha, e é essa auctorisação que quizera que ficasse votada.

Diga s. ex.ª o que quizer, o que me parece é que não está de accordo com o sr. Thomás Ribeiro; e apesar de s. ex.ª concluir dizendo que ha perfeita harmonia de pensar entre s. ex.ªs, parece-me que não ha tal harmonia de pensamento.

Não quero com isto concorrer de fórma alguma para que o sr. Thomás Ribeiro se colloque em dissidencia com o seu collega e mal com a provincia da Beira Alta, mas o que não póde haver é concordancia, porque o sr. Thomás Ribeiro não póde renegar o seu passado, os seus esforços, porque creio que s. ex.ª era sincero na expressão dos seus desejos. Hoje, como ministro, que mais póde, não ha de abandonar tão justa, tão sympathica causa. O sr. Thomás Ribeiro foi até auctor de uma proposta identica á minha, porque s. ex.ª queria que, no caso de não haver em praça concorrentes, ou de que o preço não conviesse, o governo ficasse auctorisado a construil-o.

É o que eu quero e queria o sr. Thomás Ribeiro n'essa occasião. Espero por isso ver levantar o sr. ministro e protestar contra o que diz o meu amigo o sr. ministro das obras publicas.

O meu fim não é provocar dissidencias no seio do governo, é sim procurar, por todos os meios, que seja acceite a minha proposta, que seja beneficiada a provincia pela qual tenho a honra de ser aqui seu representante. Por que motivos serios de administração ou economicos ha de ella ser rejeitada?

Eu interrompi s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas, perguntando lhe quaes são os inconvenientes de se introduzir n'esta lei a minha proposta?

(Interrupção por parte do sr. ministro das obras publicas, que não se ouviu.)

Eu já declarei que fico vencido, mas não convencido. S. ex.ª não dei rasão nenhuma ácerca dos inconvenientes da acceitação d'esta proposta.

Uma voz: — Já é lei.

O Orador: — Eu bem sei que é de lei o ramal de Vizeu, o que não é de lei é poder o governo construil-o por conta do estado. (Apoiados.)

Mas a minha proposta altera em alguma cousa o pensamento do governo? Não altera nada.

Se o governo disser «não ha meios para se fazer o ramal», de accordo. Eu tambem não peço: faça-se já o ramal. Entretanto sabem v. ex.ªs qual é o resultado do que vão fazer? É o seguinte, é o que se houver necessidade de proceder, em uma dada circumstancia, á construcção do ramal de Vizeu, não havendo licitantes em praça, ou não convindo o preço que offereçam, o governo não tem meio nenhum de mandar proceder á sua construcção por conta do estado, e tem de vir ao parlamento pedir que o auctorise, e v. ex.ª sabe que a proposito de questões de caminhos de ferro se levantam sempre todas as localidades a pedir, todos querem caminhos de ferro, e apparecem então difficuldades ás vezes insuperaveis.

Eu o que queria, como sinceramente affecto aos interesses d'aquella provincia e d'aquelle districto, era que ficasse consignado n'esta lei o principio de ser auctorisado o governo a construir por conta do estado o ramal de Vizeu, quando não houvesse licitação, ou a licitação não fosse favoravel. E parece-me que não ha, nem póde haver rasão alguma em se dizer: «nós tratâmos agora do caminho de ferro da Beira Alta», porque a minha pretensão não prejudica em cousa alguma esse caminho de ferro, nem eu a queria, nem mesmo Vizeu a quer.

Pois o pensamento do governo, quando aqui apresentou a lei da construcção do caminho de ferro da Beira Alta, não era o mesmo que é hoje? Pois o governo não acceitou então, embora fosse outro o ministro das obras publicas, julgo que era o sr. Avelino...

(Áparte do sr. Avelino, que não se ouviu.)

