O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

580

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ajoelho diante d'elles, e digo: Adoro-vos, é poetas, é divinas creaturas, que vos embalaes no rythmo e sorveis o ether. (Riso.)

Mas esta adoração mescla-se ás vezes de uma certa displicência querida quando vejo os poetas trazer a enganosa poesia a estas discussões de interesses terrenos, quizera então arreda-los cem todo o cuidado, com todo o carinho, com todo o esmero, para que não venham conspurcar-se no contacto com os homens de prosa chata e vil.

Se Platão, o divino philosopho, não tivesse mostrado o seu grande conhecimento dos homens, bastava haver expulsado da sua felicíssima republica os poetas eternos perturbadores, para nós dizemos do discipulo de Sócrates este sim, que conheceu as grandezas e as miserias da humanidade, e sondou as profundezas do coração humano.

Ó Platão, expulsaste os poetas, e então, e só então, proferindo esta immortal sentença, te revelaste grande philosopho.

Sr. presidente, meditemos Platão, os seus conselhos são sempre muito para meditar, mas ainda quando Platão nos não tivesse dado estes exemplos, que são muito para considerar, bastava que o sr. Thomás Ribeiro, meu illustre amigo, nos tivesse avergado ao peso das suas innumeras apostrophes, e tivesse arrojado as suas indignadas accusações sobre nós, os falsos patriotas, porque queriamos a verdade, e porque querendo-a estavamos desde já encaminhando, o estrangeiro para conculcar com o tacão das suas botas o solo sagrado da patria; bastava isto para eu dizer: poeta, nós consideramos-te desde já como um astro no firmamento constellado, onde rebrilham os Camões, os Garretts, os Castilhos e tantos outros cujos nomes fluctuam nos paramos luminosos da gloria immortal. Lembra-to, porém, é poeta, que nós traiamos de cousas serias, ás quaes está ligado o futuro da patria, que se não defende com estrophes, senão com soldados. (Apoiados.) Eu diria mais ao poeta — se porventura queres descer das regiões sidéreas onde pairas abraçado ao plactro sonoroso, nós te ouviremos; mas se não queres lançar as tuas vistas de águia sobre estes obreiros cheios de fé que trabalham por augmentar, acrescentar e fortalecer o edificio da patria, e por fazer com que ella seja superior a todos os vaivéns da sorte, e do poeta bate as azas, ala-te ao tau mundo de visões, presta ouvidos aos suaves e mysteriosos encantos das espheras cerúleas, dá largas á phantesia creadora, mas deixa-nos em boa paz, a nós os homens da prosa, da realidade e da verdade, que estamos todos zelando e honrando a nossa patria, e confiámos que no momento de perigo todos os portuguezes hão de estar no seu posto a regar-lhe as plantas com o sangue, se necessario for. (Muitos apoiados.)

Portanto, pedia ao illustre deputado e meu amigo, porque sou amigo sincero e muito admirador do sr. Thomás Ribeiro, e que n'esta questão parece dar o seu bello espirito entenebrecido com uma suspeição, com um erro de intelligencia, ou com um erro do coração; podia lhe, digo, que n'esta questão levantassemos acima de tudo a voz do bom senso, a expressão soberana do patriotismo, a verdade que o paiz deve e quer conhecer. (Muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, ditas estas phrases, que declaro a V. ex.ª que não são estudadas e que me irromperam espontâneas do coração; proferidas estas palavras, que não tendem a melindrar individuos, porque a nossa missão n'este momento é muito superior a interesses mesquinhos, a interesses que são mesquinhos quando se consideram em relação a interesses maximos, peço licença a V. ex.ª e á camara para entrar no debate, e simplesmente com o intuito, não de esclarecer, mas de me esclarecer.

Entremos, pois, mui placidamente na discussão geral do orçamento, e no ponto em que nos foi deixado por áquelle incidente a que já me referi.

Começarei por dar os meus parabens sinceros ao illustre deputado, o sr. Anselmo Braamcamp, pelo discurso muito cordato, e sobretudo muito claro, que n'um quadro singelo descreveu o estado miserando das nossas finanças, apesar das promessas fallazes d'aquella luxuriança de estylo com que o illustre ministro da fazenda nos tem pintado a nossa situação financeira em relatorios e discursos encomiasticos. (Riso.)

Não quero aqui produzir as variadissimas razões adduzidas no discurso do sr. deputado, que foi ouvido com aquella attenção que merece não só o orador, mas tambem o assumpto que se ventilava.

Diga se o que se quizer; a verdade é que a situação financeira não apresenta um grau de prosperidade que de carto o governo deseja, e que nós queremos e desejámos todos. (Apoiados.)

E verdade que as circumstancias têem sido eminentemente favoraveis. E necessario confessar que desde largos annos os governos d'este paiz não atravessaram um periodo mais prospero e mais favoravel do que áquelle que o actual governo tem atravessado; por isso mesmo maior responsabilidade lhe cabe, por não ter aproveitado esse recurso que a boa sorte lhe está propiciando. (Apoiados.) A verdade é que depois de consolidada a divida fluctuante por uma operação de credito que o governo levantou ás alturas de elogio maximo e da confiança a si mesmo, depois de consolidada essa divida fluctuante nós achamos que a hydra renasce e que a phenix resurge das proprias cinzas. Quantas vezes o governo pretendeu fazer-nos acreditar que a tal hydra, a tal phenix, nunca mais havia de renascer! Hoje temos uma divida fluctuante já muito proxima de 6.000:000$000 réis. No mez da janeiro a divida fluctuante cresceu em 248:000$000 réis. A verdade é que na relatorio do illustre ministro da fazenda dizia s. ex.ª que grande parte d'esta divida não era senão antecipação de receita, porque a divida fluctuante havia por força de diminuir consideravelmente.

Nós vemos que esta promessa do ministerio não se realisou; nós vemos que a divida fluctuante em vez de diminuir, segundo as promessas do governo, tem crescido todos os dias, e este crescimento da divida fluctuante demonstra que o governo tem de occorrer todos os dias ao credito para salvar as despezas correntes.

Isto é clarissimo, e todavia o governo barafusta e intenta encubrir com as praxes conhecidas o que não admitte controversia.

Já V. ex.ª e a camara vêem que se eu quizesse discutir na generalidade o orçamento, teria largo campo por onde ceifar, e d'onde tirasse accusações contra o governo, mas reservo-me para o lazer quando o orçamento se discutir na especialidade, porque então, capitulo por capitulo, mais facil será fazer uma analyse rigorosa, e demonstrar que a actual administração não tem sido tão economica como se ha dito.

E já que fallamos em economias, devo insurgir-me contra uma theoria nova apresentada pelo sr. ministro da fazenda, na sessão anterior, quando disse que as economias se cifravam, em geral, em reformar uma repartição, em diminuir phantasticamente o numero dos empregados e fazer um relatorio não menos phantastico, proclamando que a economia era de tantos contos de réis, ao passo que as despezas continuavam.

Assim póde ser, e não quero agora discutir este ponto; até porque é bastante miudo, apesar da importancia capital que o sr. ministro da fazenda lhe quiz dar; mas esta argumentação de s. ex.ª está em desharmonia com os seus relatorios e discursos, e até com os relatorios e discursos do sr. Fontes Pereira á? Mello. (Apoiados.)

Tanto o sr. ministro da fazenda, como o sr. presidente do conselho e todos os membros do governo, por vezes têem rendido a verdadeira justiça aos esforços sinceros das administrações que os antecederam; uns e outros têem declarado que a economia zelosa de todas as anteriores ad