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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sonsa

SUMMARIO

Dá-se conta do seguinte expediente: officio da camara dos pares; remettendo copia do requerimento apresentado pelo digno par Firmino João Lopes, com respeito á ultima eleição de um deputado pelo circulo de Mirandella; outro do ministerio do reino, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Luiz Bandeira Coelho na sessão de 31 de maio ultimo; outro do minisierio da guerra, remettendo 180 exemplares das contas d'este ministerio relativas á gerencia de 1888-1889 e ao exercicio de 1887-1888; outro do mesmo ministerio, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Francisco José Machado na sessão de 21 de maio ultimo; outro do ministerio da marinha, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Augusto Fuschini na sessão de 16 de maio ultimo. - Têem segunda leitura os seguintes projectos de lei: um apresentado pelo sr. Avellar Machado, para que reverta immediatamente para D. Emlia Duval Telles a pensão concedida a sua mãe; outro apresentado pelo mesmo sr. deputado, tornando definitiva a cedencia feita á junta da parochia de Almoster da igreja e adro; outro apresentado pelo sr. Teixeira de Sousa, para a transferencia da assembléa de Villa Chã, no circulo de Alijó, para a povoação de Carlão; outro do sr. barão de Paço Vieira, sobre a condemnação penal condiccional; outro do sr. Teixeira de Sousa, concedendo á camara de Murça o edificio de S. Bento; outro dos srs. Cesario de lacerda e Marianno de Carvalho, relativo ao convento de Almoster. - Apresentam representações os srs. Luciano Monteiro, Costa Pinto e Francisco machado. - mandam requerimentos de interesse particular os srs. Carlos Bocage e Jayme da Costa Pinto. - Justifica as suas faltas o sr. Antonio Maria Jalles. - Participa o sr. Aristides da Mota a constituição da commissão de instrucção. - O sr. Jayme Pinto faz diversas considerações ao apresentar alguns requerimentos. - Discursa o sr. Adriano Monteiro sobre a carta agricola e outros assumptos. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - É introduzido na sala o sr. deputado José de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral. - Falla o sr. Fialho Machado sobre a falasificação no azeite com o oleo de gergelim. - Responde o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Francisco Machado lamenta que o governo não tenha dado á camara explicações ácerca do conflicto da Povoa de Varzim, e falla ainda sobre outros assumptos. - Manda para a mesa uma proposta o sr. Aristides da Mota para que sejam aggregados á commissão de instrucção superior os srs. Luciano Cordeiro, Santos Viegas e Lourenço Malheiro. - O sr. Costa Pinto participa a constituição da commissão administrativa, e o sr. Mota Veiga, participa tambem a constituição da commissão de legislação civil. - Requer o sr. Costa Moraes, por parte da commissão de instrucção, a aggregação do sr. Jacinto Candido. - Participa o sr. Marcellino de Mesquita que se acha constituida a commissão de commercio e artes. - O sr. ministro das obras publicas respondendo ás observações que fizera o sr. Machado, é interrompido pelo sr. Eduardo Abreu. A réplica a este áparte levanta susurro na camara. No fim da sessão, porém, trocam-se explicações satisfatorias. - O sr. ministro da instrucção publica dá por parte do governo, algumas respostas ao que dissera sobre os acontecimentos da Povoa de Varzim e outros o sr. Francisco Machado.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 100 (bill de indemnidade), continuando e concluindo o seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Gabriel de Freitas. - Responde-lhe o sr. Elvino de Brito, que fica com a palavra reservada. - No final da sessão, depois das explicações trocadas entre os srs. ministro das obras publicas e Eduardo Abreu, o sr. Antonio Maria Cardoso participa a constituição da commissão da marinha, e o sr. Campos Henriqnes apresenta o parecer sobre a proposta do governo ácerca do imposto adiccional.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 57 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva, e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto do Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Carlos Roma du Bucage, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida; Eduardo Abreu, Eduardo de Jesus Teixeira, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Grabriel de Freitas, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco José Machado, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira; Joaquim Teixeira Sampaio, José de Alpoim de Sonsa Menezes, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Lima de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita e Pedro Augusto de Carvalho.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio José Arroyo; Antonio José Lopes Navarro, Antonio Alaria Jaldes, Antonio Costa, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Fernardino Pereira Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio, de Oliveira Junior, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Barreirado Amaral, Francisco José de Medeiros, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Frederico Ressano Garcia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João de Barros Mimoso, João Cesario de Lacerda, João Ferreira Franco Pinto Casttello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Germano de Sequeira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Elias, Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Maria Latino Coelho, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Affonso da
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510 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiro Chagas, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Victor da Costa Sequeira o Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Ennes, Antonio Maria Pereira Carrilho, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Bernardino Pacheco Alves Passos, Francisco de Almeida e Brito, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Cândido da Silva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José de Azevedo Castello Branco, José Frederico Laranjo, José. Luiz Ferreira Freire, José Maria de Sousa Horta e Costa, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz do Mello Bandeira Coelho, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Sebastião do Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Da camara dos dignos pares do reino, remettendo copia do requerimento apresentado pelo digno par Firmino João Lopes, com respeito á ultima eleição de um deputado pelo circulo de Mirandella.
Para a secretaria satisfazer o pedido.

Do ministerio do reino, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Luiz Bandeira Coelho na sessão de 31 de maio ultimo.
Para a secretaria.

Do ministerio da guerra, remettendo 180 exemplares das contas d'este ministerio, relativas á gerencia de 1888-1889 e ao exercicio de 1887-1888.
Para a secretaria.

Do mesmo ministério, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Francisco José Machado na sessão de 21 de maio ultimo.
Para a secretaria.

Do ministerio da marinha, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Augusto Fuschini na sessão de 16 do maio ultimo.
Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- Pela carta de lei de 13 de julho do anno passado foi concedido a D. Maria da Gloria Fernandes Mousinho da Silveira de Gouveia Canavarro a sobrevivencia da pensão que por carta do lei de 21 de junho de 1853 havia sido concedida a seu pae, o major reformado Pedro de Sousa Canavarro.
Tambem pela carta de lei de 9 de agosto ultimo foi concedido analogo beneficio á viuva do fallecido brigadeiro Antonio Cabral de Franca, e ás filhas dos mallogrados vice almirante José Joaquim Alves e contra-almirante Francisco Antonio Gonçalves Cardoso.
Deferindo estas pretensões, quiz o poder legislativo mostrar mais uma vez, a elevada consideração em que tinha os serviços prestados pelos beneméritos funccionarios que acabâmos do nomear.
Não foram menores, senhores, nem do inferior consideração, os serviços prestados pelo fallecido José Maria Xavier Telles, assistente do antigo commando em chefe do exercito, por occasião das campanhas da liberdade, e que motivaram a concessão á sua viuva D. Carolina Amalia Duval Telles, da pensão de 120$000 réis annuaes, por decreto de 2 de junho de 1860 e carta de lei de 11 de agosto do mesmo anno.
Em harmonia com os precedentes estabelecidos, poderiamos pi opor-vos a sobrevivencia da pensão que esta senhora recebe em sua filha unica D. Eulalia Duval Telles.
Não o fazemos, porém, como seria de rigorosa equidade, e limitâmo-nos a solicitar-vos que permittaes á referida D. Carolina Amalia Duval Telles desistir desde já da pensão que gosa a favor de sua filha D. Eulalia, que conta hoje trinta e seis annos.
Temos, pois, a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É concedida a D. Carolina Amalia Duval Telles, viuva do assistente do extincto commando em chefe do exercito José Maria Xavier Telles, a renuncia immediata em sua filha unica D. Eulalia Duval Telles, da pensão de 120$000 réis annuaes, a que tem direito pela carta de lei de 11 de agosto de 1860.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Camara, 3 de junho de 1890. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- Por decreto de 25 de outubro de 188S fora provisoriamente concedida á junta de parochia de Almoster, concelho de Santarem, a igreja do supprimido convento de Santa Maria de Almoster, para continuação do culto divino e séde da sua freguezia, e as casas situadas no pateo d'aquelle convento, para escolas de instrucção primaria e residencia parochial. A referida junta, em virtude da concessão alludida, tratou immediatamente de mandar executar as obras mais urgentes de que careciam os edificios cedidos, não só para conservação d'estes, mas tambem para os adaptar ao fim a que eram destinados.
Para que a junta de parochia de Almoster possa desafogadamente executar todos os melhoramentos de que ainda carece a igreja e o extincto convento, é indispensavel que lhe seja assegurada definitivamente a sua posse, motivo por que tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvada pelo poder legislativo e tornada definitiva, a cedencia provisoria feita á junta de parochia do Almoster, por decreto de 25 de outubro de 1888, da igreja e adro, do pateo e das casas que o circundam, para séde da freguezia, e para escolas do instrucção primaria e habitação do parocho e dos professores respectivos.
Art. 2.º Esta concessão ficará de nenhum effeito, revertendo as edificações concedidas, com os melhoramentos que lhe tiverem sido leitos á fazenda nacional se a junta de parochia lhes der uma applicação diversa d'aquella por que obteve a concessão.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Camara, 3 de junho de 1890. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A assembléa de Villa Chã, do circulo n.° 18 (Alijó), tem a sua séde, na povoação d'aquelle nome. Acontece, senhores, que a igreja matriz é extremamente pe-

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quena, não podendo conter a quarta parte dos eleitores da assembléa, o que embaraça consideravelmente a fiscalisação eleitoral. Por esta rasão e pela da freguezia de Carlão ser a maior de toda a assembléa, pois que excede o numero de quinhentos eleitores, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A séde da actual assembléa de Villa Chã, para eleição de deputado, no circulo e concelho de Alijo, é transferida para a freguezia o povoação de Carlão.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 4 de junho de 1890. = Antonio Teixeira de Sousa.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Artigo 1.° Os réus menores de vinte e um annos que, não tendo sido nunca condemnados, forem julgados por crime a que corresponda pena de prisão até tres mezes, com ou sem multa, só poderão ser condemnados condicionalmente.
Art. 2.° A condemnação condicional consiste em ficar suspensa a execução da pena pelo praso que o juiz determinar na sentença, e que nunca poderá ser inferior a dois annos nem superior a cinco annos.
Art. 3.° Se o réu, dentro do praso fixado na sentença, não commetter crime algum, considerar-se-ha como não proferida a sentença condeinnatoria, e se mandará archivar o processo, pondo-se-lhe perpetuo silencio.
Art. 4.° Se o réu, durante o praso fixado na sentença, commetter qualquer crime por que seja condemnado, accumular-se-ha a segunda pena á que tiver sido proferida na primeira sentença, e pagará as custas e sellos dos dois processos.
Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 26 de maio de 1890.= O deputado pelo circulo n.° 19, Barão de Paço Vieira (Alfredo).
Lido na mesa foi admittido e enviado â commissão de legislação criminal.

Projecto de lei

Senhores. - Por lei de 11 de junho de 1883 e pelo decreto de 21 de maio de 1884, foi concedido á camara municipal de Murça o edificio do convento d'aquella villa, para, feitas as restaurações e reparações necessárias, ali serem instaladas as repartições publicas.
Esta concessão, prorogada pela lei de 1 de julho de 1880, foi retirada em 24 de maio de 1889, com o fundamento de que as restaurações e reparações não haviam sido feitas dentro do praso marcado na lei. Eram justíssimos os fundamentos allegados para a referida concessão, que, beneficiando os povos do concelho de Murça pelo allivio nas contribuições mnnicipaes, em nada prejudicava o estado, pois que o edifício do convento, arruinado como estava, e ainda está em parte, renda alguma trazia para o thesouro publico.
Dentro do praso marcado na concessão, a camara municipal de Murça procedeu a obras importantes no edifício do convento, restaurando uma parte, onde hoje estão installadas as repartições da referida camara, a repartição de fazenda do concelho, e a de pesos e medidas; não pôde, porém, dentro do exíguo praso da concessão, restaurar todo o edificio para ali reunir todas as repartições, pelos motivos da falta de operários e dos limitados recursos financeiros do municipio.
Interessa immensamente aos povos do concelho de Murça e á boa ordem dos serviços publicos que todas as repartições sejam installadas no mesmo edifício; e por isso tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É concedida á camara municipal do concelho de Murça a parte do edifício do convento de S. Bento, que pertence á fazenda nacional, para, no praso de tres annos, proceder às precisas restaurações e reparações, a fim de ali serem alojadas as repartições publicas, sem prejuizo de quaesquer obras que o estado entenda fazer no quarteirão do Mirante, para serviço da igreja.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 3 de junho de 1890. = Antonio Teixeira de Sousa, deputado por Alijó.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - O grandioso pensamento da liberdade da terra, amplamente manifestado no decreto de 13 de agosto de 1832, que extinguiu os foros e mais direitos dominicaes impostos em bens da coroa, não póde ser mantido em toda a sua amplitude pela carta de lei de 22 de junho de 1846 - que interpretou as disposições d'aquelle decreto pela necessidade de resalvar os direitos adquiridos pelos donatários da coroa, fundados era contratos especiaes anteriores ao referido decreto.
Não ha, porém, justo fundamento para que deixe de ter realisação effectiva o principio a que nos referimos, nos casos em que os donatarios eram corporações religiosas, que se têem ido extinguindo, sendo os seus bens encorporados nos proprios nacionaes.
A extincção dos foros impostos nos bens do antigo convento de Almoster, comarca de Santarém, coutados por carta regia de El-Rei D. Diniz, com data de 1 de maio de 1336, foi muito controvertida e disputada entre os respectivos foreiros e as freiras d'aquella antiga congregação religiosa - que foi grande donatário da corôa - pretendendo os primeiros que os dominios directos tinham provindo do titulo generico a que allude o artigo 3.° da citada carta de lei, e por isso se deviam considerar extinctos, e os segundos que elles eram provenientes de contratos especiaes.
Fosse, porém, qual fosse a origem dos ditos foros, é sobremaneira conveniente, e até indispensavel, pôr termo á inquietação de tantas familias, declarando-se extinctos os dominios directos a que nos referimos, acto hoje tanto mais facil, quanto pela extincção do convento de Almoster é a fazenda nacional a sua successora em todos os seus bens, direitos e acções.
Por isso temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São declarados extinctos, por serem provenientes de titulo generico, embora convertidos em titulos especiaes, os foros impostos nos terrenos do extincto couto do antigo convento de Almoster, e os respectivos foreiros ficam isentos de toda a responsabilidade pelos foros vencidos e não pagos.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa, 2 de junho de 1890. = João Cesario de Lacerda = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal do concelho de Evora, pedindo que seja dispensada da inversão em fundos consolidados do theatro Garcia de Rezende, do pagamento dos impostas e das contribuições inherentes á acquisição gratuita e posse do mencionado edificio.
Apresentada pelo sr. deputado Adriano Monteiro, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Da camara municipal do concelho de Evora, pedindo lhe seja concedido um terço, pelo menos, dos capitaes alienados do convento de S. Bento de Castris d'aquella cidade, para o applicar a melhoramentos locaes, como quarteis, etc.

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512 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Apresentada pelo sr. deputado Luciano Monteiro, enviada á commissão de fazenda, ouvida a de guerra e mandada publicar no Diario do governo.

Dos empregados da secretaria do governo civil de Lisboa, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado Conta Pinto e enviada, á commissão de fazenda.

De uma commissão, em nome dos moradores do concelhos do Obidos, pedindo que se não approvem as propostas do lei que augmentam as contribuições actuaes.
Apresentada pelo sr. deputado F. J. Machado, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que me seja enviada copia da correspondencia trocada entre o commandante da canhoneira Açor, da fiscalisação aduaneira, e o commandante geral da guarda fiscal, relativamente ao contrabando nos Açores. = Francisco José Machado.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Pedro Romano Folgue, capitão de engenheria, pedindo que seja decretado que o supplicante entre na escala do accesso conforme a antiguidade que contava antes do decreto de 15 de abril de 1887.
Apresentado pelo sr. deputado Bocage e enviado á commissão de guerra.

Do Alfredo Paulino Marinho da Silva, amanuense da secretaria de estado dos negocios da marinha ultramar, pedindo que naja votada uma lei que conta para todos os effeitos ao supplicante o tempo que serviu no exercito como praça de pret.
Apresentado pelo sr. deputado Jayme da Costa Pinto e enviado á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que por motivos justificados não tenho podido comparecer a algumas das ultimas sessões. = Antonio Maria Jalles.
Para a secretaria.