Era s. ex.ª, mas que fosse outro, era um ministro do governo regenerador, era o ministro de um governo solidario com este; não acceitou, digo, a idéa da construcção do ramal de Vizeu? Acceitou. E não era então pensamento do governo, como é hoje, a construcção do caminho de ferro da Beira Alta? Era. Logo, se acceitou esse ramal e agora o não acceita, é porque não o quer fazer; e então, fallemos francamente, não se faz o caminho de ferro da Beira Alta, não se faz o ramal de Vizeu, não se faz nada, porque o que se pretende é trazer entretido o espirito publico com a doce o enganosa esperança do caminho de ferro da Beira Alta, de que o governo regenerador se quer arrogar o primeiro campeão, sendo aquelle que não tem feito até hoje mais do que pôr-lhe embaraços á construcção. Pouco para o papel, nada para a realidade.

Vozes — Votos, votos.

Finda a inscripção foi approvado o artigo 1.° com a emenda proposta pela commissão, e successivamente rejeitadas as propostas do sr. Luiz de Campos, Pinheiro Chagas e Francisco de Albuquerque.

Concedeu-se licença ao sr. visconde de Moreira de Rey para retirar a sim proposta.

Foi approvada a proposta do sr. Dias Ferreira, acceita pela commissão.

Os artigos 2.º e 3.° foram, approvados.

Entrou em discussão o

Artigo 4.°

O sr. Francisco de Albuquerque: — Desejo perguntar ao governo o que tenciona fazer, se acaso no primeiro concurso não apparecerem concorrentes.

O artigo 5.° diz, que no caso previsto no artigo antecedente, de não haver concorrentes, fica o governo auctorisado a proceder á construcção.

No emtanto, como não está prevenido que depois de se pôr uma vez em praça o caminho de ferro, o governo fica inhibido de o pôr segunda vez, ou terceira não havendo concorrentes na primeira e segunda, e como vejo que de não estar isto prevenido se poderia seguir o adiamento indefinido da construcção do caminho de ferro, desejo que o illustre ministro me diga o que entendo a este respeito, o depois da resposta de s. ex.ª mandarei ou não para a mesa uma proposta que tenho feita a este respeito.

Uma voz: — O praso é de sessenta dias.

O Orador: — Ora essa, sessenta dias é que deve durar o concurso, e depois, terminado o praso, se não houver concorrentes, ou se não forem acceitas as propostas offerecidas, o governo póde, em virtude d'este projecto, pôr novamente em praça a construcção do caminho, uma e muitas vezes.

(Interrupção.)

Peço perdão, póde; o mesmo se for conveniente, o governo deve e póde pol-o em praça segunda vez.

Não pretendo tirar-lhe essa faculdade; mas o que tambem não quero é que o governo, pondo successivamente em

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praça a adjudicação do caminho de ferro da Beira Alta, vá assim indefinidamente adiando a sua construcção.

A lei auctorisa o governo a pôr a construcção do caminho em praça, e não havendo concorrentes, póde, se quizer, mandar proceder logo á construcção por conta do estado; mas tambem póde abrir novo concurso, e para evitar o adiamento indefinido é que eu tenho elaborada uma proposta, para que não possa ser posta em praça a construcção e exploração do caminho de ferro, que se discute, mais do que duas vezes, e com o intervallo de tres mezes.

O que eu desejo, portanto, é que o nobre ministro das obras publicas me diga o que tenciona fazer, isto é, se tenciona abrir nova licitação, ou mandar proceder, quando a primeira não dê resultado vantajoso, á construcção directa da linha e dentro de que praso.

O sr. Presidente: — Parece-me conveniente mandar ler o artigo 5.°

(Leu-se.)

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Se bem me recordo, já em uma das sessões passadas fiz uma declaração ácerca do pensamento do governo a este respeito.

O governo tenciona abrir concurso para a construcção do caminho de ferro que se discuto, e se alguma proposta apresentada durante o concurso for vantajosa para os interesses publicos e para o thesouro, o governo adjudicará a construcção a quem tiver apresentado essa proposta. No caso porém de nenhuma das propostas convir, ou de não apparecerem concorrentes, o governo procederá desde logo á construcção por conta do estado.

