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N.º 31

SESSÃO DE 25 DE FEVEREIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os exmos. srs.´

José Eduardo Simões Baião
Abilio Augusto Madureira Beça

SUMMARIO

Lido o expediente, é lançado na acta um voto de sentimento pela morto do sr. João de Sousa Machado, associando-se o governo ao pezar manifestado pela camara. - É auctorisada a mesa a nomear as commissões ainda não eleitas. - O sr. Rodrigues Ribeiro apresenta um projecto de lei. - Os srs. ministro dos negocios estrangeiros e Marianno de Carvalho trocam explicações sobre uma concessão de terrenos em Catembe, e uma iudemnisação dada aos subditos inglezes pelas depredações soffridas pela gente do Maputo. - Fallam, para apresentação de propostas e requerimentos, os srs. Costa Pinto, conde de Valle Flor, Antonio Campos, Jayme de Magalhães Lima e Feireira de Almeida.

Na ordem do dia, continuação da discussão do projecto de lei n.º 7, que estabelece pensões militares, faliam os srs. Teixeira de Sousa, Marianno de Carvalho, Jacinto do Couto, presidente do conselho, João Arroyo, Dias Ferreira e Abilio Beça, sendo o projecto approvado, e tendo-se prorogado a sessão a requerimento do sr. Adolpho Pimentel.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes a chamada, 53 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Adriano da Costa, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Hygino Salgado de Araújo, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro da Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto César Claro da Ricca, Conde de Valle Flor, Diogo José Cabral, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco Rangel de Lama, Jacinto José Maria do Couto, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jayme de Magalhães Lima, João Alves Bebiano, João Lopes Carneiro de Moura, João Marcellino Arroyo, João da Mota Gomes, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Rodrigues Ribeiro, José Adolpho de Mello e Sousa, José Bento Ferreira de Almeida, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Freire Lobo do Amaral, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Mendes Lima, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Júnior, José dos Santos Pereira Jardim, José Teixeira Gomes, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Bravo Gomes, Manuel Francisco Vargas, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Marianno Cyrillo de Carvalho, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha, Visconde de Leite Perry e Visconde de Palma de Almeida.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio Candido da Costa, Antonio José Lopes Navarro, Conde do Villar Secco, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jeronymo Osorio de Castro, José Eduardo Simões Baião Abilio Augusto Madureira Beça Cabral e Albuquerque, João Ferreira Franco Pinto Uastello Branco, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Dias Ferreira, Lueiano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto de Soveral, Manuel Pedro Guedes, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Quirino Avelino de Jesus, Romano Santa Clara Gomes, Theodoro Ferreira Pinto Basto e Visconde de Tinalhas.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo de Moraes Carvalho, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio de Castro Pereira Corte Real, Antonio José Boavida, Augusto Dias Dantas da Gama, Augusto Victor dos Santos, Ber-nardino Camillo Cíncinnato da Costa, Carlos de Almeida Braga, Conde de Anadia, Conde de Jacome Correia, Conde de Pinhel, Conde de Tavarede, Diogo de Macedo, Francisco José Patricio, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jacinto Cândido da Silva, João José Pereira Charula, João Maria Correia Ayres de Campos, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Correia de Barros, José Joaquim Aguas, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, Licinio Pinto Leite, Luiz Osório da Cunha Poreira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel de Sousa Avides, Visconde do Banho, Visconde de Nandufe e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando 100 exemplares da 5.ª secção commercial do Livro branco de 1896, relativo ao tratado de commercio com a Noruega.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Como a camara sabe, falleceu o sr. João de Sousa Machado, que por muitos annos fez parte desta camara.

Os srs. deputados que foram seus collegas tiveram occasião de conhecer as eminentes qualidades do extincto?

O sr. Costa Pinto: - Apoiado.

O sr. Presidente: - Não só pelo sen trato affavel para com todos, como tambem pela sua elevada intelligencia e distincção, o sr. João de Sousa Machado mereceu sempre a consideração de todos. (Apoiados.)

Os que fizeram, parto da camara a que s. exa. pertenceu sabem bem que o illustre extincto prestou relevantes

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serviços á provincia de Cabo Verde, que por larguissimos representou.

Creio, pois, interpretar os sentimentos da camara, propondo que na acta das nossas sessões se consigne um voto de profundo sentimento pela sua morte, e desta resolução se dê parte á familia do illustre finado. (Apoiados.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, com verdadeiro sentimento me associo á expressão de condolência que v. exa. acaba de manifestar pela morte do sr. João de Sousa Machado.

Era um caracter nobilissimo e foi durante muitos annos membro d'esta casa do parlamento, prestando relevantissimos serviços, como representante da provincia de Cabo Verde.

Associo-me com tanta mágua, quanto é certo que fui amigo dedicado de João de Sousa Machado e tive occasião de apreciar, não só as suas qualidades pessoaes, mas ainda a dedicação politica com que acompanhou o partido a que tenho a honra de pertencer.

O sr. Presidente: - Os srs. deputados que approvam que se consigne na acta da sessão um voto de profundo sentimento pela morto do sr. João de Sousa Machado, queiram levantar-se.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Está approvado.

O sr. Thomás Sequeira: - Participo a v. exa. que se constituiu a commissão de obras publicas, escolhendo para seu presidente o sr. Marianno Cyrillo de Carvalho, e a mim, participante, para secretario.
Vae no final da sessão.

O sr. Teixeira de Sousa: - A fim de dar seguimento aos trabalhos da camara é preciso eleger diversas commissões; por isso tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho que a mesa seja auctorisada a nomear as commissões da camara que não estão eleitas, com. excepção da que tem do dar parecer sobre os decretos que têem relação com a auctorisação da lei de 26 de fevereiro do 1892. = Teixeira dá Sousa."

Peço a v. exa. se sirva consultar a camara sobre se admitte a urgencia d'esta proposta.

Admittida a urgencia, e não soffrendo discussão a proposta, foi approvada por levantados e sentados.

O sr. João Rodrigues Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para fazer uma declaração e tambem uma proposta, a qual fundamentarei com breves considerações. Quando na quinta feira ultima os srs deputados pelo districto de Santarem apresentaram uma proposta de condolencia pela enormissima catastrophe que enlutou um grande numero de familias, eu não estava presente, um
dever imperioso me retinha em Santarem, não assistindo por isso á sessão; se estivesse presente, teria a honra de pedir para assignar a proposta.

Feita esta declaração, apresento uma pequena proposta e farei umas ligeiras considerações.

A catastrophe occorrida recentemente em Santarem deixou na orphandadc muitas creanças, fez derramar muitas lagrimas, espalhou o luto e a tristeza por muitas pessoas, o familias houve que ficaram por completo sob as ruínas do edifício!!

Outras deixaram viuvas e orphãos, que têem sido auxiliados com os soccorros que na occasião pareceram mais necessarios.

Os soccorros da iniciativa particular com toda a boa vontade têem sido prestados aos tristes, que lastimavam a sua sorte em terem os seus amigos e parentes sepultados nas chammas o ruinas do edificio!

A iniciativa particular foi e continua a ser altamente ajudada pela generosidade de Suas Magestadea. Suas Magestades partiram na quinta feira para Santarem, e o desejo que eu tive em acompanhar Suas Magestades deu origem a que infelizmente n5o podease assistir a sessão de quinta feira, e associar-me por isso á proposta, como já disse.

Mas, sr. presidente, não está feito tudo ; e para se prestarem devidamente soccorros às familias das victimas, aos orphãos e às viuvas organisou-se em Santarem uma commissão do pessoas bemquistas na localidade; esta commissão esta feido bem recebida em toda a parte, e é louvavel a sua iniciativa.

É a caridade enrista, que move aquella boa gente, e os seus trabalhos certamente terão bom exito.

Tem a commissão dois fins; um continuar a prestar soccorros às viuvas e orphãos; outro de levantar um pequeno jazigo em que sejam recolhidos os restos das victimas d'aquella tremenda catastrophe. Estes restos carbonisados e mutilados estão mettidos n'uns caixões pobres, de madeira, e sepultados em separado no cemitério; muitos cavalheiros, alguns dos quaes estão nesta camara, se têem associado o contribuido com os seus donativos; mas isto ainda não e bastante; se a camara se dignar prestar attenção ao meu projecto, estou certo de que se obterá o que se deseja. Mando para a mesa o projecto para que peco a urgencia.

(Leu o projecto.}

Este projecto é assignado pelos srs. Marianno de Carvalho, João Arroyo, Mascarenhas Pedroso, Augusto Ricca, Figueiredo Leal, D. Luiz de Castro, deputados pelo districto de Santarem, e por mim.

Parecia-me, portanto, justo que a camara prestasse a sua attenção a este projecto e o approvasse.

Quando foi do incendio do theatro Baquet, no Porto, a iniciativa particular apresentou-se logo generosamente a contribuir, assim como os poderes públicos contribuíram. Alguma cousa fez já a commissão de Santarem neste sentido, estando aberta a subscripção em differentes locaes da cidade.

Tem sido sympathica esta idéa a toda a gente; é uma obra piedosa o meritoria.

O sr. Santos Viegas: - Apoiado.

O Orador: - Por isso eu mando para a mesa o projecto para que chamo a attenção da camara.

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º E o governo auctorisado a despender a quantia de 500$000 reis para auxilio da construcção de um jazigo no cemitério de Santarem, onde se guardem os cadáveres das victimas do incendio que na noite de 18 de fevereiro de 1896 destruiu o club artistico d'aquella cidade.

Art. 2.° Esta quantia será posta á disposição do governador civil do districto de Santarem, para este a entregar ao presidente da commissão organisada para a construcção do jazigo.

Art. 3.° O presidente da mesma commissão dará conta á auctoridade competente da applicação que tiver dado aquella quantia.

Art. 4.º Fico, revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 25 de fevereiro de 1896. = Marianno de Carvalho = João Arroyo = José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso - Figueiredo Leal = Augusto Ricca = D. Luiz de Castro = J. Rodrigues Ribeiro.