O sr. Aristides da Mota: - Participo a v. exa. que a commissão do instruccão superior se constitui hontem, escolhendo para seu presidente o sr. Pinheiro (Chagas e a mim para secretario, havendo relatores especiaes.
O sr. Costa Pinto: - Mando para a mesa uma representação dos empregados da secrataria do governo civil de Lisboa, pedindo uma compensação pelos emolumentos que deixaram de receber por causa da abolição da lei das licenças.
Sr. presidente, já na sessão do hontem o meu prestimoso amigo Casal Ribeiro, que sinto não ver presente, se referiu á posição em que estes empregados estão actualmente.
Já no relatorio que precedia a proposta de lei apresentada pelo sr. Luciano de Castro á camara em 1887 se dizia o seguinte:
(Leu).
Effectivamente vieram as tabellas em vigor e aquelles empregados tiveram de pagar os direitos de mercê como se recebessem a taxa determinada para as licenças. É uma injustiça exigir-se d'esses empregados o pagamento de direitos de mercê por uma taxa que elles não recebem, porque as licenças foram abolidas em Lisboa, continuando comtudo a vigorar em todos os outros districtos.
Mando para a mesa a representação, que terá de ir às commissões de fazenda e do administração, reservando-me para n'essa occasião fazer algumas considerações sobre o assumpto de que ella trata.
Mando tambem para a mesa um requerimento do sr. Alfredo Paulino Marinho da Silva pedindo :
(Leu.}
(Vae na secção competente.)
Pela leitura d'este requerimento se vê que o supplicante tem rastro e por isso espero que se lhe faça justiça.
Como vejo presente o sr. ministro das obras publicas, chamo a attenção do s. exa. para um melhoramento publico que julgo inadiavel. Este melhoramento traz uma pequena despeza e por isso estou convencido que o sr. conselheiro Arouca se dignará attender a elle : refiro-me ao caes de Cacilhas.
Peço a s. exa. que mande proceder a um estudo sobre este melhoramento, e estou convencido que s. exa. achará justo o podido que lhe faço. (Apoiado.)
O sr. Bocage: - Mando para a mesa um requerimento do capitão de engenheria Pedro Romano Folque, que pi de para que seja declarado sem effeito o decreto que o collocou na inactividade e que depois seja reintegrado no logar que occupava na escala de accesso á data da publicação do decreto.
Peço a v. exa. se digne dar a este requerimento o devido destino.
(Vae no logar respectivo.)
O sr. Adriano Monteiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa algumas representações: Uma é da camara municipal de Evora, em que pede a esta camara para ser dispersada da contribuição de registo, por titulo gratuito, pela offerta que lhe fazem do theatro Garcia Rezende.
Como fundamento legal do pedido, apresento um projecto de lei que é assignado por todos os meus collegas d'aquelle circulo, tendente ao mesmo fira da representação; mau, como não desejo cansar a camara, limito-me unicamente a ler os artigos do projecto.
(Leu.)
Escuso de encarecer á camara a necessidade que ha de approvar este projecto, que é justo. A cidade de Evora não tem casa do espectáculos. Tem simplesmente uma praça de touros, construida ha pouco tempo, o que, na minha opinião, é um divertimento pouco civilisador.
Parece-me justificado o pedido da camara municipal de Evora, a exemplo do que PO tem feito, não digo a dispensa da contribuirão por doação (que é um caso raro), mas refiro-me á tolerancia do construcções de treatros á custa dos municipios e mesmo das juntas geraes e havendo até theatros com subsidios dados pelo governo; o theatro da cidade de Leiria foi construido com verbas dispensadas pela junta geral do districto, no mesmo caso estão o theatro da Figueira e o theatro na cidade do Funchal. A camara de Evora está em condições excepcionaes áquellas, não gasta real, vá e receber um theatro prompto a funccionar, e apenas pede para ser dispensada da contribuição».
Parece-me, repito, justo o pedido, e é com este fundamento que mando para a mesa a representação e o projecto de lei.
Sr. presidente, mando igualmente para a mesa uma outra representação da camara municipal de Evora, que pede para lhe ser cedida uma parto dos rendimentos do extinto convento de S. Bento de Castris. Este convento era muito rico, e dava, por consequencia, um grande movimento monetario em Evora; tinha de rendimento 12:000$000, o que corresponde a uma fortuna approximadamente a 300:000$000 réis.
A camara de Evora, sem offender a lei que estabelece que os rendimentos dos extinctos conventos seja applicada em parte para os hospitaes de alienados, pede para que

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seja dispensada para ella uma parte d'esses bens, a fim de mandar construir um quartel de infantaria.
Parece-me extraordinario que a cidade de Evora esteja pagando despezas que deviam estar a cargo exclusivamente do estado, paga a renda da casa onde habita s. exa. o general da divisão, primeiro commandante, paga a renda do edificio onde estão installados os tribunaes militares, e empresta o edificio do extincto celleiro, onde estão estabelecidas as repartições do quartel general.
Ora, parecia-me que, desde que o quartel general esta, por lei, em Evora, a camara municipal não tinha obrigação de pagar as rendas das instalações do quartel general, e realmente este estado de cousas existe ha muito tempo e foi condição vexatoria do regresso do quartel general para Evora.
Como v. exa. e camara sabem, em tempo (junho de 1880) deu-se um conflicto grave na cidade de Evora, e o quartel general passou, sem lei, para Extremoz; mas, em virtude da offerta da camara municipal de Evora, voltou para aquella cidade com estes encargos; em todo o caso parece me extraordinário que a camara municipal esteja a papar aquillo que não tem obrigação.
O exame da representação mostra que a camara de Evora despende com os edificios das installações militares superiores da quarta divisão militar a quantia de 320$000 réis, afora a impossibilidade de se servir do bom e solido edifício do extincto celleiro commum. E faz esta despeza para ter aquillo que a lei manda que tenha; portanto o pedido não é tão extravagante como á primeira vista pareceria.
E note-se ainda que a camara municipal de Evora, para se aquartelar parte da forca de infanteria, teve de transformar em caserna o dormitorio do extincto convento de Santa Catharina, gastando uma grande somma nessa obra.
Mando tambem pura a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos ao governo pelo ministerio das obras publicas.
Com respeito aos documentos que peço no meu primeiro requerimento, desejo que o sr. ministro das obras publicas preste toda a sua attenção ao assumpto a que elles se referem, porque é de justiça que, a exemplo do que se tern praticado em outras cidades (por exemplo Coimbra), se conceda á cidade de Evora a conservação e melhoramento do aqueducto Sertoriano, verdadeiro monumento antigo que ella tem, e que é necessario para o seu abastecimento de aguas potaveis.
No segundo requerimento peço uns documentos relativos á exposição agricola que se effectuou na avenida da Liberdade, (Leu a primeira parte do segundo requerimento.} porque desejo esclarecer os meus constituintes, que na maior parte são agricultores, «acerca das despezas que se fizeram com aquella festa de ostentação, que eu louvo como incentivo para melhorar os productos agricolas; mas é preciso saber a vantagem que se tirou em relação com essas despezas.
(Leu o n.° 2 do requerimento.)
Desejo tambem saber quaes os resultados que se tiraram do inquerito agricola, e se o governo, em virtude d'elle, tinha chegado á fixação da existencia da crise agricola, e se correspondeu á espectativa dos contribuintes.
Se o governo não tinha chegado ao conhecimento da existencia da crise agricola, não percebo o alcance que teve esta medida governativa, e muito menos a sua suspensão.
(Leu o n.° 3 do requerimento.)
Faço esta pergunta porque, desde que ha uma direcção geral dos trabalhos geodesicos, á qual pertencem as operações cadastraes, não me parece que seja absolutamente necessaria esta duplicação de serviços, com um pessoal enorme, para fazer a carta agricola, cuja mutabilidade é extraordinaria de um anno para o outro; porque todos sabem que não é possivel fixar, de uma maneira permanente, o valor de uma certa cultura. O que hoje vale dez, ámanhã póde não valer cinco; sobretudo pelo que respeita á cultura do vinho, e mesmo dos cereaes.
Desde que até operações cadastraes podem ser fundamento racional para a incidencia do imposto, eu desejo saber que alcance têem as operações cadastraes feitas na carta agricola, e se a commissão geodesica está dispensada de fazer essas operações, que eram da sua obrigação.
Eu tenho pouca auctoridade para fallar aqui, n'esta casa, onde não seu conhecido: mas tenho a honra de per engenheiro, e sei perfeitamente que as obrigações da commissão geodesica descem até ahi. Ella tem obrigação de fazer o serviço grande, de geographia, o serviço medio, de chorographia e o serviço minimo, de topographia e operações cadastraes. Para isso ha, não só uma cadeira especial de ensino superior na universidade e escolas polytechnicas, mas ha tambem uma cadeira especial de applicação na escola do exercito.
Desejava, pois, saber se é indispensável duplicar este serviço, creando uma commissão especial para fazer acarta agricola, que é nada mais e nada menos do que o conjuncto de operações cadastraes.
É possível que eu esteja em erro, nem com estas minhas perguntas desejo incommodar o governo, de quem sou amigo; mas careço d'estas informações para me esclarecer sobre este ponto de administração, que reputo importante.
(Leu o n.° 4 do requerimento.)
Eu explico a rasão por que desejo saber isto. Desde que vão ao estrangeiro entidades technicas para se habilitarem em especialidades, parece-me uma redundância estar a contratar especialistas estrangeiros; o que, pelo menos, significa que os de cá não têem competência para esses trabalhos. Parecia que era mais patriotico dar esse trabalho aos cavalheiros que foram habilitar-se no estrangeiro, do que lançar sobre elles a suspeita de incapacidade, que tanto vale o facto de chamar estrangejros para fazerem aquillo que os de cá poderiam fazer. É possível que n'uma ou n'outra especialidade seja preciso proceder assim; mas o que é facto é que os agrónomos ficam com a suspeita do que não estão á altura das suas funcções, desde que é preciso mandar vir especialistas estrangeiros, como são chimicos analystas, mestre de lagares, etc.
Eu sei, por exemplo, que veiu um analysta estrangeiro para um laboratorio chimico, como têem vindo outros para outras funcções. Não quero citar nomes, porque não desejo tornar acrimoniosa esta exposição, mas sei até que veiu um, que teve, depois, de ser retirado do seu logar, por não ter onde exercer a sua profissão, visto que appareceu primeiro o chimico do quis o laboratorio. E este acto fui de verdadeira cohonestação administrativa, porque realmente seria até uma immoralidade, que um estrangeiro, embora muito distincto, contratado por um ceito numero de annos, para exercer umas certas funcções, esse empregado nada fizesse.
Foi, pois, um bom acto que se praticou e em que, pelo menos, se mostra ter havido moralidade.
Não cito nomes nem indico o logar. Conto isto para fundamentar o meu pedido.
Ha aqui realmente despezas verdadeiramente luxuosas, que não correspondem a necessidades immediatas, nem se recommendam pelo seu resultado.
Comprehendia-se que se fizesse isto, se estivessemos numa situação desafogada; mas não estamos n'essa situação e a prova é que o ministro da fazenda vem pedir encargos ao paiz, para accudir ás despezas que não podem deixar de pagar-se.
Eis a rasão por que faço esta serie de perguntas, esperando que o illustre ministro das obras publicas, de quem sou amigo, e cujo talento admiro, reconhecendo a sua dedicação pela agricultura, tome tudo á boa parte, porque o meu desejo é apenas ser esclarecido, para poder ficar com-

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pletamente tranquillo. Póde ser que eu esteja era erro posso estar mal informado, o que não admira porque não vou às secretarias e não tenho, por isso, á mão todos os esclarecimentos que podem ser precisos para me elucidai numa questão d'esta ordem, que póde e deve ser complicada.
Desejava ainda referir-me a outro assumpto; mas, como não está presente o sr. ministro da guerra, peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando s. exa. comparecer.
O assumpto a que desejo referir-me diz respeito a lanifícios para fardamentos do exercito.
Leram-se na mesa os seguintes requerimentos:
Requeiro, pelo ministerio das obras publicas, e direcção geral das obras publicas e minas, os seguintes esclarecimentos relativos á obra do aqueducto Sertoriano de Evora:

Aqueducto.- 1.°: a) comprimento do aqueducto reconstruido;
b) custo exacto por metro corrente;
c) encurtamento realisado na parte reconstruída;
2.°: a) comprimento do aqueducto para reconstruir; b) custo provavel por cada metro corrente; c) encurtamento prosravel depois de rectificada a directriz ; d) em especial, comprimento da grande arcada entre S. Bento e os muros da cidade; c) custo provável das reparações a fazer nesta parte monumental do aqueducto ;
3.°: indicação se póde ser reduzido o typo do perfil transversal do encanamento desde Metrozos para montante até á origem (Graça).
Nascentes. - 4.°: a) quaes as nascentes melhoradas; b) quaes as nascentes por melhorar; c) custo das primeiras e despeza provavel das segundas; d) se será possível fazer novas captagens de aguas e qual será, em estimativa, o seu custo;
5.º: a) comprimento dos encanamentos parciaes reconstruídos; b) seu custo por metro corrente; c) encurtamentos provaveis depois de melhoradas as directrizes;
6.°: a) comprimentos dos encanamentos a reconstruir; b) custo provável por cada metro corrente; c) encurtamentos prováveis depois de melhoradas as directrizes;
7.° Duração provavel (mínimo grupo) das obras, attendendo a este questionário, aos bons preceitos technicos e às mais convenientes condições económicas.
Sendo possivel que alguns pontos deste questionário não tenham resposta rigorosa, é indispensável conhecer a estimativa geral da obra, detalhadamente, para o fim que me proponho, pedindo estes esclarecimentos. = O deputado, Adriano Monteiro.
Requeiro (como detalhes do meu requerimento apresentado n'esta camara, em 21 de maio ultimo) me sejam dados, pelo ministerio das obras publicas, direcção geral da agricultura, os seguintes esclarecimentos de despezas especiaes:
1.° Nota da despeza exacta feita com a secção agricola da exposição industrial da Avenida da Liberdade;
2.° Lista do pessoal empregado e da despeza feita com o inquérito agricola e quaes as vantagens tiradas d'elle e rasões por que foi suspenso;
3.° Lista do pessoal empregado e da despeza feita com a carta agricola, qual a natureza, vantagens e estado das operações cadastraes effectuadas;
4.° Lista nominal dos individuos que foram auctorisados pela direcção geral da agricultura a ir ao estrangeiro, para qualquer fim durante a ultima exposição universal de Paris, indicando-se qual foi o subsidio que cada um recebeu, alem dos seus vencimentos ordinários, e bem assim os relatorios que apresentaram. = O deputado, Adriano Monteiro.
Mandou-se expedir.
O sr. Presidente: - Convido os srs. Francisco Medeiros e Julio de Moura a introduzirem na sala o sr. deputado Alpoim, para prestar juramento.
O sr. deputado José Maria de Alpoim de Cerqueíra Borges Cair ai foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Ouvi com toda a attenção as considerações apresentadas pelo illustre deputado o sr. Adriano Monteiro, bem como a nota que s. exa. pediu, dos esclarecimentos pelo ministerio a meu cargo. Se s. exa. se tivesse limitado a pedir esclarecimentos pelo ministerio das obras publicas, eu julgar-me-ía dispensado de responder, visto que o pedido de documentos não obriga, por maior que seja a consideração do governo para com a camara, a dar a esse respeito quaesquer explicações; mas como o illustre deputado acompanhou o seu pedido com algumas considerações, eu, por deferencia especial para com s. exa., entendi que devia já responder aquillo que posso responder.
Referiu-se s. exa. às despezas feitas pelo ministerio das obras publicas com o inquérito agricola, carta agricola, analystas estrangeiros, despezas com exposições, etc.
Como v. exa. e a camara sabem esses actos nilo silo da responsabilidade do governo actual.
O sr. Adriano Monteiro: - Perfeitamente. Foi essa, mesmo essa a minha intenção, ao fazer estas perguntas.
O Orador: - Quero aproveitar esta oocasião para dizer a v. exa. e á camara que, pelo facto de estar nos conselhos da coroa, não mudei de opinião. Não penso agora de uma forma differente d'aquella como pensava dantes. Com bati muitos desses projectos por entender que eram inopportunos e despendiosos, e em relação a muitos d'elles mantenho a mesma opinião que tinha quando me sentava d'aquelle lado da camara. (Indicando as cadeiras da opposição.)
A minha lealdade e o meu dever de ministro obrigam-me, comtudo, a dizer, a s. exa. e á camara, que na execução desses projectos encontrei uma tal solicitude da parte dos empregados, um tal cuidado e attenção, que regatear-lhes os elogios devidos seria uma immerecida injustiça.
A verdade é que eu percorri alguns dos estabelecimentos do estado, - estabelecimentos que combati, porque entendi que não se deviam crear por aquella forma e n'aquellas localidades, - e encontrei da parte de todo o pessoal escolhido a maior boa vontade, a maior solicitude e o maior cuidado no exacto cumprimento dos seus deveres.
Isto quer dizer que, se combati a orientação, não posso deixar de defender as pessoas que, encarregadas deste acto, o cumpriram por uma forma tão digna de elogio, tão merecedora de se considerar verdadeiramente excepcional.
O illustre deputado fez algumas considerações para saber o estado do inquérito agricola.
S. exa. sabe que este inquérito foi realisado durante a gerencia do governo transacto. Questões do ordem publica, que não são desconhecidas do illustre deitado e da camara, obrigaram o governo de então a suspender as operações do inquérito em alguns concelhos.
Os trabalhos que ficaram suspensos estão-no ainda hoje, e eu já pensei, de accordo com a direcção geral de agricultura, na maneira de remediar o inconveniente que isto trazia para o estado, estudando o meio de aproveitar estes trabalhos, ainda que muito incompletos.
O desejo de não levantar attritos, como os que anteriormente se deram, é a rasão que tem levado o governo á demora em aproveitar os trabalhos que ainda não estão concluídos; mas em relação á parte que se chegou a realisar, os trabalhos estão a imprimir e brevemente poderão ser publicados.
Com relação ao que o illustre deputado disse sobre a carta agricola, não posso responder com largo desenvolvimento, porque esse assumpto levaria muito tempo, e parece-me que antes da ordem do dia não seria muito opportuno; portanto não posso discutir agora se haverá ou não conveniência em entregar a confecção da carta agricola á commissão geodesica, que é dirigida por um general e