Parece-me que o illustre deputado verá, no modo como o artigo está redigido, uma disposição facultativa, mas afigura-se-me que póde ser isto simplesmente uma questão de redacção; e em todo o caso o governo toma essa disposição como preceptiva; abre concurso, e se o resultado não for vantajoso, ou não apparecerem concorrentes, sem proceder a nova tentativa, manda proceder á construcção por conta do estado.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — A duvida apresentada pelo meu illustre amigo o sr. Francisco de Albuquerque não me pareceu inteiramente ociosa, por isso que d’ella resultou a resposta do nobre ministro das obras publicas, tornando preceptivo aquillo que a alguns espiritos poderia afígurar-se como simplesmente facultativo.

Entendo que é um absurdo imaginar que o governo podia estar a abrir licitações successivas, com intervallos maiores ou menores, e a convidar o credito sempre com mau resultado, para construir um caminho; (Apoiados.) entretanto poderia dar-se essa interpretação cerebrina, e bom foi que este ponto ficasse claramente definido e elucidado. (Apoiados.)

Direi tambem que entendo na minha humillima opinião não ser possivel estar a inserir na lei todos os ramaes, todos os caminhos, que mais ou menos directamente prendem com a construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

Nenhuma objecção faço ás propostas apresentadas pelo sr. Francisco de Albuquerque, ácerca dos ramaes de Vizeu e Gouveia, mas entendo que estas propostas não são bem cabidas, e eu vou dizer a v. ex.ª porquê.

É porque no regimen dos caminhos de ferro ha a destrinçar os caminhos de ferro de interesse geral e os caminhos de ferro de interesse local. E estes diversos caminhos de ferro estão presos entre si por uma certa ordem de preferencias a que é necessario attender na classificação geral d'estas vias de communicação, classificação que o illustre ministro das obras publicas deve apresentar na proxima futura sessão, se o não poder fazer antes.

Eu não estava presente e por consequencia não tive o gosto de ouvir o nobre ministro das obras publicas na sessão anterior, mas consta-me que s. ex.ª se tinha referido a esta classificação dos caminhos de ferro, o que se havia compromettido até a apresental-a na proxima sessão.

Dada esta explicação, eu entendo que o nobre ministro fica muito á sua vontade não acceitando as propostas do sr. Francisco de Albuquerque assim como o sr. Francisco de Albuquerque, por isso que não existe ainda essa classificação, cumpriu o dever de zeloso deputado apresentando essas propostas.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Depois do que ouvimos ao illustre ministro das obras publicas, o que eu peço que na lei fique bem claro o que diz o governo.

(Áparte.)

Não me basta a declaração do sr. ministro das obras publicas, porque, posto que eu julgue que os actuaes srs. ministros se hão de conservar por muitos annos no poder para honra, lustro e gloria d'este paiz, comtudo póde dar-se um incidente imprevisto, uma dor de dentes, por exemplo, ou outra circumstancia qualquer, que lhes faça a esmola de os livrar dos espinhos d'aquellas cadeiras; e em tal caso e em toda e qualquer hypothese, eu não quero que um governo qualquer fique com uma auctorisação que é exactamente a que estava na lei anterior, porque até a redacção é a mesma, auctorisação em virtude da qual se poz em praça por mais de uma vez a construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

A lei quer-se clara. Como está, póde o governo pôr o caminho de ferro em praça primeira, segunda, terceira vez e indefinidamente, e assim ficar illudida a feitura do caminho de ferro. A interpretação do sr. ministro, ou antes a sua declaração, poderia obrigar s. ex.ª, mas não póde obrigar outro governo ou ministro — e com este pretexto póde ámanhã um governo affecto ao caminho da Beira Baixa, por exemplo, ou do Algarve, furtar-se á obrigação de fazer o caminho de ferro da Beira Alta.

