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SESSÃO DE 19 DE FEVEREIRO DE 1876

Presidencia do ex.ª sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs.

Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos» Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos, representações e projectos de lei — Apresenta o sr. ministro do reino tres propostas de lei: 1.ª, com relação á despeza feita no corrente anno economico com a inspecção extraordinaria das escolas de instrucção primaria, e á que ha ainda a fazer no restante periodo do referido anno; 2.ª, legalisando a despeza feita pelo ministerio do reino com os soccorros prestados aos habitantes pobres das povoações de Alijó e Mourilhe, que mais soffreram com os incêndios que tiveram logar nas mesmas povoações; 3.ª, legalisando a despeza feita com a passagem de quarenta e um individuos vindos do Pará, e que na qualidade de colonos seguiram viagem para a provincia de Angola — Na ordem do dia approva-se a generalidade do orçamento da despeza; approva-se na especialidade a despeza relativa á junta do credito publico, e bem assim o 1.º e 2.° capitulos com referencia ao ministerio da fazenda.

Presente» á chamada 36 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, A. J. Teixeira, Pereira Carrilho, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Fonseca Osorio, Mouta e Vasconcellos, Palma, Illidio do Valle, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Mello Simas, Pedro Franco, Pedro Jacome, Thomás Ribeiro, V. da Arriaga, V. de Guedes Teixeira, V. de Sieuve de Menezes.

Entraram durante o sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, Avila Junior, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Correia da Silva, Conde de Bertiandos, Conde da Graciosa, Francisco Mendes, Francisco Costa, Camello Lampreia, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Matos Correia, Cardoso Klerck, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Moraes Rego, Mexia Salema, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Julio Ferraz, V. da Azarujinha, V. de Carregoso, V. de Moreira de Rey, V. de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Arrobas, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Francisco de Albuquerque, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Perdigão, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, Luciano de Castro, J. M. dos Santos, Nogueira, Faria e Mello, Alves Passos, Placido de Abreu, Ricardo de Mello.

Abertura — A uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE Declarações

1.ª Declaro que por incommodo de saude faltei ás tres ultimas sessões. = Pires de Lima.

2.ª Participo a V. ex.ª que o ex.mo sr. deputado Alfredo Peixoto não póde comparecer á sessão por motivo justificado. = Illidio do Valle.

Officios

1.º Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação a um requerimento do sr. deputado Adriano Sampaio,

copia da portaria de 8 de junho de 1875, expedida a junta do deposito publico de Lisboa.

2.° Do ministerio da fazenda, acompanhando, em satisfação a um requerimento do sr. deputado visconde de Guedes Teixeira, a informação da direcção geral das contribuições directas, da qual consta o numero de individuos tributados em Lisboa e Porto com a taxa de refinadores de assucar, nó anno de 1875, e a importancia que as taxas produziram para o thesouro no mesmo anno.

3.° Do mesmo ministerio, acompanhando, em satisfação a um requerimento dos srs. visconde do Sieuve de Menezes e Julio Ferraz, seis copias das bases que se tomaram para a distribuição do deficit da quantia necessaria para compensar o rendimento do tabaco em relação aos annos de 1869 a 1874, nos districtos administrativos das ilhas adjacentes.

A secretaria. Representações

1.ª Dos pharmaceuticos do hospital de S. José, pedindo que sejam derogadas as disposições do regulamento da botica do mesmo, hospital e que sejam augmentados os seus vencimentos. (Apresentada pelo sr. deputado Teixeira.)

A commissão de fazenda.

2.ª Do escrivão e ajudante da tomada de contas de encargos pios na comarca de Lisboa, pedindo que sejam consignadas em additamento ao artigo 1.º do projecto n.º 164, as mesmas disposições concedidas aos mais empregados da contadoria do hospital de S. José, com relação ás suas aposentações. (Apresentada pelo sr. deputado Pires de Lima.)

A commissão de administração publica.

3.ª Da viuva Peters & Filhos, pedindo que sejam reduzidos os direitos na importação dos tubos de ferro fundido de 250 a 30 por cento no valor dos tubos até 0m,200 de diametro, e de 15 por cento nos de maior dimensão. (Apresentada pelo sr. deputado Seixas.)

A commissão de fazenda.

4.ª Dos empregados da alfandega do consumo de Lisboa, pedindo que seja revogada a disposição" do artigo 2.° do decreto de 23 de junho de 1870. (Apresentada pelo sr. deputado Mouta e Vasconcellos.)

A mesma commissão.

5.ª Da camara municipal de Setubal, pedindo que lhes sejam concedidos o resto das muralhas da antiga fortificação da mesma cidade e terrenos a ellas adjacentes, e bem assim os terrenos que circundam as ruinas do castello de Palmella, para serem aproveitados em utilidade do municipio. (Apresentada pelo sr. deputado Arrobas.)

A mesma commissão.

Requerimento 1

Requeiro que a esta camara seja enviada com urgencia, pelas secretarias do reino e obras publicas, copia dos seguintes documentos:

1.° Parecer e relatorio da commissão nomeada pela portaria de 22 de setembro de 1873, para examinar as causas dos prejuizos que soffrem os campos da Ribeira do Caima, no concelho de Albergaria;

2.° Representação dirigida ao ministerio do reino, em novembro de 1874, pelos povos de Valmaior, do dito concelho, pedindo indemnisações o outras providencias ao governo, e a informação que sobre ella deu o governador civil de Aveiro;

3.° Parecer do procurador geral da corôa, sobre a in

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demnisação proposta por aquella commissão no seu parecer;

4.° Informação que deu o engenheiro de minas, Roquette, em 1875, sobre o estado das obras que o governo mandou fazer aos concessionarios das minas, para atalhar a molestia dos campos de Valmaior. = Pires de Lima.

Foi expedido.

O sr. Carrilho: — Mando para a mesa, por parte da commissão de fazenda, o parecer sobre as emendas offerecidas durante a discussão do projecto para a caixa dos depositos.

O sr. Pedro Franco: — Desejava chamar a attenção dos srs. ministros do reino e das obras publicas sobre dois factos importantes;'mas como s. ex.ªs não estão presentes e d'aqui a pouco vamos entrar na ordem do dia, verão pelo Diario da camara as considerações que vou fazer, e espero que s. ex.ªs tomem as devidas providencias.

O primeiro facto é sobre os acontecimentos de Cascaes. O povo d'aquelle concelho está ainda sendo violentado, á força d'armas, a pagar o que não deve.

A camara já sabe que se não tinha feito lançamento em tempo competente; que a camara municipal transacta tinha desprezado todas as praxes para esse lançamento, e que só agora é que á camara actual fez patente esse lançamento, o que demonstra que o povo não póde ser forçado a pagar similhante contribuição..

Eu já aqui pedi os documentos relativos a este escandalo, e renovo hoje o mesmo pedido, que fiz em 4 d'este mez, esperando que elle seja em breve satisfeito.

Requeiro tambem que, pelo ministerio do reino, seja mandada a esta camara, relação nominal dos cidadãos presos n'essa occasião pelo administrador do concelho de Cascaes, e que foram depois soltos pela mesma auctoridade.

Entendo que o administrador d'aquelle concelho, não só exorbitou das suas attribuições, prendendo cidadãos pacíficos que iam reclamar justiça contra uma contribuição forçada que não eram obrigados a pagar; mas ainda mais exorbitou, porque no dia seguinte, arvorando-se em juiz, soltou-os, em logar de os remetter para a comarca de Cintra, facto que o juiz de direito d'aquella comarca estranhou aquella auctoridade.

Mando, pois, o meu requerimento para a mesa, a fim de que os documentos que peço sejam apresentados á camara, e espero que não tenham a mesma demora que os já pedidos, porque preciso annunciar uma interpellação ao sr. ministro do reino, e sem os documentos não o posso fazer.

O outro facto diz respeito ao sr. ministro das obras publicas, e para o qual chamo a attenção de s. ex.ª

O anno passado pedi providencias ao sr. ministro para o estado de ruina em que se achava um muro que existe ao Calvário, na estrada de Alcantara a Belem, e n'uma propriedade pertencente, supponho, á casa real, e que • parte já foi apeado pelas obras publicas, ou pela companhia de carris de ferro americanos.

Eu não sei se a estrada ainda é das obras publicas ou se pertence já de facto e de direito á companhia da carris de ferro; mas o que é facto é que aquella estrada está completamente intransitavel, com os rails a descoberto, quebrando-se todos os dias os trens dos particulares, e o publico lança este desleixo á conta da camara municipal de Belem, quando a culpa é exclusivamente do ministerio das obras publicas, que o consente á companhia.

Parece incrivel que se consinta n'este estado uma estrada de/primeira ordem, e um muro da altura de sete a oito metros especado com varas de castanho!

Estou persuadido que a companhia dos carris de ferro tem obrigação de reconstruir áquelle muro; mas seja ella ou o ministerio das obras publicas, peço providencias energicas, porque o transito por ali é immenso e torna-se arriscado, por causa da estreiteza da rua, podendo haver algum acontecimento bastante lamentavel, se desabar na occasião em que passe por ali o americano.

Quanto á estrada, parecia-me melhor nos sitios aonde não ha declivio ser calçada á portugueza; evita-se a lama e a poeira, e os rails estando assim acompanhados, facilitam mais o transito de outros vehiculos. '

Espero, pois, que o sr. ministro das obras publicas attenderá a estas reclamações.

O sr. Bivar — Como está presente o sr. ministro da fazenda, peço a attenção de s. ex.ª para um negocio que já por mais de uma vez lhe tenho recommendado particularmente, e que reputo da maior importancia para a provincia, que tenho a honra de representar n'esta casa.

Eu tive a honra de apresentar um projecto de lei, assignado tambem pelos meus illustres amigos os srs. Gomes da Palma e Marçal Pacheco, e que o meu illustre collega o sr. Cunha Belem já aqui recommendou ao governo, sobre a contribuição predial no districto de Faro com relação ao anno de 1875.

NÓ3 pedimos um abatimento n'esta contribuição; e eu tinha, quando apresentei o projecto, como tenho ainda hoje, a convicção, não só da sua justiça, mas tambem da sua necessidade e urgencia; e se não tivesse esta convicção, não o teria apresentado n'esta. camara.

E bem conhecida de todos a calamidade que tem infelizmente pesado sobre a provincia do Algarve; ninguem já a contesta, ella é bem publica e notoria: e o governo acudiu-lhe com providencias energicas, acertadas e justas, que bastante attenuaram os seus effeitos.

No numero d'estas providencias foi comprehendida a prorogação do prazo para o pagamento das contribuições até ao dia 13 de março proximo.

Ora, se o governo, depois de competentemente informado, entendeu que os contribuintes não podiam em novembro, que era a epocha das colheitas, pagar a contribuição, parece me fóra de toda a duvida que menos a podem elles pagar no mez de março, que é a occasião em que têem de fazer maiores sacrificios com as despezas das sementeiras e cultura das terras.

É uma disposição da lei fundamental do paiz, que cada cidadão só é obrigado a contribuir para as despezas do estado conforme os seus rendimentos: e estando devidamente calculada a producção agricola do Algarve, no anno findo, na quarta parte da que costuma ser em annos regulares, custa realmente a comprehender que os contribuintes sejam obrigados ao pagamento da respectiva contribuição por inteiro.

Tenho documentos em meu poder, poios quaes posso mostrar que a escassez das colheitas no Algarve nos dois ultimos annos deu em resultado que a importação dos cereaes e generos pelos portos d'aquella provincia cresceu por tal fórma, que o imposto sobre a mesma importação augmentou no semestre findo 50 e tantos contos de réis; e é de presumir, que durante o semestre que vae decorrendo elle augmente outro tanto.

Por consequencia, o estado veio a receber n/este anno economico, em virtude da crise que o Algarve está atravessando, cento e tantos contos de réis a mais do que nos annos anteriores arrecadou do imposto sobre a importação; sendo esta quantia muito superior ao abatimento que peço no meu projecto.

Eu podia offerecer outras rasões, que provam não só a necessidade mas a justiça d'esta medida, mas reservo-me para as allegar era occasião opportuna, quando a illustre commissão de fazenda apresentar o seu parecer sobre o meu projecto e este entrar em discussão.

Nilo sei se haverá algum inconveniente da parte do nobre ministro da fazenda em dar alguns esclarecimentos ácerca d'este assumpto; comtudo, estando tão. proximo o dia 13 de março; em que finda o praso da prorogação para o pagamento das contribuições, desejava bem, a fim de que os agricultores e proprietarios da provincia do Algarve possam ficar socegados e tranquillos, se não illudam, e, fique definida a sua situação a este respeito, que

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s. ex.ª dissesse se o governo acceita a providencia que eu proponho, ou se está resolvido a propôr n'esta camara, ou a decretar, dentro das suas attribuições legaes, qualquer outra medida que conceda aos contribuintes do Algarve o beneficio a que elles têem o mais incontestavel direito, e eu não solicito como favor, mas sim reclamo como um acto de inteira justiça.

Peço a V. ex.ª que, se o sr. ministro se dignar responder-me, me reserve a palavra para eu depois dizer o que se me offerecer.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Eu sei que as circumstancias da provincia do Algarve são precarias depois das ultimas seccas, e tanto o sabe o governo, que pela sua parte fez quanto póde para attenuar os resultados d'aquellas circumstancias tristes (apoiados), já desenvolvendo a viação n'aquella provincia, o que deu de comer a muitos trabalhadores da classe mais indigente, já attenuando as precarias circumstancias dos proprietarios, adiantando-lhes sementes.

A medida que propoz o illustre deputado não sei se é para supprimir ou diminuir o imposto no anno que corre, pois não tenho agora presente o projecto; mas não me parece a mais regular quando se trata de contribuição predial.

Não é a primeira vez que algumas provincias têm sido terrivelmente affectadas com sinistros similhantes. O illustre deputado sabe perfeitamente quando o oidium tuckery se manifestou no paiz, houve provincias que ficaram em circumstancias tanto, ou mais deploraveis do que a do Algarve, porque não se tratava da perda de uma colheita, mas da perda das colheitas d'aquelle importante ramo de agricultura per muitos annos, e nunca, ou pelo menos não tenho idéa de que no parlamento se votasse uma lei supprimindo a contribuição predial, porque na lei ha remedio para isso (apoiados); é a annullação.

Quem nada recebe da sua colheita, nada paga, se reclamar na epocha competente.

O que o governo póde fazer dentro das suas attribuições e prorogar o praso, como ultimamente fez, para as reclamações, de maneira que possa' aproveitar aquelles que, fiados talvez em uma medida legislativa, não tinham sido tão solicitos, como os seus interesses aconselhavam, em pedir a annullação e terem portanto ainda tempo de a pedir. Por consequencia, repito, aquelles que tudo perderam, nada pagam, e os que perderam pouco, pagarão pouco. S. ex.ª sabe que as disposições do governo o das suas auctoridades são para fazer justiça n'este ponto aos contribuintes; portanto o meio que este consignado na lei é sufficiente para evitar os inconvenientes de que se queixam e com rasão os habitantes da provincia do Algarve.

Esta é a minha opinião, e posso declarar ao illustre deputado que por parte do governo não ha duvida alguma em prorogar o praso para as reclamações. (Apoiados.)

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, no anno passado apresentei aqui um projecto de lei tendente a regularisar o ensino pharmaceutico; esse projecto, que foi confiado á commissão de instrucção publica, não teve até hoje parecer, naturalmente, creio eu, pelos muitos assumptos que ella tem a tratar. Ora, estando a sessão adiantada, não posso deixar de instar com as commissões de instrucção publica e de fazenda para que dêem o seu parecer, podendo ficar certas de que tratam de uma causa justa, como é regularisar o ensino de um ramo da medicina tão considerado em todos os paizes, como desconsiderado e irregular entre nós.

E isto o que por agora tenho a dizer, promettendo não largar de mão esta questão.

Faço portanto um requerimento n'este sentido, para que as commissões tenham verdadeiro conhecimento do que acabo de expor.

Agora peço licença para mandar para a mesa um requerimento dos escreventes do arsenal da marinha, que pedem

a esta camara, visto não terem obtido deferimento ao requerimento que fizeram no anno passado, augmento dos seus exiguos vencimentos; espero que V. ex.ª se digne remette-lo á commissão respectiva, a fim de o tomar na consideração que merecer.

O sr. Visconde de Guedes Teixeira: — Mando para a mesa uma representação de grande numero de parochos do circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, pedindo uma lei para a dotação do culto e clero. 1

Lamento que o sr. ministro da justiça não esteja presente, porque desejava chamar a attenção de a. ex.ª para um assumpto de tanta importancia e gravidade como este. Reservo-me, portanto, para quando a. ex.ª comparecer apresentar algumas considerações relativas a este assumpto. Direi agora sómente que a alta justiça do pedido exarado n'esta representação está bem patente pelos argumentos apresentados n'ella.

O sr. Cunha Belem: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei restabelecendo o logar de professor auxiliar de desenho no instituto geral de agricultura, e melhorando as condições de alguns empregados, não só d'aquelle instituto mas tambem do instituto industrial.

Visto que estou com a palavra, e sem querer abusar da benevolencia com que v. ex.ª m'a concedeu, direi que me associo de todo o coração ás expressões do meu illustre collega e amigo o sr. Bivar, e congratulo-me, sem por fórma alguma pretender prevenir o que s. ex.ª tem ainda a dizer, com o sr. ministro da fazenda pela solicitude e boa vontade que tem mostrado em melhorar as condições dos povos da provincia do Algarve.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Mando para a mesa tres propostas de lei. Leram-se na mesa e são as seguintes:

Proposta de lei n.º 17 -M Senhores. — Em 23 de junho de 1875 desenvolveu-se na freguezia de Alijó, concelho de Boticas, districto de Villa Real, um pavoroso incendio que reduziu a cinzas quasi toda a povoação, deixando os habitantes na mais extrema miseria, sem casas para se abrigarem, nem meios para as reconstruírem.