Foi approvada a urgencia e mandado para a commissão.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz do Soveral): - O sr. conselheiro Marianno de Carvalho pediu na sessão de sabbado algumas explicações ao governo a respeito da administração da provincia de Lourenço Marques. Eu não estava presente nassa sessão, mas fui informado do pedido de s. exa. pelo meu collega o sr. ministro do reino.

Vim hontem a esta casa na intenção de responder ao

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sr. Marianno de Carvalho, e pedi a palavra, mas por engano, por certo explicavel, não me foi concedida. Eu alludo a este facto só para que s. exa. não attribua a falta de consideração, a demora que tive nessa resposta. Não foi. Foi devida a circumstancias independentes da minha vontade.

Desejou s. exa. saber, em primeiro logar, se houve cedencia á Allemanha de alguns terrenos na Catembe, e, em segundo logar, se foi paga uma indemnisação pecuniaria a alguns subditos inglezes por prejuízos soffridos nessa região.

Na ausencia do meu collega o sr. ministro da marinha tenho de responder â primeira questão, dizendo: "que é absolutamente inexacto que o governo ou as auctoridades da provincia de Moçambique tenham feito cedencia de territorios na Caterabe a qualquer governo estrangeiro." Não tenho noticia de outros contratos relativos a terrenos nessa região, senão o apuramento feito pelo governador geral da provincia de Moçambique, em 1887 e nos termos do decreto de 1865.

Pelo que diz respeito á indemnisação paga aos subditos inglezes, houve o seguinte:

Em 1894, - creio que em setembro, - o governador geral da provincia de Moçambique, mandou buscar gente ao Maputo para ir combater os revoltosos da Magaia.

A gente de Maputo reuniu nas terras de Catembe, e ali fez grandes depredações nos estabelecimentos de alguns subditos inglezes. O cônsul de Inglaterra, no jnez seguinte, que creio era outubro, dirigiu ao governador de Lourenço Marques vários pedidos de indemnisações, fundamentados no facto de terem essas depredações sido feitas por indígenas, chamados, pelas auctoridades portuguezas para defender e estabelecer a ordem, e não pelos rebeldes ou inimigos exteriores. Apesar d'isso, o governador de Lourenço Marques não admittiu esses pedidos de indemnisações. Trocaram-se varias communicações entre essas duas auctoridades - o consul inglez e o governador de Lourenço Marques - e foi preciso que o cônsul inglez se despisse do caracter de pleiteante, e appellasse para os sentimentos de equidade o de amisade do governo portuguez, para que este desse ordem ao seu commissario régio em Moçambique, afim de se entregar ao cônsul inglez 450 libras, destinadas a indemnisar os subditos inglezes mais pobres que tivessem soffrido com esses acontecimentos.

Parece-me ter dado as explicações que o illustre deputado pediu.
Nada mais.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Agradeço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros as explicações que acaba de me dar, e a cortezia extrema de particularisar publicamente o motivo, porque hontem o não fez. S. exa. já hontem, particularmente, tinha tido a amabilidade de me dizer a rasão; porque me não tinha dado a honra de responder-me, o que muito agradeço.

Pelo que respeita á indemnisação de 450 libras a varios subditos inglezes que soffreram depredações pelas forças de Maputo, chamadas pelo governador de Lourenço Marques para debellar a revolta em 1894, não tenho nada a dizer, e acceito a narração do sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Efectivamente, na occasião em que se reuniram em Catembe os homens do Maputo que tinham sido chamados para defenderem e estabelecerem a ordem publica, alguns subditos inglezes foram prejudicados. O consul inglez, desistindo do caracter de pleiteante, appellou para os sentimentos de equidade do governo portuguez, e acho que este fez bem em indemnisar esses homens.

Quanto á outra informação que s. exa. deu, não corresponde á minha pergunta.

A minha pergunta não era, nem podia ser "que o governo portuguez, ou as auctoridades portuguezas tinham dado territorio ao governo allemão em Catembe, embora essas concessões fossem feitas só por direitos de propriedade ou por direitos de soberania)). Não foi essa a minha pergunta, porque comprehendo perfeitamente que o governo não podia, sem lei especial - nem mesmo por acto dictatorial - ceder parte dos domínios de territórios a qualquer potencia estrangeira.

A minha pergunta foi outra. Foi, se a auctoridade portugueza tinha feito concessões de terrenos a subditos allemães, nos termos dá lei, e se estes offereceram ao governo allemão esses terrenos, ou o direito de propriedade, e se o governo allemão acceitou a concessão.

Não tive tempo de verificar se na nossa legislação, tanto com relação á metrópole, como com relação ao ultramar, ia alguma disposição relativa a poder qualquer potencia estrangeira possuir em propriedade, que não em soberania, terrenos no territorio portuguez.

É evidente que quanto a concessões com direito magestatico ellas podem ser feitas pela nação portugueza, mas em virtude da lei. E não sei mesmo se ellas só poderão ser feitas por cortes constituintes; mas emfim, por côrtes de qualquer maneira constituídas, estas concessões podem ser feitas pela nação portugueza legalmente representada. O que digo é que não me lembro se na nossa legislação relativa á metropole ou ao ultramar ha alguma disposição que permitta a uma potência estrangeira possuir, em território portuguez, não por direito de soberania, mas por direito de propriedade, qualquer terreno.

Eu tenho uma idéa vaga a este respeito; mas se lia, ou se houve qualquer transmissão de propriedade no governo allemão, evidentemente o governo portuguez tem de intervir pelas vias diplomaticas para este caso se regular. Se não ha na legislação patria nenhuma disposição a este respeito, eu convidaria o governo a estudar o assumpto, e que visse, se pelo menos em relação ao ultramar, não era urgente e indispensavel estabelecer condições que prohibissem a qualquer concessionário de terreno", ou a qualquer proprietário de terrenos, o direito de ceder esses terrenos a uma potência estrangeira sem licença do governo portuguez.

Todos comprehendem os graves inconvenientes que podem provir de uma potência estrangeira ser proprietaria de terrenos dentro do territorio portuguez, e por is,so eu envidava o governo a que, se ha alguma disposição a este respeito na nossa legislação, interviesse diplomaticamente para resolver este assumpto como de conveniencia publica e de direito for; e se não ha, entendo que é necessario fixar um direito, porque me parece incontestável que o facto de, sem auctorisação do governo portuguez uma potência estrangeira ser proprietaria de terrenos em territorio portuguez, póde ser altamente perigoso.

Portanto, repito, eu convidava o governo a estudar este assumpto, fazendo lei a tal respeito.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa cinco requerimentos de officiaes do exercito que se julgam, e a meu ver com rasão, prejudicados com o decreto dictatorial que fixou o limite da idade.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz do Soveral): - Desejo acrescentar mais algumas considerações às que ha pouco fiz.

Estes aforamentos foram feitos em 1887 pelo governador geral de Moçambique. Um foi feito ao sr. Paulino Fornazmi, subdito portuguez estabelecido em Lourenço Marques, outro ao subdito francez Carlos Wacke e ao subdito hespanhol Pablo Perez. Estes remiram o fôro, e por consequência estavam na posse plena da propriedade.

Consta-me tambem, extra-officialmente, que o sr. Paulino Formazini e os outros cederam esta propriedade, e estavam no seu direito, a um subdito allemão chamado Eiffe.

E d'ahi vem esse boato que tem circulado nos jornaes.

O sr. Marianno de Carvalho: - O que noticiam

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todos os jornaes do Transvaal é que esse sr. Eiffe, vindo á Europa, offereceu ao governo allemão os seus terrenos, que aquelle governo acceitou.

O Orador: - É o que eu tenho lido nos jornaes. Concordo com o que s. exa. acaba de dizer.

O governo estudará maduramente a questão e, ou pelos meios diplomaticos, ou por aquelles que lhe facultar a lei vigente, procurará resolvel-a como entender conveniente.

O sr. Costa Pinto: - Cabendo-me a palavra depois de ter faltado o sr. ministro dos negócios estrangeiros gostosamente felicito s. exa. pelas explicações correctas e claras que sobre assumptos importantes acaba de dar á camara, o que representa para s. exa. lima auspiciosa estreia parlamentar.

Feito este cumprimento ao meu antigo amigo, vou usar da palavra para o mim para que a tinha pedido.

Serei muito breve no que tenho a dizer para não fatigar a camara.

Na sessão de 5 de março de 1892 chamava eu a attenção do governo para a necessidade de se montar o serviço de soccorros a naufragos, attenta a conveniencia, por todos reconhecida, do acudir a qualquer desastre no nosso litoral.

O sr. presidente do conselho de ministros d'aquella epocha, o sr. conselheiro Dias Ferreira, respondia-me, que o governo pensava em elaborar a este respeito uma proposta do lei, trazendo-a em breves dias ao parlamento.

Passado pouco tempo deu-se o grande desastre na Povoa de Varzim, horrorosa catastrophe em que houve muitas victimas por falta de soccorros maritimos!

Foi então que o illustre ministro da marinha e meu amigo o sr. conselheiro Ferreira do Amaral, trouxe ao parlamento o projecto do lei que nós votámos com todo o enthusiasmo. Foi relator d'esse projecto o nosso antigo collega e infatigavel trabalhador o sr. Alberto Pimentel.

Votada a lei e posta em execução, reconheceu-se, na pratica, que tinha inconvenientes, e foi o próprio relator, o sr. Alberto Pimentel, que, passados dois annos veiu, ao parlamento propor que se nomeasse uma commissão para rever a lei, colhendo-se todas as informações que podessem indicar ao parlamento as modificações a fazer.

Ha dias o nosso illustre collega e meu amigo, que não vejo presente, o sr. Francisco José Patrício, proferiu nesta cana algumas palavras sobre a questão de soccorros a náufragos, chamando a attenção do governo para a necessidade instante da reorganisação d'estes importantissimos e humanitarios serviços.

