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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Mas não exageremos o nosso horror pelas innovações até ao extremo de fazermos a apologia da rotina, de condemnarmos gelados de pavor as mudanças, que a força das circumstancias nos impõe, e que não contrariam as regras da justiça.
O paiz reconhece os apuros do thesouro, e avalia bem a gravidade da situação; nas representações, que têem vindo á camara, reconhece se a necessidade de se pagar mais e de todos fazerem um sacrificio. Na consciencia publica calou a convicção, de que só com medidas radicaes podemos libertar-nos d'esta situação embaraçosa e angustiada.
Diz o sr. ministro da fazenda, que as mesmas difficuldades financeiras estão aconselhando, que nos arredemos de innovações temerarias. Pois eu digo, sr. presidente, que não é com expedientes pequenos, com medidas acanhadas, e com remendos estreitos, que nós havemos de amortalhar o deficit; entendo que são precisas medidas fortes, arrojadas, e até um pouco temerarias.
Quasi todas as grandes cousas, que ha no mundo, se devem a grandes temeridades. Grande temeridade foi a de Robert Peel propondo e conseguindo em meio de resistencias fortissimas e depois de grandes esforços, que fosse restabelecido o income-tax, que vinte e cinco annos antes tinha sido abolido com tamanho aplauso publico, que a requerimento de lord Brougham foram destruidos quasi todos os documentos, que podessem perpetuara memoria, ou facilitar a restauração de tal fórma tributaria. Temeridade foi a do immortal Mousinho da Silveira arcando destemidamente e peito a peito com o absolutismo, elaborando e submettendo á as signatura do Imperador essas grandes e memoraveis providencias, de que resultou a nossa transformação economica e social (muitos apoiados).
Temerarios foram todos os grandes sabios, todos os grandes legisladores, todos os grandes financeiros (apoiados), todos os heroes e benemeritos das nações, que atiraram a verdade aos ventos da contradição, que verteram a um terreno que parecia safaro os seus suores e o seu sangue, de que rebentaram mais tarde melhorias e progressos para a humanidade (apoiados).
As conquistas mais assignaladas, as descobertas mais importantes e os beneficios mais preciosos de que se goza a homanidade na ordem scientifica e litteraria, na ordem politica, na ordem economica, e na ordem social devem-se a ousadas temeridades.
Entendo, que só com medidas um pouco temerarias nós podemos dar batalha campal ao deficit e fechar as fauces a este monstro, que está ameaçando o nosso futuro.
A ulcera que existe nas nossas finanças está tão alastrada e cancerosa, que se não cura com lenimentos e branduras; são precisos remedios heroicos e causticos violentos. Nós temos um deficit de 4.500:000$000 réis; votamos todos os annos uma pequena parcella de impostos, temos necessidade de reccorrer ao credito, e de contrahir emprestimos, cujos juros e encargos absorvem os 500:000$000 ou 700:000$000 réis de impostos, que votâmos cada anno. E qual é o resultado inevitavel? É que nós continuamos a ser triturados nas prezas da usura, é que o deficit permanece sempre em proporções assustadoras, é que vamos pedindo ao paiz sacrificios, que a final lhe não aproveitam, porque a situação financeira é sempre a mesma, ou mais aggravada ainda.
Porque não havemos de fazer um sacrificio por uma só vez? (Apoiados). A cousa era violenta, era dolorosa, mas o doente salvava-se.
O sr. ministro da fazenda, que tão sobresaltado se mostra com a idéa de innovações, ha de ter a opinião, que vou exprimir, não só na conta de temeraria, mas talvez tambem de pouco assisada. É provavel que, movido de benevolencia, a attribua aos enthusiasmos ardentes e pouco reflectidos da mocidade. Entendo, que deviamos empenhar todos os nossos esforços para acabar com o deficit no espaço de um anno; isto não se consegue só com impostos, porque as forças do paiz não podem comportar o augmento repentino de impostos na importancia de 4.500:000$000 réis; não se póde tambem conseguir só com economias (muitos apoiados). Está completamente enganado quem pensa o contrario (muitos apoiados).
São precisos impostos, e ao mesmo tempo economias se veras e córtes profundos na despeza publica (apoiados). É indispensavel e urgente applicarem-se medidas fortes (não digo revolucionarias para não assustar ninguem) ao orçamento, limpando-o de todas as verbas inuteis.
Declaro, que não me aterro com esse papão baptisado com o nome de desorganisação dos serviços. Não quero o retrocesso nem a desordem, nem a anarchia, nem a barbarie, que havia de resultar da completa demolição do edificio governativo; quero todos os serviços essenciaes a uma sociedade livre e civilisada, que deseja adiantar jornadas pela estrada do progresso (apoiados). O que o paiz quer é que seja não só desorganisado, mas completamente destruido tudo o que ha da fausto, de demasia e de apparato inutil nos serviços publicos (apoiados). O funccionalismo quero-o bem retribuido, mas só o preciso e indispensavel; dando-se uma remuneração condigna, impõa-se-lhe responsabilidade maior, do que ha de resultar ser o serviço tambem melhor.
Podemos tambem applicar medidas fortes á administração, descentralisando em larga escala, dilatando a esphera das atribuições das corporações locaes, lançando á conta d'ellas algumas despezas, que actualmente correm pelo thesouro publico, obrigando a parochia, o municipio e o districto a sustentar a instrucção primaria, a instrucção secundaria, e a fazer o despendi o preciso com todos os melhoramento, que tenham mais pronunciadamente caracter local.
E não se diga, que a localidade é pouco illustrada e pouco experiente, e que ella se arruinaria dirigindo os seus negocios. É este o velho argumento dos pertinazes defensores da centralisação.
Logo que as despezas corressem por conta e risco da localidade, ella havia do ser prudente e cautelosa O receio de perder dá juizo a todos. O thesouro seria consideravelmente alliviado, e o governo ficava mais forte para cuidar dos interesses geraes, para manter as leis, a ordem, a justiça e impulsar a prosperidade interna. Ficava tambem mais forte para desempenhar uma missão importantissima n'estes tempos de grande decadencia moral, e sabe v. ex.ª e a camara qual é? É a de resistir, não ás indicações racionaes e sensatas da opinião, mas ás complacencias immoraes, ás cubicas sordidas e ás adherencias interesseiras, que enchameiam e refervem ao sol do poder como vermes pestilentes em derredor do objecto, de que esperam haver a nutrição.
Todos confessam, que a situação é grave. Todos dizem, que só com medidas fortes e extraordinarias nós poderemos melhorar. Mas d'onde virão essas medidas? Ninguem quer que ellas venham de uma revolução (apoiados). Ninguem deseja a revolução (apoiados). No estado convulsivo em que se acha a Europa, quando o principio da auctoridade está tão alquebrado e abatido, quando está solta uma corrente sobversiva das idéas de propriedade e ordem, que são os fundamentos primarios da sociedade, uma revolução no nosso paiz podia precipitar-nos nas voragens da anarchia (apoiados), engolir o throno, que nós queremos manter (apoiados), e arrebatar-nos a independencia, que nós presamos como o nosso primeiro bem (apoiados). Se ninguem quer, que as medidas extraordinarias de que carecemos, venham de uma revolução, d'onde poderão ellas vir? Entendo que só podem vir de um governo de conciliação (apoiadas). Desnudo todo o meu pensamento, e digo que esssas medidas póde realisa-las um governo de conciliação feita com lisura, sinceridade e lealdade (apoiados), de conciliação não determinada pela ambição, mas inspirada pelo patriotismo sincero (apoiados), de conciliação feita por causa do pais, e não por causa do poder, de conciliação que se não faça.