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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ministrações facilitou o caminho para as melhorias no systema financeiro, e que o espirito de economia e morigeração tinham concorrido para se chegar a este resultado.

Portanto, não comprehendo como é que o sr. ministro da fazenda vem agora armado de ponto em branco, de lança em riste, dar o ultimo embate quichotesco n'aquella economia, que ainda não ha muito lhe merecia os teus louvores. E emprego o adjectivo quichotesco, porque se as economias são como disse o sr. ministro da fazenda, não passam de moinhos de vento. E s. ex.ª está representando o papel de D. Quichote quando, acompanhado pelo seu escodeiro jovial o folgazão, deu investidas aos moinhos de vento, que elle considerava gigantes medonhos, paladinos ferozes, capazes de fazer morder a poeira aos mais pintados e audazes cavalleiros. (Riso. — Apoiados.)

Mas eu já disso que o meu intuito não era discutir agora de uma maneira geral o orçamento, mas sim tratar, em poucas palavras, do incidente a que me referi.

Eu refiro-me ao couraçado Vasco da Gama, a quem a massa popular, sempre sarcástica e folia, deu o nome de pimpão; e devo notar, o seu maia efficaz e talentoso patrono, o nosso respeitavel collega, o sr. Carlos Testa, foi o primeiro que na sessão anterior poz de parte o nome official para empregar a metonymia ou repronymia da pimpão.

Não quero citar o nome de Vasco da Gama; custa me muito emparelhar o nome do grande navegador com a denominação faceta, que bom seria que não tivesse tido entrada n'esta casa. Fallamos, portanto, só no couraçado, não fallemos em Vasco da Gama, nem tão pouco rio pimpão. (Apoiados.)

Temos, portanto, a questão do couraçado.

Eu comprometto-me com V. ex.ª e com a camara de que quando se discutir o orçamento do ministerio da guerra hei de conversar publicamente com o nobre presidente do conselho, e de analysar, á boa paz, muitos capitulos do orçamento do exercito. E sem ser immodesto posso afiançar a V. ex.ª e á camara, que haverá pontos em que o nobre presidente do conselho não ficará em tão bom terreno quanto s. ex.ª desejaria, e eu mesmo. (Riso.) Ha algumas providencias tomadas pelo nobre presidente do conselho que na minha opinião tem uma defeza mui difficil. Os dotes de s. ex.ª são mui grandes, sou o primeiro a reconhece-los, e seria até da minha parte procedimento bem pouco desculpavel se porventura quizesse lançar uma nota discorde no meio dos louvores com que a maioria endeusa e faz a apotheose do sr. ministro da guerra. Com relação aos seus dotes oratorios direi que nunca lh'os neguei, e que em todas as occasiões tenho dado testemunho d'elles. Mas, repito, quando se tratar da discussão analytica, apurada do orçamento do ministerio da guerra tenho esperança que em muitos pontos da sua administração s. ex.ª ha de ficar em pessimo terreno; e senão aguardemos alguns dias.

Em relação ao ministerio da marinha desde já tomo igual compromisso, apesar de não ser encyclopedico. Creio que o nobre ministro da marinha ha de ficar tambem n'um terreno um pouco resvaladio quando eu o atacar em certas providencias da sua administração. Mas nós não estamos discutindo agora especialmente esse orçamento, tratámos simplesmente de um ponto restricto, qual é o couraçado.

Eu vou expor á camara a minha opinião muito singela, muito franca e muito cathegorica sobre o assumpto. Começo por não saber o que é o couraçado; começo por não saber que qualidade de navio couraçado é esse, que tem por nome Vasco da Gama.

Começo por perguntar a quem de direito se porventura aquelle couraçado serve pura e simplesmente para a defeza da barra, ou se é de alto bordo e para navegação dilatada; se é navio de esquadra ou unica e exclusivamente destinado á defeza do porto de Lisboa. (Apoiados.)