Respondeu ao sr. Francisco Patricio o meu particular amigo o sr. Polycarpo Anjos, illustre vogal cia commissão central de soccorros a naufragos, e das declarações distes dois membros do parlamento reconhece-se, que effectivamente, apesar da dedicação e boa. vontade, não só da augusta presidente da commissão, a excelsa e caritativa Rainha, a Senhora D. Maria Amelia, mas de todos os outros membros da commissão, a lei nSo satisfaz quanto é para desejar, e é preciso, que se colham informações baseadas na pratica do quatro annos em que a lei está em execução, e se modifique, no sentido do a tornar pratica e proficua. A commissão proposta pelo sr. Alberto Pimentel chegou a ser nomeada pela mesa na sessão de 13 de novembro do 1894, mas pelos acontecimentos subsequentes, e que todos conhecemos e lamentamos, essa coumiissão nunca chegou a constituir-se.

A exemplo, pois, do que praticou o sr. Alberto Pimentel apresento hoje esta proposta:

"Proponho que seja nomeada pela mesa uma commissão de nove membros que, revendo a carta de lei de 21 de abril de 1892, (sobre soccorros a naufragos), possa indicar quaes as modificações que a pratica de quatro annos tenha mostrado tornarem só convenientes e necessarias."

Mando a proposta para a mesa e peço a v. exa. que consulto a camara se a julga urgente.

Tenho tambem para mandar para a mesa um requerimento do sr. Constantino José de Brito, coronel da arma de engenheria, que faz umas reclamações que a camara tomará na devida consideração.

Peço ainda, por parte da commissão de administração publica, que a camara consinta que á mesma commissão seja aggregado o nosso collega o sr. Lopes Navarro.

(S. exa. não reviu.)

Foi declarada urgente a proposta apresentada pelo sr. Costa Pinto.

Foi approvada a proposta do sr. Costa Pinto aggregando á commissão de administração publica o sr. Lopes Navarro.

O sr. Conde de Valle Flor: - Mando para a mesa sete requerimentos de officiaes do ultramar.

Vão no fim da sessão.

O sr. Antonio de Campos: - Mando para a mesa alquns requerimentos do officiaes de engenheria e um projecto de lei.

Vão no fim da sessão.

O sr. Magalhães Lima: - Mando para a mesa, por parte da commissão do ultramar, um pedido para que lhe seja aggregado o sr. deputado Rangel do Lima e todos os srs. deputados do ultramar que forem tomando assento na camara.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção apresentou a ultima redacção sobre a reforma do regimento, e foi ella publicada num appendice á sessão de 21 de fevereiro. Os srs. deputados que a approvam têem a bondade do se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguém inscripto; vae passar-se á ordem do dia. que é a continuação do pareceu das commissões reunidas, de guerra e do marinha, ácerca das pensões aos expedicionarios.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 7 que estabelece pensões militares

O sr. Teixeira de Sousa: - Em harmonia com as disposições do regimento vou ler a minha moção de ordem.

(Leu).

Tenho a honra de fazer parte da commissão de guerra, e por isso entendi que não podia ficar silencioso diante das repetidas investidas que a essa commissão foram feitas pelo illustre deputado o sr. Arroyo; mas pela ordem da inscripção, só pude usar da palavra em seguida ao sr. Dias Ferreira; e v. exa. e camara com prebendam quão difficil é a situação em que me encontro. Responderei aos dois illustres deputados, como poder e souber, certo de que v. exa. e a camara mo relevarão da insuficiencia da minha palavra.

Mal pensava eu, ao abrir-se a discussão deste projecto, que ella tomaria o calor que a tem dominado, sobretudo tratando-se de premiar os nossos heróicos soldados, que na campanha de Lourenço Marques tão assignalados serviços prestaram á pátria e que tão alto levantaram o nome portuguez, pretendendo-se comprometter a commissão de guerra com a camara, a commissão com o sr. ministro da guerra, o sr. ministro da guerra com os seus collegas no governo e com o exercito, de que é prestigioso chefe.

Quatro são os pontos principaes que têem dominado a impugnação do parecer que está em discusão.

Accusou-se a commissão de guerra de não ter dado parecer ácerca do projecto apresentado pelo sr. João Arroyo na sessão de 25 de janeiro, em que só pretendia promover a general o sr. coronel Galhardo, commandante das forças expedicionarias a Moçambique. Accusou-se o sr. ministro da guerra de não ter cumprido a promessa parlamentar que fez aqui quando affirmou que no seio da commissão de guerra defenderia o projecto do sr. Arroyo,

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e pretendeu-se metter s. exa. dentro do seguinte dilemma: ou o sr. ministro da guerra não cumpriu a promessa aqui feita, ou se a cumpriu, foi vencido pela commissão de guerra, ficando n'uma situação incompatível com a sua conservação nos conselhos dá coroa. Accusou-se ainda a commissão de guerra de, em logar de apresentar um parecer generico de auctorisação ao governo, apresentar um parecer iudividualisado, falseando assim, na opinião do sr. Arroyo, a indole do systema parlamentar, absorvendo faculdades do poder executivo, e envolvendo, até certo ponto, desconfiança na justiça e imparcialidade com que o sr. ministro da guerra viria a distribuir as recompensas aos officiaes que mais se distinguiram na ultima campanha de Africa. Accusou-se ainda a commissão de guerra de ter citado de falso quando no relatorio que precede o projecto em discussão diz que o relatório do sr. Antonio Ennes tinha sido elaborado sob informações do sr. coronel Galhardo.

Eu vou fazer muito rapidamente a historia do caso e responder muito succintamente aos vários artigos da accusação, fundamentando assim a minha moção de ordem.

Sr. presidente, foram os discursos do sr. Arroyo o Dias Ferreira que me levaram a pedir a palavra; terei por isso mais de uma vez de me referir a s. exa.; mas devo dizer que, qualquer que seja a distancia que separe as opiniões dos illustres deputados das minhas, eu não pronunciarei uma única palavra que possa significar quebra da minha consideração pela auctoridade parlamentar de s. exa., derivadas das suas excepcionaes qualidades de intelligencia e de palavra, e do caracter de s. exas., a que presto a mais sincera homenagem. Não faço esta declaração nem por subserviencia nem por medo, faço-a por espirito de justiça, mesmo por que seria muito penoso para mim que s. exa. vissem em qualquer phrase minha, que porventura falseasse o meu pensamento, cousa diversa do que não fosse uma simples divergência de opinião.

Accusou-se a commissão de guerra por não ter dado parecer sobre o projecto do sr. Arroyo. Não me parece que haja motivo para a commissão ser accusada por esse facto, porque eu não conheço nenhuma disposição legal, nenhuma disposição do nosso regimento, que imponha às cornmissões a obrigação de dar parecer sobre os projectos que lhe são affectos dentro de determinado praso, o a prova de que não existe nenhuma disposição regimental nesse sentido, é que quando ha dias se discutiu um projecto de regimento da camara, o sr. Arroyo propoz que se introduzisse n'elle uma disposição pela qual a camara podesse fixar o praso para as commissões darem os seus pareceres, mesmo quando rejeitassem os projectos submettidos á sua apreciação.

A commissão não procedeu levada por esta ausencia de disposições do regimento. A commissão de guerra, na sua primeira sessão, em seguida ao dia em que o sr. João Arroyo apresentou aqui o seu projecto, tomou-o em consideração. Elaborou-se, de d'accordo com o sr. ministro da guerra, um parecer favorável ao projecto do sr. João Arroyo, ampliando a disposição do mesmo projecto ao sr. capitão Mousinho de Albuquerque que por um modo tão distincto havia posto remate á campanha de Lourenço Marques, assegurando-lhe um exito completo e evitando novos e grandes sacrificios de futuro.

O sr. Marianno de Carvalho: - A commissão chegou a votar o posto de accesso nos termos propostos polo sr. Arroyo.

O Orador: - A commissão na sua primeira sessão elaborara um parecer favoravel ao projecto do sr. João Arroyo.

O sr. Marianno de Carvalho: - Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: - Como v. exa. e a camara viram, o nobre ministro da guerra cumpriu honradamente a promessa feita n'esta camara; e quem conhece o caracter cavalheiroso de s. exa. não hesitará um momento em acreditar que s. exa. a cumprira religiosamente.

Mas o que significava o projecto mandado para a mesa pelo sr. conselheiro João Arroyo? Significava evidentemente um prémio dado ao sr. coronel Galhardo, commandante das forças expedicionarias era Moçambique; era um projecto de interesso propriamente particular, embora assente em motivos de ordem geral e nacional, e todos nós sabemos que em regra os projectos de interesse particular são aqui apresentados a pedido das pessoas a quem utilisam. Não quero dizer que o sr. coronel Galhardo tivesse pedido ao sr. João Arroyo que apresentasse aqui o projecto, nego-o mesmo absolutamente, faço essa justiça aos brios e aos sentimentos do sr. coronel Galhardo; mas, dada a responsabilidade inherente á alta situação politica do sr. João Arroyo, dada a importância e gravidade do caso, em licito suppor que o sr. João Arroyo tinha sérios e fundados motivos para acreditar que o sr. coronel Galhardo recebia a sua promoção a general, sem prejuizo de antiguidade, como previu, e não como motivo de desgosto.

Suppol-o o sr. João Arroyo, faço-lho esta justiça, por que de outra forma poderia pensar-se que s. exa. apenas quizera metter, o sr. ministro da guerra em difficuldadcs; suppol-o a camara, suppul-o eu e suppol-o de certo tambem o illustre ministro da guerra quando aqui promettcu que na commissão de guerra defenderia o projecto do sr. Arroyo. Mas as cousas passavam-se de modo bem diverso.

Emquanto a commissão apreciara o projecto do sr. João Arroyo, o sr. coronel Galhardo fazia saber ao governo que lhe era muito desagradável a approvação do projecto do illustre deputado. E seria realmente curioso que o sr. coronel Galhardo, em vez de receber um prémio que traduzisse a gratidão nacional pelos seus serviços, recebesse apenas um motivo de desagrado e de desgosto. (Apoiados.)