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composta por cavalheiros muitos distinctos que sabem cumprir o seu dever; (Apoiados.) mas o que é certo é que os trabalhos da carta agricola são tambem dirigidos por um militar que com uma excepcional aptidão os tem encaminhado.
Os seus trabalhos são primorosos e estão muito adiantados, e eu, dizendo isto, não faço mais do que justiça. (Apoiados.)
Se eu tivesse de organisar este serviço, talvez o montasse por forma diversa; mas o que é certo é que eu encontrei os serviços organisados, e não posso deixar de louvar a maneira como elles estilo sendo cumpridos.
Com relação aos analystas estrangeiros, tenho de repetir as mesmas considerações. Não fui eu que os mandei vir; mas o que é certo é que alguns dos cavalheiros que estão á testa das estações chimico-agricolas e que trabalham nas analyses, são empregados de um excepcional merecimento, e uma vez que estão contratados em Portugal, conveniente é aproveital-os, porque elles podem prestar grandes serviços á agricultura, - e s. exa. sabe perfeitamente que a formula hoje conhecida, e talvez incontestável, de se poder adquirir uma orientação verdadeira das culturas que é conveniente applicar em uma região com os adubos de que uma terra necessita, são evidentemente as analyses chimicas.
Não é porque nós não tivessemos alguns cavalheiros de merecimento e de competência; mas o que é certo é que não estavam muito habituados a esta ordem de trabalhos, e mesmo porque não havia o numero sufficiente para os distribuir por estes labores especiaes.
Quando se organisou o serviço agricola e se dividiu o paiz em doze regiões agronomicas, com agronomos, com chefes de região, com subalternos e com regentes agricolas, havia pessoal escasso para o poder pôr á testa d'essa organisação; por consequencia o governo de então aproveitou a auctorisação que a lei lhe concedia, para mandar vir os analystas.
Se fez bem ou mal em mandar vir tantos, não é agora o momento opportuno para o discutir; o que é certo é que são homens de verdadeiro merecimento e que rios podem prestar muitíssimos serviços. (Apoiadas.) Uma vez que estão contratados, o actual governo não tem outra cousa a fazer senão manter o compromisso tomado pelo governo anterior, porque constituo não só uma obrigação moral, mas ao mesmo tempo uma obrigação juridica, que é forçoso manter e respeitar.
Logo que seja possivel serão mandados os documentou que s. exa. pediu, e digo, logo que seja possível, porque ha effectivamente documentos, pedidos por uma e outra casa do parlamento, tão numerosos e variados que, francamente, não chego a saber como a repartição poderá dar cumprimento a todos elles.
Comtudo entendo que o paiz precisa saber o que se passa em obras publicas, em agricultura, commercio, industria, telegraphos e pharoes, desde 1878 para cá, por isso desejo apresentar á camara um relatorio que seja orientação segura, principalmente desde 1878 até hoje, e onde o paiz possa ver quanto só tem gasto nos diversos ramos que constituem a administração do ministerio das obras publicas.
Será esse o meio de se apreciar como o dinheiro ali tem sido empregado. Encarreguei d'esse trabalho os empregados das repartições competentes, anfitorisamlo-os até a fazerem serões extraordinarios, porque o periodo de 1878 a 1890 é muitíssimo largo e obriga, por consequencia, a um trabalho muitissimo violento.
Não sei se poderei ainda apresentar nesta sessão esse relatorio, ou se só o poderei trazer aqui na sessão seguinte. O que é certo é que os empregados estão com este trabalho, mas ao mesmo tempo occupados com os documentos pedidos pelos illustres deputados, e por mais boa vontade que haja, será difficil, em pouco tempo, satisfazer a taes pedidos. Repito: não sei quando poderá ser satisfeita a requisicão dos documentos, mas logo que sejam presentes á camara, e s. exa. quizer, teremos occasião de occupar-nos d'este assumpto, e eu darei ao illustre deputado e á camara as explicações que tiver por necessarias. (Vozes: - Muito bem).
Já que estou com a palavra direi ao illustre deputado e meu amigo o sr. Costa Pinto que vou mandar estudar a questão da doca de Cacilhas.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Fialho Machado: - Cabe-me a palavra neste momento, depois de ouvir com muito prazer o sr. ministro das obras publicas.
Fez s. exa. declarações de tal ordem que, sendo verdadeiras, como não podem deixar de ser, a agricultura vae prosperar muito se, como nos affirmou s. exa., o paiz está cheio de pessoal technico encarregado de dar um grande desenvolvimento á agricultura.
Tenho a declarar a s. exa. que pertenço a uma zona essencialmente agricola, mas que ainda não chegou lá o mais pequeno influxo benéfico desse grande pessoal, desse grande estado maior que se creou para favorecer a agricultura. E porque me interesso pela causa da agricultura que pedi hoje a palavra, e estimo que ella me coubesse, estando presente o sr. ministro das obras publicas, porque quero chamar a attenção de s. exa. e do governo para um assumpto de que já tive occasião de occupar-me nesta camara.
Pedi ha tempo uma nota desenvolvida das quantidades de sementes de gergelim que tinham sido importadas para consumo, tanto no anno passado como nos raezes decorridos este anno.
Não quero apreciar a demora que houve entre o pedido e a resposta que a elle foi dada. Recebi hontem um officio do sr. secretario geral das alfandegas, conselheiro Ferreira de Mesquita, em que se me diz que essa nota não póde ser fornecida, pois que na alfandega não são despachadas em separado a» sementes de gergelim.
Ora, sr. presidente, eu declaro a v. exa. e á camara que esperava (o com toda a franqueza o digo) que o governo tivesse já providenciado por forma differente e mais energica para acabar com os abusos que se estão dando com respeito á adulteração do azeite de oliveira.
Mando para a mesa uma nota, e espero que v. exa. empregue toda a diligencia para que o pedido que n'ella faço seja satisfeito com a maior brevidade. N'esta peço que se me diga quaes as sementes oleosas não especificadas que têem sido despachadas no período referido.
Tenho informações de que se têem importado sementes oleosas numa escala enormissima, e que d'essas sementes se extrahe o oleo, como na companhia união fabril. Informam-me tambem que entra desaforadamente por contrabando, principalmente pela alfandega de Elvas, uma quantidade enormissima de azeite hespanhol, e que pela ria, em cuja área eu habito, se faz em larga escala a importação de azeite da mesma nação, que é depois fornecido ao publico como azeite portuguez.
S. exas. com prebendem bem o prejuízo que dahi resulta para o publico em geral e em especial para a classe agricola. E preciso, n'esta occasião em que não vão lançar sobre todos os proprietarios pesados e graves tributos, que o governo mostre clara, positiva e terminantemente estar na disposição de cortar todos os abusos que defraudam a propriedade.
É preciso que a fiscalisação seja bem exercida e não estejamos, como eu presenciei ainda hontem, pondo tropeços impossíveis e inqualificáveis a quem quer ir livremente de um para outro ponto do paiz. Hontem, sr. presidente, para chegar a Lisboa, vindo de minha casa, tive que deixar revistar por duas vezes a minha bagagem. Lima á saída e outra á entrada! A mala simples, que trazia com objectos de vestuario, foi revistada por duas vezes, como disse, por.

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que tenho a infelicidade de estar vivendo dentro de uma a area a que se chama zona fiscal.
Ali ha todo o cuidado, todo o escrupulo para evitar que passe 1 onça de tabaco, mas deixa-se a raia completamente desguarnecida, entrando porções e porções formidaveis de contrabando!
Ora, quando se denunciam factos d'esta ordem, quando é publico e notorio que um genero, como este, de primeira necessidade, está sendo adulterado por uma forma tão extraordinaria e tão prejudicial para a saude publica; quando ha informações claras e positivas de que por toda a parte vem o azeite estrangeiro fazer concorrência ao producto nacional, eu entendo que o governo tem a obrigação indeclinável de providenciar por qualquer forma, ou, ao menos, por um acto enérgico, fazer cessar o motivo a estas reclamações justas que por toda a parto se estão levantando.
Por ora nada mais digo. Peco a nota desenvolvida de todas as sementes oleosas que têem sido despachadas, tanto no anno passado como nos mezes decorridos d'este anno, e depois d'ella vir e de ou poder apreciar até que grau se tem feito a importação e ate onde tem chegado a adultera cão e viciação d'este producto, que e uma das fontes de receita da nossa agricultura, mais desenvolvidamente tratarei do assumpto, porque, apesar de não ser muito conhecido n'esta camara, v. exa. conheço me perfeitamente para saber que, d'esde que eu tomo a peito qualquer assumpto, não largo mão delle sem o ver completamente resolvido.
Aguardo a resposta do sr. ministro.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Eu commuuican:i ao meu colleya da fazenda aã observações feitas pelo illustre deputado e meu amigo o sr. Fialho Machado, a propósito do contrabando que s. exa. diz fazer-se pela alfandega de Elvas e pela raia próxima a Moura.
O illustre deputado chama a attenção do governo, e com muita rasão, para a questão da falsificação do azeite; iças as providencias que o governo tomar não podem ser tão rapidas como s. exa. deseja.
Esta questão chegou ao conhecimento do governo ha talvez quinze dias ou tres semanas. É indispensável proceder a averiguações e combinar-te a forma pela qual se póde obstar a esta falsificação sem prejiiizo de outras industrias, para as quaes é necessario o tal oleo de gergelim.
Já ha poucos dias, em conversa particular com o sr. José Julio Rodrigues, tive eccasiào do fallar sobre este assumpto e de ouvir as minuciosas observações que s. exa. me fazia. Fallei com o meu collega da fazenda e encarregámos alguém de estudar esta questão, a fim de nos habilitar a poder resolver o assumpto, para o qual tão instantemente se chamava, a attenção do governo.
S. exa., porém, comprehende que em casos d'esta importancia, que prendem com outras industrias, tão é possivel, por mais boa vontade que o governo tenha, resolver alguma cousa em dez, doze ou quinze dias. O que posso asseverar é que o governo tem a melhor boa vontade não só de cortar o abuso que se dá nesta questão, mas de cortar com todos os abusos. Todas as vezes que algum membro d'esta camara chame a attenção do governo para assumptos de maior ou do menor gravidado, podo ter a certeza de que a nossa intenção será resolver com desejos de acertar. (Apoiados.)
O que se póde exigir é que esse trabalho se faça tão rapidamente como seria para desejar, porque o que era para. desejar seria que, quando o abuso se desse num dia, logo fosse cortado no dia seguinte.
Com respeito á prohibição da entrada do gergelim, se for essa prohibição prejudicar outras industrias, como se ha de resolver precipitadamente? (Apoiados.)
Estas são as informações que tenho e que me foram dadas pelo sr. José Julio Rodrigues, e appello para s. exa. para que elle diga se a prohibição da entrada do gergelim póde ou não prejudicar as outras industrias, (Apoiados.)
Uma voz: - A do sabão, por exemplo.
Orador: - Eu firmo me na opinião do sr. José Julio Rodrigues, que é insuspeito, porque alem da sua auctoridade é deputado da opposição.
Bastava que um illustre deputado chamasse a attenção do governo para a falsificação do azeite, e lhe mostrasse que era necessario ter toda a cautela nas medidas a tomar, porque havia outras induzirias que podiam ser prejudicadas, para que o proceder do governo tenha do ser medido com toda a cautela.
O governo occupa-se do assumpto, porque deseja dar satisfação ao parlamento e ao paiz. E necessario, porém, estudar a forma pratica de tomar quaesquer providencias, sem inconveniente.
O illustre deputado não póde deixar de concordar que o governo tom de proceder com prudência e cautela, porque, para se dar satisfação á agricultura, que é muito respeitável, não se devem ir prejudicar outras industrias, tambem respeitáveis. A nossa obrigação é acautelar os direitos adquiridos d'aquelles que empregaram os seus capitães em qualquer industria.
Eu posso affirmar ao illustre deputado que o governo se occupa d'este assumpto, e que tanto eu como o meu collega da fazenda não teremos duvida em acceitar quaesquer informações, e a boa vontade e cooperação do illustre deputado, para a boa solução do assumpto.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, tarde me chega hoje a palavra para tratar dos assumptos importantes e de maior interesse publico. No emtanto, aproveitarei o pouco tempo que falta para se entrar na ordem do dia e começarei pelos lamentáveis acontecimentos que tiveram logar na Povoa de Varzim.
Lamento que o governo não tivesse já vindo explicar á camara qual a origem dos acontecimentos que ali se deram e qual a culpabilidade que as suas auctoridades tiveram nesses acontecimentos.
Eu, deputado por um circulo em que ha uma terra de pescadores, tenho obrigação de defender aquella classe benemérita, e entendo que o governo devia tambem defendel-a, em logar de empregar todos os meios de a esmagar.
Sr. presidente, o governo devia já ter vindo dar conta á camara da maneira como os factos se passaram, e mostrar que reprova como reprovou todo o paiz, aquelles acontecimentos tão desgraçados e tão pungentes, mas o governo em vez de lamentar as desgraças que todos deploramos, parece que até se regosija com ellas, para mostrar que tem força e que com elle não se brinca.
Mas infelizmente brinca-se com a vida de nossos irmãos e derrama-se o seu sangue!
Sr. presidente, não é novo este systema, porque é adoptado pelo governo. Com os desgraçados mostra-se arrogante, e com os fortes humilha-se.
Todos sabem o que o governo faz. E esmagar o povo, sangrando-lhe as veias para lhe ir buscar o sangue; o sangrando-lhe os bolsos para lhe ir arrancar o dinheiro. (Apoiados.)
Depois dos fuzilamentos os impostos; depois do sangue o oiro para continuar nos esbanjamentos, que lho são habituaes.
A minha voz, porém, ha de levantar-se aqui, para stigmatisar este procedimento barbaro, iniquo e improprio do nosso tempo e para defender os pobres filhos do povo, aquelles que trabalham dia a dia para ganharem o pão para suas famílias.
Terei assim cumprido o meu dever, embora isso cause riso ao governo e aos seus amigos.
Fuzilar uns desgraçados só porque traziam num barco de pesca, se é que traziam, umas poucas de boinas, é um stigma terrivel que ha de recair sobre as cabeças dos srs. ministros.
Em Peniche mandam se arrancar as armações que estavam estabelecidas com licença, porque os maritimos e pro-