Por consequencia, o que eu peço é que se vote o artigo salva a redacção, para depois se pôr bem claro o pensamento de que — caso não haja concorrentes, na primeira praça, ou não ser acceita a proposta, não haverá segunda praça, e o governo, dentro de tres mezes, será obrigado a proceder á sua construcção por conta do estado.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Pelo que se vê o illustre deputado não põe a menor duvida á sinceridade da minha declaração ácerca do pensamento do governo; mas parece que s. ex.ª reserva ainda no seu espirito remotas apprehensões a respeito de qualquer governo que possa succeder ao actual. Por isso é que não tenho duvida alguma em que, como já disse, seja votado o artigo, salva a redacção, para que o pensamento do ministerio fique bem expresso.

Lembro ao illustre deputado que, com referencia á execução da lei de 1876, o governo se via na alternativa de, ou prescindir de qualquer nova tentativa para a construcção d'este caminho de ferro, ou proceder a novo concurso.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Mas legalmente.

O Orador: — Muito bem. Procedeu legalmente ao segundo concurso. Não estava isso declarado na lei expressamente, mas eu entendo que fez o governo muito bem em interpretar a lei d'esse modo, porque satisfez assim não só ás suas convicções e ás suas doutrinas, mas tambem aos interesses publicos.

Na lei de 1876 não havia a faculdade da construcção por conta do estado; essa faculdade existe n'esta lei, mas não tenho duvida alguma em que o pensamento a que o illustre deputado se referiu fique bem expresso.

Artigo 4.° — Approvado salva a redacção.

Artigo 5.°

O sr. Francisco de Albuquerque: — A camara releva sem duvida a minha impertinência n'este assumpto.

Como tenho sincero empenho em que se faça este caminho de ferro, por isso desejo que fique bem declarado tudo o que diz respeito a esta lei.

Eu vejo que o governo aqui fica auctorisado a mandar proceder á construcção do caminho de ferro por conta do

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estado; mas não vejo quando é que o governo fica obrigado a mandar construir esse caminho. O § 3.° do artigo 7.° confirma isto que eu digo, e era até a esse § 3.° do artigo 7.º que tinha feito uma emenda.

O § 3.° do artigo 7.° diz o seguinte:

(Leu.)

Por consequencia, na primeira parte d'este § 3.° previne-se a hypothese de ter havido adjudicação. Mas acrescenta o mesmo § 3.° o seguinte:

(Leu.)

Quer dizer, o governo fica auctorisado a protrahir indefinidamente a construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas.)

Eu não digo que seja esta a sua intenção; mas na construcção do caminho de ferro eu sou mais governamental que todo e qualquer governo.

Desejo ardentemente que se faça este caminho de ferro que v. ex.ªs dizem tambem querer, e porque o meu desejo é sincero e vehemente, é que quero tirar e remover tudo quanto possa embaraçar a sua construcção. (Apoiados.) Sabe s. ex.ª o que dizia o § 3.° do artigo 2.° do projecto n.º 16 do anno passado? Dizia o seguinte:

(Leu.)

Quer dizer, n'este § 3.º obrigava-se o governo a mandar começar a construcção do caminho de ferro dentro do praso de tres mezes; e agora pelo § 3.° do artigo 7.° do projecto que discutimos fica o governo com a faculdade de começar a construcção do caminho de ferro da Beira Alta quando quizer. Ora isto é que não póde ser. (Apoiados.)

O illustre relator da commissão pediu a palavra. Se s. ex.ª tiver que apresentar alguma emenda ao § 3.° do artigo 7.° no sentido que indiquei, não apresentarei a minha; senão mandarei eu uma proposta em virtude da qual o governo fique obrigado, não havendo concorrentes na praça, ou as propostas que se offerecerem não poderem ser acceitas, a mandar proceder a essa construcção por conta do estado dentro do praso de tres mezes.