N'estas circumstancias, sr. presidente, parece-me que o sr. ministro da guerra apenas devia fazer uma cousa, era pôr de parte o projecto do er. Arroyo, e procurar outro processo de recompensar os grandiosos serviços que o paiz havia recebido.

E desde que as promoções esbarravam contra difficuldades que provinham da má disposição do sr. coronel Galhardo, parece-me que não podia fazer outra cousa que não fosse procurar outro meio de recompensar os serviços extraordinarios que tinham sido prestados.

Foi o que se fez, e assim se chegou a este systema de pensões individualisadas, no que o sr. João Arroyo quiz ver menos confiança na justiça e na imparcialidade do sr. ministro da guerra, desconfiança que é de todo o ponto infundada e phantasiosa.

E devo dizer a v. exa., sr. presidente, que quando a commissão do guerra apreciou o projecto do sr. João Arroyo, já o sr. ministro da guerra tinha assente a opinião, de que qualquer que fosse o prémio a dar, os serviços relevantes prestados em Africa deviam ser individualisado a sob informações do sr. commissario regio. Já o sr. ministro da guerra, e já a commissão do guerra sabiam, que muitos tinham sido os officiaes que se tinham distinguido na campanha, mas faltavam-lhes as informações com a responsabilidade de informações officiaes escriptas, e por isso é que a commissão de guerra se limitava, por então, a elaborar o projecto que promovia, por distincção, o coronel Galhardo e o Ccipitão Mousinho, o primeiro por que tinha sido cornmandante de todas as forças expedicionárias em Africa, o segundo por que havia posto termo brilhantíssimo á mais memorável campanha que se tem ferido na Africa do sul. (Muitos apoiados.)

E, sr. presidente, ao contrario do que disse o sr. Arroyo, ascensões individualisadas foram da iniciativa do sr. ministro da guerra, e foram da iniciativa do sr. ministro da guerra, desde que chegou ao seu conhecimento o relatorio dó sr. commissario regio.

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Mas supponhámos que a commissão de guerra apresentava alvitre diverso; supponhâmos que o sr. ministro da guerra acceitava esse alvitre. Porventura poderia realisar-se o que queria o sr. João Arroyo, quando affirmava que diante de taes circumstancias o sr. ministro da guerra creára uma situação incompativel com a sua conservação nos conselhos da coroa? Não me parece. (Apoiados.)

Deus nos livre de perfilhar tal doutrina! Não me pareço mesmo que haja nada mais subversivo do bom nome do regimen parlamentar.

Sc essa doutrina podesse ser perfilhada, quando o parlamento deixasse de ser uma chancella dos governos, ridicula e ignominiosa, não haveria governos possiveis.

Tal doutrina está abaixo da elevação do espirito do sr. João Arroyo; não o considerava senão como uma subtileza de argumentação permittida nas discussões parlamentares.

O sr. Arroyo accusou a commissão de ter apresentado aqui um projecto individualisado.

É esta, porventura, a primeira vez que no parlamento se votara premios destinados a galardoar serviços extraordinários prestados ao paiz?

Pois na camara dos deputados não se votaram em tempo pensões individuaes a Ivens, a Capello e outros, sem que por isso se tivesse accusado a camara de falsear o regimen parlamentar, invadindo as attribuições do poder executivo?

(Apoiados.)

Pois não compete ao parlamento, como representante do paiz, galardoar individualmente aquelles que tão denodadamente defenderam as glorias da nação e os seus interesses coloniaes? (Apoiados.)

Ainda por este lado me não parece que a commissão de guerra possa ser incriminada por ter trazido á camara este projecto.

Para mim ha mais um grande e novo motivo para o projecto ser individualisado. Aprecia-o quem confrontar as classes de serviços extraordinarios apresentados pelo sr. commissario régio no seu relatorio e os nomes n'ellas contidos com os nomes comprehendidos nas categorias de pensões do projecto. Não me demoro neste ponto por especial melindre.

O er. João Arroyo accusou ainda a commissão de guerra de inexacta, quando dizia que o relatorio apresentado pelo sr. commissario régio tinha sido elaborado sob informações do sr. coronel Galhardo.

É certo que se o relatorio do sr. Antonio Ennes não diz que recebeu informações do sr. coronel Galhardo, tambem não diz que não as recebesse verbaes. Nem de outro modo se comprehende que estando o sr. Antonio Ennes em Lourenço Marques podesse dar informações sobre o comportamento militar dos officiaes que tomaram parte no combate de Coollela. O que a commissão diz no BOU parecer, quando affirma que o relatorio do sr. Antonio Ennea foi elaborado sob informações do sr. coronel Galhardo, obedeceu ainda á informação dada pelo sr. ministro da guerra às commissões reunidas.

Disse na sessão de hontem o sr. Dias Ferreira que se pretendia levar a camara a resolver, sem rasão sufficiente, sem estar suficientemente esclarecida ácerca do mérito dos officiaes que tomaram parte n'aquella campanha, de certo a mais gloriosa da Africa do sul.

Pois não foi apresentado na commissão o relatorio do sr. commiasario régio, ao qual mais de uma vez me tenho referido, onde estão claramente definidos os serviços extraordinários prestados pelos officiaes em toda a campanha de Lourenço Marques? (Apoiados.) Não foi mandado para a mesa esse relatorio para que todos os membros da camara podessem apreciar as bases em que assentou o parecer da commissão? (Apoiados.)

É certo que o sr. Diay Ferreira não leu o relatorio; e a rasão que s. exa. nos deu de que o não leu, porque se não tinha auctorisado a publicação d'elle, significa para mim apenas que se quer fazer politica numa questão que pela sua importância, pelos excepcionaes melindres que a cercam, d'ella devia estar absolutamente arredada. (Apoiados.)

Dizia o sr. Dias Ferreira: "Eu não quero saber do que se passou na commissão e do que disse o sr. Pimentel Pinto; o que quero saber é se o systema proposto é o melhor".

E dizendo isto, o sr. Dias Ferreira apresentava-se decididamente pela promoção por distincção e pela medalha militar.

Mas quereria o sr. Dias Ferreira dizer que ao sr. ministro da guerra repugnam absolutamente estes dois processos de recompensar serviços valiosissimos prestador pelo exercito?

Não queria de certo, porque s. exa. deve lembrar-se de que o sr. ministro da guerra apresentou aqui duas propostas: uma que tinha por fim a promoção por distincção por serviços extraordinários prestados em combato, e a outra que tinha por fim pensionar a medalha militar orçada pelo marquez de Sá da Bandeira.
A primeira naufragou, não no voto da commissão, não no voto da camara, mas na recusa do sr. coronel Galhardo; e a segunda caiu em virtude de numerosíssimas medalhas já concedidas, de numerosíssimas a conceder, porque havia muito quem julgasse que ellas lhe deviam ser concedidas, creando isso uma situação incompativel com a exiguidade dos recursos do thesouro. (Apoiados.)

Mas, dizia o sr. Dias Ferreira: não podiam nem deviam o governo e a commissão trazer á camara um parecer promovendo por distincção o coronel Galhardo e o capitão Mousinho de Albuquerque?

E dizendo isto o sr. Dias Ferreira fazia o elogio d'estes officiaes.

Eu já disso que a commissão e o sr. ministro da guerra preveniam este desejo do illustre deputado elaborando um parecer attinente á promoção do coronel Galhardo e do capitão Mousinho, parecer que não teve seguimento em virtude do recusa do coronel Galhardo.

O sr. ministro e a conimissão de guerra reconheceram a importância da acção do coronel Galhardo como commandante da columna do norte na campanha de Lourenço Marques, e a parte valiosa e valorosa que este distincto official tem na derrota dos vátuas em Coollela. (Apoiados.)

A commissão e o ministro reconheceram que não ha nenhum exercito do mundo, por mais glorioso que seja, que não se sentisse orgulhoso por ter no seu seio o valente e destemido capitão Mousinho, que, num acto do heroísmo, talvez o maior da nossa historia militar, arrancou o poderoso regulo vátua do meio de 4:000 dos seus mais valentes guerreiros, assegurando assim um êxito completo á campanha de Lourenço Marques, evitando a contingência de uma nova guerra, o sacrifício de muitas vidas, e o enorme desperdício de uma nova expedição. (Apoiados.)

O illustre ministro da guerra e a commissão reconheceram tudo isto.
Como já demonstrei, foi a força imperiosa das circumstancias que fizera que não podesse ser levado por diante o ferveroso intuito do illustre ministro o da commissão de guerra, pois que o governo e a camara conhecem e apreciam o alto valor da campanha de Lourenço Marques, e não era preciso chamar a sua attenção para os valorosos feitos ali praticados, como dizia hontem o sr. Dias Ferreira, quando affirmou ter sido preciso que o projecto do sr. João Arroyo viesse acordar o governo do lethargo em que jazia.

Peço licença para dizer que não é assim.

O governo apreciava o grandíssimo valor que tinha tido aquella campanha, bem como os altissimos e relevantissimos serviços prestados pelos officiaes que tomaram parte

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n'ella e apressara-se a vir propor á camara que a esses officiaes fossem concedidas recompensas que traduzissem a gratidão do paiz.

O sr. Dias Ferreira, com a sua palavra eloquente fez hontem n'esta casa o elogio das tropas expedicionarias; mas fel-o com tal entono que se podia julgar que o governo e a camara não pensavam como s. exa.

Eu tambem entendo que nada ha do mais grandioso e de mais épico do que a historia des8es bravos soldados que, afrontando todos os horrores de uma guerra com povos selvagens, e soffrendo o rigor de um clima excepcionalmente inhospito, praticaram taes prodigios de bravura que echoaram pelo mundo inteiro, resuscitando-nos mesmo aos olhos d'aquelles que podiam julgar extincta a raça dos antigos dominadores. (Apoiados.)