Outra catastrophe similhante teve logar, em 4 de julho, na povoação de Mourilhe, concelho de Monte Alegre, devorando centro o quarenta casas pertencentes a diversos moradores, que, como os de Alijó, ficaram na mais lamentavel pobreza.

O governador civil do districto mandou abrir subscripções entre os habitantes dos dois concelhos, mas declarou que julgava pouco valiosos <>s, soccorros adquiridos por esse meio, reputando de absoluta necessidade que o governo concorresse tambem com alguma quantia.

O governo, tendo procedido ás mais rigorosas informações, e fundando-se no que dispõe o artigo 5.° da carta de lei de 22 de abril de 1874 e a de 13 de abril de 1875, não hesitou em acudir a tanta miseria, e remetteu áquelle magistrado a quantia de 2:000$000 réis, como auxilio que deveria ser prestado aos habitantes das duas referidas povoações que mais prejuizos tivessem soffrido, e que se achassem sem meios de os remediar.

Sendo portanto indispensavel legalisar esta despeza, tenho ' a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É legalisada a despeza de 2:000$000 réis, que pelo ministerio dos negocios do reino foi feita com os soccorros prestados aos habitantes pobres das povoações de Alijó e Mourilhe, que mais soffreram com os incêndios que tiveram logar nas mesmas povoações nos dias 23 de junho e 4 de julho de 1875.

Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario. Ministerio dos negocios do reino, em 19 de fevereiro de 1876.- = Antonio Rodrigues Sampaio.

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Proposta do lei n.º 17-N

Senhores. — Os acontecimentos que ultimamente tiveram logar na provincia do Pará, imperio do Brazil, obrigaram alguns portuguezes a abandonar essa provincia por não julgarem a -vida segura, nem poderem manter-se ali pelas circumstancias anormaes em que ella se encontrava.

Esses individuos, em avultado numero, dirigiram-se a Lisboa nas barcas Amazona e Ligeira, apresentando-se ao governador civil, a quem pediram passagem para a provincia de Angola na qualidade de colonos.

Este magistrado, dando parte de tal pretensão, solicitou pelo ministerio do reino os fundos necessarios para satisfazer a passagem dos mesmos colonos no paquete que devia saír sem demora.

O governo, tendo o maior empenho em desenvolver, quanto possa, a colonisação das possessões de Africa, e principalmente com população europea, e d'esta a que já se acha aclimatada aos rigores tropicaes, não teve duvida em mandar pôr á disposição do mesmo governador civil a quantia por elle solicitada.

O numero dos referidos colonos não foi alem de quarenta e um e a sua passagem, em 3.ª classe, custou 1:845$000 réis, despeza que em breve tempo se tornará productiva em beneficio d'aquella provincia de alem mar.

Não existindo na tabella da despeza do ministerio do reino verba alguma votada para tal fim, torna-se indispensavel legalisar a alludida quantia, e por isso tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É legalisada a despeza de 1:845$000 réis feita pelo ministerio do reino, sendo 1:710$000 réis pertencentes ao exercicio de 1874-1875, e 135$000 réis despendidos no exercicio de 1875-1876, com a passagem de quarenta e um individuos, vindos da provincia do Pará, imperio do Brazil, e que na qualidade de colonos seguiram viagem para a provincia de Angola.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios do» reino, em 19 de fevereiro de 1876. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Proposta do lei n.º 17-0

Senhores. — Era oharmnia com o que dispõe b decreto com força de lei de 20 de setembro de 1844, ordenou-se por portaria do ministerio do reino de 2 de dezembro de 1874, que se procedesse successivamente nos districtos administrativos do continente do reino e ilhas a uma inspecção extraordinaria de todas as escolas de instrucção primaria, publicas e livres, com o fim de se conhecer, com exactidão, a extensão, intensidade e proficiencia d'este ensino, a frequencia e aproveitamento dos alumnos e o estado material das mesmas escolas; e por portaria de 22 de fevereiro do anno seguinte foram creados os circulos de inspecção e os respectivos inspectores, em numero de 91, que se distribuiram pelos diversos concelhos, para dar começo a um serviço que já tinha sido recommendado na propria camara dos senhores deputados, e era reclamado por todos os que se interessam pelo desenvolvimento da instrucção do povo, mas com resultados proficuos.

Na tabella das despezas do ministerio do reino, para o exercicio de 1874-1875, achava-se consignada no artigo 26.° do capitulo 9.° a verba de 5:522$340 réis, para occorrer ao pagamento 'das gratificações dos inspectores e dos ordenados dos professores e professoras das cadeiras que fossem creadas até ao fim do referido exercicio; verba na verdade exigua para tão avultados encargos, visto que só com o serviço da inspecção ás escolas se despendeu a somma de 4:858$500 réis.

Continuou no corrente exercicio a desempenhar-se o mesmo serviço, sem que o governo estivesse habilitado com maiores recursos para pagar as gratificações a que os inspectores tinham direito, as quaes sobem já á importancia de 11:112$000 réis, somma que ainda não attingiu o, seu ter-me, por não terem sido satisfeitas na totalidade as d'aquelles, cujos trabalhos vão sendo remunerados á medida que os apresentam.

Para legalisar, pois, o despendio de 5:612$000 réis, differença entre a somma de 5:500$000 réis, votada na tabella das despezas para o, corrente exercicio, e a de réis 11:112$000, em que importou já a retribuição do serviço das inspecções supramencionadas, e satisfazer ao pagamento da que terá ainda de se effectuar até ao fim do presente anno economico, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É legalisado o excesso da despeza já feita no corrente anno economico de 1875-1876 com a inspecção extraordinaria ás escolas de instrucção primaria, publicas e livres, na importancia de 5:612$000 réis; e auctorisado o governo a despender até á quantia de 11:000$000 réis, somma em que poderá importar a mesma despeza no restante periodo do referido anno economico.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios do reino, em 16 de fevereiro de 1876. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Foram enviadas ás commissões competentes.

O sr. Luiz Bivar: — Agradeço ao nobre ministro da fazenda as explicações que teve-a bondade de me dar; mas não posso ficar completamente satisfeito com ellas, e não retiro por isso o meu projecto. '

Sou o primeiro a reconhecer, e já aqui prestei, como deputado pela provincia do Algarve, um publico testemunho de reconhecimento pelas medidas importantes, convenientes e justissimas com que o governo acudiu aquella provincia, quando ella começou a lutar com uma das maiores crises que tem atravessado.

Mas vendo os habitantes do Algarve que o governo era tão prompto em concorrer com os meios ao seu alcance para suavisar ou attenuar os effeitos do flagello que assolava aquella provincia, sempre esperaram que o mesmo governo lhes fizesse mais este beneficio, que tenho com tanto empenho solicitado, sendo talvez por esse motivo que muitos não usaram em tempo util do recurso das annullações, que a lei lhes concedia.

Todos sabem, alem d'isso, e conhecem como a propriedade está constituida no Algarve. Ali não existe ella accumulada em poder de poucos, como o está, por exemplo, na provincia do Alemtejo, porém, acha-se immensamente retalhada e dividida por muitos, e os contribuintes, portanto, na sua maior parte, quando quizessem usar do direito que a lei lhes dava, as annullações talvez tivessem de despender nos sellos e honorarios para advogado e procurador quantias pouco inferiores, iguaes ou ainda superiores ás verbas em que estão collectados. Comtudo a prorogação do praso para as annullações é já um beneficio que o governo concede a todos aquelles que tenham vantagem e interesse no uso e exercicio d'esse direito. Para que esta providencia, porém, que o governo pretende e está resolvido a adoptar, produza algum allivio a todos os contribuintes, muito convem que seja acompanhada de uma moratoria permittindo-lhes o pagamento da contribuição predial do anno passado em prestações, a exemplo do que já se tem feito a outros povos, como foi aos da Madeira e Angra em circumstancias quasi identicas e menos graves que as do Algarve. Era importante a Concessão d'essa moratoria. E creia s. ex.ª que as medidas, aliás as mais efficazes que o governo empregou, com optimos resultados, perdem uma parte de seu valor ou ficam incompletas, se não for devidamente attendida e beneficiada a classe dos pequenos lavradores; porque na realidade, como observei estando ha pouco tempo no Algarve elles estão na impossibilidade de satisfazer agora as contribuições, e uma vez que os pretendam já compellir ao seu pagamento, serão vexados com execuções e obrigados a vender arrastadamente as suas propriedades, ficando reduzidos á miseria.

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Repito, é já um beneficio a prorogação do praso para as annullações, mas insufficiente se não for acompanhado da moratoria, como já se fez a outros povos. Em todo o caso aguardo as providencias do governo, e se não me satisfizerem completamente, se não se obstar aos graves inconvenientes que hão de resultar do prompto pagamento das contribuições, terei de chamar novamente a attenção do nobre ministro sobre tão importante assumpto.

O sr. Pires de Lima: — Ha tempo fiz um requerimento pedindo que fosse impresso e publicado o relatorio geral da inspecção extraordinaria feita ultimamente ás escolas primarias, mas o meu pedido não foi satisfeito, porque da secretaria do reino apontaram-se alguns inconvenientes que a isso se oppunham. 1

Ponderou-se em primeiro logar que não tinham chegado ainda á secretaria todos os relatorios especiaes, e em segundo logar, lembrou-se a circumstancia de conterem os já entrados no ministerio uma parte confidencial, a qual não devia ser publicada. Estas rasões pareceram-me e parecem-me muito attendiveis, não para renunciar absolutamente ao meu pedido, mas para o modificar de modo que o seu deferimento não encontre obstaculos. Assim pois peço ao governo que, logo que sejam recolhidos todos os relatorios especiaes, elabore, faça imprimir e publicar um relatorio no qual, pondo-se de parte o que for rigorosamente confidencia], se exponha o estado da instrucção primaria, porque isso póde ser de uma grande utilidade para conhecer os abusos e imperfeições que ha hoje n'este ramo de serviço publico, e ao mesmo tempo suggerir alvitres racionáveis para os remediar e corrigir. As informações dos inspectores sobre o pessoal do magisterio não pretendo nem peço que sejam publicadas. Ha infelizmente muitos professores maus, e denunciar ao publico n'um documento official os mestres que por preguiça ou natural deficiencia não satisfazem regularmente os deveres escolares, é sempre odioso, e n'alguns casos será tambem prejudicial ao ensino, porque irá diminuir a auctoridade moral d'aquelle, a quem está confiado. Não é porém de rasão que por causa dos maus soffram os bons, e por isso affigura-se-me muito conveniente e justo que o governo, tendo em vista as informações dos inspectores e na falta d'estas as dos commissarios dos estudos, faça publicar no Diario do governo o nome de todos os mestres que têem bem merecido no desempenho da sua missão.

Não é nova esta idéa. Encontra-se no decreto com força de lei de 20 de setembro de 1844 e no decreto de 20 de dezembro de 1850; e enunciando-a agora aqui, não faço mais do que lembrar o cumprimento da lei.

V. ex.ª o a camara sabem perfeitamente quanto é escassa e mesquinha a remuneração dos professores, e quão difficil é alargar-lh'a. Mas se as circumstancias actuaes do thesouro não permittem augmentar-se-lhes os seus ordenados tanto quanto era para desejar, ao menos não se regateiem -os elogios e considerações merecidos a esta ordem de funccionarios, porque essas considerações o louvores, premios justíssimos para 03 dignos, serão estimulo e incitamento para que todos se devotem com zêlo e com diligencia do cumprimento dos seus espinhosos e nobilíssimos deveres.

A publicação pois na folha official dos nomes dos mestres distinctos, recompensa e galardão para estes, esperança e exemplo para os outros, aproveitará a todo o professorado e concorrerá poderosamente, para o aperfeiçoamento da educação popular.

Em harmonia com as considerações expostas, mando para a mesa a seguinte proposta, e peço a V. ex.ª que a submetta á resolução da camara. '

«Proponho que o governo seja convidado a publicar no Diario do governo os nomes dos professores primarios que, em harmonia com o disposto no decreto de 20 de dezembro de 1850, artigo 37.°, e decreto de 20 de setembro de 1844, artigo 27.°, § unico, merecerem louvor por seu regular comportamento, methodo de ensino e aproveitamento dos alumnos. = Pires de Lima. Foi admittida.

O sr. Ministro do Reino: — Não tenho duvida nenhuma em satisfazer ao pedido do illustre deputado, principalmente quando s. ex.ª o formula com tanta sensatez: haveria cousas que seria inconveniente publicar; e como o illustre deputado não deseja que essa publicação se faça, mas se aquella que sirva de incitamento para os professores, posso assegurar que o seu desejo ha de ser satisfeito.

O sr. Presidente: — Como a hora está adiantada, vae passar-se á ordem do dia; e peço aos srs. deputados que tenham a bondade do comparecer mais cedo para a sessão se abrir mais cedo do que hoje se abriu.

ORDEM DO DIA

Orçamento da despeza geral do estado, na generalidade

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barros e Cunha.

O sr. Luiz de Campos: — Parece-me que agora pertence-me a palavra, e eu não quero perder o meu direito. Mas se não estou inscripto, peço licença para fazer um requerimento á camara.

O sr. Barros e Cunha: — Peço a V. ex.ª que tenha a bondade de dar a palavra ao sr. Luiz de Campos.

O sr. Presidente: — O sr. deputado tem rasão, estava inscripto. Tem a palavra o sr. Luiz de Campos.

O sr. Luiz de Campos: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Marinha (Andrade Corvo): — Sr. presidente, o assumpto que n'esta camara se tem debatido ha tres dias é de si extremamente grave; é um assumpto que deve de certo merecer a attenção do parlamento, como a tem merecido, e no qual, se por vezes algumas phrases têem parecido mostrar desagrado ou censura da parta da opposição, a verdade é que de todas estas phrases incidentaes se tem chegado a reconhecer que o governo fez o seu dever, tratando de melhorar a nossa força naval, e creando n'ella um instrumento indispensavel da epocha actual, não só para defeza e ataque, mas para a conservação de outros navios de guerra, na occasião da aggressão de um inimigo no momento dado.

A questão não nascia do assumpto do debate, é força dize-lo, porque uma das rasões que se têem dado para combater esta compra do navio couraçado resulta do encargo que ella veiu trazer para o thesouro da metropole, o que não é exacto, e o que o sr. Luiz de Campos acaba de reconhecer. 1 V

• O governo reconheceu, como todos os governos anteriores, a necessidade de occorrer ao misero estado em que se achava a nossa marinha de guerra, e se nenhum dos governos que reconheceu esta necessidade occorreu a ella, não foi senão porque conheceram que era necessario empregar uma larga somma, e não era conveniente onerar a despeza do estado com um encargo novo.

Nas circumstancias especiaes em que as colonias se achavam na epocha em que eu trouxe a proposta de lei á camara, da qual resultou para o governo a acquisição dos novos navios, n'esse momento havia no estado mais prospero das nossas colonias os elementos necessarios para que os navios de guerra se construissem, sendo os encargos d’essa operação financeira pagos pelas mesmas colonias.

Porventura significa isto que a marinha de que se tratava era uma marinha colonial? Nem a lei, nem o relatorio, nem as minhas palavras significam similhante cousa. Eu não disse que as colonias iam pagar para fazer face aos encargos do novo emprestimo; o que eu disse foi que tendo a maior parte do serviço da nossa marinha de guerra de ser feito a bem das colonias, resultando d'ahi, não um

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encargo especial de colonias mas até hoje exclusivamente da metropole, era justo que ellas pagassem, não o encargo total mas o excesso de despeza que causam as estações sobre a despeza correspondente dos navios ancorados no

Tejo.

Foi positivamente o que disse. Isto é, eu pedia ás colonias o seguinte: pagais as vossas despezas do exercito de terra; não pagueis toda a despeza dos navios de guerra que fazem estação ahi, mas pagae ao menos a differença que vae da despeza gasta com os navios que estão ancorados no Tejo, com' a que se faz quando vão em viagem ás colonias, e ahi se conservam em estação. Foi o que pedi. Resultava d'ahi que podia pedir a mesma cousa sem ser com destino á operação especial que se fez para melhorar a marinha de guerra.

Havia um augmento de receita na metropole: fez a lei com que esse augmento de receita redundasse em beneficio da marinha e consequentemente das colonias; n'este caso o pagamento dos encargos do emprestimo para navios pedido ás colonias era justo, visto que nas colonias ha tambem prosperidade relativa, e ao mesmo tempo necessidade de navios em estação.

Aproveitei, pois, esta receita nova que entra nos cofres da metropole para sobre ella levantar o emprestimo para melhorar a nossa marinha de guerra.

Eis o principio que expuz no relatorio que precede a lei; eis a rasão pela qual não reputei, nem podia reputar que se ía fazer um serviço especial ás colonias mas apenas um aproveitamento de receita, que, sem perigo de elevar os encargos do estado, ía melhorar a nossa marinha de guerra. (Apoiados.)

Foi exactamente o que já expliquei aqui por occasião da discussão da lei. O que restava era determinar quaes os navios que conviria construir a fim de acudir ás mais urgentes necessidades.

Houve a proposito d'esta lei um debate, que foi quasi um dialogo, entre mim e o meu collega da escola polytechnica, o sr. Mariano de Carvalho.

D'esse. dialogo não apparece, infelizmente, no Diario da camara, o que disse um dos interlocutores. Por conseguinte é-me difficil saber qual foi o assumpto especial para o qual o sr. Mariano de Carvalho, n'essa epocha, me chamou a attenção.

Parece-me que o sr. deputado desejava principalmente que se não gastasse uma grande somma na construcção de um grande navio de madeira, que, custando proximamente 500:000$000 réis, não podesse servir nem para a guerra, nem para as colonias, e seria unicamente um navio de ostentação.

No estado em que se achava o armamento da marinha de guerra seria com effeito uma tal construcção um desperdicio.