O sr. Carlos Testa: — Cumpre-me dizer, por parte da commissão, que effectivamente o § 3.º do artigo 7.° tem uma redacção um pouco confusa e que justifica até certo ponto o que acaba de dizer o illustre deputado, o sr. Francisco de Albuquerque, por isso a commissão tencionava propor uma emenda a este § 3.° do artigo 7.°, que vem a ser a seguinte.

(Leu.)

Remettendo para a mesa esta emenda, por parte da commissão, parece-me que se torna mais claro o § 3.° do artigo 7.°, que ainda não está em discussão, e ao mesmo tempo satisfaz os desejos do illustre deputado.

E agora só tenho a acrescentar, que se não apresentei ha mais tempo esta emenda é porque ainda não estava, como não está por ora, em discussão o referido artigo 7.°, e por isso não queria antecipar-me.

Remetto para a mesa a emenda.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho a seguinte substituição ao § 3.° do artigo 7.°

§ 3.° A construcção d'este caminho, no caso de ser feita por conta do estado, deverá achar-se terminada no periodo maximo de quatro annos e começada dentro de tres mezes, a contar da data em que o governo rejeite as propostas de concurso ou não tenha havido concorrentes, e por isso ordene a construcção por conta do estado. — Carlos Testa.

Foi admittida.

O sr. Pinheiro Chagas: — É simplesmente para perguntar ao governo, se depois da emenda apresentada ao § 3.º do artigo 7.° do projecto que discutimos, fica ainda subsistindo a idéa que tinha ouvido expender de que este caminho de ferro da Beira Alta não principiaria a construir-se senão depois que fossem construidos os caminhos de ferro do Douro e Minho?

(Interrupção.)

Vozes: — Nada, nada.

O Orador: — Em todo o caso o governo não disse nada a este respeito n'esta casa, e eu desejo que se diga, se o governo tenciona, no caso de não poder adjudicar a uma companhia a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, se tenciona começar a construcção d'este caminho, por sua conta antes de concluidas as linhas ferreas do Douro e Minho?

O sr. Ministro das Obras Publicas: — A redacção apresentada pelo illustre relator da commissão tira todas as duvidas que se possam apresentar a este respeito, alem de que as declarações do governo seriam sufficientes para as desfazer.

Artigo 5.° — Approvado.

Artigo 6.° — Approvado.

Artigo 7.°

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — A este artigo offereceu o sr. relator da commissão a seguinte proposta:

(Leu-se.)

Foi approvado o artigo com a substituição da commissão.

Entrou em discussão o

Artigo 8.°

O sr. Avila: — Desejo que o sr. ministro das obras publicas, ou qualquer dos membros do governo, me diga se o governo está na intenção de crear as obrigações para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, do mesmo padrão das que foram creadas para o caminho de ferro do Douro e Minho.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Creio que o illustre deputado deseja saber se serão do typo igual aos das obrigações do caminho de ferro do Minho e Douro, aquellas que se crearem para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

Parece-me que não é conveniente que se fixe na lei o typo das obrigações, porque as condições financeiras podem variar.

O sr. Avila: — Declaro a v. ex.ª que tenho uma posição de tal modo especial na discussão de que se trata, que a camara não póde de certo reparar que lhe tome alguns momentos da sua attenção.

Não combato o caminho de ferro da Beira Alta, nem a construcção de nenhum caminho de ferro.

O meu desejo seria que as condições da fazenda publica permittissem a construcção não só d'este caminho, mas a de todos aquelles que completem a rede das nossas linhas ferreas.

Hoje todos reconhecem as vantagens da viação, quer accelerada, quer ordinaria; mas é tambem de primeira intuição que não se deve proceder a melhoramentos d'esta ordem, sem ter em attenção os recursos do paiz, e que se emprehendermos obras de grande alcance futuro, mas que têem de ser pagas antes de produzirem os seus naturaes resultados, devemos receiar para as nossas finanças um desequilibrio que póde ter graves consequencias.

Entendo, pois, que para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta ou de qualquer outro, se deve aguardar a conclusão das linhas já principiadas, e nomeadamente das linhas do Douro e Minho. (O sr. Pinheiro Chagas: — Apoiado.)