Assim pensa o governo, e assim pensava igualmente a commissão de guerra, quando trouxe á camara o projecto que representando o pagamento de uma divida sagrada da pátria para com que aquelles que pela pátria arriscaram e sacrificaram a vida, representa ao mesmo tempo um penoso sacrificio para as finanças do estado.

Não terminarei sem me referir a mais uma afirmação feita pelo sr. Dias Ferreira.

S. exa. tambem não acha que seja verdadeira a referencia feita pela commissão de guerra às informações dadas pelo sr. coronel Galhardo ao sr. commisBario regio, quando este distinctissimo funccionario elaborou o relatorio apresentado n'esta camara.

O sr. Dias Ferreira, não achando, como digo, que a affirmação seja verdadeira, porque no relatorio se fazem referencias que não podiam ser do conhecimento especial do sr. coronel Galhardo, pergunta: "Como é que o sr. coronel Galhardo, estando em Lisboa, podia dar informações sobre o comportamento militar anterior de quem tinha tomado parte na surpreza de Marraquene? Como é que o sr. coronel Galhardo, que regressando á metrppole, sabia em Cabo Verde que havia sido aprisionado o Gungunhana, podia, dar informações sobre o comportamento militar do sr. capitão Mousinho?"

A resposta parece-me assás simples.

O sr. commissario regio, nós, toda a gente, sabe, que foi um verdadeiro milagre operado em Majancaze, restabelecendo se o quadrado já roto e desfeito!

Foi um heroico serviço prestado pelos nossos officiaes e soldados, o que é intuitivo.

O sr. commissario regio, nós, o paiz inteiro, avalia facilmente as dificuldades com que se praticou o aprisionamento do terrivel regulo vátua, e a importancia excepcional, unica, do aprisionamento do Gungunhana.

Termino, dizendo que estou convencido de que é muito difficit encontrar uma solução, que a todos agrade, por isso mesmo que são muitas as opiniões sobre o assumpto.

Mas, se formos justos, devemos dizer que o sr. ministro da guerra, que tão desveladamente se tem empenhado pela organisação, pelo engrandecimento e pela disciplina o exercito, escolheu de certo a solução mais em harmonia com a obrigação de premiar quem tão relevantes serviços prestou á pátria, e com o menor numero possível de difficuldades para a sua execução.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Marianno de Carvalho (sobre a ordem): - Começa dizendo que, officialmente, ainda ninguem commentou o projecto, e portanto" ainda não sabe officialmente o que se passou nas commissões reunidas de guerra e de marinha.

O discurso do sr. Teixeira de Sousa mostra que a narrativa do sr. ministro da guerra foi incompleta.

O sr. Presidente: - Peço ao orador que leia a sua moção.

O Orador: - Não tem duvida, em lel-a desde já. É a seguinte moção:

"A camara, desejando que as suas commissões de guerra e de marinha formulem com urgencia, e de accordo com o governo, um projecto de lei para promoções por distinção por virtude de feitos em combate ou de serviços militares relevantes, passa á ordem do dia. = Marianno de Carvalho."

Continuando, observa que tendo perguntado ao sr. Ferreira de Almeida, que foi quem presidiu às duas commissões, se o relatorio do sr. Antonio Ennes tinha ali sido lido officialmente, s. exa. respondeu-lhe que não, e que só o leram os membros das commissões que o quizeram ler.

Entretanto, no relatorio do projecto, affirma-se que as commissões examinaram e ponderaram aquelle relatorio.

Em sua opinião, para que as commissões examinassem e ponderassem officialmente, era necessario que tambem officialmente tivessem lido os documentos que nesta qualidade lhes houvessem sido remettidos.

Tambem nota que o sr. Antonio Ennes, no officio de remessa do seu relatorio, áffirma que não teve informações por escripto do commandante militar, ao passo que as commissões reunidas 4izem que o mesmo relatorio é baseado n'aquellas informações.

O sr. Jacinto do Couto (relator): - Peço a palavra.

O Orador: - Cede immediatamente da palavra para que s. exa. possa fallar desde já.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Jacinto do Couto: - Pedi a palavra, na qualidade de relator da commissão, para responder a umas rasões e duvidas apresentadas pelo sr Marianno de Carvalho sobre o projecto apresentado pelo sr. conselheiro João Arroyo.

Por parte da commissão, vou dar explicações á camara ácerca do que se passou na commissão ácerca do projecto do lei do sr. João Arroyo, para ser promovido ao posto de general do brigada, por distincção em combate, o coronel de infanteria Galhardo, sem prejuízo de antiguidade para os officiaes com direito á promoção normal, e para igualmente dar explicações sobre a proposta apresentada pelos ministros da fazenda, da guerra e da marinha; para concessão de pensões aos militares que tomaram parte na campanha do Lourenço Marques.

O sr. Teixeira de Sousa, membro da commissão de guerra, e que assistiu portanto a todas as sessões dá mesma commissão, foi mais longe em suas explicações, mas de maneira alguma esteve em desaccordo com o sr. ministro da guerra. (Apoiados.)

O sr. Teixeira de Sousa fez a historia mais detida do que o sr. ministro da guerra tinha feito. A commissão de guerra reuniu a primeira vez para lhe ser presente a proposta de lei do sr. ministro da guerra e o projecto de lei do sr. conselheiro João Arroyo, propondo então o sr. conselheiro Pimentel Pinto que fosse approvado o projecto do sr. conselheiro João Arroyo, incluindo-se tambem, como disse o sr. Teixeira de Sousa, n'essa recompensa, o sr. coronel Galhardo, pelo facto do ter sido commandante militar da expedição que tinha sido levada a cabo com tão bom resultado e de consequências tão importantes para o paiz, e o sr. capitão Mousinho de Albuquerque, pelo facto de ter praticado o grande acto de arrojo de com um tão pequeno numero de soldados ter ido aprisionar o regulo Gungunhana, o mais terrível dos que se tinham revoltado contra a nossa soberania.

Fui encarregado de apresentar na proxima sessão da commissão mm projecto de lei a tal respeito. Na sessãe seguinte apresentei o projecto, e o sr. conselheiro Pimentel Pinto disse que lhe tinha constado, pela declaração feita pelo sr. presidente do conselho na outra casa do parlamento, e não sei mesmo se por uma declaração que directamente lhe tivesse sido feita pelo sr. coronel Galhardo, que a este seria desagradável a approvação do projecto do sr. conselheiro João Arroyo, e por isso declarava que pela

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sua parte deixava de patrocinar o projecto. A commissão, em vista da declaração do sr. ministro da guerra, e comprehendendo, como me parece que todos comprehenderão facilmente, que a primeira condiçào de uma recompensa é ser agradavel ao recompensado, (Apoiados.) poz de parte o projecto que tinha sido formulado.

Já vê, pois, v. exa. que não ha nenhuma discrepancia, nora nenhum antagonismo entre as duas declarações: as feitas pelo sr. ministro da guerra e pelo sr. deputado Teixeira de Sousa. O que ha unicamente é que a informação dada polo sr. Teixeira de Sousa foi mais detalhada do que a informação que nos tinha sido dada pelo sr. ministro da guerra, não havendo, por consequência, desharmonia entre as duas informações, como s. exa. o sr. Marianno de Carvalho pretendeu ver.

O sr. Marianno de Carvalho: - Eu não pertendi ver tal, unicamente entendi que a narração feita pelo sr. ministro da guerra era incompleta.

O Orador: - Então tomei eu mal a nota a esse respeito;- tomei a nota de que v. exa. tinha dito que havia desharmonia entre as duas informações; mas vejo que errei. Depois referiu-se o sr. deputado a uma nova forma de recompensas, e o sr. conselheiro João Arrojo tambem já tinha, numa das ultimas sessões, dito que essa nova forma de recompensas era completamente diversa da que tinha sido proposta pelo sr. ministro da guerra, o que constituia a exautoração de s. exa., exautoração que tinha sido dada pela commissão de guerra.

Cumpre-me tambem declarar que o sr. ministro da guerra tinha apresentado uma proposta para se darem recompensas pecuniarias, ou pensões, aos officiaes, que fossem agraciados com a medalha de valor militar, nos seus diversos graus.

S. exa., na segunda sessão da commissão, disse que tendo já recebido o governo o relatorio do sr. conselheiro Antonio Ennes, relatorio em que vinham já indicados os officiaes que se tinham distinguido durante a campanha, e achava preferível o projecto, para evitar os encargos que podiam resultar para o thesouro, do facto do se dar a medalha de valor militar com pensão, porque muitos officiaes que já tem recebido esta concessão viriam requerer e exigir que lhes fossem dadas as mesmas regalias; (Apoiados.) e o sr. ministro da guerra disse que, tendo já estes esclarecimentos, achava mais conveniente formular um projecto, em que fossem designadamente dadas as pensões aos officiaes que tinham intervindo na campanha de África. (Apoiados.)

Foi isto o que houve. Não houve, nem podia haver, desauctorisação alguma da parte da commissão para com o sr. ministro da guerra, visto que a iniciativa do segundo projecto partiu tambem de s. exa. (Apoiados.)

O sr. ministro da guerra n'essa occasião disse nas commissões reunidas que o coronel Galhardo não tinha apresentado relatorio escripto ao sr. Ennes, mas que lhe tinha prestado declarações verbaes; nem de outra maneira se comprehende que o coronel Galhardo tivesse apresentado uma relação de officiaes que se tinham distinguido nos diversos combates que se deram n'aquella campanha e a que elle não tinha estado presente. (Apoiados.)

Referiu-se o sr. Marianno de Carvalho ainda ao facto de dizer o relatorio da commissão que tinha sido examinado e ponderado o relatorio do sr. Antonio Ennes, mas que o relatorio não tinha sido lido.

Ora, a camara conhece o relatorio do sr. Antonio Ennes.

É uma peça bastante extensa, e da sua leitura rápida feita pela commissão não se tirava vantagem alguma.

Cada um dos membros da commissão estudou-o como entendeu, e ficou por consequência habilitado a votar. (Apoiados.)