Eu comprometti-me a consultar os homens competentes para me esclarecer; e não só aos homens competentes pedi parecer em occasião opportuna, tambem me guiei pelo parecer d'aquelles homens publicos que antes de mim geriram os negocios da marinha.

Para melhorar a nossa marinha havia que substituir os navios que estavam completamente inhabilitados de navegar, os navios velhos, por outros. Mas havia eu de mandar fazer navios novos nas condições náuticas dos navios antigos ou n’aquellas que se empregam hoje nas marinhas de guerra? Isto não tem senão uma resposta. Os navios velhos haviam de ser substituidos por outros que satisfizessem ás necessidades de hoje.

Era preciso harmonisar as novas construcções com as condições/ da guerra.

O estado da marinha é hoje inteiramente differente do que era ha vinte annos (apoiados), não digo ha vinte annos, ha dez, e ha menos.

Hoje ha uma luta permanente entre a força da artilheria e os meios de defeza dos navios por meio de couraças.

Essa luta não chegou por ora a seu termo; é comtudo certo que quem não estiver preparado para ella, quem não tiver meios iguaes aos do inimigo para se defender, está completamente entregue á mercê, não direi de uma aggressão em guerra regular, mas de um simples golpe de mão de pirataria. (Apoiados.)

Pergunta-se para que é um navio couraçado? É para defender o porto de Lisboa? Se é, o navio couraçado não póde ir ás colonias.

Nós vemos navegando em todos os mares os navios couraçados das esquadras de todas as nações maritimas. Que rasão ha para que um couraçado portuguez seja condemnado a estar fundeado em frente do Terreiro do Paço e não possa ir a Cabo Verde, a S. Thomé, a Moçambique, e á India, ou á China? (Apoiados.) Pois os navios da China não foram da Europa para lá? (Apoiados.)

Porque rasão não poderá então o Vasco da Gama ir á China, tendo todas as condições apropriadas, segundo o resultado dos estudos feitos n'este sentido, para poder fazer largas viagens, e servir mesmo para um caso de guerra nas colonias.?

De novo recordo que nunca se tratou de fazer exclusivamente marinha colonial, mas sim de substituir os navios incapazes de servir por outras nas condições da marinha moderna.

Para defender o porto de Lisboa o Vasco da Gama, só, não chega: é verdade. Por isso os illustres deputados da opposição acabam de dizer que são precisos, não um, mas quatro couraçados. De accordo, e espero que o pensamento de crearmos uma verdadeira marinha de guerra não será abandonado.

Havemos de ter uma marinha de guerra, se não numerosa, ao menos em condições regulares para o ataque e para a defeza, e; ha de isso acompanhar a nossa prosperidade crescente. É esta uma necessidade da nossa dignidade como nação e da grandeza a que temos direito, sendo, como somos, uma grande potencia colonial. (Apoiados.)

Mas como não podemos ainda comprar tres ou quatro couraçados, não é uma rasão para não começarmos por adquirir um.

O Vasco da Gama, comquanto não seja proprio para a grande guerra maritima, é comtudo proprio para a defeza dos portos: tem a força necessaria para impedir que um navio qualquer entre no nosso porto e faça o que em • outro tempo tem acontecido algumas vezes...

Será melhor não recordar agora esses acontecimentos.

Era preciso termos um navio que defendesse o porto de Lisboa, ou outro territorio portuguez, quando fosse offendida a nossa soberania por um navio estrangeiro, para não ficarmos de braços cruzados, sem ao menos termos com que para fazer a policia do nosso porto. (Apoiados.)

Já eu disse que a questão não derivava naturalmente da materia que está em discussão, tratando-se de um encargo que recáe principalmente sobre as colonias, não era na discussão do orçamento da metropole que elle se devia apresentar, mas sim quando se tratasse do orçamento das colonias. (Apoiados.)

No entanto a questão foi posta, e era inutil afasta-la; antes foi melhor para esclarecer a opinião publica que ella fosse tão largamente tratada.

Dizem que foi illegalmente ordenada a construcção de um couraçado. Perguntarei: onde, quando, em que termos, não digo só na lei, mas no relatorio que a precede, nos relatorios das commissões do parlamento se diz que é prohibido gastar d’aquella somma uma quantia! na compra de um couraçado? Onde está uma palavra unica que possa indicar isto?

Quando eu, respondendo ao sr. Mariano de Carvalho ácerca de navios, lhe disse que não me afastaria do programma do sr. Latino Coelho em 1869, referia me a este programma que diz assim.

«No relatorio que precede o decreto de 30 de dezembro

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de 1868, fixando os quadros do pessoal dos officiaes da armada, o sr. Latino Coelho, cujo talento é com rasão por todos apreciado, diz o seguinte ácerca da nossa marinha de guerra:

«A marinha de guerra portugueza não podia porém, sem que renunciássemos aos fôros de nação, deixar vasio o logar que tão honradadamente ganhara por seus feitos admiraveis, e por suas gloriosas expedições. Algum impulso se foi dando ao seu melhoramento, segundo o iam consentindo os recursos que podiamos dispor.

«Será um erro deploravel não attender aos aperfeiçoamentos e progressos da nossa força naval. Uma nação que possue ainda tão vastas e productivas provincias ultramarinas em tão afastadas regiões do globo, é forçosamente uma nação maritima, e a decadencia total da sua marinha significaria a sua tacita abdicação como paiz colonial.

«E é principalmente para é serviço dos dominios portuguezes no ultramar que devemos calcular as nossas forças navaes, sem deixar de attender os serviços importantes que para a defeza do nosso litoral o dos nossos portos póde prestar a marinha nacional convenientemente organisada.

«Não deve a nossa marinha ser de ostentação, porque na estreiteza dos nossos recursos actuaes não podemos aspirar a um dos logares proeminentes entre as primeiras nações navaes. Basta que tenhamos uma marinha util e efficiente para as nossas necessidades.

«Por dois serviços distinctos se devem repartirias nossas forças navaes: serviço do continente e ilhas adjacentes, comprehendendo os que são necessarios á defeza dos nossos portos, serviço das estações nas provincias ultramarinas, alem dos vasos indispensaveis para este fim; devemos contar com alguns navios em descanso e reparação.

«Duas corvetas grandes; tres navios mais pequenos, movidos a vapor; um navio de vela, destinado a servir de navio-escola de marinhagem; e um outro, em que esteja instituida a escola de artilheria, são sufficientes para o serviço do continente, se lhes dermos por auxiliares indispensaveis dois navios couraçados, pelo menos, do systema mais accommodado á defeza dos nossos portos.»

O sr.- Luiz de Campos: — V. ex.ª dá licença?

O Orador: — Sim senhor

O sr Luiz de Campos: — Não era a essa lei que eu me referia.

O Orador: — Então faz-me favor de dizer qual era a lei.

O sr. Luiz de Campos: — V. ex.ª deve sabe-lo melhor do que eu. Eu desejo saber em que lei se falla no couraçado.

O Orador: — Peço perdão, foi um lapso, mas talvez do Diario da camara. (Interrupção.)

Não preciso usar de sophismas, fallo sempre com lealdade e verdade. (Apoiados.) Eu não podia referir-me a uma lei annual que fixa a força de mar; essa lei não contém um programma,. constata um facto. Só podia referir-me ao plano da armada do sr. Latino, plano que depois foi confirmado pelo parecer da commissão competente. Depois de deixar o ministerio o sr. Latino Coelho, foi uma commissão nomeada para formular o quadro da nossa marinha de guerra, e ahi apparecem os dois couraçados, tão necessarios, segundo a opinião do sr. Latino.

Com consciencia propria não faço sophismas, nem digo absurdos; ¦ por consequencia, não podia dizer isso que me attribuem os illustres deputados, esquecendo-se das inexactidões que muitas vezes lhes ha de ter attribuido o Diario da camara. Eu nunca enganei ninguem, e muito menos procuraria enganar o parlamento, nem os illustres deputados da opposição, intelligencias perspicassissimas, se deixavam enganar. '

(Interrupção.)

Á lei é clara e explicita.

O sr. Luiz de Campos: — V. ex.ª referiu-se ao sr. Latino Coelho e não se referiu ao sr. Rebello da Silva.

O Orador: — De certo, eu referi-me ao plano do sr. Latino Coelho, e não á lei annual, porque essa lei annual continha apenas o quadro da marinha para aquelle anno, e seria absurdo referir-me a um quadro seis annos depois d’elle votado; referi-me, repito, ao plano do sr. Latino Coelho, que era um ministro distincto, e que pertencia ao partido politico a que pertencia tambem o deputado a quem respondia no debate a que os srs. deputados se têem referido.

Esta era a unica rasão porque me referi ao programma do sr. Latino Coelho. (Interrupção.)

V. ex.ª dá-me tanto prazer quando me interrompe, que eu vou, para o satisfazer, explicar-me de novo.

Não foi de certo lapso o referir-me ao plano de organisação de marinha do sr. Latino Coelho, o que foi lapso foi vir no discurso referencia á lei e não ao relatorio que precedeu o decreto que organisou o quadro da armada. E tanto era a intenção do sr. Latino Coelho dar mais tarde á marinha portugueza aquella organisação, que deu ao plano que estabeleceu o quadro dos officiaes organisação propria para satisfazer ás necessidades d'essa mesma organisação.

A lei não tem nada com os navios mas sim com os officiaes que hão de n'elles servir.

Mais tarde o sr. Rebello da Silva.... — O que vou dizer não é para repetir á camara o que um orador disse já, mas por me parecer necessario defender as opiniões que professava o meu antigo amigo, cuja perda eu sempre chorarei, opiniões que me parece terem sido mal interpretadas pelo então seu collega, o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro disse que nunca Rebello da Silva teve a idéa de mandar construir navios couraçados.

O illustre estadista Rebello da Silva mandou ouvir uma commissão a respeito da força naval, e n'um relatorio citou a opinião d'essa commissão, lamentando que os meios pecuniarios de que então dispunha não lhe permittissem dar á organisação da nossa marinha de guerra todo o desenvolvimento que essa commissão propunha. (Apoiados.)

Nem eu supponho que Rebello da Silva, cuja alta capacidade todos conhecem, podesse convencer-se de que com alguns vasos, que podiam servir quando muito para a navegação de Africa, se havia de regenerar a nossa marinha de guerra (apoiados); nem creio que possa repellir-se como um facto que deva comprometter um partido politico o estar um dos seus principaes homens, que teve a desgraça de perder, na idéa de pôr a marinha de guerra do paiz á altura em que ella deve ter com relação ás marinhas da Europa e ás proprias necessidades do mesmo paiz. (Apoiados.)

Repito, Rebello da Silva não podia pensar como crê o sr. José Luciano. É impossivel. Rebello da Silva não pensava assim. (Apoiados.)

Mas o emprestimo, dizem os illustres deputados, não era só para a construcção dos navios de guerra; era tambem para subsidiar uma navegação para Moçambique.

O sr. Luiz de Campos não notou uma cousa essencial. A somma com que as colonias contribuem para os cofres do estado, em compensação do serviço que a marinha ali presta, não é de 140:000$000 réis, encargo necessario do emprestimo, mas de 170:000$000 réis; ora, são esses réis 30:000$000 annuaes de differença que servem para subsidiar a navegação a que o governo foi obrigado pela lei.

Mas o governo, acrescentam ainda os srs. deputados que combatem o couraçado, comprometteu-se tambem a acudir promptamente ás necessidades do cofre dos orphãos e ausentes da provincia de Moçambique.

As liquidações feitas no cofre dos orphãos e ausentes da

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provincia de Moçambique, a que se refere a lei, andam até hoje por uns 15:000$000 réis.

O governo na construcção dos navios de guerra manteve-se strictamente dentro da auctorisação; tratando do armamento d'esses navios é que foi obrigado a exceder essa auctorisação em 130:000$000 ou 140:000$000 réis, a que haverá que acrescentar mais os 15:000$000 réis que foram indispensaveis para cumprir a outra parte da lei a que o governo se comprometteu.

Sr. presidente, não se póde saber-se ainda com certeza se effectivamente o governo excedeu 'a auctorisação em 130:000$000 ou 140:000$000 réis, porque no orçamento ha um artigo que auctorisa o ministerio da marinha a vender todos os objectos inuteis, e propriedades pertencentes ao mesmo ministerio, e mandar applicar a receita que d'ahi provier nos armamentos navaes. Quando essas operações estiverem concluidas, então é que se póde saber ao certo se o governo excedeu ou não a auctorisação da lei, e em quanto. ',

Isto não é uma evasiva. Não é com o fim de eximir-me á responsabilidade, nem de deixar de vir á camara pedir a lei como for necessaria, porque o mais que póde resultar é que, se não se applicar a receita proveniente da auctorisação orçamental para este fim, applicar-se-ha para outro. No ministerio da marinha não faltam desgraçadamente necessidades, antes toda a gente sabe que são grandíssimas.

Sempre lerei á camara uma nota que tenho aqui e que é curiosa.

Desde que tenho a honra de gerir os negocios do ministerio da marinha, tem succedido o seguinte:

Desde 19 de dezembro de 1872 foram considerados fóra do serviço seis barcos a vapor, seis barcos que fingiam de vasos de guerra da nossa marinha, mas que para nada serviam. São elles o vapor Mindello, o Lynce, a canhoneira Marianna, a canhoneira Rio Minho, a canhoneira Guadiana, e a Barão de Lazarim. Foram tambem condemnados sete navios de vela, que significavam o mesmo fingimento e eram a nau Vasco da Gama, a corveta D. João 1, a corveta Nova Goa, o brigue Pedro Nunes, a escuna Napier, a Principe D. Carlos, e o hiate Conde de Penha Firme.

Alem dos navios condemnados, estão necessitando grandes reparações, e alguns d'elles provalmente nunca tornarão a navegar, as corvetas Infante D. João, Infante D. Henrique, Duque de Palmella, a canhoneira Zarco e o transporte Sagres.

Quer isto dizer, eu não achei navios, e, querendo te-los, procurei te-los nas condições em que estão os navios de guerra de todas as esquadras do mundo. (Apoiados.)

Eu podia substituir as corvetas inutilisadas por outras da mesma qualidade, mas ficávamos na mesma, porque as corvetas que não podemos ter senão em pequeno numero, não servem efficazmente para a guarnição das colonias. Bastam para isso, em geral, boas canhoneiras. Se for necessario, por exemplo, em Angola, defendermo-nos de um acto de pirataria, havemos de mandar lá um couraçado para combater, e não um navio em condições de inferioridade.

Era, pois, indispensavel um couraçado, e ainda são precisos mais outros. (Apoiados.) E a conclusão que se tira d'esta discussão das palavras mesmo dos srs. deputados da opposição. Estudemos os meios praticos de o conseguir sem sobrecarregar imprudentemente as finanças do estado; mas estudemos esses meios e deixemo-nos de transviar a opinião publica, sacrificando os verdadeiros interesses da nação.

A camara, o paiz todo reconhecerão, como eu, que, sem navios couraçados, não ha hoje marinha de guerra.

Quer V. ex.ª d'isto uma prova? Foi o acaso que sempre vem em meu auxilio quando eu necessito de argumentos para defender uma causa justa, que acaba de m'a fornecer. Recebi hoje da nossa legação na Suecia um officio, datado de 8 de fevereiro, em que se diz que o ministro da marinha, o barão Von Otter, pediu 42.000$000 de coroas, quer dizer, 10.500:000$000 réis repartidos por doze annos para as construcções de 6 navios aríetes, isto é, 6 navios de esportação, 24 vasos couraçados, 4 torpedos, 20 chalupas' canhoneiras couraçadas, 20 não couraça, das, 5 navios de manobras, avisos, cabreas a vapor, transportes, etc.

A Suecia precisa de 24 navios couraçados e 6 aríetes para se defender! Pois imaginam que a Suecia é mais rica do que nós? Não. O seu orçamento é de 24.000:000$000 réis como o nosso.

A sua população é de 4.341:000 habitantes.... O sr. Luiz de Campos: — Não tem os encargos que nós temos. A receita assim é o dobro da nossa.

O Orador: — O illustre deputado engana-se, a despeza feita pela junta da divida publica montou a mais de réis 3.000:000$000; e se não tivesse feito caminhos de ferro, estradas, canaes, explorações de minas, etc. não estavam n'essas condições financeiras. (Apoiados.)

Pois façamos o mesmo, e tratemos de defender a nossa casa, para termos exactamente os mesmos resultados.

Eu tenho explicado á camara que não houve acto algum de illegalidade; que se procedeu com a maior moderação e prudencia na execução da auctorisação que o governo recebeu do parlamento.

Em quanto á questão de patriotismo que se tem ventilado aqui, é tal e tão fóra de duvida, para mim, e tão profunda a minha convicção de que não faltará nunca o patriotismo em nenhum portuguez digno de o ser, que me abstenho de entrar agora em tal discussão.

A camara me dispensará de repetir o que está no coração de todos, mesmo porque os oradores que me precederam disseram melhor do que eu o poderia fazer, o que é o sentimento, a paixão do amor da patria. O patriotismo prova-se pelos actos melhor do que se exprime pela palavra.

Vozes: — Muito bem. Muito bem. (S. ex.ª não reviu o seu discurso.)

O sr. Barros e Cunha: — Pedi a palavra hoje para cumprir perante o parlamento um dever que considero sagrado para mim; e não a pedi hontem porque não tinha á mão immediatamente os documentos de que carecia e julgava necessario apresentar á camara para desviar da memoria de um homem, que dirigiu o partido historico e que foi modelo de lealdade o dedicação á patria (apoiados), digo, para desviar uma allusão offensiva, que não é fundada nem justa.

Confesso a V. ex.ª que a violencia que faço a mim entrando n'este debate é tal, que naturalmente não poderei desempenhar cabalmente o fim a que me propuz no impulso irresistivel que me levou a pedir a palavra.