Com relação ás vantagens do caminho de ferro da Beira Alta, já tive occasião de dizer o meu pensamento na discussão da generalidade d'este parecer, mas o que não posso é concordar com o illustre ministro das obras publicas na conclusão dos seus calculos.

S. ex.ª apresentou outro dia um catalago de preços do custo kilometrico de differentes linhas da Europa, e do custo d'essas linhas conclue-se precisamente o contrario do que s. ex.ª nos asseverou.

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O sr. ministro na sua preoccupação de explicar o augmento consideravel do custo kilometrico das linhas do Douro e Minho sobre o preço calculado, não attendeu a que dos seus argumentos se deduzia necessariamente a refutação dos seus proprios raciocinios com relação ao custo do caminho de ferro da Beira Alta.

Pois se s. ex.ª entende que é barato um caminho de ferro que, segundo o que nos disse antes de hontem, custa 50:000$000 réis por kilometro, o que ha de custar muito mais, como quer s. ex.ª que a camara o acompanhe na idéa de que o caminho de ferro da Beira Alta ha de custar apenas 34:800$000 réis por kilometro? (Apoiadas.)

Não póde ser. Mas se são taes as convicções do nobre ministro a este respeito, deveria desejar que o seu pensamento se inserisse n'esta lei, o que se adoptasse aqui um artigo similhante áquelle que se encontra na lei de 2 de julho de 1869, que determinou a construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro: «é o governo auctorisado a despender até á quantia de 35:000$00 réis», etc. Creio que s. ex.ª, apesar das suas convicções a este respeito, não o acceita. (Apoiados.)

Mas não foi este o meu proposito pedindo a palavra. O que desejava era mandar para a mesa uma substituição ao § 1.° do artigo 8.°, que é a seguinte.

(Leu.)

O illustre ministro da fazenda acaba de dizer que não é conveniente fixar agora o padrão das obrigações que hão de ser creadas para a construcção do caminho de ferro da Beira, Alta, porque, segundo as condições do mercado, póde ser conveniente que essas obrigações sejam do juro de 5 ou 6 por cento.

Admittamos que essas obrigações sejam de juro de 6 por cento com 1 por cento de amortisação.

Este é o caso mais desfavoravel da questão. Se for o juro de 5 por cento e 2 por cento de amortisação, melhor, porque o praso da amortisação será menor; mas se for de 6 por cento de juro e 1 por cento de amortisação, estas obrigações estarão amortisadas ou extinctas necessariamente em trinta e tres annos e cento e quarenta dias, proximamente, e não em cincoenta e seis annos como o governo e as commissões dizem n'este parecer.

A camara sabe perfeitamente como se procede a esta operação. Se o juro for de 6 por cento e 1 por cento de amortisação, que é a hypothese mais desfavoravel para o praso da amortisação, dentro do encargo de 7 por cento, sendo preciso por exemplo emittir 7.500:000$000 réis de obrigações para esta construcção, teremos que no primeiro anno se amortisam 75:000$000 réis, no segundo anno amortisam-se outros 75:000$000 réis, e mais as obrigações correspondentes ao juro dos 75:000$000 réis amortisados no primeiro anno e assim successivamente. E no fim de trinta e tres annos e cento e quarenta dias estão extinctas todas as obrigações. Para que se fala em cincoenta e seis annos?

Admittindo mesmo que as obrigações terão 6 1/2 por cento de juro e 1/2 por cento de amortisação, o praso será ainda assim de quarenta e dois annos, e não de cincoenta e seis. Parecia-me pois que o governo devia acceitar a substituição que proponho, que o habilita a emittir tantas obrigações quantas forem necessarias para perfazer a somma que tiver de ser despendida com a construcção d'esta linha ferrea; sendo porém estas obrigações de 6 por cento e de 1 por cento de amortisação, e portanto que hão de estar amortisadas em trinta e tres annos e alguns dias.