Não me parece que fosse indispensável a leitura geral feita perante a commissão, nem me parece que desta leitura se podesse tirar a menor vantagem. (Apoiados.)

A commissão examinou e ponderou o relatorio; cada um dos seus membros leu-o e estudou-o; e por isso é que disse que tinha examinado e ponderado. Não diria uma cousa que não tivesse feito. (Apoiados.)

Sâo estas as informações que, me parece, o sr. Marianno de Carvalho exigiu officialmente da commissão. Se s. exa. tem ainda mais algum pedido a fazer, o relator da commissao fica ao dispor de s. exa. para tudo quanto queira.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Felicita se por ter levado o sr. general Couto a quebrar o seu silencio, para explicar o que se passara nas commissões de guerra e do marinha.

Apreciando essas explicações, nota que a commissão soube que o sr. conselheiro Antonio Ennes recebera informações do sr. coronel Galhardo, porque o sr. ministro da guerra lho dissera, e não porque isso constasse do relatorio.

Critica a forma por que correu a discussão nas commissões, lamentando que não se seguissem as antigas praxes, que oram bem mais saudaveis do que aquellas que, segundo parece, a vida nova quer implantar.

Entra na discussão deste projecto mais do que com mágua, com profunda tristeza. Tem para isso varios motivos, entre os quaes figura o de se ver forçado, quando quer rememorar os brilhantes feitos praticados na Africa, a relembrar as tergiversações e as fraquezas do governo, de onde resulta que devendo este projecto ser uma apotheose, se torna em uma cousa triste.

Assim como o governo se arrogou o direito de pôr de parte todas as franquias constitucionaes, porque julgou que assim melhor podia servir o paiz, devia tambem ter posto de parte todas as considerações e galardoar condignamente os bravos officiaes coronel Galhardo e capitão Mousinho, que elevaram o nome portuguez a uma altura a que, ha muito annos, elle não attingia.

Mas por que não procedeu o governo assim? Por que poz de parte a idéa da concessão das medalhas do valor militar ? Essa idéa foi posta de parte por que se tinham dado medalhas a quem não entrara em combate.

Não quer referir-se às palavras do Br. ministro da guerra, quanto aos inconvenientes que s. exa. receia de se occuparem as assembléas políticas das questões de justiça militar; do mesmo modo deixa de commentar as que s. exa. proferiu, quando quiz explicar o motivo por que o sr. coronel Galhardo se dirigiu ao sr. presidente do conselho e não a s. exa., mas não póde deixar de notar umas noticias que leu em dois jornaes insuspeitos para o governo, as Novidades e a Tarde, onde se disse que o sr. ministro da guerra, ao mesmo tempo que apresentou, ou antes de apresentar as suas propostas ao parlamento, consultara vários officiaes. São verdadeiras essas noticias?

O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Interrompendo o orador, declara que, nem simultaneamente, nem antes de apresentar as suas propostas, consultara pessoa alguma sobre o seu assumpto.

O Orador: - Felicita-se por esta declaração, porque a ter-se dado o facto que esses jornaes noticiaram, isso representaria a inauguração do regimen dos quartéis, que nem elle, nem a camara, poderiam tolerar.

Entrando propriamente na apreciação do projecto, diz que elle não satisfaz nem o animo dos deputados que o ouvem, nem corresponde às aspirações do paiz, nem deixa satisfeito o próprio governo.

Dissera o sr. ministro da guerra que os officiaes consideravam como ponto de honra o manterem a sua altura na categoria militar, mas se isso é assim, o official não poderia ter maior galardão do que subir um grau por distincção militar.

Também s. exa. disse que não se deviam conceder postos por distincção, senão com grande parcimonia, e em ca-

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sos muito excepcionaes, tendo-se em vista dois fins principaes: estimular os brios dos officiaes pela pratica de feitos extraordinários e aproveitar excepcionaes aptidões: de commando.

Elle, orador, diz que o estimulo deve ser para todos.

Mais ainda, disse s. exa. que o governo não devia dar postos de accesso a uns officiaes á custa dos outros, querendo premiar serviços prestados ao paiz; mas a isto responde que não haveria. Um official que se queixasse por ver um seu camarada, cujos feitos honrassem a patria, justamente promovido por distincção.

Mas, a final, onde quiz chegar o sr. ministro da guerra com toda a sua argumentação? Resalta d'ella alguma rasão pela qual se fique convencido que nno devem ser promovidos por distincção os bravos officiaes Galhardo e Mousinho, que tão eloquentes provas deram dê aptidão do commando e de bravura militar?

Que provas mais excepcionaes queria s. exa. que dessem aquellcs briosos militares para serem dignos da recompensa que s. exa. entende que só em casos muito excepcionaes, e com grande parcimonia, devem ser conferidas?

Conhece algum feito tão excepcional, tão extraordinario como foi o praticado por Mousinho de Albuquerque?

Encontra outro igual na historia portugueza d'este seculo?

Chamam lhe hoje um louco! Será, mas essa loucura é tão sublime que perante ella se curvam os governos e as nações.

Essa loucura é a que produz os verdadeiros heroes.

O coronel Galhardo, se não praticou igualmente um feito do temerário como Mousinho de Albuquerque, demonstrou plenamente, as suas excepcionaes aptidões de commando, não só dirigindo o ataque perante o inimigo, mas mantendo a disciplina durante os tres mezes de encerramento a que o governo condemnou as forças estacionadas n'aquelles climas inhospitos.

O orador, n'este ponto, lê dois trechos do relatorio do sr. commissario regio, eni que se faz o elogio caloroso destes officiaes; e as descripções da saida de Mousiuho de Albuquerque para Chaimite e do aprisionamento do Gungunhana, e conclue por dizer que a camara votará o projecto que se discute, nas que nenhum deputado sairá da camara sem levar a mágua e o remorso de não ter recompensado condignamente os nossos heroes.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - O sr. ministro da guerra está recolhendo a recompensa, nesta discussão, dos seus altíssimos serviços! Está recolhendo a recompensa dos seus trabalhos assíduos e longos na gerencia dos negócios militares! Lembra-me bem do que se dizia do exercito portuguez, do que diziam delle muitos dos que hoje o exaltam; lembro me bem quando, ao discutir-se o orçamento do estado, se apodava do inutilidade a somma de 5:000 contos de réis gasta com as nossas forças militares!

Então, o nosso exercito, para esses, era uma excrescência na nossa vida social; não tinha a recomméndal-o - nem unidade de acção, nem disciplina, nem valor, nem mérito! Pois hoje faz-se-lhe agora a apotheose! Não é isso o justo reconhecimento do erro d'aquelles que diziam do nosso exercito, o que de certo o sr. Mariauno de Carvalho se não atreveria hoje a repetir? E o sr. ministro da guerra, que com um trabalho improbo, indefesso, que com uma actividade constante conseguiu levantar a disciplina, o prestigio desse corpo militar, (Apoiados) numa assembléa politica, onde se commemoram os feitos dos nossos heroes, os feitos militares d'essas nossas tropas, o sr. ministro da guerra, repito, que contribuiu para a organisação da expedição, para a disciplina das forças, que a esses trabalhos deu todo o seu esforço e toda a sua intelligencia, - só tem como
premio, a censura asperrima do sr. Marianno de Carvalho!

Pois contra a censura de hoje eu rememorarei a antiga discussão do orçamento! Isso é o melhor commentario a oppor á discussão actual!

Houve um momento em que nós vimos abalado o nosso dominio colonial em Africa; houve um momento em que o coração se nos tomou de angustia, ao ver que estávamos "prestes a perder Lourenço Marques, - a melhor jóia das nossas provincias ultramarinas; - houve um momento, em que o gentio chegava às portas da cidade e trucidava ali mulheres e creanças! Choviam sobre os nossos, ali, as imprecações, os insultos, as ameaças, - e todos sentimos, aqui, abalado o nosso brio e ferida a nossa dignidade. Não houve senão uma voz: a que impellia o governo a cumprir o seu dever. Dava-se-nos só o voto da confiança mais absoluta, para que o governo salvasse a dignidade da corôa portugueza! (Muitos apoiados.)

Arcou o governo com as responsabilidades da occasião; o sr. ministro da guerra, preparou, em poucos dias, uma sobre outra expedição; - tantas, quantas foram necessarias; - e no momento em que se julgava que não tínhamos soldados, nem exercito, surgiam, cheios de animo viril, cheios de esperanças vivas, cheios de enthusiasmo, esses militares, que foram levantar lá fora a honra e o poderio da nossa bandeira! E surgiam unidos e disciplinados! E querem agora que o anathenia fique sobre a obra do sr. ministro da guerra! Não! E injusto, injustíssimo!
Eu não defendo n'esta momento um collega. Quero só com a minha voz levantar uma injustiça flagrantissima, protestando contra ella quanto em mim caiba! É enorme a injustiça que se pratica para com quem tanto tem trabalhado para levantar o exercito, de todo esse descredito, que se lançava sobre elle; para quem fez calar todas essas vozes que deprimiam e amesquinhavam o soldado portutuguez! (Apoiados.)

Foi a expedição. Travaram-se os combates, - esses combates que são a nossa epopêa -, e á medida que elles se travavam, e á medida que levávamos as nossas armas vencedoras a Marraquene, a Mazul, a Coollela, até á entrada em Majancaze,- continuavam ainda então, entre nós,- esses, que hoje se levantam com assomos de enthusiasmo pelas victorias das nossas armas, - continuavam, sr. presidente, a desmerecer noa serviços valiosos e valorosos dos nossos heróicos soldados! (Muitos apoiados.) Continuavam, sr. presidente, a desmerecer dos serviços e do alcance de victorias que constituem a nossa gloria e que são novo e brilhante padrão da heroicidade e do brio do nosso exercito! (Muitos apoiados.)

