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SESSÃO DE 23 DE FEVEREIRO DE 1885 491

Os fabricantes de farinhas, está claro; mas pelo facto dos fabricantes de farinhas absorverem quasi tudo, porque constituiram uma espécie de monopólio, não devemos crear outra entidade que vá tambem explorar o pobre. (Apoiados.)

Supponhâmos que estes 45 réis se dividem (mal se dividem infelizmente, porque os padeiros têem a parte minima e insignificante) 30 réis para o fabricante de moagens e 15 réis para o padeiro.

Pergunto eu a v. exa.: como é que um simples direito protector conseguirá que o fabricante de farinha, que a vende actualmente por 80 réis, se resigne a vendel-a pelo mesmo preço, sacrificando parte dos seus lucros?

Elevando se o trigo de 50 a 60 réis, por esse facto o fabricante de moagens cederá 10 réis para não encarecer o pão?

Todos sabem, que n'este ramo industrial se dá um phenomeno muito conhecido na economia social.

A limitação dos preços pela concorrencia illimitada é um principio verdadeiro, mas se a concorrencia é limitada, os interesses combinam-se e harmonisam-se bem depressa para que a exploração industrial constitua, pelo menos nos seus resultados, um verdadeiro monopolio.

O monopolio desapparece da legislação, mas por estes ou outros artificios manifesta-se na vida social.

Livre da concorrencia, o preço fixa-se pela simples vontade do productor; levantem, pois, o direito sobre o trigo o resultado será o fabricante de farinhas elevar na mesma somma o preço da farinha e depois o padeiro o do pão.

Um só remedio para isto existe, estabelecer a livre concorrência na moagem dos trigos.

Este meio sim resolveria tudo, e haveria protecção para a agricultura sem sacrificio para o consumidor.

Isto, porém, não é o que se quer; depois contarei á camara um incidente curioso a este respeito.

Esta tentativa proteccionista é já de longa data.

Em 1882 começaram a manifestar-se certos prenuncios de imposto protector, e usou-se de um artificio engraçado, que me não assustou, porque previ immediatamente que não dava resultado algum; refiro-me á lei de 1882, que igualou o imposto sobre cereaes em todo o paiz, eliminando o imposto especial de consumo em Lisboa.

O imposto geral de importação era de 600 réis e o imposto especial de barreira 540 réis por 100 kilogrammas. Para conseguir elevar a 1$000 réis por 100 kilogrammas o direito geral sobre a importação do trigo, eliminaram o imposto do consumo, a fim de evitar os clamores da população de Lisboa.

Era

Como a população de Lisboa é que ha de pagar a parte mais importante do imposto sobre os cereaes, o resultado da medida foi nullo ou insignificante.

Agora renova-se a tentativa, se é que a primeira não foi um acto de estrategia.

Mas vamos ao incidente.

Ha dias fallando commigo alguem, que tem interesse directo em ver florescer a agricultura, como eu indirectamente tambem o possuo, dizia eu: «realmente comemos o pão caro, quando o trigo é barato, porque artificiosamente se organisou um monopolio».

«Alguns industriaes, habilmente combinados, eximiram-se ao correctivo da concorrencia e fixam o preço da farinha não pelas condições livres do mercado, mas segundo os seus interesses.

«A agricultura, de que v. exa. é um agente importante, padece com este facto; nada mais simples do que expungil-o do nosso meio economico e industrial.

«Para combater este monopolio bastará apenas crear outros elementos assás poderosos, que se não combinem com os existentes; o resultado será estabelecer-se immediatamente a livre concorrencia e por ella a variação regular e harmonica do preço das farinhas e do pão.»

«Se os mais poderosos agricultores do nosso, paiz constituindo-se em syndicato para defenderem a sua causa santa e justa, montarem uma fabrica de moagem do seu trigo, poderão obter dois grandes resultados: auferir maiores interesses para a agricultura e fornecer ao consumidor um pão mais barato e talvez mais nutritivo.»

«O que querem os senhores? Vender o trigo não a 50 réis, das a 60 réis o kilogramma? Bem, n'esse caso façam-se fabricantes de farinhas e dos 30 por cento, que elles actualmente ganham, attribuam 10 por cento ao valor do trigo, ainda lhes sobra 20 por cento: um bonito lucro, que poderá ainda ser compartilhado com o consumidor. Não resolveria isto o problema?»

Sabem qual foi a resposta do interessado? «Isso dar-nos-ía muito trabalho e muito incommodo».

Eis a philosophia da nossa organisação economica e da nossa administração.

Iniciativa, actividade, estudo e comprehensão dos phenomenos economicos, lucta leal e digna dos interesses, tudo quanto constituo a vida social, exige intelligencia e esforços honestos, isso incommoda, cansa...

O mais facil, na verdade, é arrancar ao parlamento, por processos mais ou menos engenhosos, uma lei, com dois artigos, pouco mais ou menos redigida n'estes termos:

Artigo 1.° É augmentado o direito de importação do trigo em grão em 1$000 réis por 100 kilogrammas.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Oh! sr. presidente, tenhamos prudencia e iuizo.

Eu chamo a attenção dos interessados, dos consumidores, sobre este assumpto, que estejam álerta e de sobre-aviso.

É facil relativamente evitar que uma lei venha ao parlamento; mas depois d'ella apresentada é difficil combatel-a, e depois d'ella promulgada ha sempre em nome da ordem a espada dos soldados para evitar as manifestações mais justas.

Cuidado, pois, vos digo eu.

Estas questões são vitaes em todos os paizes e em todos elles são estudadas profundamente.

Temos o exemplo da Italia, que não se contentou em estudar as suas condições economicas e mandou uma circular aos homens que julgava mais importantes, ou pelo menos, mais conhecedores do assumpto em differentes paizes, pedindo em varios quesitos elementos para conhecer as circumstancias economicas, em que estavam esses paizes em relação aos cereaes. Façamos nós o mesmo.

Aviso aos incautos, repito: quando no azul celeste se desenham os primeiros espiraes das aves de rapina, é Ter cuidado, que o bando vem proximo.

Eu hei de combater a lei dos cereaes como poder e como souber, e ha de ser um dia de grande magua para mim aquelle em que a vir apparecer n'esta camara, como um facto isolado, uma lei protectora sobre o trigo.

Permitta-me v. exa. ainda algumas palavras.

Recebi uma carta de um homem delicado e conhecedor do assumpto, mas que teve apenas o mau gosto de não a assignar.

Respondo-lhe que não odeio classe alguma, que não odeio ninguem; mas o que adoro sobretudo é o principio da justiça e da igualdade; se ámanhã este governo ou o que se lhe seguir quizer estudar o regimen economico do paiz, eu hei de ser o primeiro a prestar-lhe os meus fracos recursos para esse trabalho; mas o que não posso admittir é que isoladamente, com leis mal estudadas, estejamos constantemente a deturpar os principios de um bom regimen fiscal.

Sei que a nossa industria agricola precisa de protecção, mas é necessario estudar esta questão gravissima, e dar tambem essa protecção ás outras industrias, que d'ella careçam.

É impossivel talvez estudar e encontrar um systema de compensação para todas.