Mando a minha proposta para a mesa.

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, o illustre deputado está equivocado, o que não admira, porque não está acostumado a tratar d'estas questões, ou a encarar este objecto de caminhos de ferro debaixo do ponto de vista financeiro, que é estranho á sua profissão.

S. ex.ª parte da idéa de que toda a emissão se ha de fazer ao par: se assim fosse os seus calculos seriam acceitaveis; mas fazendo-se a emissão abaixo do par, tem o periodo da amortisação de ser mais largo.

Dados os encargos, juro e amortisação, do capital nominal, o praso da amortisação é a sua consequencia, e fica logo fixado e definido. Assim para o juro de 6 por cento e a amortisação de 1 por cento, o praso da amortisação é, como s. ex.ª diz, de trinta e tres annos.

Porém a lei fixa os encargos e o praso da amortisação para o capital real, e sendo este inferior ao capital nominal, por se terem de emittir os titulos abaixo do par, é necessario que se fixem maiores encargos, ou maior praso para a amortisação. É isso o que succedo para as obrigações dos caminhos de ferro do Minho o Douro. Para essas o encargo é de 6 por cento de juro e de 1/4 por cento de amortisação, e o praso da amortisação, consequencia necessaria, é de cincoenta e seis annos. Mas tudo isto é em relação ao nominal, e por isso os encargos em relação a este nominal são de 6 1/4 por cento.

Como, porém, as emissões se têem feito abaixo do par, os encargos são maiores em relação ao capital real, e nas primeiras emissões chegaram a 7 por cento ou mais.

O illustre deputado entende que a lei de 1867 era mais regular...

O sr. Avila: — Fixo apenas o encargo.

O Orador: — Mas não fixando o tempo, a lei ficaria muito mais latitudinaria.

Fixado o encargo e não fixado o tempo, o governo póde estipular o pagamento do uma annuidade, por exemplo, de 7 por cento durante trinta e tres annos, que é o caso que o illustre deputado figurou, ou a mesma annuidade durante cincoenta, ou sessenta, ou noventa e nove annos, o que é um immenso arbitrio.

Não fixado o tempo, e dentro dos limites da lei, o governo poderia fazer um contrato excellente ou um contrato onerosissimo.

O governo fixando o encargo e fixando tempo, limita completamente; e tanto limita, que sendo a emissão das obrigações dos caminhos de ferro do Douro e Minho feita pelo praso de cincoenta e seis annos, com os juros de 6 por cento e 1/4 de amortisação, os encargos seriam de 6 se as obrigações se emittissem ao par; mas como se emittiram ultimamente um pouco abaixo do par, veiu a ficar o encargo um pouco maior, mas abaixo do limite de 7 por cento; foi isto o que tiveram em vista as commissões de fazenda e de obras publicas quando fixaram os 7 por cento em cincoenta e seis annos.

O sr. Avila: — O illustre ministro da fazenda acaba de dizer que o praso de cincoenta e seis annos, introduzido na lei se regula perfeitamente esta materia.

No parecer que a discute não se especifica este assumpto, mas no relatorio que precede a proposta de lei sobre a qual recaíu o parecer n.º 16 do anno passado, direi aos srs. ministros da fazenda e das obras publicas, que na hypothese do caminho de ferro custar 7.500:000$000 réis, e sendo levantada esta somma por uma emissão de obrigações, cujo encargo não exceda 7 por cento, comprehendidos o juro e amortisação no praso de cincoenta e seis annos, teriamos um encargo de 525:000$000 réis; quero dizer, que a emissão de 7.500:000$000 réis em obrigações traria para o thesouro a annuidade de 525:000$000 réis durante cincoenta e seis annos.

Porém a annuidade de 525:000$000 réis durante cincoenta e seis annos, a juro de 6 por cento e 1 por cento de amortisação, não representa 7.500:000$000 réis no fim d'aquelle periodo, mas sim 31.400:000$000 réis. É facilimo fazer este calculo.