Não faltava então, - e n'isto tambem não faço insinuações pessoaes, cito tambem um facto para que fique consignado; - não faltava então, dizia eu, quem desmerecesse o alcance e os resultados dessas acções brilhantes, - e era o governo ainda quem defendia as nossas forças militares, quem punha em relevo os seus actos, mostran do quanto a sua acção era poderosa, unida, firme e productiva!

Do nosso arsenal sairam, mal se sabe como, os navios de que podíamos dispor, para irem alem-mar sustentar o brilho da nossa bandeira. Era a obra, primeiro do sr. Neves Ferreira, depois do sr. Ferreira de Almeida. Admirava-se e respeitava se a actividade febril, extraordinaria, com que nós, do nada, tirávamos com que fossemos desaffrontar a nossa honra n'aquellas paragens!

Do exercito surgiam de toda a parte, norte a sul, pequenos destacamentos, que se constituiam em corpos unidos e firmes,que deram o resultado brilhante que se conhece! De toda a parte surgiam os soldados necessarios para manter a nossa bandeira e defender a honra da nação!

Ah! Foi digno de ver-se! - como em contraste com isto, sr. presidente, foi triste de, ver-se que, quando vi-

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nham chegando as narrações dos feitos praticados, esses feitos se atacavam, se deprimiam, se lhes negava alcance e efficaz resultado para o nosso dominio. Repito: era o governo quem defendia os nossos soldados, as nossas armas; era o governo quem punha em relevo os feitos que sustentavam firme, altivo, o brio das nossas forças militares. Pois hoje, aqui, é o governo accusado de deprimir esses soldados e de rebaixar esses serviços! Como se todos não soubessem a campanha que sustentámos; como se não fossem bem conhecidas as responsabilidades que assumimos; como se não tivesse vibrado bem alto o grito de enthnsiasmo febril, enthusiastico, espontâneo e caloroso, que nos partiu do coração quando esses heroes chegaram! E porque as accusações de agora? Porque... se não deram dois postos por distincção!

É por isso? Mas então os illustres deputados que hoje se erguem em assomos de indignação, o que é que propozeram? Propozeram, por ventura, os postos por distincção; propozeram que com prejuízo da antiguidade na escala militar se desse a Galhardo e a Mousinho o prémio de um posto por distincção? Onde está a proposta formulada? Queria vel-a, porque até hoje ainda não a encontrei nos registos parlamentares.

Então elles, todos devotados á causa do exercito, elles, que são os interpretes unicos do sentimento do paiz, não vieram aqui, com a franqueza e liberdade cio iniciativa de que podem dispor, propor os postos de distincção? Porque, se aquelle era o unico galardão que se podia dar aos heroes, cujos feitos hoje commemorara - mais para deprimir a acção do governo do que propriamente para os exaltarem? Porque?

Portugal não é na historia o unico paiz que tem tido feitos militares brilhantes, altivos, nobres, para galardoar. Pois o sr. ministro da guerra citou o exemplo frisante da guerra da Allemanha. Nessa guerra nem um só posto foi dado por distincção. Será essa a unica maneira de recompensar feitos militares? Não. Pois se não é, unica póde porventura censurar-se o governo, e em especial o sr. ministro da guerra, porque no seu modo de ver especial, e com a competência que o caracterisa, entendeu, em sua consciência, que não cabia essa espécie de galardão, quando havia outros? Ha do censurar-se o governo, dizendo que elle deixa no escuro as glorias dos nossos feitos militares, e é justo que aquelles que não acreditaram talvez no successo das nossas armas quando os combates se feriram lá fora, não usassem da sua iniciativa para apresentar, ou propor, qualquer cousa que entendessem sobre o assumpto? É justo que esses que lançam sobre o goveruo o epitheto de fraco, de ingrato ou de mesquinho na recompensa a dar aos militares, - que nós fomos os primeiros a festejar, - se apresentem como únicos e legítimos paladinos dos que antes de levantarem nos escudos, - ou por especulação política, ou pelo quer que fosse, - tanto amesquinharam nos seus feitos?

Sejâmos justos, mas justos para todos. Está posta a questão política; a camara que julgue. Ella sabe muito bem que não é de galardão que se trata agora, mas sim da apreciação de actos politicos. Desde o momento em que o propósito não é de enaltecer a nossa campanha em África, mas deprimir os ministros sentados nestas cadeiras. a camara que responda. Pela minha parte saberei muito bem o que me convém fazer em presença da manifestação da camara Responda ella de uma maneira clara e firme, porque quero a minha posição nitida. Quero saber se ella reconhece a isenção do procedimento do governo, para poder continuar ou não no desempenho da minha missão. Quero que oa membros da camara, sem levarem o seu pezar para casa, como disse o illustre deputado, só manifestem por uma vez neste assumpto e digam, claramente, EP os homens que estão aqui sentados, deslisaram alguma vez da rectidão do proceder, da hombridade de caracter, ou d'aquillo que devera, não só a nação em geral, mas áquelles dos seus mais brilhantes servidores, desses que se apresentam como estrellas fulgurantes na constelação dos nossos heroes de Africa. Pronuncie-se a camara clara e firmemente, segundo a voz da sua consciência e não por complacencias partidarias; e assim como o illustre deputado tirou das theses que attribuiu ao sr. ministro da guerra as illações que quiz, assim eu tirarei tambem do voto d'esta assembléa as illações que me competirem.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Estranha o calor das palavras do sr. presidente do conselho, quando nada disse que auctorisasse esse enthusiasmo.

Accusou o ministro, mas respeitou a sua pessoa, e o sr. presidente do conselho dirigiu-se-lhe pessoalmente, referindo-se á critica que fez dos combates em Africa. N'essas criticas não se referiu aos nossos soldados, duvidando do seu valor; referiu-se á direcção que estava sendo dada á campanha; e os factos, hoje comprovados por documentos officiaes, vieram demonstrar que elle tinha rasão.
Mande-lhe o governo os documentos que elle, orador, pediu ha mais de mez e meio, e venha depois, se quizer, discutir as responsabilidades do sr. ministro da guerra. Até ha continuará affirmando que as honras da campanha de Africa cabem só ao exercito.

De resto, ponha s. exa., se quizer, a questão politica, que a camara poderá dar o seu voto ao governo, mas com certeza não ficará satisfeita com a votação deste projecto.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, guando s. exa. o restituir.)

O sr. Adolpho Pimentel (pura um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer votar a prorogação da sessão até se votar este projecto.
Procedendo-se á votação foi approvada a prorogação da sessão até se votar o projecto.

O sr. Arroyo: - Pelo que me diz respeito, o pedido da prorogação da sessão era quasi desnecessario. Estou muitíssimo incommodado e pouco ou nada tenho a acrescentar às palavras que o sr. Marianno de Carvalho acaba de proferir, em resposta á obrigatoria do sr. presidente do conselho, Hintze Ribeiro, vou ser extraordinariamente resumido nas minhas considerações.

O sr. Hintze Ribeiro entendeu necessário, a bem do interesse da discussão parlamentar, pelo que essa discussão diz respeito ao governo, e depois do discurso do sr. Marianno de Carvalho, exhibir, perante o parlamento, n'uma exposição apaixonada e quente, - como não é proprio da sua eloquencia, - a defeza, já não direi do projecto em discussão, mas do seu collega da guerra.

Eu, ao pedir a palavra n'este momento, fil-o não para repetir uma discussão, que pela minha parte está feita, mas para exprimir, muito summariamente, a minha opinião sobre esse ponto restricto do discurso do sr. presidente do conselho.

De maneira alguma estou disposto a consentir com o meu silencio - e é por isso que vou fallar n'esta altura do debate, - que a votação do projecto que se discute, que devia ser a consagração aos nossos heroes de Africa, seja, já não direi a apotheose, mas a justificação do pensamento do sr. ministro da guerra em toda esta desgraçada questão. Eu não permittirei, com o meu silencio, que dos bancos do poder executivo parta a accusação, para nós deputados, de não termos usado da nossa iniciativa para recompensar condignamente os heroes de Africa. Não! Não deixarei de dizer ao governo, que se, pela minha parte, o não foi, é porque entendi que nenhum governo portuguez, tendo trazido á camara um projecto com promoção por distincção ao posto immediato, - que nenhum governo portuguez, digo, - quaesquer que fossem as circumstancias supervenientes, - desistiria de tal projecto. Ao ver que o sr. ministro da guerra, o sr. Conselheiro

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SESSÃO N.° 31 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1896 347

Pimentel Pinto, apresentava, sob sua responsabilidade individual, o projecto que visava a esse fim, eu todas as consequencias previ e todos os resultados calculei, - menos que a camara portugueza tivesse de se ver reduzida a votar uma pensão e a discutir um parecer da commissão, que nenhuma palavra dizia ácerca de promoção aã posto - immediato!

Ao calar-me perante o procedimento do governo n'este assumpto, quando se apresentou o parecer, eu cumpri o meu dever de cidadão o de patriota. Imaginei que o governo portuguez consideraria este assumpto unicamente como uma questão patriotica, acima da esphera partidaria, e que ao terminar uma discussão desta ordem não ouviria sair da boca do chefe do governo - que a questão politica estava posta e que o governo não esperava senão a votação da camara para saber o que tinha a fazer depois della! (Interrupção do sr. jjresidente do conselho, vae não se ouviu.)

Perdão! Se foi um equivoco, se foi um lapso, se foi um defeito de dicção, se foi defeito de improvisação do sr. presidente do conselho, ainda está a tempo de o dizer...

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Visto que o illustre deputado appella para mim, direi que o governo acceita a questão como ella lhe é posta.

Perante a moção apresentada pelo illustre deputado, que era evidentemente de desconfiança, o governo acceitou a questão politica, e depois uma moção politica de confiança.

O Orador: - Aqui tem v. exa. como umas simples observações, feitas com mediano calor, - porque estou fallando dominado por uma incommoda nevralgia, - voltaram o sr. presidente do conselho, trazendo-o a um campo já muito mais rasoavel, extinguindo todo aquelle enthusiasmo, não direi artificial, mas concitado, que presidiu às palavras de S. exa.!