Mal é que um individuo ou um partido queira fazer das calamidades e desgraças publicas um estilete para ferir os seus adversarios. Não o merecemos nós, e muito menos o merecemos na questão injusta, e refiro-me á' asserção apresentada hontem pelo sr. deputado Carlos Testa, ácerca da Charles et George.

Disse s. ex.ª, que tinha ouvido ao sr. conde de Lavradio, que nunca tivera ordem para dar conhecimento do facto ao governo inglez, e que nunca officialmente o mesmo governo inglez tinha sabido nada d'aquella questão.

Disse mais s. ex.ª que o sr. conde de Lavradio esteve para formular de seu motu proprio uma nota para assim substituir a falta do governo portuguez.

Declaro, sr. presidente, que nós todos, membros do partido historico, tomámos a responsabilidade de todas os actos officiaes e de todos os actos politicos praticados pelo duque de Loulé. (Apoiados.)

Assumimos todos essa responsabilidade inteira e completa (apoiados); todos e cada um de nós está prompto

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para responder por ella e justificar esses actos, seja no seio da representação nacional seja onde for.

Nós, primeiro que nenhuma outra nação, tratámos de nos pôr ao serviço da causa da humanidade, reprimindo quanto era possivel o infame trafico da escravatura. (Apoiados.) Fizemos para isso os maiores sacrificios o corremos, em consequencia da nossa fraqueza, maiores riscos e trabalhos do que outras nações que comnosco eram solidarias no tratado de 1810.

O sr. duque de Loulé, muito antes de ter apparecido a questão Charles et George, tinha por meio do nosso ministro em Londres (documento n.º 7) feito saber ao governo inglez em 8 de agosto de 1856, que os armadores francezes se occupavam violando as leis e protegidos officialmente pelas auctoridades e pelos navios de guerra francezes, na condução de escravos vendidos por subditos portuguezes, para irem servir nas colonias da França.

Esses documentos estão publicados a pag. 10, 11 e 12, e parece impossivel que o illustre deputado não tivesse conhecimento d'elles.

E não só o encarregado dos negocios de Sua Magestade na corta de Londres deu conhecimento do extracto do despanho n.º 7 do ministro dos negocios estrangeiros do ministerio de Sua Magestade Britannica em Londres, mas pelo despacho n.º 12-A a pag. 14, datado de 15 de junho de 1857, Sir Henry F. Howard declara ter tido instrucção de lord Clarendon para o trafico de negros, que a casa franceza da Mauricia a que pertencia Charles et Gvorge, estava fazendo da Africa portugueza para a Reunião.

O documento n.º 14 de 6 de julho de 1857 contém a nota do sr. duque de Loulé ao ministro de Inglaterra, assegurando-lhe que ordens terminantes se tinham expedido ao governador de Moçambique, prohibindo a saída de negros.

O despacho n.º 24 a pag. 30, datado de 28 de novembro de 1857, manda participar ao governo inglez, pelo encarregado de negocios em Londres, as occorrencias no rio Zaire, o que o officio n.º 25 da nossa legação prova que se levou a effeito em data de 6 e 16 de dezembro de 1857.

Aqui está como o governo inglez não teve conhecimento dos factos, nem o teve o sr. conde de Lavradio!

A camara naturalmente fica satisfeita com o que acabo de expor, para que seja necessario fazer completa leitura de todo o volume. Chegámos porém á questão puramente dita Charles et George.

Despacho do ministro dos negocios da marinha, dando conta de que lord Clarendon, por despacho de 9 de dezembro de 1857, louvava o procedimento das auctoridades portuguezes, e remettendo copia do memorandum que por via do embaixador de Sua Magestade Britannica mandava levar á presença do governo imperial.

O documento n.º 88 a pag. 180, e o n.º 89 a pag. 181, provam que o sr. duque de Loulé auctorisou logo o nosso ministro em París para se pôr de accordo com o sr. conde de Lavradio, a quem pelo documento n.º 90 se deu conhecimento completo.

E nesse despacho diz o sr. duque de Loulé, que o ministro de Inglaterra tinha sido prevenido de tudo, e que lhe assegurara ter participado ao seu governo e remettido copia dos documentos mais importantes.

No despacho n.º 91 de 8 de outubro de 1858, diz o nosso ministro em Londres como lord Cowley considera a França obstinada em não acceitar mediação para salvar o principio de não passar por negreira.

No officio do 10 de outubro de 1858 se vê como o sr. conde de Lavradio se achou em París, procurando fazer acceitar a mediação de accordo com o embaixador da Gran-Bretanha e como falhou nas suas diligencias.

Que maior prova de que o sr. duque de Loulé se não descuidou de fazer tudo quanto possivel para ser auxiliado

pelo governo inglez em sustentar o direito que a nação portugueza tinha de considerar boa presa o negreiro Charles et George?

Aqui está o que diz o proprio ministro de Inglaterra n'esta corte, respondendo ao sr. duque de Loulé:

«Legação britannica. — Lisboa, 21 de outubro de 1858. — Sr. ministro. — Tenho a honra de accusar a nota que V. ex.ª me dirigiu hoje, manifestando o desejo de ouvir a minha opinião quanto ás exigencias do governo francez, apresentadas hontem a V. ex.ª pelo ministro de França, segundo se acham formuladas em um despacho do conde Wolwesky, datado de 13 do corrente, do qual V. ex.ª teve a bondade de me mostrar um extracto, ácerca da restituição do navio francez Charles et George e da soltura do capitão.

«Em resposta, peço licença para repetir o que já tive a honra de declarar a V. ex.ª hontem, que me acho sem instrucções do meu governo em relação ás propostas especiaes de que se trata, mas que, tendo já recebido e communicado a V. ex.ª uma nota telegraphica do conde de Malmesbury, de 9 do corrente, na qual, ao passo que me annunciava que o governo de Sua Magestade de bom grado prestaria os seus bons officios entre a França e Portugal, e declarava que não tinha informações positivas a este respeito, s. ex.ª me ordenava recommendasse ao governo de Sua Magestade Fidelissima que suspendesse o processo, se houvesse irregularidade antes ou depois da captura. Julguei que obraria unicamente segundo o espirito d’aquellas instrucções, se emitisse agora a minha opinião em favor da acceitação por parte do governo de Sua Magestade Fidelissima das actuaes propostas do governo francez para uma solução amigavel, que sei o meu governo tem muito a peito, sobre a desgraçada pendencia que se tem suscitado entre os governos francez e portuguez, ácerca do supracitado navio. Tambem chamo a attenção de V. ex.ª para outro despacho telegraphico de 16 do corrente, do conde de Malmesbury, repetindo o seu anterior conselho para que o processo se suspendesse.»

Quer dizer, o governo inglez exigia, para se livrar das difficuldades que lhe traria a sua interferencia directa n'aquelle negocio, que o governo portuguez praticasse a maior das irregularidades; isto é, que suspendesse a interferencia dos tribunaes e que suspendesse um processo pendente n'uma questão de escravatura! Isto é que o sr. duque de Loulé não fez, e procedeu muito bem. (Muitos apoiados.) O sr. duque de Loulé preferiu correr todos os perigos e todas as difficuldades que traria a intenção e deliberação da França de fazer uma affronta a Portugal, na qual o motivo apparente era a Charles et George, mas o motivo real era pura e simplesmente a questão das irmãs da caridade. (Muitos apoiados.) A affronta fez-se, mas a deshonra não foi da nação portugueza. (Apoiados.)

Portugal, que tinha procedido com o maior brio e com a maior dignidade nos actos sempre nobres e cavalheirosos d'aquelle distincto homem d'estado (muitos apoiados), foi até final dignamente representado por elle.

E o sr. duque de Loulé, depois da questão de facto, depois do navio ter sido arrastado para fóra da barra, quando se tratou da questão da indemnisação, do dinheiro, desejando o governo francez que o de Portugal nomeasse árbitros, este declarou que os não nomeava, que pagava a indemnisação que a França houvesse por bem impor-lhe. E assim se fez. Nós dissemos: entrámos n'uma questão de direito, de honra, de humanidade e de civilisação; a França põe nos a espada aos peitos, leve-nos o dinheiro tambem, quanto dinheiro quizer, porque a affronta já não póde reparar se!

Entretanto nem o sr. duque de Loulé nem o partido que o sustentava teve parte alguma nas offensas que feriram a susceptibilidade de França em relação á questão das irmãs da caridade. O sr. duque de Loulé n'um acto official, reprovou n'um funccionario de alta categoria a animação que a imprensa estava dando á excitação que tinha logar con-

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tra aquellas senhoras, e além d'isso prestou-lhes toda a protecção que devia prestar-lhes emquanto estiveram no paiz.

O governo portuguez não foi nunca cumplice n'esses desvios, que por outro lado aquelles que possuiam idéas religiosas exaltadas julgaram opportuno aproveitar, incitando o governo francez á vingança, em a qual eu creio que muitos ficaram gloriados.

Eu não sei que possa haver nada mais desagradavel do que estar a rememorar todos os dias as horas afflictivas com que houve por bem á Providencia sobrecarregar este paiz em differentes epochas.

Não sei a que vem aqui o duque d'Alba, Junot e a questão da torre de Belem.

Na questão da torre de Belem, Portugal deu toda a satisfação que devia, tendo-se até rasgado as notas trocadas entre o governo portuguez e o ministro americano, para que nada restasse absolutamente de um conflicto provocado por um mal entendido do governador da torre. Não houve desaire para Portugal.

Quando se faz uma affronta fica muito bem áquelle que a faz dar reparação que possa satisfazer completamente o offendido; o contrario seria um proceder pouco leal, pouco nobre, que, se um individuo não póde praticar, menos o póde praticar uma nação.

Mas eu julguei que esta questão de Charles et George se tinha completamente extincto e que não havia de reviver mais no parlamento.

E o proprio Imperador dos francezes reconheceu tanto o seu erro, teve tal sentimento da offensa que fez, de tal maneira deu satisfação ao Rei de Portugal, que não sei que se possa hoje alludir ao procedimento do sr. duque de Loulé, a não ser para lhe tecer elogio pelo seu nobilissimo proceder em todo este desgraçado negocio.

O Imperador não só mandou aqui o Orenocgue para conduzir as irmãs da caridade, que tinham sido o motivo verdadeiro da questão, porque o Charles et George foi apenas o motivo apparente; o Imperador não ró mandou aqui o Orenocgue para levar as irmãs da caridade para fóra do paiz, mas tambem escreveu a El Rei as cartas mais amigaveis que era possivel, o leal, francamente declarou, que fóra illudido, e que só desejava poder apagar o acto que praticára offensivo para Portugal.

Eu entendo que o patriotismo não precisa usar de subterfugios para ser igual á3 necessidades do paiz.

Tenho sido sempre dos primeiros a pedir que se trate do armamento do exercito, e que se de toda a attenção ao desenvolvimento possivel á nossa força maritima.

N'esta casa, e n'este logar, quando o meu amigo o sr. Carlos Bento da Silva, que sinto muito que não tenha agora a sua antiga cadeira ao meu lado, era ministro, colloquei-me ao serviço do governo para condemnar urnas certas economias que lançavam a nossa marinha de guerra ainda em mais deploraveis condições do que aquellas que nos referiu o sr. Andrade Corvo.

O paiz não tem duvida alguma de certo em dar a qualquer governo meios para occorrer á sua defeza, mas e necessario dizer-lhe quaes são os perigos que o ameaçam e quaes os meios de que o governo precisa; fazendo-se isto, não é necessario tergiversar sob o pretexto de que a falta de patriotismo virá conjurar-se para negar meios ao governo e de que elle portanto necessita usar de rodeios para conservar a independencia da patria e manter a sua dignidade, seja aqui, seja onde for.

Isso demonstrou o sr. Anselmo Braamcamp que o governo não fazia, apresentando o estado deploravel da nossa fazenda.

Se precisâmos effectivamente de exercito e de marinha, precisâmos muito mais ainda de não crear circumstancias difficeis que nos levem outra vez a ter de pagar juros enorme, isto é, absorver quasi todos os recursos da receita ordinaria do ministerio da fazenda para dotar a divida fluctuante.

A exposição que o meu honrado amigo e chefe o sr. Anselmo Braamcamp apresentou á camara foi de tal maneira clara e concludente, que o sr. ministro da fazenda não conseguiu fazer a menor impressão, nem sobre os seus mais dedicados partidarios, ácerca das circumstancias do thesouro.

Nós hoje temos de receita por cada habitante 5$250 réis, e de despeza 7$250 réis. Ha pois por habitante um desiquilibrio de 2$000 réis.

Os deficits que aqui vem calculados nos orçamentos são sempre fictícios, demonstrei-o no anno passado á camara fazendo a analyse dos ultimos dez annos da nossa gerencia financeira.

Mostrei então á camara qual era a differença entre o deficit supposto, o deficit calculado e o deficit real.

No anno immediato o deficit calculado foi de réis 1.338:000$000, e o deficit real, pelas contas apresentadas subia a 5.735:000$000 réis.

Mas o governo diz: o nosso programma é gastar muito fazermos caminhos de ferro, estradas; o nosso programma é empregar o excesso de receita em despezas productivas.

Eu peço ao sr. ministro que me diga o que é que s. ex.ª chama excesso de receita?

Eu entendo que quando ha deficit não ha excesso de receita. E, se o ha, s. ex.ª póde d'esta maneira architectar o orçamento o mais phantasioso, póde fazer, com seu chamado excesso de receitas, as obras que entender, ainda as extravagantes, na certeza que o seu excesso de receita se chama em termos vulgares ruina nacional.

Tendo agrupado em periodos da tres annos a nossa gerencia, e comparando a gerencia do actual sr. presidente e do sr. Antonio de Serpa com a dos srs. bispo de Vizeu, Carlos Bento, Avila e Anselmo Bramcamp, acho o seguinte:

Deficit

Calculado Real Diferença

Fontes:

1865-l866..... 3.667:000$000 5.170:000$000 1.503:000$000

1866-1867..... 5.030:000$000 7.202:000$000 2.172:000$000

1867-1868..... 6.476:000$000 8 658:000$000 2.182:000$000

15.173:000$000 21.030:000$000 + 5.857:000$000

Bispo:

1868-1869..... 6.135:000$000 4.015:000$000 — 2.120:000$000

Braamcamp:

1869-1870..... 5.828:000$000 7.772:000$000 + 1.944:000$000

Carlos Bento:

1870-1871..... 5.172:000$000 4 429:000$000 — 743:000$000

17.135:000$000 16.216:000$000 — 919:000$000

Fontes:

1871-1872..... 8.922:000$000 6.821:000$000 2.899:000$000

Serpa:

1872-1873..... 3.835:000$000 4.071:000$000 736:000$000

1873-1874..... l.053:000$000 4.645:000$000 3.592:000$000

8.310:000$000 15.537:000$000 +7.227:000$000

1874-1875..... 1.338:0005000 5.735:0005000 +4.397:0005000

Nos annos de 1865 a 1868 o deficit calculado era de réis 15.173:000$000, o deficit real 21.030:000$000 réis, vindo assim a gastar-se para mais 5.857:000$000 réis. Nos annos de 1868 a 1870 o deficit calculado foi de 17.135:0000000 réis, o real 16.216:000$000 réis, houve uma diminuição entre o deficit calculada e o deficit real de 919:000$000 réis, que desappareceram completamente desde que s. ex.º entraram de novo para o poder. Nos tres annos seguintes o deficit calculado era de 8.310:000$000 réis, o deficit real foi 15:537000$000 réis, houve portanto augmento de 7.227:000$000 réis.

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Em 1874 a 1875 era o deficit calculado 1.338:000$000 réis. S. ex.ª gastaram 5.735:000$000 réis; a mais réis 4.397:000$000. Se estiverem no poder dois annos o deficit em tres annos, deve elevar-se alem dos calculos a réis 13.000:000$000. Isto leva-nos a crear uma divida fluctuante impossivel, que depois havemos de tornar a consolidar. Não sei, pois, como o governo possa emprehender commettimentos aventurosos d'esta maneira, sem recorrer ao imposto.

' E não se argumente, como fez o sr. ministro, com o que se passa na Inglaterra, na Belgica e na Italia. Em toda a parte do mundo não ha casos similhantes, não se faz igual politica, nem finanças iguaes. O sr. ministro da marinha ainda hoje citou a Suecia, e o proprio sr. ministro da fazenda immediatamente corrigiu a analogia entre as nossas circumstancias e as d'aquella nação, e com simplicidade tal, que a opposição não o podia fazer melhor.

Com relação ao pimpão, e peço licença para lhe dar este nome, porque já não póde deixar de ser pimpão, direi que o tenho como um capricho, uma leviandade, um desperdicio para as circumstancias actuaes, venha o dinheiro de onde vier; as colonias tambem têem necessidades instantes e urgentes; isso para mim é uma questão completamente indifferente. Se é necessario armar o paiz, dar-lhe exercito maior que aquelle que tem; se é necessario organisar o exercito para passar do pé de paz ao pé de guerra, se é necessario fortificar as nossas costas, venha o governo corajosamente dizer os meios de que precisa para esse fim, em logar de estar a illudir a opinião e a comprometter os recursos do paiz, que lhe podem, nas nossas circumstancias, vir a fazer uma falta irreparavel.

Ainda agora o sr. Luiz de Campos alludiu a um acto do sr. presidente do conselho, que reservo para quando se tratar da discussão do ministerio da guerra fazer notar a s. ex.ª a illegalidade d'este procedimento, o qual foi a transformação de um corpo de artilheria de posição para um corpo de artilheria de campanha. S. ex.ª fez isso por meio de um officio, ou não sei se sem officio; o certo é que se fez contra o quadro legal, e que por ora o parlamento não sabe d'onde vem os recursos, porque no orçamento do estado não se propoz a despeza que devem produzir os cavallos e os muares para esse regimento, e deve necessariamente haver no orçamento uma grande lacuna a esse respeito.