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prietarios das armações não quizeram dar o voto ao governo, ficando muitos pescadores sem terem onde ir pescar, onde ir ganhar o sustento das suas familias; na Povoa de Varzim são os pescadores fuzilados!
Esta é que é a caridade do governo, estes é que são os processos dos ministros. (Apoiados.)
Por isso eu levanto aqui a minha voz com a energia que possuo, pugnando por aquelles infelizes, que procederam talvez com alguma irreflexão quanto a contrabando, mas que a final foram victimas dos processos prepotentes do governo. (Apoiados.)
Emquanto em Obidos não podem sair á rua aquelles que votaram livre e independentemente, que votaram conforme a sua consciência e vontade, e, emquanto em Peniche se arrancam as armações, aliás estabelecidas com licença, como já disse, não tendo muitos pescadores onde ganhar o pão para sustento das suas familias, por não terem onde ir pescar; na Povoa de Varzim são os pescadores assassinados porque traziam nos seus barcos uns chalés para suas mulheres se abafarem no inverno!
Eu protesto com todas as minhas forças contra estes factos, (Apoiados.) e peço ao governo que venha quanto antes á camara dar conta do seu procedimento, e da maneira como se passaram os acontecimentos que levaram á sepultura umas poucas de pessoas, enluctaram muitas familias e encheram do consternação uma povoação inteira.
N'um paiz em que os grandes contrabandistas ricos passeiam livremente pelas das da capital, com os processos archivados nos armarios dos ministerios, e a este respeito alguma cousa póde dizer o sr. ministro da fazenda, como é que se mandam fuzilar uns desgraçados que traziam, ou não traziam, meia dúzia de objectos classificados de contrabando a bordo de um bote!
Isto é um facto que faz doer o coração. Eu, como já disse, sou deputado por um circulo que tem muitos individuos pertencentes á classe dos pescadores. Sei bem o que elles soffrem para adquirirem o pão de cada dia.
Adquirem-no com risco constante da vida. (Apoiados.) Nem sempre imaginam o perigo a que estão sujeitos diariamente para poderem arrancar ao mar os seus parcos meios de subsistencia.
Não se devia, portanto, fazer isto, porque o sangue portuguez deve ser por nós respeitado, e porque não é a tiro que se liquidam estas questões. (Apoiados.) Num paiz em que não ha pena de morte para os criminosos, não se deve matar gente por que traz um chalé e meia duzia de lenços de contrabando.
O que eu admiro é que o governo se mostre socegado, e com ares de riso, e não tenha uma palavra para vir dizer ao parlamento que lamenta estes acontecimentos.
No outro dia o meu amigo e collega n'esta casa, o sr. Alberto Pimentel, como deputado pela Povoa de Varzim, lamentou profundamente estes tristes factos. Eu lamento-os igualmente, e lamento-os tanto mais que não posso deixar de dizer que elles são o fructo dos processos do governo. Em toda a parte se sabe que os amigos do governo têem licença para cacetear e bater á sua vontade nos que não são da grey. (Riso. - Apartes.}
Não se riam, porque esta é a verdade. Diz-se aos amigos do governo que batam á vontade, porque não terão castigo algum, porque ficarão impunes! Diz-se-lhes: batam, porque, se houver alguma cousa, nós cá estamos para os defender. (Apoiados.)
E assim, se no meio de uma onda de gente é preso um indivíduo que se reconhece ser amigo do governo, a esse individuo nada acontece porque é logo posto em liberdade Ainda no outro dia em Obidos um indivíduo escapou de ser preso por este processo. Disse: não me prendam, por que sou creado de um regenerador e tanto bastou para fosse logo solto!
Os policias e a força publica sabem que nada podem fazer para agradar ao governo, como trucidar os que lhe suo adversos, por isso abusam, por isso commettem toda a sorte e atrocidades que chegam até ao fuzilamento dos infelizes marítimos da Povoa de Varzim.
Um jornal do Porto, a Provinda, chegado esta manhã, Lisboa, diz a este respeito o seguinte:
«Hontem, pelas quatro horas da tarde, chegou uma lanha a esta praia, vinda do norte; e, como de costume, a guarda fiscal saltou dentro para proceder á busca do contrabando. Como os guardas encontrassem dentro um chaile, algumas carapuças, boinas e não sei que mais, trataram de scavacar as cavernas do barco, ao que os pescadores resistiram, e dahi se originou o tumulto. O local onde se deu conflicto fica próximo da alfandega; e como os guardas estivessem desarmados, correram a buscar as armas, vindo e reforço mais alguns companheiros, que começaram logo fazer fogo.
«O resultado de tão brutal aggressão, foi haver seis mores o quinze feridos! Notando-se que a guarda perpetrou esses verdadeiros assassinios, depois de já estar sã e salva a casa da alfandega, do cujas janellas continuou a fazer agora!
«Damos em seguida os nomes dos pescadores mortos: Mathias Pereira Marques, casado, de vinte e quatro annos, a rua dos Favais; deixa mulher e um filho.
«Manuel d'Assumpção dos Santos Graça, casado, de trinta e oito annos, da rua dos Ferreiros; deixa viuva e quatro filhos.
«Filippe Fernandes Cazeira, solteiro, de vinte e um annos, da rua da Boa Vista.
«Antonio Francisco da Costa, casado, de vinte e seis annos, da rua do Ramalhão; deixa mulher no seu ultimo periodo de gravidez e uma filha.
a Francisco Rodrigues Maio, dezoito annos, solteiro, da rua do Carvalhido.
a Alem destes, ha outros cujos nomes não podemos obter.»
Portanto, estes processos, que ha pouco apresentei e que originaram os fuzilamentos da Povoa de Varzim, porque a orça publica muitas vezes não tem o criterio sufficiente, principalmente quando não é bem commandada, para recorrer a um certo numero de processos e a um certo numero de medidas, que por esta forma não podem admittir-se emquanto que applicadas com acerto e cordura dariam resultados satisfactorios e bom mais profícuos.
Entre os individuos fuzilados ha um que é filho do arrojado pescador Maio, que todos de certo, sabem ser emulo e companheiro do patrão Joaquim Lopes na coragem e valentia, arriscando a sua propria vida para salvar a do seu similhante em perigo e envolto nas ondas encapelladas do oceano.
Pois, sr. presidente, este benemérito, este heroe, que foi ha alguns annos condecorado por Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I na sua viagem ao Porto, com a medalha de oiro de philantropia e generosidade, depois de ter prestado tantos serviços ao seu paiz, salvando da morte dezenas de pessoas, vê agora, repito, fuzilarem-lhe seu filho, porque se dizia trazer contrabando a bordo do seu batel!
Simplesmente doloroso!
Protesto em nome do povo portuguez e da dignidade de nós todos, contra este processo de fiscalisação aduaneira seguido pelo governo. (Apoiados.)
Fica lavrado o meu protesto, e os srs. ministros, se continuarem com este systema, contem que o sangue portuguez ha de salpical-os e só então é que talvez vejam o espectro d'aquelles que foram fuzilados por sua causa.
Desejava ainda fazer algumas perguntas ao governo; desejava que o sr. ministro da instrucção publica me dissesse, se já está resolvida a pendência existente entre a. exa. e o seu collega da fazenda ácerca da propriedade de alguns conventos extinctos.

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Peço a s. exa. que tome nota desta minha pergunta para logo que possa, dar-me as informações que desejo.
Desejo tambem que alguns dos srs. ministros presentes me respondam a uma outra pergunta, visto que não está nesta casa o sr. ministro da fazenda.
Desejava saber se os contratadores do ultimo empréstimo de Paris pagaram a prestação vencida em 1 õ de maio, conforme determina o artigo 2.° do contrato feito com o banqueiro Ephrussi.
Desejava saber tambem se o sr. tenente Cordon recusou ou não o habito da Torre Espada, com que foi agraciado ultimamente, e sendo certa a recusa, qual a rasão em que aquelle distincto official a fundamentou.
Parece que se está condecorando aquelles benemeritos exploradores portuguezes, que prestaram relevantes serviços em Africa, a medo; parece que as condecorações que se estão dando a esses distinctos officiaes têcm sido concedidas a capucha, dizendo-se já, baixinho, que é com medo de que a Inglaterra venha a offender-se.
Oh! sr. presidente, ao passo que isto succede entre nós, vemos todos, que a Inglaterra galardeia com a maior publicidade e apparato e sem receio algum de nos desagradar, galardeia, repito, o seu ministro nesta corta dando-lhe ha poucos dias, duas distincções importantes como é o titulo de ser, porque aquelle diplomata tanto suspirava, e a nobilíssima ordem de S. Jorge, que poucos dos seus collegas possuem. Deve notar se que este diplomata foi o que notificou ao nosso governo o ultimatum de 11 de janeiro e que ainda se acha entre nós ! Preciso, pois, ser informado da rasão por que não foram concedidas as condecorações que se deram áquelles illustres officiaes, todas ao mesmo tempo e por um só decreto; porque no meu modo de ver, todos praticaram actos heróicos o dignos da mais elevada consideração de nós todos.
Têem, porventura, s. exa. medo da Inglaterra? Eu não, prefiro morrer, a ter de viver coberto de ignominia! Desejo mais saber qual o motivo por que não foram ainda condecorados o tenente João Coutinho de quem o sr. Serpa Pinto se tem feito enthusiastico Plutarcho, e Álvaro Castelões que parece ter de fica eternamente no seu exilio involuntário da índia.
Fallo unica e simplesmente em meu nome, toda a responsabilidade é simplesmente da minha pessoa, não tenho procuração do meu partido para fallar neste ponto, e portanto se nas minhas palavras houver alguma, que possa ser menos conveniente, eu respondo só por ella; o compromisso é só para mira.
Portanto, lamento que sigam este processo; que se tenha vergonha de condecorar aquelles que prestaram serviços relevantes, que o governo conhece como beneméritos da pátria e que arriscaram a sua vida na África, emquanto que o ministro inglez nesta corte foi ha poucos dias honrado com duas distincções importantes, com a nobilíssima ordem de S. Jorge, que poucos diplomatas inglezes possuem, e o titulo de sir!
Lamento que se esteja a condecorar os nossos distinctos officiaes um agora, outro d'aqui a um mez, outro quinze dias depois, para encobrir, para que não conste lá fora, com medo que a Inglaterra venha exigir de nós, que não se condecore os nossos beneméritos officiaes!
Já que estou a fallar n'este assumpto, permitta-me v. exa. que faça tambem uma pergunta ao governo.
Uma noticia publicada no Dia de hontem á noite diz o seguinte:
«O confticto com a Inglaterra. - Continuam a chegar más noticias ácerca do estado das negociações de Portugal com a Inglaterra. Assim, o Temps, de Paris, escreve:
«Fallando do litigio anglo-portuguez, o Standard declara que o governo da minha recusar-se-ha a admittir, mesmo como simples elemento de discussão, as extravagantes pretensões territoriaes de Portugal.
A experiencia que fizemos drvs arbitragens - continua o jornal inglez, - não foi animadora; por amor á paz estamos dispostos a fazer grandes concessões, especialmente a um estado fraco e desorganisado, que deve a sua existencencia á Inglaterra (!) Todavia, não podemos hypothecar o futuro da África e os nossos interesses nesse continente para lisongear a vaidade ignorante da portuguezes.»
É lamentavel que depois dos acontecimentos que se deram, depois do governo ter subido ao poder unica e exclusivamente para regular o conflicto inglez, estejamos constantemente a ser insultados e que os representantes do paiz não tenham uma noticia só quer que lhes possa mostrar o que tem feito para nos desaffrontar. Que esperança temos nós de sair deste estado de cousas? Não podemos saber absolutamente cousa nenhuma, o governo não dá conta aos representantes do paiz da maneira como tem procedido! Mas parece que vae sendo já tempo de sabermos o que o governo tem feito e que solução terá o conflicto aberto entre nós e a Inglaterra.
A anciedade do paiz e grande e não póde estar tranquillo, nem socegado nem confiante no governo; póde haver uma explosão que subverta a nós todos e então será tarde para darmos remédio aos males que nos affligem.
Relativamente a este assumpto melindroso, não desejo por ora alongar-me em mais considerações, mas antes de terminar desejo ainda fazer uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas. Desde o dia 23 de maio que estou para fazer esta. pergunta a s. exa., mas quando tenho a palavra não está s. exa. presente, e quando s. exa. está presente, não tenho eu a palavra. Felicito-me por ver nesta occasião presente o sr. ministro das obras publicas.
O Diario do governo de 23 de maio d'este anuo diz o seguinte :
«Para conhecimento das repartições, tribunaes e auctoridades a quem pertencer e das partes interessadas se declara para os effeitos legaes que em portarias datadas de 31 do corrente se effectuaram os seguintes despachos:
«Passando a categoria de 2.ª classe a estação telegrapho-postal de Cintra, sendo nomeado chefe da mesma estação o segundo aspirante da direcção telegrapho-postal de Coimbra, Augusto Cesar Rodrigues.»
Desejava que s. exa. me dissesse qual foi a rasão por que passou esta estação de Cintra de 1.ª para a 2.ª classe. Eu tenho visto elevar de categoria as estações quando o movimento augmenta, mas reduzir, como no caso de que se trata, de 1.ª a 2.ª classe uma estação, principalmente numa epocha em que o movimento para Cintra ha de augmentar extraordinariamente, constando que Sua Magestade vae para ahi passar algum tempo, é uma cousa que realmente não comprehendo, a não ser que por debaixo disto esteja uma outra cousa que eu não sei, ou não quero dizer por emquanto.
O sr. Antonio Costa: - V. exa. dá-me licença?
O serviço tem diminuído consideravelmentc e nenhuma rasão havia para aquella estação continuar a ser de 1.ª classe. Foi por um principio de economia que o illustre ministro das obras publicas a reduziu á categoria de 2.ª classe.
O Orador: - Como está agora economico o sr. ministro das obras publicas! Se eu compulsar os dados estatísticos posso talvez dizer a s. exa. que está enganado.
O sr. Antonio Costa: - Parece-me que não.
O Orador: - O movimento não tem diminuído em relação aos outros annos, nem relativamente a outras estações da mesma categoria; mas, quando assim fosse, não era no período em que a concorrência tende a augmentar que se devia fazer a reducção.
Emquanto ao principio de economia, permitta-me s. exa. que lhe diga que ninguém acreditava que fosse essa a rasão, por não estar a economia nos hábitos deste governo.
Imagino que o motivo d'esta reducção foi querer favorecer um empregado que não tinha categoria, para ser ali collocado.