Se o couraçado é uma especie de bateria fluctuante, um ariete unica e exclusivamente destinado á defeza da barra, comquanto a compra d'elle se podesse dilatar por alguns annos, até que houvesse concordancia entre os meios de defeza maritima e terrestre, apesar de tudo isso a compra do couraçado é justificavel; mas se, como me dizem auctoridades em cousas maritimas, e eu poderia citar alguns artigos que têem vindo nos jornaes, é um navio de ostentação, para figurar n'uma esquadra imaginaria; se porventura não é unica e exclusivamente de defeza do porto e guarda costas, a compra do couraçado é um acto ruinoso, esbanjador, indesculpavel e determinado pela mania fidalga e ostentosa característica d'esta governo.

Peço desculpa ao sr. presidente do conselho de empregar a palavra esbanjador, que lhe faz mal aos nervos. S. ex.ª irritou-se um pouco com esta palavra, que foi por muito tempo moto de guerra contra s. ex.ª, e que, segundo a maneira por que os factos se vão apresentando, é provavel que se ouça outra vez, e muito breve, quando a onda popular submergir o governo. (Muitos apoiados.)

No caso que indiquei, em ultimo logar, a compra do couraçado não tem justificação possivel. (Apoiados.)

Nós não estamos aqui n'uma assembléa de homens technicos. E provavel, porém, que cada um de nós tenha opinião formada, pouco mais ou menos, sobre este assumpto da defeza do paiz, porque hoje a sciencia não é pertença exclusiva de ninguem; principalmente nos seus principios mais geraes está ao alcance de toda a gente.

Eu não comprehendo que haja uma defeza maritima efficaz de Lisboa sem a concorrencia de duas baterias couraçadas. (Apoiados.) O couraçado Vasco da Gama só não basta. (Apoiados.) Para defender efficazmente Lisboa precisavamos de dois couraçados que fizessem obra, não só por effeito da sua artilheria, como tambem por effeito do seu choque. Isto é corrente, é evidente, é uma cousa que toda a gente sabe. Mas, repito, o que é o couraçado?

Sobretudo não comprehendo que depois dos ultimos estudos sobre os torpedos se possa defender Lisboa sem que nós appliquemos ao nosso porto esse meio de acção fortíssimo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Apoiado.

O Orador: — O sr. presidente do conselho de ministros acaba de me apoiar, Folgo com os apoiados de s. ex.ª; mas pergunto se s. ex.ª acha que para a defeza do porto de Lisboa são precisos, alem do couraçado, os torpedos, porque se apressou a comprar o couraçado, que custa réis 500:000$000, e não curou dos torpedos, que custam muito menos? (Apoiados.) Porque não tratou de obter os torpedos, que concorriam tão efficazmente para a defeza da barra?

E note-se que lhe corria tanto mais esse imperioso dever, quanto é certo que no nosso paiz não ha um só individuo que conheça a fundo os ultimos progressos feitos nos torpedos applicados á defeza dos portos, rios e costas.

A invenção dos torpedos é antiga, mas só nos ultimos annos adquiriram uma importancia capital. E n'esta parte basta citar um facto que se passou na guerra franco-prussiana. Toda a gente sabe que a França no seu plano de campanha (se porventura houve algum plano de campanha) contra a Prussia, tinha preparado um exercito de invasão pelo Rheno, pelas fronteiras rhenanas; mas tambem tinha disposto uma esquadra de navios couraçados que havia de bombardear os portos do norte, e desembarcar um corpo de exercito que invadisse a Allemanha.

Sabe V. ex.ª, sr. presidente, o que succedeu? E que as costas do norte da Allemanha estavam de. tal maneira guarnecidas pelos torpedos, que o accesso era muito difficil. A esquadra franceza, para não voar pelos ares, houve por bem voltar para o seu ancoradouro; e por isso não póde concorrer em cousa alguma para a defeza do seu paiz. Foi necessario então que as tropas das guarnições da marinha

Sessão de 8 de março