Eu, desde que o orçamento do estado é feito com esta consciencia e com esta legalidade, entendo que é um documento perfeitamente inutil, aproveitando unicamente o ensejo que se me offerece para reprehender o modo como o governo abusa da paciencia publica.

O sr. Thomás Ribeiro: — É dura a situação do deputado que tem de tomar a palavra quando o debate vae cansado, e quando já a camara parece pouco disposta a ouvir fallar mais na compra do navio couraçado, e porventura mesmo nas theorias mais ou menos commoventes sobre patriotismo, I

V. ex.ª é testemunha de que vim forçado a este debate. Em primeiro logar, pela imprudencia de dirigir um áparte a que o illustre deputado e meu amigo o sr. Pinheiro Chagas fez favor de se dirigir, e vi-me empenhado n'uma discussão em que foi classificado por alguem de demasiado patriotismo o que não foi senão o transumpto fiel dos meus sentimentos a respeito do amor da patria que tinha, e que felizmente conservo no coração. Depois o debate trouxe novas exigencias, e eu fui de novo forçado, ouvindo algumas allusões que me foram dirigidas, a pedir ainda a palavra. O meu maior empenho era obte-la hontem quando o sr. Osorio de Vasconcellos se dirigiu especialmente á minha humilde pessoa; mas effectivamente a rouquidão da minha voz era tal, que não podia fallar de fórma a ser ouvido; reservei pois para mais tarde o fazer, na esperança de que melhoraria em breve, o que felizmente aconteceu.

Começo por congratular-me com a camara, note V. ex.ª,

não é com a maioria sómente, com a camara toda, por ver' a maneira como o sr. deputado Luiz de Campos se apresentou n'este debate, afastando do seu discurso quanto poderia amesquinhar tanto as nossas glorias passadas, como as nossas esperanças futuras, referindo-se com benevolencia aos esforços feitos pelo actual governo, a quem s. ex/ lealmente combate, e desejando que as nossas forças de mar e terra, visto que não podem ser sufficientes para se apresentarem de per si em frente das primeiras potencias do mundo, ao menos sejam o nucleo, o centro, em volta do qual se agrupem todos os homens de boa vontade, realisando-se assim com mais vantagem aquella espansão patriotica de que o sr. Pinheiro Chagas nos fallava no seu ultimo discurso, levantando as gloriosas reminiscências de 1640.

Dito isto entremos no assumpto. Os illustres deputados da opposição, que n'elle têem tomado parte attribuem-me doutrinas que não professo a respeito de manifestações de patriotismo.

Ou S. ex.ª se enganaram, ou eu me expliquei mal a primeira vez que tive a honra de fallar sobre este assumpto. Eu não chamo patriotismo ás lisonjas dirigidas aos poderes publicos e ao paiz. Chamo falta de patriotismo ao phantasiar e avultar miserias ou faltas, ou que não existem, ou que não existem na proporção em que o prisma das paixões politicas as tenta apresentar (apoiados), para amesquinhar o governo, amesquinhar a nação. (Apoiados.) Eis o que eu chamo falta de patriotismo.

Se os illustres deputados se levantarem todos os dias n'esta casa e aggredirem o governo, não porque comprou um navio de guerra, mas porque comprou um só navio, o que não é bastante para defender o porto de Lisboa, para lhe lembrar que as fortificações que circumdam Lisboa caminham lentamente de mais para as nossas necessidades e os nossos desejos, estão no uso do seu direito, e o governo deve ouvi-los e satisfazer quanto possivel ás suas reclamações, que serão n'este caso patrioticas.

Se os illustres deputados disserem ao ministro da marinha que os navios até hoje comprados são poucos, e insufficientes até para as necessidades do ultramar; se disserem que estão promptos a votar os meios necessarios para que a nossa marinha de guerra se levante á altura a que deve levantar-se, estarão no mais sagrado uso do seu direito.

Mas virem todos os dias dizer ao paiz, ora que não temos nenhuns meios de defeza, ora que somos a zombaria do estrangeiro, ora que não carecemos de defender os nossos portos, como sustentou o sr. Pinheiro Chagas na ultima sessão, porque os inimigos externos hão de vir sempre, sómente e fatalmente, pela fronteira, parece-me falta de patriotismo e ruim conselho, principalmente sendo o illustre deputado um official do exercito e dos mais distinctos.

Ninguém póde affiançar que uma nação, que tendo exercito e marinha, com a possibilidade de entrar nos portos da nação que vae combater, realise a aggressão, fazendo entrar os seus exercitos pelas fronteiras de terra e deixando de todo livre o litoral e desameaçados os portos. (Apoiados.)

Sobre este assumpto nada mais digo, abstendo-me de entrar em apreciações de tactica e estrategia, para que não tenho competencia.

Devo porém lembrar ao sr. Pinheiro Chagas que deve entender-se com o nosso commum amigo, o sr. Osorio de Vasconcellos, visto como a cada um de ss. ex.ª ouvi opiniões tão distinctas, que só depois de os ver conciliados saberei para onde me possa inclinar, e desejo seguir a opinião dos mestres.

O sr. Osorio de Vasconcellos, referindo-se á arte da guerra, disse-nos, e a meu ver disse acertadamente, que, se a quizermos estudar, temos sómente duas guerras a cujos preceitos possamos soccorrer-nos: a guerra de Austria em 1866 e a ultima guerra da França com a Prussia;

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que ninguem hoje falle nas manobras dos generaes antigos, taes como Annibal, Cesar ou mesmo Napoleão I.

Pois o sr. Pinheiro Chagas defende o contrario; s. ex.ª na sessão anterior, ainda a respeito do desembarque do duque de Alba na bahia de Cascaes, sustentava que as manobras e tactica dos generaes antigos eram as mesmas de hoje e que as campanhas de Cesar eram exemplos e modelos aos modernos generaes.

De sorte que n'este ponto não sei se devemos estudar os commentarios de Cesar sobre a guerra de Gallia ou as manobras o batalhas das ultimas guerras de 1866 e 1870. (Apoiados.)

É bom estudar tudo, e vou lembrar ao illustre deputado, que só imaginou possivel para um desembarque perto do 'Lisboa a bahia do Cascaes, que o duque de Alba, se desembarcou ahi, não foi pelo desejo de trazer em marcha até Lisboa os seus soldados, foi porque receiava os fortes da barra e da margem do Tejo, que lhe haviam de oppor alguma resistencia; se podesse ter havido n'essa occasião algum couraçado no nosso porto, é possivel que o desembarque se não tivesse realisado ali.

Eis ahi a rasão porque elle não entrou a barra, senão teria desembarcado no Terreiro do Paço, o que lhe era de muito maior commodidade. (Apoiados.)

Se entro fugitivamente n'estas considerações a respeito de tactica militar, a que sou estranho, é arrastado pelas considerações que se fizeram a respeito do sentimento patriotico e do modo de o manisfestar; porque eu supponho que não é inutil levantar no espirito da patria o sentimento d'este amor, que faz ainda hoje e é sempre destinado a fazer maiores milagres do que. talvez n'outro tempo fazia a fé religiosa.

Entendo que é sempre bom affirmar cada qual as suas convicções a respeito de um ponto tão essencial para aquelles que se occupam dos maximos negocios da governação publica.

Ainda a proposito dos debates passados desejo offerecer. ao sr. Pinheiro Chagas um trecho dos relatorios do coronel Stoffel, auctoridade que s. ex.ª aceita, visto que n'elles fundamentou uma parte dos seus discursos, e que affirmou ser este diplomata um dos que bem comprehendiam o patriotismo em França na epocha em que rebentava a desastrosa guerra, que deu em resultado Sedan e a capitulação de París; isto é, a queda do imperio e o esmagamento da França.

O barão Stoffel, que na opinião do illustre deputado dizia a verdade inteira ao seu paiz, e que era o secretario militar da embaixada franceza em Turim, escrevia no seu relatorio de 12 de agosto de 1868:

«Uma opposição na qual dominam advogados ambiciosos e vãos, que só têem o patriotismo das recriminações odientas ou rancores calculados, que occultam a sua incapacidade e a sua impotência com as flores da linguagem, que se alcunham os unicos cuidadores dos interesses do paiz, e que para conquistarem uma popularidade artificial disputam ao governo um soldado até um escudo; homens que deveriam ser execrados se tivessem a consciencia da sua criminosa conducta, porque, procurando enfraquecer a França a trahem, em beneficio do seu mais temível inimigo; a elles devem applicar-se as palavras de um homem de guerra. «Novos Thersitos são mordazes nas palavras, mas fracos de animo e de braça, mais aptos para fallarem do que para combaterem.»

Aqui tem V. ex.ª, a dar-me rasão a mim o barão Stoffel, o homem que s. ex.ª citou como mais patriota; aqui o tem fazendo o juizo da assembléa franceza na occasião em que ella regateava um soldado, um escudo. (Apoiados.)

Sabe V. ex.ª tambem o que elle diz a respeito da imprensa d'esse tempo?

(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas, que se não percebeu.)

Pois a nossa discordancia versava sobre o modo do descriminar o verdadeiro do falso patriotismo.

Deixemos de parte o trecho do barão Stoffel, a respeito da imprensa, que eu não quero cansar a camara.

(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas, que se não percebeu.)

Eu tambem sou legalista como o sr. Luiz de Campos, tambem prezo o meu logar de deputado da nação, e tenho direito de pedir contas ao governo e de exigir-lho que venha absolver-se no parlamento das exorbitancias que praticou, embora sejam louvaveis (apoiados); mas não me parece que, porque o governo na acquisição de alguns navios gastou mais alguns contos do réis do que os auctorisados, seja isto rasão para o vir criminar no parlamento!

Ss elle tivesse aqui apresentado um saldo de 50:000$000 réis, perguntar-lhe-iam — pois não achastes um navio do mais força, e que fosse mais apropriado ao serviço, em que podesseis empregar essa quantia?! E tinham sobeja rasão. (Apoiados.)

Alem d'isso, o sr. presidente do conselho já disse hontem que ainda não estava finda a sessão, dentro da qual havia e ha de apresentar a necessaria proposta á camara?! (Apoiados.),

Então por que tanto vos impacientaes? Ha de legalisar-se a despeza, descansae.

Quereis saber tambem quaes são as condições de guerra do Vasco da Gama? Pode-lhe responder a respeito d'ellas algum dos seus amigos politicos; o que, segundo já referi, affirmou que a mais pequena corveta de guerra hespanhola podia entrar a barra e destruir o couraçado. Ainda uma divergencia entre os srs. deputados da opposição. Mas a tactica da opposição vae-se modificando sensivelmente, o tendo-se começado por achar inutil o Vasco da Gama, acha-se agora que é pouco para a defeza do porto, e pergunta — se elle é a panacéa universal.

Mas, sr. presidente, o sr. deputado Osorio de Vasconcellos, um dos encarregados, creio eu, das obras da defeza da capital, tanto por terra como por mar/ porque já o encontrei na companhia de um homem cujo nome se não póde proferir n'esta casa sem profunda saudade, o sr. marquez de Sá da Bandeira (apoiados), o apostolo mais fervoroso da defeza da capital e porto de Lisboa, o sr. Osorio de Vasconcellos, a quem encontrei um dia na torre do S. Julião da Barra na companhia do illustre general, estudando os pontos e as obras de defeza; o. illustre deputado, digo, é quem tem menos direito de perguntar o que é só por si o couraçado, porque s. ex.ª sabe o que elle vale, não como defeza, mas como parte da defeza de Lisboa.

O sr.. Osorio de Vasconcellos: — Eu não sei nada. O Orador: — Pois se o não sabe deve-o saber.(Apoiados.)

Deve saber que o couraçado é preciso para principio ¦ d'essa defeza, ou para seu complemento, se quizer; deve saber que as fortalezas da barra o ajudam, e que as fortalezas da terra ajudam e auxiliam as do mar, e que o governo vae cuidando de todas ellas.

Ahi tem como o couraçado não é panacéa universal.

O sr. Osorio de Vasconcellos tambem quer torpedos, pois haja tambem torpedos, que tudo me parece bom para a defeza da capital (apoiados), e quando pensar nos meios de defeza que podem ajudar os esforços do couraçado, será bom não esquecer que o tão invectivado navio ha de ser servido por marinheiros portuguezes, que costumam sempre, dar conta de si. (Apoiados.)

E preciso não esquecer que na nossa historia passada ha glorias immensas alcançadas pela nossa marinha. (Apoiados.)

Eu não vou buscar agora aos illustres deputados as acções verdadeiramente assignaladas dos nossos primeiros navegantes; vou narrar apenas um facto de muito moderna data, que prova bem o poder do patriotismo e o brio

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do 8 nossos maritimos. Não fallarei de nenhum dos officiaes de marinha que têem assento n’esta casa, e aqui os ¦ ha muito illustres (apoiados), mas fallo do sr. conselheiro José Baptista de Andrade, homem cuja coragem e dignidade todos reconhecem. (Apoiados.) Este official achou se um dia em um dos portos de Africa, creio que foi no Ambriz, commandando um brigue de guerra. Tres ou quatro navios inglezes, navios de guerra de muito maior porte que o seu brigue, estavam ancorados nas nossas aguas, e á sombra d'elles alguns navios mercantes queriam commerciar, subtrahindo-se aos regulamentos aduaneiros com perda de nossa fazenda e deslustre para a nossa bandeira.

-O sr. Andrade entendeu que os navios de guerra inglezes estavam ali de mais, ou exorbitavam dos seus direitos. Intimou-os para que saíssem, responderam-lhe que reparasse no numero dos navios britannicos e no systema da sua artilheria.

O sr. Andrade mandou-lhes dizer que não costumava contar nem o numero nem o tamanho dos seus adversarios; que era sua obrigação defender os direitos do seu paiz e conservar illesa a honra da sua bandeira, em vista do que saíssem ou lhes mandava disparar todos os canhões de seu bordo. O comodoro inglez retirou-se com os seus navios alterosos diante de tão acrysolado patriotismo, do tal patriotismo imprudente (apoiados. Vozes: — Muito bem) que 03 illustres deputados não querem, e que eu desejo e applaudo (apoiados.) O patriotismo prudente dizia ao sr. Andrade: «conta o numero dos teus adversarios, repara nas couraças d’aquelles navios, não queiras fallar de direito diante da força e sáe d'aqui fingindo que nem vês nem ouves»; pois áquelle militar honrado (apoiados) attendeu só á força do seu direito e á honra da sua patria. Ora estes dois poderosos auxiliares tambem hão de ajudar o couraçado Vasco da Gama, (Apoiados.)

Aqui tem V. ex.ª como se procede quando ha verdadeiro patriotismo (apoiados), embora as nossas forças tenham de contar-se por dezenas, emquanto as dos outros possam contar-se por centenas ou milhares. (Apoiados.)

Uma voz: — E o sr. Calheiros?

O Orador: — De accordo, completamente de accordo. O sr. Calheiros em Angola tambem realisou um verdadeiro milagre de patriotismo, pondo em respeito a bandeira dos Estados Unidos. Ahi tem V. ex.ª outra imprudencia do patriotismo, e ahi tem o patriotismo que adopto. (Muitos apoiados.)

(Interrupção de sr. Osorio de Vasconcellos.)

Tenha paciencia, que ainda tenho mais que dar em auxilio do couraçado; quando se precise secunda-lo, não serão só os nossos marinheiros que hão de estar ali. Ha de estar s. ex.ª, que é distinctissimo official do exercito. Ha de estar todo o exercito portuguez, que nunca deixou de cumprir o seu dever, quando se trata da defeza da integridade do seu paiz. (Apoiados.)

Uma voz: — O paiz inteiro.

O Orador: — O paiz inteiro, certamente.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Até o illustre deputado.

O Orador: — Nós todos. (Muitos apoiados.) Vozes: — Nós todos.

O Orador: — Já s. ex.ª vê quanta e quão honrada companhia não ha de ter o couraçado! (Muitos apoiados.)

Ainda bem que o patriotismo cresce.

N'esta apresentação desconexa dos varios pontos sobre que se tem derramado o debate, tocarei agora de leve no incidente a que acaba de dar vulto o discurso do sr. Barros e Cunha, a respeito da triste occorrencia conhecida pela denominação de Charles et George. Não me esqueço de que fui, não só amigo particular, mas partidario tambem, do sr. duque de Loulé. (Apoiados.)

Entrando na fusão (apoiados) estava ligado, e estive em quanto ella durou, com o partido historico, que hoje está \ dignamente representado na opposição desta assembléa. Se J

fosse preciso dar testemunho da nobreza de sentimentos e do patriotismo acrysolado d'aquelle cavalheiro, estava prompto a da-lo. (Apoiados.) Faço apenas esta referencia para affirmar que abundo nas considerações eloquentes apresentadas pelo sr. Barros e Cunha, quando alludiu á memoria d'aquelle illustre cidadão de quem conservaremos por largo tempo muitas e bem merecidas saudades. (Apoiados.) ¦ Creio, ainda assim, que, imprudente como sou, e não tendo áquelle bom senso que abunda tanto em alguns dos illustres deputados da opposição, creio que na minha imprudencia patriotica, não teria, se fosse ministro, procedido como então se procedeu... E teria; quem sabe? (Apoiados.)

Pensa-se muita vez, estando de fóra dos negocios, que se faria o que talvez se não fizesse tendo-se a immediata responsabilidade (apoiados), e é por isso que muita vez somos injustos.

Não convem fallar mais em uma questão finda, que magoou muito os nossos brios, e que ainda hoje nos punge. Porém cumpre-me aproveitar duas revelações do illustre orador que me antecedeu, e que não são de todo estranhas ao assumpto que se discute.

O sr. deputado Barros e Cunha disse ha pouco que a rasão verdadeira, do insulto que nos infligiram as naus francezas, não foi a captura da Charles et George, e que fóra isso apenas um pretexto para tirar-se desforra da expulsão das irmãs de caridade francezas, expulsão que teve o meu voto (apoiados), e doa insultos que por essa occasião algumas folhas liberaes lhes dirigiram. Foram os beatos, affirmou o illustre deputado, o beaterio, portuguez, que levou a França a tomar aquella desforra.