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Emquanto assim se procede para fazer favores aos artigos, os adversarios nem justiça podem esperar.
O sr. ministro explicará as rasões que o levaram, na sua alta sabedoria e no seu alto engenho, a praticar desta forma.
S. exa., quando estava na opposição, apregoava bellissimas theorias sobre agricultura, até se dizia que estava fazendo concurso para a pasta da agricultura. Toma conta da pasta e, que eu saiba, não ha uma unica medida de s. exa. que tenha beneficiado a agricultura.
Apesar de não ser dado a esses estudos, interesso-me pela agricultura do meu paiz; que é a sua primeira fonte de riqueza, e desejava ao menos que s. exa., no seu logar de ministro, confirmasse pelos seus actos o que dizia quando estava sentado deste lado da camara, (b esquerdo) mas com bastante magna vejo o contrario. (Apoiados.)
Não me parece, pois, que o concurso feito pois. exa. para a falta da agricultura fosse bem aproveitado. Acon-teceu-lhe como a muitos lentes que depois de terem feito excellentes concursos, quando vão reger as cadeiras dizem os estudantes, que não os ha peiores.
A agricultura queixa-se do sr. ministro, porque esperava que ao menos algumas das medidas que na opposição apregoava como excellentes, fossem levadas á pratica quando entrasse nos conselhos da coroa; mas infelizmente a agricultura vê que nem uma medida de alcance e importancia tem sido até hoje por s. exa. promulgada.
Em palavreado ninguém foi mais promettedor, porém, na pratica é o que se vê.
Nós cá estamos á espera; traga ao parlamento as suas medidas, em favor da agricultura porque o parlamento está aberto e prompto para as sanccionar se ellas forem boas e proveitosas. Mas s. exa. quer talvez continuar na dictadura. O governo prepara-se para fazer dictadura até ao fim da sua vida.
Portanto s. exa. não nos dá a honra de trazer as suas medidas a esta camara para nós as podermos estudar e ter de applaudir a sua rasgada iniciativa.
Eu desejava que s. exa. desse uma ligeira esperança aos agricultores, que têem nos ouvidos as palavras que s. exa. proferia ainda não ha muitos mezes, quando estava d'este lado e fazia concurso para a pasta que gere.
Eu não desejo alongar-me em muitas considerações, e vou terminar, sossegue v. exa., sr. presidente.
Ora, como fallei nos acontecimentos lamentaveis e desgraçados que se deram em Povoa de Varzim, vou mandar para a mesa uma proposta.
«A camara, lamentando que o sangue dos pescadores da Povoa de Varzim tenha sido derramado em consequência de imprudentes provocações por parte dos empregados da fiscalisação aduaneira, resolve que se proceda a um rigoroso inquerito parlamentar, a fim de serem devidamente apreciadas as responsabilidades do governo em tão luctuosos successos, e passa á ordem do dia.»
Agora vou mandar para a mesa uma representação dos proprietários e agricultores do concelho de Obidos, reclamando contra os impostos.
Eu hei de dizer a toda a gente com quem fallar, e hei de escrever por toda a parte onde tenha alguma influencia, e a minha voz possa chegar, que se levantem todos, como um só homem, contra os impostos. Este é o conselho que dou aos povos.
O governo não tem direito, não tem força moral, e já o disse mais de uma vez, para exigir sacrificios ao povo, á agricultura. (Apoiados.)
Eu vejo fazer enormes despezas; vejo uns 40:000$000 réis que desappareceram nas mãos do sr. Burnay a pretexto de beneficencia, como desappareceram os celebres 34:000$000 réis no caminho do ministerio do reino para o da guerra, e que nunca ninguém soube em que algibeiras ficaram.
Aos celebres 40:000$000 réis esteve para acontecer o mesmo, de não se saber o que fóra feito d'elles; porém, para nossa consolação, sabe-se que foram parar às mãos providenciaes do sr. Burnay, para com elles fazer caridade á custa de nós todos.
Foi um milagre chegar a saber-se o que foi feito dos 40:000$000 réis, porque dos celebres 34:000$000 réis ainda não se sabe; e ficará sem se saber.
O sr. Abilio Lobo: - O sr. José Luciano tambem tem responsabilidade porque prometteu.
O Orador: - O sr. José Luciano de Castro não tem responsabilidade alguma nisso. (Apoiados.)
Ò sr. Abilio Lobo: - Mas o sr. José Luciano escreveu uma carta promettendo o dinheiro que faltasse.
O Orador: - Ainda bom que o sr. José Luciano de Castro não tem responsabilidade nenhuma nesse arranjo. Eu li a carta a que s. exa. se refere. E já que s. exa. me deu a honra de me interromper, e como entre nós ha as mais cordiaes relações, posso replicar a s. exa. que o sr. José Luciano do Castro nunca podia auctorisar que o dinheiro fosse malbaratado, (Apoiados) nem auctorisaria nunca uma verba tão elevada, porque a não tinha.
Eu estou admirado por ver como s. exa. respeitam uma deliberação do sr. Luciano de Castro, porque lhes faz conta, deliberação apenas tomada numa carta, sem valor effectivo, e quando s. exa. já, não era ministro.
S. exas. rasgam decretos publicados no Diario ao governo para favorecerem amigos, como o caso que se deu na igreja de Santa Maria de Saude, em Guimarães, para protegerem um amigo eleitoral do sr. Franco.
S. exas. imaginam que eu não sei as proezas que têem feito?
O sr. Franco Castello Branco fez com que o seu collega da justiça rasgasse o decreto já publicado no Diario, do despacho de um padre para a igreja de Santa Maria da Saúde, do concelho de Guimarães, para despachar um seu amigo politico, e agora quero dizer que deram os 40:000$000 réis para respeitar a palavra do sr. José Luciano? Não respeitaram os seus decretos já publicados e outros por publicar, e agora querem mostrar que deram os 40:000$000 réis para respeitar a palavra de s. exa.? Onde é que o sr. José Luciano prometteu dar 40:000$000 réis ao sr. Burnay?
O sr. ministro das obras publicas entrou no seu ministerio e mandou annullar tudo quanto estava feito pelos seus antecessores e que era susceptível de annullação, mandar suspender varias construcções que já estavam encetadas, para corromper os eleitores. Nada respeitaram e só cumpriram o que o sr. José Luciano declarou numa carta e sem fixar a quantia, que em caso algum seria de réis 40:000$000, nem 20:000$000 réis, nem 10:000$000 réis, posso eu affiançal-o.
O sr. José Luciano prometteu, e muito bem, quando uma epidemia assolava o paiz, auxiliar á subscripção, mas o que o sr. José Luciano não fez, foi dar de mão beijada 40:000$000 réis sem fiscalisação alguma, e eu que tenho a honra de conhecer s. exa. sei qual a rectidão do sou espirito, como s. exa. é escrupuloso em questões de dinheiro, e que não deixava ir 1:000$000 réis sem fiscalisação, quanto mais 40:000$000 réis.
Porque não respeitaram os seus decretos e foram respeitar uma carta. Não respeitaram esses decretos, porque havia amigos que queriam aquelles logares. Isto nunca se fez em Portugal. Annullar decretos despachando padres para as suas respectivas igrejas, e isto para favorecer amigos cubiçosos e invejosos é que nunca se fez, cabo essa gloria da actual governo.
O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada e eu pedia ao illustre deputado que restringisse as suas considerações.
O Orador: - Eu alonguei-me mais, porque desde que se fez aqui uma referencia que podia parecer menos agradável para o meu illustre amigo e chefe o sr. José Luciano

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de Castro, eu não me podia calar e deixar de levantar estas palavras. Onde eu estiver, o nome de s. exa. nunca sem invocado menos favoravelmente, sem que eu proteste logo com toda a vehemencia, porque eu não conheço ninguém mais honrado do que o sr. conselheiro José Luciano de Castro. Posso affiançar a v. exa. e aos meus collegas, que os sentimentos mais nobres o mais honrados retemperam-se com a convivencia do tão distincto cavalheiro. Só quem vive de perto com s. exa. sabe o fino quilate de que é formada aquela alma. Acreditem s. exa. que o sr. José Luciano não deixava ir assim, sem mais nem mais, réis 40:000$000. O que desse havia do ser convenientemente fiscalisado.
Mando para a mesa a representação dos habitantes da villa de Obidos contra os impostos apresentados pelo sr. ministro da fazenda.
Hei de dizer a toda a gente que protesto contra os novos impostos mandando representações aqui, e que se levante, dentro da ordem, como um só homem para não as pagar.
Para se pedir sacrificios ao povo é necessario mostrar-lhe que se fazem primeiro as devidas economias.
Ainda o outro dia se nomearam uns individuos para a Africa e consta-me que se dão 8:000$000 réis a cada um por anno. Funccionarios dos mais distinctos têem ido para lá e dá-se-lhes 4:000$000 e 6:000;$000 réis.
Ha um engenheiro distinctissimo, o engenheiro do caminho de ferro de Lourenço Marques, Antonio José de Araujo, que está ali ha uns poucos de annos e que ganha 6:000$000 réis; o governador geral de Moçambique tem de ordenado 6:000$000 réis. Outro dia foi para Moçambique um distincto engenheiro de minas, que tem o seu curso feito em Paris, e foi contratado por 6:000$000 réis. Este engenheiro é o sr. Alfredo Freire de Andrade. Ora se o governo tem pessoal do mais distincto do paiz por 4:000$000 e 6:000$000 réis por anno, como é que vae dar 8:000$000 réis. E, seguindo este processo em tudo, como é que se atreve a pedir ao paiz, quer dizer ao povo, mais impostos para esbanjar os dinheiros publicos por estes processos.
Ha dias mandei para a mesa um requerimento pedindo varios documentos relativos aos acontecimentos de Peniche, e tendo-me sido já remettidos alguns d'elles, pedia a v. exa. que consultasse a camara sobro se permittia que elles fossem publicados no Diario do governo, sendo-me depois restituidos os originaes.
Tenho dito.
Consultada a camara sobre o requerimento do sr. deputado, resolveu a publicação pedida no Diario do governo.
O sr. Aristides da Mota: - Por parte da commissão de instrucção superior, peço que sejam aggregados á mesma commissão os srs. deputados Luciano Cordeiro, Lourenço Malheiro e Santos Viega.
O sr. Presidente: - A camara ouviu a proposta do sr. Aristides da Mota. Os srs. deputados que são de parecer que os srs. Luciano Cordeiro, Lourenco Malheiro e Santos Viegas sejam aggregados á commissão do instrucção publica, tenham a bondado de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Costa Pinto: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. que está constituída a commissão de administração publica, escolhendo para presidente o sr. deputado Antonio do Azevedo Castello Branco e a mim participante para secretario. = Jayme Arthur da Costa Pinto.
Para a secretaria.

O sr. Mota Veiga: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. que se acha constituída a commissão de legislação civil, tendo nomeado para presidente o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, e escolhendo-me para secretario. - O deputado, Eduardo Amandio da Mota Veira.
Para a secretaria.

O sr. Costa Moraes: - Por parte da commissão de instrucção primaria e secundaria, roqueiro que seja aggregado á mesma commissão o sr. Jacinto Candido.
Consultada a camara votou a agregação do br. deputado Jacinto Candido á commissão de instrucção primaria e secundaria.
O sr. Marcellino Mesquita: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Communico a v. exa. que está installada á commissão de commercio e artes, tendo escolhido para presidente o sr. deputado Luciano Cordeiro e a mim para secretario. = Marcelino Mesquita.
Para a secretaria.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Levantei-mo simplesmente para responder á pergunta do sr. Francisco José Machado ácerca da passagem, de primeira para segunda classe, da estacão telegrapho-postal de Cintra.
Não posso dizer já a rasão por que este facto se deu, mão para completa elucidação do illustre deputado, parecia-me melhor pedir esclarecimentos pelo ministerio das obras publicas, e depois, em uma nota de interpellação, occupar-se do momentoso assumpto.
O sr. Francisco Machado: - Ainda não me chegaram às mãos esclarecimentos alguns dos que tenho pedido.
O Orador: - E não admira, visto como o illustre deputado pediu a nota do movimento do todo o pessoal desde 11 de janeiro até ao fins de abril! Um pedido desta ordem é impossivel de satisfazer.
O sr. Francisco Machado: - Foi tão grande o movimento de pessoal que ainda não houve tempo para apromptar a nota que pedi!
O Orador: - Não é porque o movimento do pessoal fosse maior do que em outras occasiões ; mas é porque o movimento do ministerio das obras publicas é tão extraordinário, que é necessario trabalhar aos domingos e dias santificados para se poder dar despacho, lhe estivessem presentes os srs. Eduardo Coelho e Emygdio Navarro podiam dizer se isto é a expressão da verdade.
Eu já disse ao illustre deputado que o ministerio das obras publicas estava á sua disposição, e portanto escusa v. exa. de cansar-se a pedir documentos para a camara, salvo se s. exa. quer fazer effeito, não para mim e para a camara, mas para a galeria.
O sr. Francisco Machado: - Como v. exa. já disse, que o ministerio das obras publicas não podia estar às ordens de todos os deputados, eu não quero excepções para mim.
O Orador: - O illustre deputado disse que um membro do gabinete tinha uma questão pessoal com. s. exa., ore, esse membro do governo, por dignidade própria, declarou-lhe que o ministerio a seu cargo estava á disposição do sr. Francisco Machado.
O sr. Francisco Machado: - Desde que v. exa. mo deu explicações, conformei-me com ellas.
O Orador: - Eu disse á camara o que entendia que devia dizer, o foi n'esse dia que puz o ministerio das obras publicas á disposição do illustre deputado para examinar os documentos que quizesse.
Mas voltemos á estação que passou ... de primeira para segunda classe.
Eu não posso deixar de dizer, em relação a tão momentoso assumpto que o que me parecia mais conveniente era s. exa. annunciar uma interpellação.

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Se s. exa., porém, quizer ir ao Diario do governo, encontra, todos os dias em que ha despachos a nota de facios similhantes.
Estações verá que passaram de primeira á segunda classe e outras que de segunda passaram á primeira. A causa é simples. O movimento augmenta, a estação passa para grau superior; o movimento diminue, a estação passa para grau inferior.
Eu podia limitar-me a esta resposta, mas como s. exa. deseja saber quaes os projectos que traz ao parlamento o ministro da agricultura, direi que os projectos que estão em estudo são os que tratam... de reduzir as despezas que o partido de s. exa. augmentou.
Trato de reduzir essas despezas para que o ministerio não se veja obrigado a pedir mais sacriticios ao paiz.
O illustre deputado tem uma tão grande preocupação com o augmento da despeza publica...
O sr. Francisco Machado: - Tenho-a do intimo da alma.
O Orador: - Pois devia communicar esses sentimentos aos seus amigos.
Mas como ía a dizer, o illustre deputado tem uma tão grande preoceupação com o augmento de despeza publica, que aproveita sempre a hora antes da ordem do dia, para se occupar d'estes assumptos. Parecia-me, porém, que na discussão do orçamento seria mais azada a occasião para apreciar, os actos do governo e poder provar que eu augmentei as despezas em 500:000$000 réis.
Citei-o já para apresentar a lista das perseguições aos empregados das obras publicas por motivos eleitoraes, no seu circulo, e não a apresentou.
Agora cito-o para provar que eu augmentei a despeza em 500:000$000 réis. E se depois d'estas citações o illustre deputado não conseguir provar o que affirma, a camara e o paiz fará a seu respeito o juizo que entender...
O sr. Francisco Machado: - O paiz já fez o seu juizo.
O Orador: - S. exa. lá sabe o que o paiz faz, mas o que eu digo a v. exa. é que não basta a palavra do illustre deputado para constituir prova; s. exa. não tem auctoridade...
O sr. Eduardo Abreu: - Tem tanta auctoridade como v. exa.
O Orador: - (para o sr. Eduardo Abreu). S. exa. ainda tem menos anctoridade desde que outro dia não respondeu ao sr. José de Azevedo Castello Branco.
(Levantou-se grande sussurro.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Peço silencio, tem a palavra o sr. ministro da instrucção publica.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Eu serei muitissimo breve; não posso deixar de usar da palavra porque, tendo sido interrogado, não quero que a camara ou o illustre deputado que fez a pergunta supponha que eu não quero, ou que não posso responder.
O sr. Francisco Machado: - Eu pedia a v. exa. o favor de fallar mais alto.
O Orador: - S. exa. fallou n'um assumpto a que já aqui se referiu o sr. Alberto. Pimentel: os acontecimentos decorridos na Povoa de Varzim.
Posso dizer a s. exa. que o sr. ministro do reino não têm fugido a dar explicações sobre esse assumpto. Veio aqui dois dias a seguir suspendo que algumas perguntas-lhe fossem dirigidas, principalmente em relação a factos em que a força publica, tendo de intervir, chegou a resultados lamentaveis, mas que não ha motivo para censurar.
O conflicto teve origem na perseguição feita ao contrabando, facto que é ali muito vulgar. A força quis respeitar a sua auctoridade e da lucta resultou haver mortes entre os pescadores, mas havendo tambem feridos entre os agentes da força publica.
N'este ponto devo frisar o facto de que, tendo a imprensa referido o acontecimento, cuja gravidade eu lamento, não critica no mais pequeno ponto nem a intervenção da força nem a do administrador do concelho.
Relativamente ao que. s. exa. chamou a contenda entre mim e o meu collega da fazenda a respeito de uns conventos, tenho a declarar a s. exa., que eu é que ainda não dei fé de tal contenda.
Com respeito á questão anglo-luso, devo lembrar o s. exa. o que o sr. ministro dos negocios estrangeiros disse ao sr. Emygdio Navarro: o governo não póde por fórma alguma afastar-se da linha que julgou dever seguir.
Relativamente á questão dos 40:000$000 réis e da substituição de um parocho de Guimarães tenho a dizer a s. exa. o seguinte: a respeito do parocho creio que foi o sr. Beirão que se referiu ao facto d'essa substituição e n'essa occasião o sr. ministro da justiça respondeu o que teve por conveniente; relativamente aos 40:000$000 réis, vae abrir-se uma discussão, que é a do orçamento notificado, onde os illustres deputados poderão fazer as suas accusações ao governo e em que elle se defenderá inteiramente, completamente, cabalmente.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada, e portanto vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Eduardo Abreu: - Eu peço a palavra para explicações.
O sr. Presidente: - V. exa. fica inscripto para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Eduardo Abreu: - Mas isto prende se com o que disse o sr. ministro das obras publicas.
Vozes na direita - Ordem do dia, ordem do dia.
O sr. Eduardo Abreu: - Eu concordo em que fique inscripto para antes de se encerrar a sessão; mas espero que v. exa. fará com que esteja presente o sr. ministro das obras publicas.
(Levanta-se alguma agitação na assembléa, cruzando-se differentes ápartes, e pedindo muitas vezes ordem. O sr. Eduardo Abreu continua proferindo algumas palavras que não podem ser ouvidas. O sr. presidente pede repetidas vezes ordem, até que sé restabelece o silencio.)
O sr. Presidente: - Eu já disse e repito que o sr. Eduardo Abreu fica inscripto para antes de se encerrar a sessão.
Passa-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 109, que releva o governo da responsabilidade em que incorreu pelas medidas de dictadura.