O sr. Ministro da Fazenda: — Isso é se a emissão fosse feita ao par.

O Orador: — Não sendo ao par era muito mais. A minha idéa é esta:

Nas condições em que o governo se propõe a levantar a somma para occorrer ás despezas de construcção do ca-

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minho de ferro da Beira Alta, o encargo não póde ser só de 525:000$000 réis, ha de ser muito superior, porque teremos que pagar alem de 525:000$000 réis tambem os juros das obrigações que for necessario emittir a mais, para perfazer os 7.500:000$000 reaes de que o governo precisa. Esta differença que o illustre ministro diz ser a favor do seu calculo, é, pelo contrario, a favor do meu.

Proposta

Artigo 8.° Proponho que o § 1.° do artigo 8.° seja substituido pelo seguinte:

§ 1.° O encargo do juro e amortisação d'estes titulos não poderá ser superior a 7 por cento da subvenção concedida ou do custo das obras, se estas forem construidas por conta do estado. = A. J. d'Avila.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu creio que quem, mesmo sem fazer calculo nenhum, examinar este artigo, vê claramente que os encargos são de 7 por cento, durante cincoenta e seis annos.

Aqui não ha sophisma, o caminho de ferro custa, supponhamos, 10.000:000$000 réis. O maximo encargo auctorisado é de 7 por cento durante cincoenta o seis annos.

Quanto são 7 por cento de 10:000 contos? 700 contos. Por consequencia o governo não póde gastar mais de 700 contos durante cincoenta e seis annos. O encargo está perfeitamente definido.

(Interrupção do sr. Avila.)

A lei diz que não póde ser nem mais de 7 por cento, nem maior praso de cincoenta e seis annos, quer se emittam ao par, quer não. Se a emissão fosse ao par, então de certo que no fim de trinta e tres annos podia estar acabado o encargo, sendo de 6 por cento o juro e de 1 por cento a amortisação. Mas fazendo-se a emissão abaixo do par, e não podendo o encargo exceder a 7 por cento, o praso tem de ser maior do que os trinta e tres annos.

E por esta occasião direi ao illustre deputado, que as obrigações dos caminhos de ferro do Minho o Douro nunca foram emittidas ao par. Se o fossem, com o juro de 6 e a amortisação de 1/4 o seu encargo seria apenas de 6 1/4 em relação ao capital real despendido n'ellas. E um pouco maior, e por isso tambem no projecto actual se fixa o limito de 7 por cento.

Deu-se esta amplitude ao governo para, attendendo ao estado do mercado, poder fazer a emissão, não por um preço muito inferior, mas emfim por um preço inferior ao par.

Por consequencia o encargo está perfeitamente definido ou antes limitado, quer o governo emitta ao par, quer não, seja qual for o nominal, seja qual for o real. O governo não póde despender mais de 7 por cento, nem por maior espaço de cincoenta e seis annos. Mas póde despender menos ou por um praso mais curto se as emissões se fizerem ao par ou muito proximas do par.

O sr. Presidente: — Vae votar-se o artigo.

O sr. Pinheiro Chagas: — Não ha numero na casa.

O sr. Presidente: — Vae fazer-se a chamada para se verificar se ha numero.

Feita, a chamada estavam presentes os seguintes srs. deputados: — Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Carrilho, Telles de Vasconcellos, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Filippe de Carvalho, Mouta e Vasconcellos, Illidio do Valle, Jayme Moniz, J. M. de Magalhães, Gonçalves Mamede, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Moraes Rego, Mexia Salema, Freitas Branco, Rocha Peixoto (Manuel), Pinheiro Chagas, Visconde da Arriaga, Visconde de Moreira de Rey.

O sr. Presidente: — Estão presentes 28 srs. deputados. Por consequencia não póde continuar a discussão.

Na conformidade do regimento publicam-se no Diario da camara os nomes dos srs. depjutados presentes.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Sessão de 22 de fevereiro de 1878

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