Sr. presidente, eu não quero o patriotismo dos beatos, que mandam pedir a uma potencia estrangeira que venha insultar o seu proprio paiz. (Apoiados.)

Tambem não quero de modo nenhum o patriotismo d'aquelles que, depois de sanccionada a lei que affastava para longe as irmãs da caridade, se levantam irados ou escarnecedores,.insultando umas pobres mulheres. (Apoiados.)

Não quero os beatos, nem os liberaes escandalisadores. (Apoiados.)

Não posso terminar, sem dizer ainda duas palavras sobre o modo de termos exercito... efficaz, segundo os meus contendores.

Alguns srs. deputados lembram ao governo que a unica, defeza do paiz está no serviço militar obrigatorio.

Eu encontro na legislação portugueza duas leis de recrutamento, e ambas são, se me não engano, do partido regenerador.

Apraz me que os illustres deputados da opposição nos aconselhem o serviço obrigatorio, mas hei de ver com maior satisfação ainda, que s. ex.ªs, quando forem governo, o que não tardará muito... I

(Interrupções.)

Tragam a esta casa essa lei, que é a salvação do paiz.

Uma voz: — Pois o governo regenerador não está ahi ha cinco annos?

O Orador: — E quantos annos deixou de lá estar? (Apoiados.)

Sr. presidente, o governo encontrou a infanteria sem homens, a cavallaria sem cavallos nem arreios, a artilheria sem peças e a marinha Bem navios. (Apoiados.)

Tem provido e continua provendo a tudo isto, e argumenta-se contra elle porque não tem feito mais. (Apoiados.) E felizmente, por quem ha pouco ainda se accusava por aquillo que tem realisado.

Ora, a proposito ainda de serviço militar obrigatorio: em 1869, creio eu, discutia-se n'esta camara uma lei em que o governo propunha o acabamento das substituições a dinheiro. Eu não tinha a honra de ser então deputado, mas V. ex.ª ha de lembrar-se do caso espantoso acontecido por esse tempo.

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O sr. Adriano Machado, que agora não é deputado, mas que o era então, para evitar que acabassem as substituições no exercito, isto quando este governo desejava ter um exercito mais numeroso e melhor, levou um dia e uma noite a discutir, de modo que se não podesse tomar uma resolução! (Apoiados.) Isto indica talvez a sinceridade com que a opposição hoje quer que o governo adopte o serviço obrigatorio. (Apoiados.)

E bom dizer sempre a verdade e relembrar os factos.

O sr. Barros e Cunha: — Eu tambem ajudei.

O Orador: — Não sabia que V. ex.ª tinha entrado n'essa empreza heroica! (Riso.) N'esse martyrologio memoravel! É verdade que eu sempre lhe achei grandissimos dotes para martyr. (Riso.)

(Interrupção do sr. Osorio de Vasconcellos.)

Então o sr. Adriano Machado deve estar triumphante, e até se deve admirar de V. ex.ª não abraçar o sr. ministro do reino. (Riso.) Que ingrato que V. ex.ª é para com aquelle seu collega!

Ora, sr. presidente, visto que a atmosphera está aliviada; visto que todos nós por fim de contas somos immensamente patriotas, embora cada qual a seu modo; visto que já todos querem a defeza do porto de Lisboa; visto que já se não póde dizer, e felizmente nem n'isso se fallou, o que admira, que se fez mal quando se chamaram as reservas ás armas para cobrir a fronteira...

Uma voz: — Mas ainda se ha de fallar...

O Orador: — Por isso esperava eu! Faltava ainda mais uma contradicção, logo havia de faltar a questão das reservas? Como nos disseram que nunca podiamos ser atacados por mar mas que sempre o seriamos por terra, julguei que chamar as reservas teria sido um bom expediente. (Muitos apoiados.) Agora nem por mar nem por terra podemos ser offendidos. Já é fortuna. (Muitos apoiados.)

O sr. Barros e Cunha: — Peço a palavra sobre a ordem:

O Orador: — Pois com ellas, ar. presidente, podemos felizmente cumprir os nossos deveres de nação neutral, e nenhuma outra nação nunca os cumpriu melhor. (Apoiados.) Comparem os illustres deputados o procedimento da França e o de Portugal a este respeito. O sr. ministro da guerra levantava as reservas para poder honradamente cumprir o seu dever; e não obstante isso, fizeram-se-lhe e continuarão a fazer-se-lhe as maiores recriminações. (Apoiados.)

Agora vou dirigir-me unica e exclusivamente ao meu illustre amigo o sr. Osorio de Vasconcellos. S. ex.ª, usando dos direitos que lhe confere o seu grande talento, o seu juizo prudencial e pratica de tratar dos negocios publicos, houve por bem demittir-me do meu logar de deputado por não ter bastante prudencia para poder entrar na gerencia dos negocios publicos.

Sr. presidente, a exclusão dos poetas dos negocios publicos creio que foi ensaio de fraco proveito; mas eu de bom grado satisfaria; a vontade do illustre deputado, sacrificando-me gostoso pelo bem do meu paiz, se não tivesse de levar pelo braço um luminar tão disticto e tão esclarecido como é o sr. Osorio de Vasconcellos! Eu não podia de maneira alguma fazer esse roubo ao meu paiz sem me corarem as faces.

E a proposito de corar, já isso tambem me lançaram em rosto na imprensa, homens que tendo, aqui logar e voz, preferem insultar-me n'um campo onde sabem que não estou, porque não sou jornalista. E já vem isto de longa data. (Apoiados.)

O sr. Mariano de Carvalho: — Se se incommoda por lh'o não dizer aqui, aqui lh'o repito.

O Orador: — Não me incommodo com isso, longe de me incommodar, agradeço á Deus o haver-me dado a faculdade de corar, graça que nem a todos concede.

Continuando com os poetas, deixe-me dizer-lhe, o illustre orador, illustre poeta e meu amigo o sr. Osorio de Vasconcellos que o/um dos ultimos dias, e por isso foi maior a

minha surpreza, acabava eu de ler um livro eloquentíssimo escripto em França em que se demonstrava quanto os poetas eram muitas vezes os mais valentes obreiros da regeneração social, porque eram os cooperadores, não só das revoluções litterarias e artísticas, mas tambem das revoluções politicas e sociaes. Citam-se ali grandes nomes de todos os paizes do mundo. Eu podia citar alguns e bastava para o fazer arrepender do seu mandado de ostracismo. Cito-lhe apenas um cancioneiro que volveu exercitos, ou antes cito-lhe a canção porque do modesto cancioneiro' nem o nome se conserva: essa canção é a Marselhesa, o hymno da patria e da liberdade, o hymno que acompanhou os voluntarios heroicos á fronteira, que os ensinou a baterem-se com os melhores exercitos das nações inimigas e lhes sobredoirou as coroas das victorias de cada dia.

Tambem este poeta fez mal aos negocios da sua patria? Por que aborrece s. ex.ª Lamartine? Garrett! que foram tão grandes homens d'estado! e modernamente ainda Castellar, Canovas del Castillo... E agora me lembra que já hoje, pelo menos ha muito tempo, se não cita Castellar! Pois, por isso mesmo que o silencio é tão grande e tão ingrato em relação aquelle homem notavel, hei de cita-lo eu. Bastava elle ter dito um dia na assembléa hespanhola: «Sou liberal, sou republicano, mas não esqueçaes que acima de tudo e primeiro que tudo sou hespanhol».

Já s. ex.ª vê que os poetas servem para alguma cousa. Quando não seja para mais, servem para excitar algumas vezes o calor nos corações arrefecidos.

Quanto á questão do senso commum, quero dizer-lhe á puridade uma cousa que ha de fazer-lhe remorsos, se não tiver a consciencia empedernida. Hei de lançar-lhe em rosto a sua ingratidão.

Quando s. ex.ª no seio da camara popular, á face do paiz, me disse, frente a frente, com a sem ceremonia que ás vezes caracterisa os discursos do illustre deputado, que eu não tinha senso commum, estava eu pensando quantas vezes tenho affirmado a muitos incrédulos que s. ex.ª o tem! (Riso.)

E dizia-o convencido!

Peço agora um favor ao illustre deputado; não vá lançar mão á esta minha ingénua boa fé para fazer d'ella um argumento, no intuito de provar que realmente não tenho senso commum, porque a isso não sei, sinceramente, o que hei de responder.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem. Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Braamcamp: — Não pretendo entrar novamente no debate, mas tencionava tornar a pedir a palavra n'esta discussão.

Sr. presidente, o illustre deputado que terminou agora mesmo o seu discurso leu n'esta casa uns trechos que s. ex.ª foi encontrar n'uma obra dò coronel Stoffel, e eu preciso que s. ex.ª declare se n'esta citação pretende porventura referir-se aos membros da opposição d'esta camara.

Parece-me que s. ex.ª de certo não póde negar-se a esta declaração.

O sr. Thomás Ribeiro: — V. ex.ª dá-me licença? O Orador: — Pois não!

O sr. Thomás Ribeiro: — Eu citava aquillo apenas como avaliação da assembléa franceza por um homem que um dos srs. deputados da opposição apresentava como insuspeito.

O Orador: — Tomo nota da declaração do illustre deputado e folgo com ella.

Sr. presidente, esta discussão tem andado tão envolta em doestos e insinuações, que eu não podia deixar de pedir ao illustre deputado que declarasse á camara qual era a sua intenção quando s. ex.ª proferiu aquellas palavras.

Sr. presidente, algumas palavras minhas ditas muito de passagem relativamente á compra do couraçado, foram

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causa ou - antes serviram de pretexto para um illustre deputado tomar a seu cargo a discussão d'este ponto, e para que um incidente sem importancia se tornasse por esta fórma o assumpto a questão principal d'esta discussão. Entendi no entanto que não me competia entrar n'essa questão.

Vi discutir n'estas ultimas sessões o que é patriotismo e conservei-me estranho ao debate. Aqui, onde todos somos portuguezes, onde podemos ter divergencias em muitos assumptos, mas onde o coração de todos bate igualmente pela patria, onde todos somos igualmente inspirados pelo amor que temos ao nosso paiz, uma discussão d'esta ordem é inutil. (Muitos afiados.)

Portanto ponhamos de parte taes questões.

Podemos divergir no modo por que havemos de attender aos interesses do paiz, mas nenhum de nós póde, nem por um < momento, deixar de pugnar pelos interesses sagrados da nossa patria. (Apoiados.)

Sr. presidente, n'esta discussão levantou-se um incidente a respeito do qual eu não podia deixar de tomar a palavra. Já o meu prezado amigo o sr. Barros e Cunha se, referiu a elle. Eu não quero occupar a attenção da camara mais largamente, e portanto resumirei quanto possivel o que tenho a dizer; mas, na posição em que me encontro, tendo sido amigo constante e dedicado do sr. duque de Loulé, seu companheiro de trabalhos, seu collega em alguns ministerios, tendo respeitado toda a minha vida aquelle nobre e honrado vulto, como elle foi sempre respeitado por todos os portuguezes e ainda nos paizes estranhos, por toda a parte onde elle se apresentava (muitos apoiados); eu não poderia deixar de levantar uma insinuação, ou antes uma apreciação infundada, que podia ser uma mancha para a sua honrada memoria.

O illustre deputado o sr. Testa, pelas palavras que proferiu, pareceu arguir uma falta que podia lançar sobre o procedimento de um nobre cavalheiro, de quem fui collega, do sr. duque de Loulé, um grande desfavor; podia inferir-se d'essas palavras que o sr. duque tinha faltado ao dever mais sagrado que lhe incumbia n'aquella occasião, deixando de chamar a attenção do governo inglez sobre o gravissimo incidente da barca Charles et George.

Não quero pôr em duvida que sejam exactas as palavras que o illustre deputado proferiu n'esta camara. Comtudo para rebater a idéa de que o illustre duque de Loulé deixasse de cumprir com o seu dever, basta abrir o livro que tenho diante de mim.

Na collecção dos documentos apresentados á camara

n'aquella occasião, encontra-se provado o facto de que o sr. duque de Loulé insistira com o ministro inglez em Portugal para que o seu governo nos auxiliasse, e remettera ao nosso ministro em Inglaterra copia de toda a correspondencia havida a respeito d'aquelle incidente.

Lê-se n'um d'esses documentos o seguinte:

«Remetto copia da correspondencia ultimamente havida entre o governo de Sua Magestade e o ministro de França n'esta corte, bem como de alguns despachos dirigidos ao visconde de Paiva.

De todo este negocio tem sido prevenido o ministro de Sua Magestade Britannica, o qual, segundo me assegurou, tem remettido as copias dos documentos mais importantes que por mim lhe têem sido subministradas a pedido seu.

«Devo advertir que o mesmo ministro se tem mostrado desejoso de concorrer para que esta questão tenha um resultado satisfactorio. r>

Parece me que estas palavras são bastante para comprovar que o sr. duque de Loulé n'essa occasião cumpriu o seu dever. (Apoiados.) E lembrarei ainda á camara que ao lado do sr. duque de Loque estava outro vulto, não menos respeitavel, o sr. marquez de Sá da Bandeira, então ministro da marinha, e igualmente o illustre marquez d'Avila e de Bolama, como ministro da fazenda. Estes nomes bastam por si para que não possa nem por um momento duvidar-se de que elles não deixassem de empenhar todos os seus esforços, toda a sua energia para defenderem a honra do paiz, para satisfazerem o dever do alto cargo que exerciam. (Apoiados.)

Sr. presidente, corria-me a obrigação n'esta camara, quando se apresentaram asserções que podiam ferir e deslustrar a memoria d'aquelle que foi por nós sempre prezado, sempre querido, sempre respeitado (apoiados), digo, corria-me a obrigação de levantar a minha voz e de pedir á camara que attentasse no documento que acabo de ler, porquanto n'elle se encontra a justificação mais cabal e mais completa' d'aquelle nobre e honrado caracter. (Apoiados.)

O sr. Visconde de Arriaga: — Requeiro que V. ex.ª. consulte a camara sobre se a materia na generalidade do orçamento está sufficientemente discutida.

Consultada a camara, decidiu que estava discutida.

Em seguida foi approvado o projecto do orçamento de despeza na sua generalidade, e passou-se á discussão especial, começando pela parte do orçamento que diz respeito a junta de credito publico, e nas seguintes verbas:

JUNTA DO CREDITO PUBLICO

Encargos da divida interna Gratificações aos membros da junta e ordenados dos empregados........................ 20:876$000

Juros...........dos titulos na circula 5.956:693$825 6.370:519$825

.......... (dos titulos na posse da fazenda....................... 413:826$000)

Amortisações...................................................................... 3:670$036

Diversos encargos................................................................. 9:600$000 6.404:665$861

Encargos da divida externa

Despezas com a agencia financial em Londres......................................... 7:716$268

(dos titulos na circulação.............................4.113:869$851). 4.142:320$597

Juros dos titulos na posse da fazenda....................... 28:450$746)

Amortisações..................................................................... -$-

Diversos encargos.................................................................16:000$000

4.166.066$865 10.570:732$726

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, porque desejava em brevissimas phrases pedir uma explicação ao sr. Thomás Ribeiro, cujo discurso acabei de ouvir.

O sr. Thomás Ribeiro censurou, que alguem, que eu, na imprensa jornalística dissesse, que s. ex.ª, influenciado pelo patriotismo, pelo enthusiasmo, ou por qualquer outro sentimento de qualquer origem, tinha nas observações que fizera, não manifestado actos de patriotismo, mas actos absurdos e inconvenientes, e estranhou ao mesmo tempo que

se não tivessem feito estas considerações ou apreciações aqui na camara.

Ora, eu creio que ha observações que se podem fazer na imprensa, creio que ha observações que se podem fazer na camara, e creio que ha observações que se podem fazer n'uma e n'outra parte, ou em ambas as partes ao mesmo tempo. (Apoiados.)

O debate jornalístico tem o seu campo. O debate parlamentar tem outro. Mas nada d'isso ma preocupa. Isso não me importa.

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Quando ha pouco o sr. Thomás Ribeiro estava fallando, pronunciando uma phrase, eu disse a s. ex.ª, que não teria duvida em responder mesmo na camara; e o sr. Thomás Ribeiro, n'uma exclamação disse: felizes d'aquelles que podem corar, porque alguns ha que nem já d'isso são capazes.

Estas palavras ditas em geral não imporiam a ninguem o dever de pedir explicações; mas como n'esse momento era eu quem estava -discutindo com o illustre deputado, espero que s. ex.ª me diga se essas palavras se referiam, ou não, á minha pessoa.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Thomás Ribeiro: — Foi sempre meu costume nas sessões parlamentares não offender por palavras nem por gestos a quem quer que seja; respeitei sempre os meus collegas, quer estivessem no campo em que milito, quer estivessem em campos oppostos, parecendo-me que tinha tambem direito a ser respeitado como homem, como funccionario e como deputado, aqui, como na imprensa, onde tambem nunca aggredi ninguem.

Mas ha longo tempo que o sr. Mariano de Carvalho entendeu que eu era tão insignificante, que devia todos os dias lançar baldões sobre mim e apontar-me ao escarneo publico.

Se o sr. Mariano de Carvalho, com quem não desejo conflictos, me disser que não escreveu essas referencias, que se não podem dirigir nunca impunemente a um homem que se preza ou que as escreveu, mas não teve intenção de me insultar, retiro as palavras que lhe dirigi; antes d'isso, não; e o que disse fica para todos os effeitos. - O sr. Mariano de Carvalho: —V. ex.ª comprehende perfeitamente que não posso responder n'este campo ao sr. Thomás Ribeiro.

Não pedi a palavra para responder a s. ex.ª, pedi-a para discutir pacificamente o orçamento da junta do credito publico n'um ponto em que careço de explicações do sr. ministro da fazenda.