O sr. Presidente: - Tem a palavra, que lhe ficou reservada da sessão de hontem, o sr. Gabriel de Freitas.
O sr. Gabriel de Freitas: - Em defeza do decreto dictatorial, que dissolveu a camara, municipal de Lisboa, sustentei hontem que essa camara tinha decretado a sua propria morte e pedido a sua dissolução, no dia em que o sr. Fernando Palha escrevêra no Diario popular de 12 de setembro de 1889 a carta que prendia a sua responsabilidade com a responsabilidade de toda a camara; e tinha chegado até a provar com essa carta e com as declarações do sr. Fernando Palha, feitas aqui na camara e corroboradas pelo sr. Fuschini, que s. exa., ou antes a camara municipal de Lisboa, tinha declarado guerra á companhia lisbonense de illuminação a gaz. N'este ponto não insistirei mais, e irei allegar agora á camara quaes foram as rasões ostensivas com que se quiz justificar esta guerra.
O sr. Fernando Palha disse aqui, e tinha já sustentado na sua referida carta, que a causa da guerra fôra ter a companhia em seu favor a lei de 30 de agosto de 1869, que não consentia que a camara tirasse do gaz, as utilidades, que em geral tiravam as camaras municipaes estrangeiras.

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Disse-o assim o sr. Palha, e repetiu-o do alto da tribuna o sr. Fuschini, acrescentando, que tivera a camara diversas conferencias com a companhia lisbonense de illuminação a gaz, e que esta companhia esteve sempre teimosa em não ceder de seus pretendidos direitos, não havendo, portanto, outro remedio senão declarar nullo o contrato e declarar-lhe a guerra.
Isto e para mim, que me dediquei ao estudo de direito, uma jurisprudencia inteiramente nova.
Estes senhores não quizeram saber nem da lei, nem do contrato, nem da portaria que o approvou. Na camara faziam de dictadores; contra a velha companhia do gaz o sr. Fernando Palha e contra a companhia das aguas o sr. Fuschini; mas a companhia do gaz tinha muitissimo mais a soffrer, porque, infelizmente, não tinha por presidente da sua direcção um talento do tomo d'aquelle que estava gerindo a companhia das aguas.
É na realidade lamentavel que uma camara municipal venha sustentar os principios que foram sustentados n'esta casa pelos srs. Fernando Palha e Fuschini, não attendendo aquelle sequer a que esta lei de 1869 tinha sido publicada pelo ministerio progressista, sendo ministro do reino o sr. duque de Loulé e fazendo tambem parte d'esse governo o sr. Anselmo Braancamp e até o sr. Luciano de Castro.
O sr. presidente da camara municipal de Lisboa, arcando assim contra a lei, ía offender não só a memoria d'aquelles respeitabillissimos homens d'estado que infelizmente tinham fallecido, mas tambem o actual chefe do partido a que s. exa. pertence, o sr. Luciano de Castro, e não respeitava o contrato verdadeiramente bilateral oneroso, que tinha sido outorgado entre, a camara municipal e a companhia lisbonense de illuminação a gaz.
A lei e o contrato não valiam absolutamente nada para s. exa. Rasgara ambos de uma vez e rasgaram-os até sem necessidade nenhuma. N'este ponto a dictadura do sr. Fernando Palha foi muitissimo mais alem do que a dictadura do ministerio, porque saltava por cima de uma lei e ao mesmo tempo por cima de um contrato que só por mutuo consenso podia ser revogado.
Allegou aqui o sr. Fernando Palha que fôra indispensavel proceder d'esta fórma com a companhia lisbonense de illuminação a gaz, porque os interesses municipaes estavam em antinomia com os da companhia.
Em verdade, o antagonismo de interesses tem muitas vezes dado rasão e causa a diversas guerras; mas o que eu nunca vi senão aqui, foi que o antagonismo de interesses entre uma companhia e uma camara municipal promovesse a guerra da camara á companhia. Se a camara, municipal, achando os seus interesses antinomicos com a companhia do gaz, podia decretar-lhe a guerra, podia tampem decretar a guerra ao governo, que ella queria forçar a entregar-lhe todo o rendimento do imposto do consumo; podia decretar a guerra a todos os fornecedores que com ella lucravam alguma cousa, podia fazer, que sei eu! As maiores violencias que se possam admittir em similhante assumpto. Demais, e em abono da verdade, devo dizer que este antagonismo não é verdadeiro o que o sr. Fuschini o não explicou por fórma que o justificasse.
É para mim certissimo que, ainda quando houvesse antagonismo de interesses, não ficava a camara absolvida da guerra que fez; mas quero ir mais longe é mostrar que o sr. Fuschini não explicou, a meu ver, esta pretendida antinomia de interesses era termos claros e precisos, pelos quaes justificasse as suas apreciações, e para isso bastará mostrar á camara que o contrato que a camara tinha feito com a nova companhia do gaz, não dava os resultados que s. exa. es- teve afirmando.
É verdade que na condição 7.ª estava estabelecida a escala movel, a que o sr. Fuschini se referiu.
Esta condição 7.ª está redigida assim:
(Leu.)
Existe, portanto, a escala, segundo a qual, augmentando o consumo, vae diminuindo, para a camara, o preço do gaz, comtanto que ao particular tique o gaz a 45 réis o metro cubico, e chega a um ponto em que o gaz póde tornar-se gratuito para o municipio, se porventura se elevar a 17.000:000 de metros cubicos o consumo e se o particular o pagar a 45 réis o metro.
D'esta escala, allegada assim simplesmente, parece que a camara tirava a vantagem a que o sr. Fuschini se referiu, e que podia n'um futuro, mais ou menos proximo, a camara ter o gaz de graça.
Mas, advertiu daqui o sr. Luciano Monteiro, n'um aparte ao sr. Fuschini, e com toda a verdade, que um dos paragraphos d'este artigo destruia por completo este desideratum do sr. Fuschini. É o § 2.º do mesmo artigo que diz:
(Leu.)
Desde que havia esta excepção, desde que a camara municipal tinha obrigação, em face da concorrencia, de consentir na baixa do preço, destruia-se completamente aquella escala movel e não havia mais esperança de que o municipio viria a ter o gaz de graça.
Infelizmente era isto o que tinha de acontecer, porque o preço não podia manter-se sobre 45 réis, e todos têem visto que estão as esquinas cheias de annuncios em que a companhia nova fez um abatimento de 40 por cento, sobre 45 réis e reduziu assim o preço do gaz a 27 réis, pelo qual os particulares o estão pagando.
A camara tinha obrigação, segundo o citado § 2.°, desde que a companhia nova podesse mostrar, - factos que ninguem lhe contestará, - que effectivamente se dava á concorrencia, de consentir que o gaz se vendesse aos particulares a menos de 45 réis, e, portanto, sendo certo que esta baixa fatalmente se realisava, como se realisou, em beneficio manifesto dos particulares, é consequencia logica que não se verifica a vantagem que o sr. Fuschini encontrou, de vir a camara a ter o gaz de graça.
Portanto, as causas que se allegaram como verdadeiras causas de guerra á companhia lisbonense de illuminação a gaz, não podiam ser as verdadeiras; e eu busquei por isso outras que satisfizessem melhor o meu espirito.
Parece-me que dando a opinião do sr. Marianno de Carvalho sobre o caso, apresentarei melhor argumento de auctoridade, do que essas rasões ostensivas que se apresentaram aqui.
O sr. Marianno de Carvalho deve ser auctoridade insuspeita tanto para o sr. Fernando Palha como para o sr. Fuschini, porque elle favoreceu, quanto póde a camara municipal, como s. exas. sabem.
O sr. Marianno de Carvalho dava estas rasões, que não foram aqui explicadas pelo sr. Fernando Palha e Fuschini. Eis o que elle publicou e assignou, sendo director da velha companhia do gaz.
(Leu.)
Como v. exa. acaba de ouvir, a opinião do sr. Marianno de Carvalho era que se pretendia a depreciação dos titulos da companhia lisbonense de illuminação a gaz. A guerra não podia ser mais injusta.
Eu comprehendo que possa haver interesses antinomicos, não entre a camara e a companhia lisbonense de illuminação a gaz, mas sim entre as duas companhias, e por consequencia favorecer os interesses de uma contra os interesses de outra, era não ser justo, era não querer administrar justiça.
Não acho no partido progressista ninguem ao lado dos srs. Fernando Palha e Fuschini a sustentar os principios de guerra que ambos aqui allegaram, contra uma lei, um contrato e uma companhia.
A respeito da lei já mostrei que, quando foi publicada, faziam parte do ministerio os srs. duque de Loulé, Anselmo Braamcamp, e até o sr. Luciano de Castro, e acabo de mostrar agora que o sr. Marianno de Carvalho, ministro

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ao tempo em que foi declarada a guerra á companhia, não sustentava as mesmas rasões que apresentaram os srs. Fuschini e Fernando Palha.
Mas, ou fosse pelas rasões allegadas n'esta casa pelos illustres deputados, ou fosse pelo que o sr. Marianno de Carvalho expoz por escripto, o certo é que a guerra á companhia lisbonense de illuminação a gaz, teve sentença execução feitas pela camara. Isto é um facto que não póde ser contestado.
O sr. Fernando Palha tinha dito, na conclusão da sua carta, que o lemma da camara municipal era comparando a companhia do gaz com a patria de Annibal delenda Carthago, cumprido.
Vae v. exa. ver agora como o sr. Fernando Palha, depois de ter proferido a sentença, a executou.
O sr. Fernando Palha não prescindiu de ser juiz e parte.
A camara tinha, na opinião de s. exa., interesse em hostilisar a companhia do gaz, e isso bastou para que o sr. Fernando Palha, ou antes a camara que elle representou, se não contentasse só com ser parte n'este acção e se convertesse em juiz.
Deu a sentença e foi ella propria executal-a.
A execução foi ainda mais arbitraria do que a acção.
A camara começou por enviar officios a todas as repartições publicas e por andar quasi de porta em porta pedindo ao particulares que dessem a preferencia á companhia nova contra a companhia velha.
Eu comprehendo que o sr. Fernando Palha, para beneficio dos municipes de Lisboa, estimasse que existissem as duas companhias, porque o effeito da concorrencia não podia deixar, de ser vantajoso; mas não o entendeu assim s. exa., pelo menos os actos que, elle praticou foram manifestamente de encontro á idéa da concorrencia. Embora d'esta não viesse beneficio para a camara, o publico havia de gosar das vantagens de que, felizmente, está gosando, porque se uma companhia baixa o preço a outra tambem a ha de imitar, e essas baixas hão de ser successivas e todas em beneficio do publico.
Querer matar uma companhia beneficiando a outra, não dava vantagens publicas por caso nenhum. Deixassem viver ambas, tratessem ambas com a devida justiça, mas, em abono da verdade, sr. presidente, se alguma houvesse de morrer, seria muito melhor que morresse a companhia nova que foi, para vergonha nossa, construir o seu gazometro ao pé de um dos nossos melhores monumentos nacionaes, do que a velha, que tinha contratos celebrados em virtude de lei e cujos capitaes eram, exclusivamente portuguezes, o que, se não dava com a companhia nova, cujo capital era estrangeiro, se não no todo, ao menos em grande parte.
Na execução de que estou fallando são de notar as violencias, que não têem outro nome, praticadas pela camara municipal.
A companhia velha não podia tocar na sua canalisação, fazer qualquer modificação, concerto ou obra nova que a camara não viesse immediatamente com um embargo.
São não sei quantos os embargos de obra nova que a companhia soffreu e que foram seguidos das respectivas acções.
Encheram os cartorios, dos tribunaes de processos que não deram por emquanto, nem darão para a camara o resultado de ter de pagar as custas!
Dava-se como fundamento d'estes embargos ter acabado o contrato com a camara, mas este fundamento, sendo em si verdadeiro, não tinha absolutamente nenhuma applicação ao caso, ou não procedia.
Sabe-se quanto é facil obter mandado para embargo de obra nova.
É assumpto que demanda providencias urgentes.
O juiz decreta-o immediatamente e só mais tarde é que tem de julgar se o pedido de embargo foi justa ou injustamente feito. Se não fosse esta brevidade e urgencia, tão necessarias por lei, creio bem que a camara não conseguiria um só dos seus violentos embargos.
Como disse, a camara pedia-os com o fundamento de que tinha cessado o contrato; ora realmente é caso verdadeiramente extraordinario que uma camara, uma corporação que deve a todos os respeitos ser séria e respeitavel, apresentasse similhante fundamento!
Podia ler as condições do contrato, copiadas pelo sr. Marianno de Carvalho, n'este escripto a que me já tenho referido e que mostram bem claramente que ainda depois de extincto o contrato dá velha companhia lhe ficava o direito de fazer quaesquer modificações na sua canalisação; mas como não gosto de leituras longas referir-me-hei unicamente á condição 9.ª onde se diz:
(Leu.)
E, pois, fóra de toda a duvida que alterado ou extincto o contrato, subsistia este direito de perpetuidade contra o qual á camara se insurgia, e por conseguinte é improcedente o fundamento em que os embargos foram requeridos.
São talvez já sete ou oito as acções que estão intentadas pela camara, como era obrigação intentar, dentro do praso legal, contado desde que se effectuaram os embargos e têem sido sempre contestadas todas pelo illustre deputado o sr. Baptista de Sousa.
Mais um deputado da minoria, o sr. Baptista de Sousa, tem de ficar em opposição aos srs. Fernando Palha e Fuschini. É o que significa a contestação das acções, por elle feita, com toda a verdade e justiça, mostrando e sustentando que a camara guerreava injustamente a companhia velha por todos os meios, e ao mesmo tempo enchia de favores a companhia nova.
Veja v. exa. que quantidade de progressistas, vem sustentar os principios .que eu estou sustentando.
O sr. Baptista de Sousa, entre outras provas importantes da sua contestação diz:
(Leu.)
Ora, veja v. exa. quando os proprios correligionarios politicos do sr. Fernando Palha, e sobre todos o sr. Ma-riannO de Carvalho e o sr. Baptista de Sousa, allegam factos d'esta ordem contra a camara municipal, chegando este ultimo a accusal-a de litigante confesso de má fé, como era possivel que o sr. Fernando Palha continuasse a ter na camara a preponderancia que elle tinha, tido, ou que essa camara continuasse a viver sem ser dissolvida?
Ella tornou-se verdadeiramente um estado no estado e desde esse momento merecia a dissolução?
Todos sabem que o sr. Fernando Palha, aliás cavalheiro distinctissimo, era auctoritario de mais, e foi isto que manifestamente lhe fez perder a presidencia da camara municipal.
E não se julgue que foi auctoritario só, revogando uma lei, annullando um contrato bilateral oneroso, desprezando uma portaria e querendo matar a companhia do gaz, pois que o foi tambem junto do governo, tanto assim que na referida carta, a que eu já me referi, o sr. Fernando Palha chegou a escrever o seguinte.
(Leu.)
Veja-se bem esta linguagem:
«A camara precisa fazer receita e para isso ha só um meio, que é ir successiva e annualmente arrancando no governo o rendimento do imposto de consumo.»
Pôde o partido progressista, tolerar que a camara municipal de Lisboa declarasse guerra, a uma companhia do mesmo districto e lhe fizesse a elle a ameaça de lhe arranjar dinheiro, assim, violentamente?
V. exa. ha de ver que uma entidade levantada contra a lei e contra o governo tinha cavado a sua propria ruina, e não podia mais subsistir a haver governo que quizesse ter a força que todos precisam ter.
Este decreto da dictadura, portanto, é o mais justificado de todos os que foram proferidos pelo actual governo, e