Tem s. exa. agora de rever cuidadosamente as suas notas tachygraphicas e tem de applicar a essas notas um systema similhante ao que o meu amigo, o sr. Antonio de Azevedo, applicou na outra camara quando se tratou de uma lei que votámos ha poucos dias.

É bom que na atmosphera parlamentar se liquide este pleito, se tire tudo que não representa senão imperfeições de momento, e que se veja, atrás do effeito parlamentar que se quiz alcançar, o que fica no fundo da questão. E preciso que ao terminar este incidente, do effeito que o sr. presidente do conselho quer exhibir perante o parlamento, se tire o que ha de effeito rhetorico, e fique a consagração do nosso exercito.

A apotheose que tinhamos de decretar neste momento aos nossos heroes de Africa fica por fazer. E mal diria eu, quando no inicio desta sessão legislativa, em frente do governo, unido com elle no mesmo principio, no mesmo sentimento, fazia tudo quanto com a minha pouca eloquência podia, a fim de celebrar os nossos heroes do Africa; mal imaginava eu, quando no começo de janeiro celebrava, a partir do começo do seculo XVI, os actos heróicos dos portuguezes, que desde Affonso de Albuquerque, em terras de alem mar, souberam chamar para si e lançar sobre a nação um nome immorredouro de gloria; mal imaginava eu, ao apresentar na primeira tribuna do meu paiz esta serie gloriosa de heroes, desde Affonso de Albuquerque até Mousinho, que tem tambem o seu appellido; mal diria eu que tudo havia de acabar pela votação de uma pensão, e pela acceitação de uma questão politica, partindo dos bancos do poder,- ao mesmo passo que se negava a apotheose a heroes que a ella têem tão legitimo direito!

Encerre-se a discussão, se é preciso; fallem os deputa dos que disso tiverem desejo, porque, a prorogação já está votada. E a 25 de fevereiro há de votar-se o seguinte: uma lei destinada a fazer uma apotheose, que não faz; realisar uma concessão, que não realisa, mas que põe unicamente em evidencia as duvidas, as hesitações, as tergiversações do ministerio, que tinha obrigação, ou do cumprir estrictamente o seu dever, ou a sair, se porventura não tinha, força para arcar com as difficuldades das circumstancias.

Vou terminar, porque o meu estado de saude não me permitte ser mais extenso. Lamento só, repito, que os ingresses politicos e parlamentares - que eu entendia que deviam ficar abaixo de considerações de outra natureza, - lamento, digo, que por circumstancias absolutamente de caracter individual, por attenção á lamentavel situação ministerial de um homem e mais nada, - unicamente para salvar o sr. Pimentel Pinto! - o governo, e a camara que o apoiam, esqueçam os deveres imperiosos que lhe assistem para com os srs. coronel Galhardo e capitão Mousinho de Albuquerque, officiaes distinctissimos, que nas terras de Africa honraram sempre o nome de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu.)

O sr. Dias Ferreira: - Não lhe parece que a questão politica posta em uma camara em que quasi não ha opposição, possa representar um acto de coragem do governo. Muito melhor teria sido que s. exa. não se tivesse referido a, isso, porque não era com moções de confiança politica que se premiava os que em Africa pelejaram, affirmando a soberania portugueza n'aquelles territorios.

Não quer negar ao governo a gloria, se alguma teve, no êxito da campanha, mas tambem não lhe póde render elogios porque, emquanto não forem publicados os respectivos relatorios, não tem elementos para ajuizar do seu procedimento,
O que desde já póde affirmar, é que o premio que se vae conceder aos bravos que n'ella tomaram parte não corresponde às aspirações do paiz e a ninguem póde satisfazer.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - Não havendo mais ninguem inscripto, vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. João Arroyo. Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. Teixeira de Sousa. Foi approvada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. Marianno de Carvalho. Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a generalidade do projecto.

Foi approvado.

Foram lidos e approvados sem discussão, na especialidade, os artigos 1.°, 2.° e 3.° do projecto.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.°

O sr. Abilio Beça: - Pedi a palavra, sr. presidente, para justificar uma proposta de additamento, que vou mandar para a mesa.

Parece me, sr. presidente, que este projecto ou é incompleto, ou as suas disposições assentam em bases desiguaes e injustas, porquanto estabelecendo as pensões para os officiaes que se distinguiram em Africa na ultima campanha, não as estabelece para as praças de pret que se tenham igualmente distinguido na mesma campanha.

Assim nos três primeiros artigos são concedidas pensões diversas para os officiaes que mostraram valor e coragem e se distinguiram em Africa, e no artigo 4.° estabelece pensões para as praças de pret, mas só nas circumstancias especiaes essas praças se inutilisarem, dentro de um anno, por molestias adquiridas em Africa.

Parece-me, portanto, que entre os artigos 3.° e 4.° podia introduzir-se uma disposição, concedendo pensões às praças de pret que se hajam distinguido e tenham prestado serviços relevantes.

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348 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ha muitas praças, com certeza, sabe-o toda a gente polo que tem sido dito na imprensa, o realmente é certo, que muitas praças de pret se distinguiram notavelmente; eu mesmo recebi hontem um officio do commandante do caçadores 3, chamando a minha attenção para um facto de extremada bravura praticado por um cabo d'aquelle regimento.

Eu peço licença á camara para lho ler um trecho desse orneio, e perguntarei se realmente este homem não tem tambem direito a uma pensão.

(Leu.)

Parece-me, pois, repito, que entre os artigos 3.° e 4.° se devia inserir uma disposição que recompense tambem os serviços prestados pelas praças de pret; por isso mando para a mesa o seguinte:

Additamento

Proponho que entre os artigos 4.° e 5.º do projecto n.° 7, se inscreva, sem outro conteúdo, a seguinte disposição:

Art.... São concedidas pensões vitalícias e annuaes de 72$000 réis aos officiaes inferiores que n'aquella campanha se tiverem distinguido em combate, e de 36$000 réis aos cabos e soldados nas mesmas condições.

§ unico. O governo fará applicação desta disposição de harmonia com as informações dos commandantes das forcas de que faziam parte as praças de pret que se distinguiram, ou com outras que rasoavelmente se devam attender. - Abilio Beça.

Foi admittido.

O sr. Jacinto Couto (relator): - Sr. presidente, na commissão tratou-se a questão das recompensas a conceder às praças de pret que se hajam distinguido em Africa, mas como o relatorio do sr. Antonio Ennes, que serviu de base ao parecer da commissão, declara nao poder ainda mencionar-se a relação dessas praças, o que se fará logo que seja possível, as commissões reunidas, do guerra e de marinha, de accordo com o governo, resolveram que quando essa relação fosse apresentada, seria tambem apresentado á camara um projecto de lei concedendo pensões às praças que se houvessem distinguido, por isso que o governo, firme no seu propósito não deseja receber auctorisações para recompensar, e quer que isto seja assumpto do um novo projecto de lei, similhante áquelle que se acha em discussão.

Nestes termos, eu pedia ao illustre deputado que retirasse a sua proposta que, pelos motivos que deixo expostos, a commissão não póde acceitar, porque de certo o seu protegido não póde deixar de figurar na relação a que o sr. Antonio Ennes se refere no seu relatorio.

O sr. Abilio Beça: - Agradecendo as explicações do illustre relator, e desde que fico certo que os soldados, cabos e officiaes inferiores que nos combates da ultima campanha de Africa se distinguiram tanto ou mais que alguma officiaes contemplados, hão de ser tambem beneficiados por um projecto de lei, eu retiro a proposta de additamento que apresentei.

O sr. Presidente: - A proposta de additamento do sr. deputado foi admittida á discussão, e só por concessão da camara póde sor retirada; vou, portanto, consultai a n'este sentido.

Foi retirada.

Foi approvado o artigo 4.º, e, seguidamente sem discussão os artigos 5.° e 6.° ao projecto.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, desejo, antes de se encerrar a sessão, dar couta á camara de um telegramma que ha pouco aqui recebi. Esto telegramma sei bem que vae dar uma grande satisfação a esta assembléa, e por isso não quero demorar a sua leitura. E de Lourenço Marques, e diz o seguinte:

"Lourenço Marques.- Em nosso poder e já em Lourenço Marques, Finish, cuja cabeça fora posta a prémio pelo commissario regio, tres filhos do Gungunhana, e entre elles Ipsota, declarado á ultima hora pelo Gungunhana seu herdeiro e que os seus fieis guardavam com esperanças no futuro.

"Pelo chefe Maxamesse, agora nosso dedicado, foi descoberto o deposito do pólvora e armas Snider e Martini do Gungunhana. Já recolhemos, bem como uma grande parte das armas e carabinas que andavam espalhadas. = Lança."

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a discussão do projecto de lei n.° 9.

Está fechada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Documentos mandados para a mesa n'esta sessão

Requerimentos de interesse particular

Dos officiacs do quadro Occidental militar do ultramar, D. Thomás de Almeida, Antonio Romão Vieira, Joaquim da Costa Monteiro, Manuel Lisboa Santos, Vicente Willis Sonegoove, Estevão Gonçalves da Cruz Chaves, Guilherme Reginald, pedindo a revisão de varias disposições promulgadas em excepção para as classes militares coloniaes em diplomas decretados nos interregnos parlamentares.

Apresentado pelo sr. deputado conde de Valle Flor e enviado á commissão do ultramar.

Do coronel de engenheria Constantino José de Brito, pedindo que seja modificado o decreto n.° 8 do 10 de janeiro de 1895, que estabeleceu o limite de idade nos quadros do exercito.

Apresentado pelo sr. deputado Antonio de Campos e enviado á commissão de guerra.

Justificação de faltas

Declaro que, por motivo justificado, tenho faltado a algumas sessões. = Adriano Monteiro. Para a secretaria.

Declaro que tenho faltado às quatro ultimas sessões da camara por motivo justificado. = O deputado, Visconde de Leite Perry.

Para a secretaria.

O redactor = Barbosa Colen.

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