Não pretendo impugnar as verbas que estão indicadas para os diversos serviços a cargo da junta do credito publico, taes como os encargos da divida externa, os vencimentos dos diversos empregados; é sobre um outro ponto que desejo chamar a attenção de s. ex.ª e da camara.

Disse a imprensa da opposição, sem correcção nenhuma por parte da imprensa ministerial, que no mez de novembro do anno passado, a junta do credito publico, auctorisada pelo governo, contrahira um emprestimo de 990:000$000 réis, a fim de occorrer a diversas despezas.

Pouco depois de aberta a sessão, pedi pelos meios competentes que me fossem enviados alguns documentos a esse respeito, e como não foram remettidos, peço ao sr. ministro da fazenda me diga se é ou não verdade ter a junta contrahido este supprimento, as condições em que foi feito, e se já está pago.

O sr. Ministro da Fazenda: — Fez-se a operação a que o illustre deputado allude pela junta do credito publico. É uma operação ordinaria e que se tem feito muita vez, e tão ordinaria que não me lembra exactamente da somma por que foi feita, nem se já está toda paga pelo thesouro; mas ee o não está toda, deve estar quasi toda. Digo que é uma operação ordinaria, porque, comquanto no orçamento venham fixadas as receitas publicas, pagas pelas alfandegas e por outros cofres, que devem constituir a dotação da junta, como esta tem de fazer um pagamento, muito importante em Londres no dia primeiro de cada semestre, isto é, antes de receber a importancia dos rendimentos que lhe estão consignados, tem de fazer certas operações, ou tem de as fazer o thesouro, para adiantar á junta esta importancia. N'esta occasião, como em muitas outras, foi mais conveniente ser feita esta' operação directamente pela junta.

Seguidamente foram, approvados sem discussão, e um a j

um, os oito capitulos da despeza da junta do credito publico.

MINISTÉRIO DA FAZENDA Encargos geraes

Capitulo 1.° — Dotação da familia real____ 591:000$000

Approvado.

Capitulo 2.° — Cortes................... 84:165$500

Approvado. Capitulo 3.° — Juros e amortizações a cargo

do thesouro......................... 877:342$200

O sr. Pereira de Miranda: — Começo por perguntar a V. ex.ª a que hora termina a sessão. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — A sessão não póde acabar antes das cinco horas e meia, porque se entrou na ordem do dia ás duas horas e meia, e tres horas de, sessão devem ser destinadas á ordem do dia.

O sr. Pereira de Miranda: — Muito bem. Agora, dirigindo-me ao sr. ministro da fazenda, desejo saber com que verba faz s. ex.ª tenção de fazer face aos encargos da divida fluctuante, porque a verba especialmente destinada para esse encargo, e que vera marcada no orçamento, não me parece que seja sufficiente.

O sr. Ministro da Fazenda: — Não posso fazer face a essa despeza senão exactamente com a verba consignada no orçamento.

O sr. Pereira de Miranda: — A divida fluctuante

actualmente é, numero redondo, de 5.500:000$000 réis. O governo diz nos que, durante o anno economico futuro, cujo orçamento estamos discutindo, precisa levantar, por divida fluctuante, como representação de receita, réis 1.500:000$000, cujos encargos devem ser calculados para seis mezes, termo medio.

O governo não nos indica que tenciona consolidar a actual divida fluctuante; por consequencia devemos suppor que a mantem.

E se o governo a não amortisar, e eu não sei quaes são os elementos com que o possa fazer, durante o resto do actual anno economico; temos que a verba indicada no orçamento para os encargos d'essa divida é insufficientissima.

A divida fluctuante é hoje de 5.500:000$000 réis; o encargo d'esta quantia, mesmo ao juro de 5 por cento, são 275:000$000 réis.

Calculando, ao mesmo juro de 5 por cento, o encargo dos 1.500:0000000 réis, que tanto importa, segundo os calculos do governo, a representação de receita, e durante seis mezes, temos mais a somma de 35:0000000 réis. Temos mais a verba que vem indicada no orçamento para diversas despezas de thesouraria, differenças de cambio, de 52:500$000 réis, o que tudo prefaz a importancia de 342:500$000 réis.

E no orçamento vem, para se fazer face aos encargos que deixo indicados, a verba de 186:000$000 réis; de maneira que a quantia necessaria excede a que está descripta no orçamento em cerca de 156:0000000 réis.

Desejava, pois, que o sr. ministro da fazenda nos desse algumas explicações a este respeito. (Apoiados.)

O sr. Ministro da fazenda: — O illustre deputado está convencido de que a divida fluctuante continuará a ser o que é hoje até ao fim do anno; mas s. ex.ª sabe perfeitamente que na ultima parte do anno as cobranças são mais avultadas.

Já sei que o illustre deputado me vae dizer que no anno passado a divida fluctuante no dia 31 de dezembro e no dia 30 de junho era pouco mais ou menos a mesma, quer dizer, te não augmentou, tambem não diminuiu. Mas este facto no ultimo anno economico foi devido ás despezas extraordinarias feitas com a compra do armamento, despezas auctorisadas por uma lei aqui votada, e que estão quasi concluidas, e por. consequencia não temos no anno actual esta causa para que a divida fluctuante não diminua no fim do anno.

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O illustre deputado sabe tambem que, alem da verba que está marcada no orçamento, o governo fica auctorisado por um artigo da lei da receita a pagar os encargos que resultarem da representação da receita, e uma parte da divida actual é representação da receita, não só da receita a cobrar até ao fim do anuo, mas da receita futura, proveniente de emprestimos auctorisados, que o governo ainda não realisou. Por consequencia com esta verba e com a auctorisação que notei, parece-me que o governo está habilitado no anno proximo a pagar os encargos a que s. ex.ª se referiu, I

O sr. Pereira de Miranda: — Parece-me que começamos a estar de accordo. O sr. ministro da fazenda já concorda em que a somma indicada no orçamento para fazer face aos encargos da divida fluctuante não é sufficiente, porque citou uma outra auctorisação, a que poderá soccorrer-se para fazer face a esses encargos.

Ora, parecia-me mais regular e mais conveniente que, desde que o governo reconhece que a somma indicada especialmente para este fim não é sufficiente, e n'este ponto todos estamos de accordo, se indicasse no orçamento a somma que approximadamente fosse precisa. Parecia-me isto, como disse, mais regular, e mesmo mais franco.

Disse s. ex.ª que eu, fundando-me, naturalmente no que tem occorrido em annos anteriores, não esperava que a actual divida fluctuante baixasse no semestre em que estamos, e que, sendo o segundo do anno economico, é tambem áquelle em que as receitas mais avultam. E que se a divida fluctuante não tem declinado, em annos anteriores, como se podia esperar, era isso devido á necessidade de attender a reclamações do ministerio da guerra, para occorrer á compra de armamento, o que não se daria agora.

É possivel que a falta de iguaes exigencias, por parte do ministerio da guerra, faça com que a divida fluctuante pessa diminuir algum tanto, mas não póde diminuir sensivelmente. Esta 'é a minha opinião e o futuro se encarregará de mostrar qual de nós dois tem mais rasão n'este ponto, se s. ex.ª ou eu.

Mas disse s. ex.ª, nas suas considerações, que na divida fluctuante actual estão envolvidas verbas que o governo póde mais tarde receber por operações de credito, que está auctorisado a realisar. Mas isso, permitta-me s. ex.ª que lhe diga, não tem grande alcance. É certo que o governo tem adiantado por meio da divida fluctuante as sommas necessarias para as obras das pontes da alfandega de Lisboa, e para o que tem auctorisação especial, mas estou convencido que q governo não terá despendido n'essas obras mais do que 500:000$000 réis. Depois d'este recurso especial que póde, quando realizado, diminuir a divida fluctuante, temos apenas outro, o da ultima prestação do emprestimo para acquisição de navios de guerra. Essa prestação vence-se em 28 do corrente, e sobe a cerca de 300:000$000 réis, mas porque o governo já tem recebido algumas quantias por conta d'essa prestação, não póde contar com mais de 200:000$000 réis, quando muito.

De maneira, que a diminuição que, por este modo, poderá ter a divida fluctuante, não passa de 700:000$000 réis, e note-se que se o governo contratar o emprestimo para as pontes da alfandega, terá de fazer face aos encargos de tal operação.

Por consequencia, é claro, é evidentíssimo, e o sr. ministro não o contesta, que a importancia de 186:000$000 réis que vem expressamente indicada no orçamento para fazer face aos encargos da divida fluctuante, é insuficiente. S. ex.ª disse mesmo que podia fazer face a, esses encargos por meio d'essa e de outras auctorisações que tinha.

Parece-me que era mais regular, mais conveniente, mais claro e mais, leal que se marcasse desde logo a somma necessaria. (Apoiados).

Pelo que já disse, é evidente que a divida fluctuante não será inferior ao começar o seguinte anno economico a 4.000:000$000 réis e creio mesmo que será superior.

Agora vou lembrar, e o sr. ministro da fazenda por certo se não esquece, que pelo seu ministerio tem sido fornecida ao ministerio das obras publicas, approximadamente a quantia realisada pelas tres emissões das obrigações do caminho de ferro do Minho e Douro, e o que é incontestavel é que para a continuação das obras no anno economico de 1876-1877, ou o ministerio da fazenda ha de fazer uma nova emissão de obrigações não inferior a 2.000:000$000 réis, ou ha de fornecer o dinheiro necessario para a continuação das obras, que não podem parar, augmentando a divida fluctuante.

E por qualquer dos modos aqui temos nós novos encargos, que não estão votados no orçamento (apoiados).

E não se pense que eu venho aqui censurar o modo por que está disposto o orçamento, que tem melhorado nos ultimos tempos; mas eu quizera que. o orçamento fosse quanto possivel exacto e verdadeiro. É certo que nos ultimos tempos a elasticidade natural dos impostos tem feito com que a receita não seja no geral inferior ao calculado; mas em relação ás despezas não succede assim, e eu quizera que n'esta parte o orçamento se approximasse mais da verdade. Nós sabemos, approximadamente, as despezas que se hão de fazer, e que se não podem adiar, e eu quizera que votassemos os meios correspondentes.

Eu desejava, e não faço questão politica, que o governo se entendesse com a commissão e concordassem com relação á parte do capitulo 3.°, que se refere á divida fluctuante, em votar no orçamento a quantia indispensavel para fazer face aos respectivos encargos.

Nós estamos todos de accordo em que a verba que vem no orçamento é inferior ás necessidades. Pois bem, peça-se o necessario.

E melhor que se diga com franqueza qual é o encargo da divida fluctuante, porque ninguem, por certo, se recusa a votar o indispensavel. (Apoiados.),

O sr. A. J. Teixeira: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, ácerca da tabella da contribuição predial.

O sr. Ministro da Fazenda: — O governo póde pagar legalmente os encargos da divida fluctuante sem pedir augmento d'esta verba.

E certo que esta verba não representa completamente a importancia d'esses encargos; mas no orçamento da receita, sabe o" illustre deputado e sabe a camara, que tambem em compensação se calculam receitas inferiores aquillo que na realidade se realisa.

Já que estou com a palavra, devo declarar ao illustre deputado. que primeiro fallou na especialidade do orçamento, que já depois que respondi á pergunta que me dirigiu ácerca de uma operação da junta, fui informado que aquella operação foi effectivamente feita por uma somma de cerca de 900:000$000 réis, e que esta divida já foi paga em grande parte pelo thesouro á junta. Este pagamento devia ser feito até 15 de março, mas creio que pouco já falta para o completar.

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n’este logar.)

O sr. Presidente: — Convido os srs. deputados Thomás Ribeiro e Mariano de Carvalho a terem a bondade de me fallar no gabinete, antes de se retirarem da camara.

A ordem do dia para segunda feira é trabalhos em commissões, e para terça feira, alem da que já está dada, mais o parecer n.º 16 e os projectos n.º 12, 13 e 14 d'este anno e 123 do anno passado.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O illustre deputado sabe tambem que, alem da verba que está marcada no orçamento, o governo fica auctorisado por um artigo da lei da receita a pagar os encargos que resultarem da representação da receita, e uma parte da divida actual é representação da receita, não só da receita a cobrar até ao fim do anuo, mas da receita futura, proveniente de emprestimos auctorisados, que o governo ainda não realisou. Por consequencia com esta verba e com a auctorisação que notei, parece-me que o governo está habilitado no anno proximo a pagar os encargos a que s. ex.ª se referiu, I

O sr. Pereira de Miranda: — Parece-me que começamos a estar de accordo. O sr. ministro da fazenda já concorda em que a somma indicada no orçamento para fazer face aos encargos da divida fluctuante não é sufficiente, porque citou uma outra auctorisação, a que poderá soccorrer-se para fazer face a esses encargos.

Ora, parecia-me mais regular e mais conveniente que, desde que o governo reconhece que a somma indicada especialmente para este fim não é sufficiente, e n'este ponto todos estamos de accordo, se indicasse no orçamento a somma que approximadamente fosse precisa. Parecia-me isto, como disse, mais regular, e mesmo mais franco.

Disse s. ex.ª que eu, fundando-me, naturalmente no que tem occorrido em annos anteriores, não esperava que a actual divida fluctuante baixasse no semestre em que estamos, e que, sendo o segundo do anno economico, é tambem áquelle em que as receitas mais avultam. E que se a divida fluctuante não tem declinado, em annos anteriores, como se podia esperar, era isso devido á necessidade de attender a reclamações do ministerio da guerra, para occorrer á compra de armamento, o que não se daria agora.

É possivel que a falta de iguaes exigencias, por parte do ministerio da guerra, faça com que a divida fluctuante pessa diminuir algum tanto, mas não póde diminuir sensivelmente. Esta 'é a minha opinião e o futuro se encarregará de mostrar qual de nós dois tem mais rasão n'este ponto, se s. ex.ª ou eu.

Mas disse s. ex.ª, nas suas considerações, que na divida fluctuante actual estão envolvidas verbas que o governo póde mais tarde receber por operações de credito, que está auctorisado a realisar. Mas isso, permitta-me s. ex.ª que lhe diga, não tem grande alcance. É certo que o governo tem adiantado por meio da divida fluctuante as sommas necessarias para as obras das pontes da alfandega de Lisboa, e para o que tem auctorisação especial, mas estou convencido que q governo não terá despendido n'essas obras mais do que 500:000$000 réis. Depois d'este recurso especial que póde, quando realizado, diminuir a divida fluctuante, temos apenas outro, o da ultima prestação do emprestimo para acquisição de navios de guerra. Essa prestação vence-se em 28 do corrente, e sobe a cerca de 300:000$000 réis, mas porque o governo já tem recebido algumas quantias por conta d'essa prestação, não póde contar com mais de 200:000$000 réis, quando muito.

De maneira, que a diminuição que, por este modo, poderá ter a divida fluctuante, não passa de 700:000$000 réis, e note-se que se o governo contratar o emprestimo para as pontes da alfandega, terá de fazer face aos encargos de tal operação.

Por consequencia, é claro, é evidentíssimo, e o sr. ministro não o contesta, que a importancia de 186:000$000 réis que vem expressamente indicada no orçamento para fazer face aos encargos da divida fluctuante, é insuficiente. S. ex.ª disse mesmo que podia fazer face a, esses encargos por meio d'essa e de outras auctorisações que tinha.

Parece-me que era mais regular, mais conveniente, mais claro e mais, leal que se marcasse desde logo a somma necessaria. (Apoiados).

Pelo que já disse, é evidente que a divida fluctuante não será inferior ao começar o seguinte anno economico a 4.000:000$000 réis e creio mesmo que será superior.

Agora vou lembrar, e o sr. ministro da fazenda por certo se não esquece, que pelo seu ministerio tem sido fornecida ao ministerio das obras publicas, approximadamente a quantia realisada pelas tres emissões das obrigações do caminho de ferro do Minho e Douro, e o que é incontestavel é que para a continuação das obras no anno economico de 1876-1877, ou o ministerio da fazenda ha de fazer uma nova emissão de obrigações não inferior a 2.000:000$000 réis, ou ha de fornecer o dinheiro necessario para a continuação das obras, que não podem parar, augmentando a divida fluctuante.

E por qualquer dos modos aqui temos nós novos encargos, que não estão votados no orçamento (apoiados).

E não se pense que eu venho aqui censurar o modo por que está disposto o orçamento, que tem melhorado nos ultimos tempos; mas eu quizera que. o orçamento fosse quanto possivel exacto e verdadeiro. É certo que nos ultimos tempos a elasticidade natural dos impostos tem feito com que a receita não seja no geral inferior ao calculado; mas em relação ás despezas não succede assim, e eu quizera que n'esta parte o orçamento se approximasse mais da verdade. Nós sabemos, approximadamente, as despezas que se hão de fazer, e que se não podem adiar, e eu quizera que votassemos os meios correspondentes.

Eu desejava, e não faço questão politica, que o governo se entendesse com a commissão e concordassem com relação á parte do capitulo 3.°, que se refere á divida fluctuante, em votar no orçamento a quantia indispensavel para fazer face aos respectivos encargos.

Nós estamos todos de accordo em que a verba que vem no orçamento é inferior ás necessidades. Pois bem, peça-se o necessario.

E melhor que se diga com franqueza qual é o encargo da divida fluctuante, porque ninguem, por certo, se recusa a votar o indispensavel. (Apoiados.),

O sr. A. J. Teixeira: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, ácerca da tabella da contribuição predial.

O sr. Ministro da Fazenda: — O governo póde pagar legalmente os encargos da divida fluctuante sem pedir augmento d'esta verba.

E certo que esta verba não representa completamente a importancia d'esses encargos; mas no orçamento da receita, sabe o" illustre deputado e sabe a camara, que tambem em compensação se calculam receitas inferiores aquillo que na realidade se realisa.