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seguramente o sr. Fernando Palha, quando publicou esta celebre carta, se não tivesse no governo de então amigos tão dedicados, com toda a certeza soffreria a dissolução da camara dias depois de a ter publicado.
Agora direi mui poucas palavras em resposta ao sr. Fuschini.
V. exa. sabe que é trabalho verdadeiramente impossivel responder a um orador d'aquella força. O sr. Fusehini levou tres sessões a fallar, e se eu quizesse ir combater tudo que s. exa. aqui expoz de theorias e de principios sobre a generalidade do bill e até sobre a especialidade de cada um dos decretos da dictadura, levaria polo menos outras tres sessões, fatigaria a camara e ver-me-ía por vezes fóra da ordem do dia.
Por fóra da ordem andou o sr. Fuschiui quando desceu da generalidade para a especialidade, e n'esse caminho não posso nem devo acompanhal-o.
Todo o tempo que s. exa. gastou fallando na especialidade, que ainda não está em discussão, foi tempo perdido. Quero poupar mais o meu, e por isso desejo apenas, em poucas palavras responder a algumas das considerações de s. exa.
O sr. Fuschini começou por architectar uns calculos segundo os quaes as dictaduras financeiras davam em resultado a bancarota. S. exa. parece ter feito uma estatistica graphica desacompanhada de estatistica mathematica, e para isso tomou em linha de conta despezas já feitas e despezas que, ainda se hão de fazer. É claro que assim podia o illustre deputado chegar aos resultados que quizesse.
Desde que mistura despezas feitas com despezas por fazer, e portanto incertas, a sua argumentação não póde chegar a nenhuma conclusão precisa, e é por isso improcedente.
Quem quer fazer estatistica póde tomar por base calculos exactos e s. exa. não seguiu esse caminho.
Segundo as contas do illustre deputado, concluo elle que o augmento de despezas é essencial a toda a dictadura, quando é facil de ver e todos comprehendem que uma dictadura póde até produzir economias; por conseguinte os calculos do sr. Fuschini, dos quaes elle conclue que a toda a dictadura corresponde augmento da despeza, estão por certo errados.
Depois é sr. Fuschini referiu-se a um grande numero de assumptos, aos quaes não responderei para não tornar tempo á camara com assumptos estranhos á discussão.
S. exa. fallou sobre a revolução, do Brazil, passou para a exposição de Paris; disse-nos como se deviam educar nas nações estrangeiras os nossos operarios; como se havia de arranjar dinheiro paria se lhes pagar; fez um largo capitulo da historia comtemporanea; fallou-nos no conselho dos aulicos e nos principios que se deviam seguir para a reforma da camara dos pares, etc., etc,
A simples enumeração dos assumptos tratados pelo sr. Fuschini, já de si é tão longa que leva muito tempo a expor.
Deixando as theorias, tirarei apenas alguns pontos praticos do discurso do illustre deputado.
Entre as affirmações de s. exa. houve uma que deixou em confusão o meu espirito.
Eu sempre, suppuz que quem tinha a chave do cofre municipal era o thesoureiro; mas enganei-me. Do thesoureiro era só ao que parece a responsabilidade.
Quando a commissão administrativa tomou posse, quem tinha a chave era o sr. juiz da 3.ª vara, e o sr. Fuschini affirmou que fôra elle quem mandára fazer essa entrega, á qual ficaram estranhos tanto o sr. presidente, como o thesoureiro. Ninguem sabia isto e quando o sr. Luciano Monteiro narrava o facto de se ter sido entregue pelo sr. Fernando Palha a chave do cofre ao sr. juiz, ninguem contestou então essa declaração, que aliás parecia muito natural.
Assim como o sr. Fernando Palha julgou tardia a declaração do sr. Pedro Victor quando s. exa. se reconheceu auctor do supplemento da Guzeta de Portugal, da mesma fórma podia eu allegar que era tardia a declaração do sr. Fuschini, de que fora elle que mandára entregar a chave do cofremunicipal ao sr. juiz da 3.ª vara.
Não o faço, porém, porque respeito sempre estes reconhecimentos de paternidade.
Foi o sr. Fuschini que mandou entregar a chave, e portanto não se attribua mais a entrega ao sr. Fernando Palha.
Agora devo dizer que já desconfiára de que fôra o sr. Augusto Fuschini que entregára a chave ao juiz; porque realmente a idéa era tão extraordinariamente nova e original, que por isso a attribui ao sr. Fuschini.
Realmente, não tinha ainda havido quem mandasse entregar a chave de um cofre municipal a um juiz, como se se tratasse da arrecadação dos bens de algum ausente ou defunto.
Foi na verdade uma idéa original esta do sr. Augusto Fuschini, idéa que veiu bem mostrar, o estado em que estava a camara, porque, quando se faz a entrega da chave do cofre, sem deliberação da camara e sem ser o presidente a executal-a, vê-se bem a ordem que lá reinava.
Sobretudo, a rasão que s. exa. allegou para fazer esta entrega da chave, essa então é ainda mais curiosa do que a propria entrega.
S. exa. disse que, como vira um grande numero de patriotas no largo do Municipio, tendo receio de que aquella gente entrasse na camara e levasse ou dinheiro ou documentos que lá encontrasse, mandara entregar a chave do cofre ao juiz, e só a do cofre, porque, ao que parece, não havia mais nada que os populares podessem levar.
Está o sr. Augusto Fuschini em completa contradicção comsigo mesmo.
Quando fallou nos decretos dictatoriaes, accusou o governo de não se ter associado ao movimento patriotico, e de não se ter deixado levar na onda do patriotismo, era parte verdadeiro e em parte de especulação; mas, quando tratava de si proprio, fechava tudo á chave, e pegava na chave do cofre para ir entregal-a a um juiz de direito.
Parece-me que no rigor logico o que devia fazer ora deixar-se arrastar na onda, em que entendia dever marchar o governo, que foi de mulher parecer e julgou muito bem que era positivamente uma desgraça para o paiz não manter a ordem.
Com toda a certeza n'uma occasião d'aquellas o governo precisava ter força e precisava tambem, como bem disse o sr. presidente do conselho, provar que a tinha. (Apoiados.)
Quanto aos pontos do discurso do sr. Fuschini, em que elle se mostrou, não direi um habil jurisconsulto, mas um argumentador com idéas novas e algumas até aproveitaveis sobre direito civil, administrativo e criminal, não o acompanharei, porque não posso, e, alem de não poder, não sei que vantagem possa haver em estar a contestar theorias.
Parece-me que o sr. Augusto Fuschini o que tem a fazer é publicar as suas memorias, e depois de as publicar alguem haverá que lhe responda. Não hei de ser eu, com toda a certeza, porque tenho affazeres que m'o não consentem.
Ao sr. Fuschini direi em conclusão, que se havia alguem que não devesse censurar os decretos d'esta dictadura, sobretudo aquelle que dissolveu a camara municipal de Lisboa, era s. exa., porque, quando começou aqui o seu discurso disse-nos, que a respeito da camara municipal, só tinha a lamentar o tempo e o trabalho que ali tinha perdido.
Ora desde o momento que isto assim é, s. exa. devia reconhecer que o governo lhe tinha feito favor dando causa a que este trabalho gratuito acabasse, porque póde agora muito bem s. exa. dedicar-se a trabalhos lucrativos, onde por certo com o seu talento ha de fazer fortuna importante

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para que quando vier a liquidação social, tenha mais a repartir com os socialistas, seus correligionarios.
É o que tinha á dizer em defeza do projecto em discussão.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Elvino de Brito: - Antes de ler a sua moção de ordem, era do seu dever levantar umas phrases proferidas pelo sr. deputado, que o precedêra, as quaes, no seu entender, representavam uma verdadeira heresia constitucional e um ataque ao systema representativo que nos rege.
Dissera o illustre deputado, sem protesto, por parte do governo o da maioria que o apoia, que «comprehendia que o partido republicano fizesse questão dos decretos da dictadura, mas não comprehendia que os partidos monarchicos a contrariassem, porque Sua Magestade El-Rei não a concederia de certo, se não a julgasse necessaria».
Eram estas as palavras textuaes, taes quaes, as publicára o extracto da sessão anterior. Certificára-se d'isso hoje. Ouvíra-as, é certo; mas ficára hesitante, e attribuíra á má audição o tel-as entendido do mesmo modo por que as reproduzia o extracto. Tão grande lhe parecia a monstruosidade constitucional que ellas em si continham!
Sentia que nem uma só voz se levantasse, quer por parte dos collegas do orador, pertencentes á maioria da camara, quer por parte do governo, para protestar energicamente contra aquellas palavras, que feriam os principios em que assentava todo o systema da nossa constituição politica. Pois que! Dar-se-ía o caso que o governo, ou a sua maioria, quizesse por tal fórma pôr a descoberto a corôa? Acaso filiar-se-íam as palavras, tão imprudentes quanto contrarias aos principios do direito publico constitucional portuguez, proferidas pelo orador do partido regenerador, nas palavras, que pedia licença para classificar de estranhas, e menos convenientes, proferidas pelo nobre presidente do conselho de ministros, quando alludíra, ha dias, á inexperiencia do monarcha, cujas qualidades de caracter e de intelligencia só eram conhecidas por aquelles que viviam na sua intimidade? Não, não podia ser.
Fazia inteira justiça ao illustre chefe do gabinete, acreditando que elle não quizera, por sua parte, desculpar-se de haver exercido a dictadura com o assentimento ou annuencia do augusto chefe do estado.
Bastaria attentar na longa vida parlamentar do sr. conselheiro Serpa Pimentel, na sua illustração, nos seus dotes de politico e de estadista, para não admittir uma tal aberração de idéas e de principios em s. exa.
Não sabe, é certo, a que proposito trouxera elle a inexperiencia do chefe do estado para o debate parlamentar. E nem isto representava a verdade dos factos, pois ninguem, ignora que o augusto Principe, hoje subido ao throno, regêra já por duas ou tres vezes os negocios do estado na vida de seu augusto e saudoso pae. Quer crer que o sr. Serpa Pimentel alludíra a esse facto por mera distracção e sem intuitos reservados.
Quanto ao illustre deputado, que acabava de sentar-se, poderia desculpar-se-lhe o não conhecer á historia e a vida do partido, em cujas fileiras viera alistar-se; mas, o que não póde ser desculpavel é que, sendo illustrado como é, revelasse uma tão profunda ignorancia nos mais elementares principios do direito publico constitucional. Bastaria que s. exa. tivesse presente o artigo 75.° da carta, para desde logo se convencer de que o Rei, chefe do poder executivo, exercita esse poder pelos seus ministros d'estado, unicos responsaveis pelos actos emanados d'esse poder; e, quanto á responsabilidade dos seus actos, como poder moderador, ainda respondem por elles os ministros d'estado como bem o preceitua o artigo 7.º do segundo acto addicional á carta.
Desculpavel seria que o illustre deputado o sr. Gabriel de Freitas, ignorasse a origem historica da inserção d'este preceito no codigo politico da nação; mas não é desculpavel que revelasse ignorancia ácerca da propria existencia d'esse preceito no codigo.
Sempre diria ao illustre deputado que nos registos parlamentares existem vestigios do pensamento e das idéas de diversos partidos, traduzidos mais tarde no artigo 7.º do segundo acto addicional á carta.
O proprio partido regenerador, por honra sua, proclamára a necessidade de inserir a doutrina d'este artigo na carta, desde 15 de janeiro de 1872, em que no projecto de reforma apresentado á camara dos deputados fizera consignar um artigo (o 8.°), concebido nos seguintes termos:
«Os ministros são responsaveis pelos actos do poder moderador.»
Esse projecto tinha a assignatura do glorioso estadista, hoje fallecido, Fontes Pereira de Mello.
No mesmo anno e na data de 24 do referido mez, o partido progressista affirmára igual pensamento, pela apresentação, por parte do nobre chefe do partido, o sr. José Luciano de Castro, do projecto da reforma da carta.
E, annos depois, em 4 de fevereiro de 1890, apresentava tambem o governo progressista o mesmo pensamento no projecto da responsabilidade dos ministros, o qual chegou a ser discutido e approvado na camara dos deputados.
Lastimava que, por parte da maioria da camara, se levantasse um dos seus illustres membros para sustentar uma doutrina tão erronea e tão affrontosa para a liberdade parlamentar e para o decoro do systema representativo. Tão impressionado ficára com a apresentação d'aquella doutrina, que a sua primeira idéa fôra apresentar, em substituição da moção que estava já redigida, esta outra, como protesto vivo, não d'este ou d'aquelle agrupamento politico, mas de todos os partidos politicos, monarchicos e republicano, representados na camara: «A camara dos senhores deputados considera innopportuna e inconstitucional qualquer discussão, que, a proposito dos actos dictatoriaes praticados pelo governo, desde 10 de fevereiro até 5 de abril do corrente anno, envolva a pessoa do Rei; affirma que, nos termos dos artigos 72.°, 75.°, 102.°, 103.º, 104.° e 105.º da carta constitucional da monarchia, toda a responsabilidade politica ou juridica, resultante da promulgação d'esses actos, cabe inteira e por completo aos actuaes ministros e secretarios d'estado.»
Mas reflectira melhor, e como estava convencido de que interpretava o sentimento unanime da camara, embora se mantivesse isolado d'elle o illustre deputado que o precedêra, em nome de todos lavrava o seu protesto, fazendo votos por que não mais se faça ouvir no seio do parlamento portuguez doutrina tão offensiva das nossas instituições politicas.
Posto isto, ía ler, em obediencia á prescripção do regimento a sua moção, que vae submetter ao alto criterio da camara. É a seguinte:
«A camara, considerando que o governo ainda não usou de algumas das auctorisações de natureza legislativa, contidas nos decretos dictatoriaes, convida-o a apresentar ao parlamento as bases das reformas annunciadas n'aquelles decretos, fixando o maximo da despeza em que poderão importar essas reformas, a fim de que as respectivas commissões, dêem o seu parecer, nos termos do regimento, e passa á ordem do dia. Sala das sessões, aos 4 de junho de 1890.= Elvino de Brito.»
À justificação d'esta moção parecia-lhe extremamente simples, não só á face dos principios que regem o systema representativo como á face de um procedente, eloquentissimo, que pede licença para citar, antes mesmo de entrar no desenvolvimento detalhado da summula da sua moção.
O facto dera-se em 1852, na camara dos senhores deputados, em relação á muito conhecida dictadura, que succedêra á revolução de 8 de abril. Promulgára o governo de então, presidido pelo duque de Saldanha, o decreto de 3 de dezembro de 1851, regulando diversos serviços, consi-