Já que estou com a palavra, devo declarar ao illustre deputado. que primeiro fallou na especialidade do orçamento, que já depois que respondi á pergunta que me dirigiu ácerca de uma operação da junta, fui informado que aquella operação foi effectivamente feita por uma somma de cerca de 900:000$000 réis, e que esta divida já foi paga em grande parte pelo thesouro á junta. Este pagamento devia ser feito até 15 de março, mas creio que pouco já falta para o completar.

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n’este logar.)

O sr. Presidente: — Convido os srs. deputados Thomás Ribeiro e Mariano de Carvalho a terem a bondade de me fallar no gabinete, antes de se retirarem da camara.

A ordem do dia para segunda feira é trabalhos em commissões, e para terça feira, alem da que já está dada, mais o parecer n.º 16 e os projectos n.º 12, 13 e 14 d'este anno e 123 do anno passado.

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PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Em cada um dos districtos administrativos do continente do reino, e das ilhas adjacentes e em cada uma das provincias ultramarinas, haverá um agrónomo.

Art. 2.° Os agrónomos dos districtos administrativos serão nomeados pelas juntas geraes e confirmados pelo governo, sendo os seus ordenados pagos pelos cofres districtaes.

§ 1.° Os agrónomos das provincias ultramarinas serão nomeados pelo governo, e os seus ordenados pagos pelos cofres das respectivas provincias.

§ 2.° Só poderão ser nomeados agrónomos os individuos que se mostrarem habilitados com diploma de curso completo no instituto geral de agricultura ou com diploma de curso completo em escolas agricolas estrangeiras de igual categoria se tiverem n'ellas obtido qualificações distinctas.

§ 3.° Os agrónomos de districto vencerão o ordenado de 500$000 réis annuaes.

§ 4.° Os agrónomos das provincias ultramarinas vencerão o ordenado de 900$000 réis annuaes.

Art. 3.° As juntas geraes dos districtos do continente do reino o das ilhas adjacentes no exercicio das attribuições que lhes confere o artigo 216.°, n.ºs 3.° e 4.° do codigo administrativo, são obrigadas a votar no orçamento annual a receita e despeza necessarias para pagar o ordenado dos agrónomos e para melhoramentos agricolas nos districtos.

Art. 4.° O governo, sobre consulta do conselho do instituto geral de agricultura, decretará em regulamentos especiaes:

1.° Os direitos e obrigações, assim das juntas geraes, como dos governadores civis, com relação aos melhoramentos e necessidades agricolas dos districtos; e

2.° As funcções que n'este ramo de administração publica devem desempenhar, e o auxilio que devem prestar ás sociedades agricolas;

3.° As obrigações e os direitos dos agrónomos dos districtos e das provincias ultramarinas, a sua responsabilidade e modo de lh'a tornar effectiva nos termos das leis geraes;

4.° Os meios de promover o melhoramento das condições agricolas dos districtos;

5.° E todas as demais providencias para que seja efficaz e util a execução d'esta lei.

Art. 5.° Promulgada a presente lei e publicados os regulamentos a que se refere o artigo 3.°, se abrirá concurso documental, pelo ministerio das obras publicas, commercio o industria, e pelo ministerio dos negocios da marinha e ultramar, para approvação e classificação dos individuos que podem ser nomeados agrónomos de districto e das provincias ultramarinas.

§ 1.° Igual concurso para os mesmos fins será aberto no mez de dezembro de cada anno.

§ 2.° Nos regulamentos ordenados pelo artigo 3.° se determinará o processo d'estes concursos.

Art. 6.° Fica o governo auctorisado a organisar convenientemente as sociedades agricolas districtaes, de modo a predominar n'ellas o elemento agricultor.

Art. 7.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de redacção, em 19 de fevereiro de 1876. ==1. A. Teixeira de Vasconcellos = Luiz de Freitas Branco.

PARECERES N.° 17-F

Senhores. — A vossa commissão de guerra foi presente o requerimento de Antonio Ramos da Silveira Coutinho, que pede, em attenção aos seus allegados Serviços, lhe seja conferido o posto de capitão, tenente ou alferes, com o vencimento correspondente, como reformado, pela moderna tarifa.

A vossa commissão, senhores, estudando attentamente todas as allegações e documentos apresentados pelo supplicante, encontra que o principal fundamento da sua pretensão, é o haver em 4 de novembro de 1828 entrado n'uma manifestação em favor da causa liberal, no castello de Santa Cruz, principal fortaleza da Horta, então occupada por forças miguelistas, desarmando a sentinella da porta, e fazendo acclamar a carta constitucional e a Senhora D. Maria II como Rainha de Portugal, e que este feito é attestado por uma testemunha presencial, que se diz motor da referida manifestação liberal, e por outra testemunha que se refere á notoriedade publica. Allega mais o supplicante, mas não documenta, que prendeu o governador e ficou no commando do castello. Tambem allega que, tendo de ir a bordo da fragata brazileira Izabel, que então se, achava surta n'aquelle porto, a fim de obter soccorros para continuar a guerra, teve que emigrar para a Terceira na mesma fragata, mas do documento respectivo não se deprehende que a ida a bordo d'aquelle vaso fosse para o fim allegado, mas apenas como necessidade para emigrar, visto que o castello foi no dia seguinte ao da manifestação retomado pelas forças miguelistas. Mais allega o supplicante, haver servido na ilha Terceira no batalhão de voluntarios da Rainha, desde 10 do fevereiro de 1829 até 19 de abril de 1834. Prova que n'esse tempo serviu, e serviu bem, como official da secretaria dos negocios da guerra, fazenda e estrangeiros, durante o governo da junta provisoria, servindo tambem na inspecção geral de ordenanças, e como escrivão da receita e despeza e guarda livros da casa da moeda, organisada no castello de Angra do Heroismo, e ainda como interprete da lingua ingleza, documentando que n'esta qualidade foi n'uma commissão a bordo das fragatas inglezas do bloqueio em 1829.

Ainda o supplicante mostra haver sido nomeado consul deputado das cidades anseaticas na ilha do Fayal por decreto de 14 de dezembro de 1825; que por alvará de 20 de maio de 1836 foi nomeado 2.° official da secretaria do governo civil do districto da Horta, e por alvará de 14 de julho do mesmo anno nomeado 1.° official da referida secretaria, servindo uma vez de secretario geral no acto de posse e termo de juramento de um secretario geral d’aquelle districto, e que por sua livre e espontanea vontade, sem constrangimento de pessoa alguma, e simplesmente por lhe não convir continuar a servir, em virtude dos seus arranjos particulares, desistiu do emprego de 1.° official em 14 de março de 1837.

Prova tambem o supplicante que assentou praça, de voluntario em 15 de janeiro de 1848, alcançando os postos até 2.° sargento, o tendo baixa por haver completado o tempo de serviço em 1 de junho de 1853; que foi nomeado advogado por provisão nos auditorios do julgado da villa da Praia da Victoria em 24 de dezembro de 1853, e que exerceu diversas funcções em assembléas eleitoraes.

Foi alem d'isto o supplicante condecorado com o grau de cavalleiro de Christo por decreto de 21 de novembro de 1834, e allega ter tido a medalha n.º 6 das campanhas da liberdade, e a medalha de prata de comportamento exemplar, por contar, diz o supplicante, mais de quinze annos de serviço, com quanto da respectiva baixa se deprehenda apenas que lhe foi contado o do batalhão de voluntarios da Rainha desde 10 de fevereiro de 1829 até 19 de abril de 1834, e o de praça do exercito desde 15 de janeiro de 1848 até 1 de junho de 1853.

A vossa commissão, em vista d'esta longa exposição, considerando que o acto de arrojo praticado pelo supplicante em 4 de novembro de 1828, em que elle não foi unico nem principal fautor do movimento liberal mallogrado, não póde constituir direito a uma promoção a official, e teria a sua natural recompensa na graça da condecoração com o grau de cavalleiro da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Christo;

Considerando que os outros serviços prestados pelo sup-

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

plicante nas diversas repartições do governo da junta provisoria receberam galardão no despacho d'elle para 2.° official e consecutiva promoção a 1.° official da secretaria do governo civil do districto da Horta, de que fez desistência por acto espontaneo e consciencia propria;

Considerando que no serviço da fileira seguiu regularmente os postos apenas até 2.º sargento, não tendo por conseguinte nem o direito hypothetico da promoção a alferes;

Considerando que os outros documentos apresentados pelo supplicante nada provam em favor da sua pretensão;

Considerando que nem se allega a circumstancia de absoluta carencia de meios de subsistencia, que poderia chamar a attenção dos poderes do estado para o seu bom servidor, se não para a concessão da graça que solicita, ao menos para qualquer outra que o pozesse então ao abrigo da miseria;

Considerando que nem se póde julgar ser avançada a idade do supplicante, por isso que está manifestamente emendada a que se menciona na sua baixa;

Considerando que não ha fundamento algum serio e ponderoso para a concessão da graça que solicita:

E de parecer que não póde ser favoravelmente deferida a pretensão do supplicante.

Sala das sessões da commissão de guerra, em 17 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Rego = José Frederico Pereira da Costa = Antonio José d'Avila = José Joaquim Namorado = João Maria de Magalhães = D. Luiz da Camara Leme = Antonio Manuel da Cunha Belem, relator.

N.º 17-G

Senhores. — A vossa commissão de guerra foi presente um requerimento de Antonio Maria de Moura Coutinho, requerimento que, não estando datado, consta ter já sido remettido á camara em 29 de março de 1864.

O supplicante diz que assentara praça como cadete em maio de 1828 e fóra despachado alferes em 15 de junho de 1832 quando se achava destacado na ilha da Madeira, aonde se conservou até que em junho de 1834, por ordem de Sua Magestade Imperial, Regente em nome da Rainha, foi intimada a guarnição d'aquella ilha para se render com a declaração de que seriam garantidas as patentes de todos os officiaes da guarnição se no praso de tres dias prestassem obediencia ao governo legitimo, o que effectivamente teve logar, procedendo-se no dia 6 d'aquelle mez com toda a solemnidade ao acto de acclamação a que assistiram a camara municipal, auctoridades judiciaes, officialidade dos corpos da guarnição e outras pessoas de diversas jerarchias.

Allega que fôra em seguida, pelo governador Beltrand, empregado no commando do forte novo de S. João, e declara que recusou o serviço quando o novo governador o mandára servir como cadete por entender que essa ordem era injusta e contraria ás determinações do Imperador.

Foi passados trinta annos que o supplicante fez este requerimento, pedindo a sua reintegração no posto de alferes a fim de ser reformado segundo a sua antiguidade.

Ora o ministerio da guerra em officio de 3 de maio de 1864 informou esta camara dizendo que «n'aquella secretaria d'estado não constava ler havido declaração alguma auctorisada, que garantisse os postos aos officiaes promovidos pelo governo illegitimo e que serviram na guarnição da ilha da Madeira por occasião de ser a mesma guarnição intimada para se render reconhecendo o governo de Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria II, assim como nada consta tambem ácerca do referido Antonio Maria de Moura Coutinho».

Demais o supplicante não poderia considerar-se com direito a reforma por ter apenas servido por espaço de seis annos.

A vossa commissão de guerra submette pois á vossa resolução o seguinte parecer.

Deve ser indeferido o requerimento do cidadão Antonio Maria de Moura Coutinho, pedindo a sua reintegração no posto de alferes para ser depois reformado; porquanto, havendo sido despachado official pelo governo illegitimo e fazendo parte da guarnição da ilha da Madeira quando em junho de 1834 foi intimada para se render e prestar obediencia ao governo de Sua Magestade a Rainha, recusou continuar a servir, quando, como cadete, foi nomeado para o serviço que lhe competia.

Sala da commissão, 17 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Pego = Hermenegildo Gomes da Palma = José Frederico Pereira da Costa = Antonio Manuel da Cunha Belem = Antonio José d’Avila = João Maria de Magalhães = José Joaquim Namorado, relator.

N.º 17-H

Á vossa commissão de guerra foi presente o requerimento de Luiz Bernardo Leitão, tenente coronel reformado, no qual pede melhoria de reforma por se julgar preterido desde 1840.

A vossa commissão, considerando que o ministerio da guerra informara desfavoravelmente esta pretensão em officios de 28 de junho de 1856 e 22 de março de 1872, e conformando-se com as rasões expendidas nos ditos, officios pelas repartições competentes do respectivo ministerio; é de parecer que o requerimento do supplicante não póde ser attendido.

Sala das sessões, 12 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Pego = Hermenegildo Gomes da Palma = José Frederico Pereira da Costa = Antonio Manuel da Cunha Belem = Antonio José d'Avila = José Joaquim Namorado =D. Luiz da Camara Leme = João Maria de Magalhães, relator.

N.° 17-I

Senhores. — A vossa commissão de guerra foi presente um requerimento do tenente de caçadores n.º 8, José de Salles Mendonça, pedindo que se lhe conte, para o effeito de promoção o tempo durante o qual esteve fôra do serviço em consequencia de acontecimentos politicos em 1851, a fim de ser considerado alferes desde 26 de abril de 1864 como outros seus camaradas que com elle haviam sido primeiros sargentos no mesmo dia.

O supplicante fundamenta o seu pedido no decreto do amnistia de 14 de janeiro de 1852, publicado na ordem do exercito n.º 8 d'aquelle anno, decreto que mandou ficar em perpetuo esquecimento todos os acontecimentos politicos que tiveram logar no regimento de infanteria 14, onde servia o dito supplicante quando foi despedido do serviço por não convir ao mesmo.

Consta porém de uma nota da direcção geral do ministerio da guerra de 23 de março ultimo, que o supplicante está collocado na escala do accesso no logar que lhe compete; porquanto a todos os decretos d'aquella natureza tem sido dada a mesma execução, sendo contado para a reforma todo o tempo sem interrupção desde a primeira praça e descontado para o accesso, mesmo aos officiaes, todo o tempo passado fôra do serviço.

Da pratica contraria resultaria prejuizo de terceiro, visto como a precedencia para promoção é regulada pela antiguidade no exercicio do posto.

E pois a vossa commissão de guerra de parecer que seja indeferido o requerimento do tenente José de Salles Mendonça de caçadores 8, que pede lhe seja contada a antiguidade do posto de alferes desde o dia 26 de abril de 1864.

Sala da commissão, 17 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Rego = Hermenegildo Gomes da Palma = José Frederico Pereira da Costa = Antonio Manuel da Cunha Belem = Antonio José d’Avila = João Maria de Magalhães = D. Luiz da Camara Leme = José Joaquim Namorado, relator.

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17-K

Senhores. — Á vossa commissão de guerra foi presente o requerimento do segundo sargento da 10.ª companhia de reformados, João Manuel Soares, em que pede ser promovido a alferes reformado.

Para justificar a sua pretensão allega o requerente que se alistou como voluntario em 16 de março de 1825; que emigrou pela Galliza para Inglaterra, e d'ali fóra para a ilha Terceira; que desembarcou nas praias do Mindelo; que assistiu a todas as acções em que entrou o seu regimento desde 1832 até á convenção de Evora Monte; que foi escuso do serviço com o vencimento de 120 réis diarios, em virtude da lei de 20 de maio de 1837, e que hoje mal póde viver com tão escassos meios para a sua subsistencia.

A vossa commissão reconhece que foram importantes os serviços prestados pelo supplicante.

Mas considerando que elle acceitou voluntariamente o beneficio que a lei, que cita, concedeu, como recompensa, ás praças de pret que emigraram pela Galliza e d'ali para Inglaterra em 1828;

E considerando que é sem precedente a pretensão de ser promovido a alferes reformado um segundo sargento reformado:

É a vossa commissão de parecer que não póde ser attendido o requerimento de João Manuel Soares.

Sala das sessões, em 17 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Rego = Hermenegildo Gomes da Palma = Antonio Manuel da Cunha Belem — Antonio José à" Avila = José Joaquim Namorado = João Maria de Magalhães = D. Luiz da Camara Leme = José Frederico Pereira da Costa, relator.

N.º 17-L

Á vossa commissão de guerra foi presente um requerimento, em que o alferes reformado Antonio do Pinho Marques, pede que lhe seja melhorada a reforma no posto que se entenda ser de justiça;

O supplicante relata os seus serviços desde a acção de Coruche, em agosto de 1826, contra o general Silveira.

Emigrou com effeito pela Galliza em 1828 para Inglaterra, d'onde passou á ilha Terceira, e desembarcou com o exercito libertador nas praias do Mindello em 1832. Fez parte da expedição ao Algarve e assistiu a differentes batalhas, combates e assaltos, sendo duas vezes condecorado por distincção em campanha; e tambem foi para Hespanha na divisão auxiliar em 1835.

Queixa-se de não ter sido promovido a alferes em 1836 por haver o governo feito então a promoção por antiguidade de praça, sem attender a postos nem a serviços prestados; e diz que, havendo requerido a sua promoção e não tendo sido attendido, resolvêra aproveitar-se da carta de de lei de 20 de maio de 1837 e regressára a Portugal reformado no posto que tinha de sargento ajudante.

Ora, o supplicante, tendo apenas onze annos de serviço no exercito, era sargento ajudante da 2.ª companhia de reformados, e, em attenção aos seus valiosos serviços, já conseguiu que fosse, por decreto de 17 de junho de 1870, melhorada a sua reforma no posto de alferes.

A vossa commissão submette, portanto, á vossa resolução o seguinte parecer:

Deve ser indeferido o requerimento que, para lhe ser segunda vez melhorada a reforma, fez, em 11 de fevereiro de 1875, o alferes reformado Antonio do Pinho Marques.

Sala da commissão, 17 de fevereiro de 1876. = José Maria de Moraes Rego = Hermenegildo Gomes da Palma = José Frederico Pereira da Costa = Antonio Manuel da Cunha Belem = Antonio José d’Avila = João Maria de Magalhães = D. Luiz da Camara Leme — José Joaquim Namorado, relator.

Sessão de 19 de fevereiro

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