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gnando diversos preceitos e algumas auctorisações, entre as quaes (artigo 9.°), a que fôra conferida á junta do credito publico para crear e emittir as inscripções e bonda correspondentes a diversos pagamentos mencionados no mesmo decreto.
Pela reluctancia, que ajunta apresentara, não poderá ter execução, antes de aberto o parlamento, o disposto n'aquelle artigo. Tanto, bastou para que um illustre deputado de então, hoje digno par do reino, o sr. conde do Casal Ribeiro, apresentasse, em nome da commissão de fazenda, um additamento ao projecto do bill de indemnidade e concebido nos seguintes termos:
«A commissão de fazenda, considerando que a emissão das inscripções e lanas, auctorisada pelo artigo 9.° do decreto de 3 de dezembro de 1851, é um objecto de alta importancia, e que merece ser discutido essencialmente n'esta camara... tem a honra de offerecer o seguinte additamento ao artigo do projecto de lei. n.° 91:
«§ unico. A emissão de inscripções e bonds, auctorisada pelo artigo 3.° do decreto do 3 de dezembro de 1851, fica suspensa até que seja votada pelas côrtes a lei de receita e de despeza para o anno economico de 1802-1853.»
Era ministro da fazenda então o saudoso estadista Fontes Pereira de Mello. Impugnou o projecto de additamento, e, não obstante, a camara, que na sua maioria apoiava aliás o gabinete, em sessão de 23 de julho de 1852, rejeitava (na votação do bill) o decreto de 3 de dezembro de 1851 na parte relativa á capitalisação (artigo 9.°) por 80 votos contra 38.
A camara reivindicava os seus direitos, tomando conta, como lhe cumpria, de uma auctorisação que o governo a si conferíra dictatorialmente, mas de que não chegára a usar.
Aberto o parlamento, caducára, na opinião da camara, aquella auctorisação, que não representava um facto consummado, de cuja responsabilidade precisasse ser relevado o gabinete.
Procedeu correctamente, de harmonia com o que se acha preceituado no artigo 46.° da carta, no qual se estatue que «o poder executivo exerce por qualquer dos ministros d'estado a proposição que lhe compete na formação das leis, a qual, só depois de examinada por uma commissão da camara dos deputados, aonde deve ter principio, poderá ser convertida em projecto de lei».
Com relação ás auctorisações contidas em alguns dos decretos dictatoriaes de 10 de fevereiro, com especialidade aquella que se refere á reforma do exercito, a camara ignora por completo qual seja a base financeira das reformas que ellas annunciam. Aquillo, que nos decretos referidos figura como bases, não podia merecer este nome, como logo demonstraria. Eram preceitos geraes e elementarissimo», que devem acompanhar quaesquer reformas de serviços.
E se na parte financeira, a deficiencia era manifesta, não o era menos na parte technica e administrativa. Ignorancia completa dos fins praticos, a que visam as annunciadas reformas.
Na sequencia do seu discurso demonstraria a verdade do que affirmava.
Está convencido, pela precipitação com que um assumpto de tamanha magnitude foi estudado pela commissão respectiva, de que ella propria ignora quantos foram os decretos dictatoriaes promulgados pelo governo. Assim, não encontra entre os que, conjunctamente com o parecer da commissão, foram distribuidos na camara, o que se refere aos cereaes, e todavia ninguem poderá contestar, nem o governo, nem a maioria, que o decreto de 27 de fevereiro de 1890, com o qual o governo baixára o direito de importação do trigo estrangeiro de 20 a 16 réis, é de natureza legislativa, porque deroga, em parte, a lei de 15 de julho de 1889.
Perguntaria, pois, ao illustre relator da commissão, o sr. Pinheiro Chagas, se á commissão fôra ou não, pelo ministro respectivo, apresentado aquelle decreto, ácerca do qual elle, relator, não dizia uma unica palavra no seu aliás bem escripto parecer.
Não podia attribuir a má vontade do relator aos cereaes, ou á agricultura, mas á circumstancia de nem sequer haver sido presente á commissão aquelle diploma pelo sr. ministro da fazenda, como aliás lhe cumpria fazer.
O sr. Pinheiro Chagas: - É para declarar ao illustre deputado que houve effectivamente um lapso.
O Orador: - Ora ahi está uma demonstração prompta e eloquente, de que tudo isto foi discutido de leve e precipitadamente.
Poderia requerer, em vista da resposta do illustre relator, que o projecto do bill voltasse á commissão, para, depois de considerados esse e talvez alguns outros lapsos, voltar á camara para ser discutido e votado.
Não o fará, porém; mas espera que antes de fechada a discussão na generalidade, a commissão trará á camara um additamento ao seu parecer, referente ao decreto dos cereaes, e fará distribuir pelos srs. deputados o decreto alludido. Não analysaria por emquanto o mesmo decreto, pela consideração que lhe merece a commissão, e porque aguarda o resultado do seu novo estudo. Em todo o caso, não poderá deixar de lembrar á camara um facto que, vem ainda demonstrar quanto differem os processos empregados pela opposição progressista da antiga opposição regeneradora, cujos membros mais salientes estão hoje sentados nas cadeiras do governo.
Em 1888, o governo progressista, em lucta com os moageiros, tivera que transigir em baixar o direito sobre os trigos, emquanto não importava farinhas. Foi por isso fortemente aggredido o gabinete de então. Agora o governo não só faz o mesmo, mas no relatorio do decreto declara ser alto o preço de 20 réis. Os actuaes ministros achavam moderado então o direito de 25 réis. Acham agora alto o de 20 réis, e baixam-no a 16 réis! Não os censura por isso; apenas dirá que estão pagando agora as impaciencias de que deram provas quando opposição, e pagam-nas bem caras.
Em seguida, o orador, referindo-se ao decreto de 20 de março d'este anno, demonstrou que, a serem verdadeiras as doutrinas sustentadas pelo actual sr. ministro das obras publicas quando era opposição, deveria esse decreto representar um acto da dictadura. E, todavia, não fora assim considerado pela commissão.
A mesma lei, em que se fundara o sr. Emygdio Navarro para a reforma decretada em 30 de dezembro de 1886, era a que auctorisava agora o sr. Frederico Arouca para a nova remodelação do ensino nos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto.
Se era dictadura então, como sustentava o sr. Arouca, como dictadura deve considerar-se o decreto da ultima reforma, da responsabilidade de s. exa.
Se não é dictadura a nova reforma, tambem o não era a de 1886, que tão combatida fôra pelo actual sr. ministro das obras publicas. Não insistia neste ponto, porque, com a sinceridade que o caracterisa, e porque não deseja fazer opposição acintosa ao governo, diria que, coherente com as suas idéas, sustentava hoje que não era dictadura o decreto de 20 de março de 1890, como o não foi o decreto de 30 de dezembro de 1886. Procederá sempre assim, com sinceridade e sem accinte, e responde pelos seus collegas, porque é proposito da opposição, progressista, hoje, e do seu brio, o não parecer-se com a impaciente e irrequieta opposição regeneradora do hontem.
Quando diz opposição regeneradora, refere-se á opposição regeneradora, em geral, mas é de justiça exceptuar alguns deputados, aliás poucos, entro os quaes o sr. Frederico Arouca, que fizera sempre uma opposição, energica sim, mas impessoal, cavalheirosa, digna e levantada.
Antes de proseguir, e para proceder com toda a since-

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1890 527

ridade, perguntaria á commissão do bill, ou antes, ao seu illustre relator, se ella tomára nota das erratas, que, em relação a alguns decretos dictatoriaes, foram em tempo publicadas no Diario do governo. Era natural a pergunta, desde que nos documentos apresentados á camara não figuram as erratas officaes. Citaria desde já a errata relativa ao artigo 10.° do decreto sobre a liberdade de imprensa, no qual se preceitua que «o material typographico responde pelo pagamento das multas, em que tenham sido condemnados os responsadeis do periodico, sem que a isso possam ser oppostos embargos fundados em qualquer especie de privilegio ou de hypotheca.»
Salvo devido respeito, parecia-lhe que este modo de dizer implicava uma heresis juridica. É leigo em materia de jurisprudencia, mas sempre ouvira dize, e lera-o ultimamente no codigo civil, que só podiam ser hypothecados os bens immoveis e os immobilisados, de que se fez menção no artigo 375.° do mesmo codigo, e esses são: os productos e partes integrantes dos predios urbanos, que não podem ser separadas sem prejuizo, do serviço util que de vem prestar, salvo sendo destruidas pelo proprio dono do predio; os direitos inherentes aos predios rusticos e urbanos, e os fundos consolidados que se acharem immobilisados perpetua ou temporariamente».
Isto era disposição expressa no codigo civil. Que lhe conste ha uma excepção mencionada no novo codigo commercial, a qual consiste em poderem-se constituir hypotheses sobre navios, por disposição da lei ou por convenção das partes.
O sr. Pinheiro Chagas: - Se o illustre deputado lhe dava licença diria que não era leitor assiduo, como s. exa., do Diario do governo. Na commissão trabalhámos sobre os documentos, que nos foram enviados pelo governo, e n'elles estão consignadas todas as emendas que a commissão e os srs. ministros entenderam dever introduzir nos decretos dictatoriaes; agora quanto a pontos de direito, não entendia nada d'isso, e parecia-lhe que ao illustre deputado tambem succedia outro tanto. Comtudo, na especialidade responderia ás suas observações.
O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - O illustre deputado dá licença?
O Orador: - Com muito gosto.
O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): - É unicamente para responder á pergunta do illustre deputado. Effectivamente veiu publicado o decreto no Diario do governo com um erro, mas devia declarar que no autographo apresentado á assignatura de Sua Magestade se diz unicamente privilegio, e não se encontra n'elle a palavra hypotheca.
O Orador: - Era, effectivamente, leigo n'estas questões de direito, como já o declarára; mas, quanto ao ponto que se debate, sempre diria ao sr. Pinheiro Chagas que já obrigára um membro do governo e o relator da commissão, um após outro, a darem explicações, o que ao menos provava que fôra bem fundada a sua duvida.
Mas, apesar de leigo, diria ainda que não obstante a errata, isto é, a suppressão da palavra hypotheca, a redacção do artigo permanecia incorrecta, pois não comprehendia o que fosse oppor embargos fundados em qualquer especie de privilegio. Lendo os artigos do codigo do processo civil, parecera-lhe que não eram applicaveis á hypothese os artigos 912.° e 922.°, que tratam de embargos de executado é de embargos de terceiro. Salvo o devido respeito, parecia-lhe que o governo quizera referir-se á opposição de privilegios ou direitos de preferencia, que, como é sabido, são deduzidos por articulados até ao decimo dia depois da arrematação ou da adjudicação provisoria, e não á opposição de embargos fundados em privilegios ou direitos de preferencia. Estava, ao menos, persuadido de que os embargos não constituiam um meio de pedir, mas um meio de impedir.
O sr. Pinheiro Chagas: - Se v. exa. me dá licença de ir a casa do sr. Beirão, lá averiguaremos isso.
O Orador: - Estava convencido de que o sr. Beirão receberia com muito gosto em sua casa o illustre relator da commissão, e lhe ensinaria, em questão de direito, como aquelles que melhor o podessem fazer. Por sua parte estava prompto a acompanhar s. exa., e por certo muito aproveitaria com a lição do illustre jurisconsulto e seu distincto amigo, o sr. Veiga Beirão. Mas, fallando a serio, não podia deixar de lamentar que, fazendo parte da commissão tantos e tão illustres jurisconsultos, deixassem escapar um erro tão manifesto, não o corrigindo pela melhor fórma do direito.
Tem muito medo d'esses erros juridicos, que podem seriamente prejudicar os interesses da sociedade. Lembra, a proposito, o que se deu com a reforma do codigo penal em 1884. O seu illustre collega o sr. Emygdio Navarro propozera que á lei se juntasse um artigo preceituando que «da sentença condemnatoria, proferida em processo de policia correccional, houvesse sempre recurso, com effeito suspensivo até ao supremo tribunal, quando a pena applicavel ao crime excedesse a alçada do juiz, se o condemnado não tivesse prescindido do recurso no principio do julgamento». A proposta fôra acceita pelo ministro, que era tambem n'esse anno o seu illustre amigo, o sr. Lopo Vaz, e foi approvada pela camara dos senhores deputados, e, poucos dias depois, pela dos dignos pares do reino. Mas que acontecêra? Na lei, publicada no Diario do governo, apparecêra effectivamente inserta a proposta do sr. Navarro (artigo 3.° da lei de 14 de julho de 1884), mas, em vez da palavra applicavel lê-se a palavra applicada! A simples mudança de um substantivo em um participio, produzíra uma alteração profunda no pensamento da proposta, resultando ficar, em muitos casos, dependente do arbitrio do julgador á faculdade de recurso estabelecida n'aquelle artigo, segundo fixasse na sentença a pena temporaria, de modo a exceder ou não a sua alçada, o que é absolutamente contrario aos principios liberaes, que devem reger o exercicio do direito de defeza. É certo, que o ministro fizera publicar, em 2 de julho de 1884, uma portaria explicativa no sentido da interpretação mais liberal; mas a portaria que não derogou a lei, não póde obrigar os juizes e os tribunaes, e, em todo o caso não desculpa nem justifica a leviandade havida. Não sabe se no autographo levado á sancção regia havia a palavra applicavel ou a palavra applicada; o que sabe é que o Diario do governo nunca publicou qualquer errata a tal respeito.
Em seguida o orador passou a occupar-se da dictadura referente á liberdade de imprensa que melhor se deve denominar de oppressão á imprensa. Annunciou que, embora acceite os principios geraes expostos pelo sr. Emygdio Navarro, combaterá essa dictadura, que reputa affrontosa á imprensa do paiz, anti-liberal e obnoxia. Considera-a em muitos pontos peior do que a lei de 3 de agosto de 1850, derogada pelo decreto de 22 de maio de 1851.
Um só exemplo apresentaria desde já para provar o seu asserto, independentemente de outros argumentos, que durante o seu discurso apresentaria á consideração da camara. A lei de 3 de agosto, embora contivesse disposições que contrariavam a liberdade da imprensa, era em certo ponto mais equitativa, porque cercava todos os seus rigores de escrupulosas garantias de justiça. Ella estabelecia, um jury especial para os delictos da imprensa, e esse jury não só julgava, mas havia recurso para elle da pronuncia do juiz. É o que consta do artigo 37.° e seus paragraphos d'essa lei. Eram formalidades impostas á pronuncia pelo proprio cabralismo! E, todavia, contra essa lei, menos attentatoria da liberdade da imprensa do que a dictatorial que se discute, protestavam energicamente os homens de letras e os jornalistas d'aquelle tempo, entre os quaes figurava o actual presidente do conselho.
É o solemne protesto de 18 de fevereiro de 1850, publicado em varios jornaes, e a que alludíra o seu illustre

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528 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

collega o sr. Beirão e tambem o seu distincto correligionario o sr. Lobo d'Avila.
É significativo e altamente liberal o relatorio que precede e fundamenta o decreto dictatorial de 22 de maio de 1881, firmado pelos duque de Saldanha, marquez de Loule, José Ferreira pestana, Joaquim Filippe de Soure, Jervis de Athouguia e Marino Franzini; e, por isso, pede licença á camara para o ler.
(Leu.)
Diz se n'este documento, como a camara ouviu, que a lei de 1850, longe de assegurar o uso, e de puro o abuso de um direito sacratissimo, solemnemente declarado no codigo politico, suffocava e opprimia a imprensa, e era a flagrante violação do § 3.° do artigo 145.° da carta constitucional da monarchia.
Que diriam hoje, caso vivessem, aquelles illustres estadistas, aquelles espiritos liberaes, tão devotados á causa da liberdade, pela qual tanto padeceram, se vissem e lessem a lei dictatorial do actual governo?
(Tendo dado a hera, o orador ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.)
O sr. Eduardo Abreu: - Quando ha pouco o sr. ministro das obras publicasse dignava responder a uma pergunta feita pelo meu amigo o sr. Francisco Machado, e no momento em que o mesmo sr. ministro se referia á auctoridade que aquelle illustre deputado tinha para discutir n'esta casa uma certa ordem de assumptos que não sei se diziam respeito á agricultura, eu pronunciei o seguinte aparte, perfeitamente correcto, perfeitamente inoffensivo, talvez o áparte mais inoffensivo que um deputado da opposição ha cinco annos a esta parte, tenha proferido d'este fado da camara: «Tanta auctoridade tem o sr. Francisco Machado como v. exa.» (referindo-me ao sr. ministro das obras publicas).
Eu não ouvi, mas constou-me por pessoa digna de todo o credito, que parece que o sr. ministro das obras publicas disse em resposta a este áparte, referindo-se a mim: «V. exa. tem ainda menor auctoridade desde que no outro dia não respondeu ao sr. José do Azevedo».
Ora, eu pergunto: S. exa. pronunciou estas palavras?
Se as pronunciou, s. exa. acrescentará aquillo que entender.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Do discurso proferido ha pouco pelo illustre deputado o sr. Elvino de Brito, posso eu tirar uma phrase, com a qual respondo ao illustre deputado.
Dizia o sr. Elvino de Brito que nos seus discursos n'esta camara nunca saíam, conscientemente, exposições ou palavras que podessem ferir o caracter de ninguém dentro d'esta casa. Eu aproveito esta phrase para responder ao illustre deputado.
É exacto ter eu dicto as palavras que o illustro deputado me attribuiu. É exacto que eu as disse, com a idéa de me referir á sua auctoridade parlamentar e politica - a menos que o illustre deputado, quando contestava a minha auctoridade, não quizesse referir se á auctoridade parlamentar e politica, e fizesse referencia á auctoridade do outra qualquer especie.
N'esta camara, durante longos annos de opposição, nunca proferi uma palavra, que me visse obrigado a explicar ou a retirar. Continúo hoje com o mesmo proposito.
Referia-me á auctoridade parlamentar e politica; e se não magoei o sr. Francisco Machado, não me parece que podesse ter maguado o sr. Eduardo Abreu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Antonio Maria Cardoso: - Participo a v. exa. que está constituida a commissão de marinha; tendo nomeado presidente o sr. Pinheiro Chagas, e a mim para secretario.
O sr. Presidente: - Peço ao illustre deputado que mande para a mesa essa participação por escripto.
O Orador: - Vou já mandal-a.
Leu-se na mesa a seguinte:

Participação

Communico a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de marinha, tendo nomeado presidente o sr. conselheiro Pinheiro Chagas e tendo-mo escolhido a mim para secretario. = Antonio Maria Cardoso.
Para a secretaria.

O sr. Campos Henriques: - Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a proposta do governo, relativa ao addicional de 6 por conto.
Foi a imprimir.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta-feira é a continuação da que está dada.
Está levantada a sessão.
Eram pouco mais de seis horas e meia da tarde.

O redactor = Barbosa Colen.

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