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O Orador: — Uma e outra mesa continuaram nos seus trabalhos; fizeram as suas actas e foram estas enviadas á assembléa do apuramento, na fórma que a lei manda. Esta assembléa entendeu, e parece-me que bem, que não devia fazer obra pela acta da mesa intrusa, por isso que se prova pela outra acta, que o presidente se tinha apresentado á hora legal, e que tinham concorrido a votar perto de 200 eleitores na mesa que elle constituiu.

A assembléa do apuramento attendeu esta acta e desprezou a outra. O conselho de districto não o entendeu assim, desprezou a acta da mesa legitima e approvou a da mesa intrusa.

N'uma assembléa aonde se praticaram actos d'esta natureza, ninguem se afoutará a dizer, sem querer faltar á verdade, que ali houve acto eleitoral, e que ali o suffragio popular foi livre e liberrimo. Poder se ha dizer isso, quando da existencia das duas urnas se argumente para a maior liberdade do suffragio popular (riso), considerando livre a escolha para o eleitor (riso).

Se de Pensalvos passo á assembléa de Bornes, no mesmo concelho de Villa Pouca de Aguiar, as cousas ahi são um pouco mais graves, um pouco mais importantes; porque não se tentou sómente ludibriar e burlar o suffragio popular, mas attentou-se contra a vida dos cidadãos inoffensivos (apoiados). Ahi n'essa assembléa, nós vemos um homem completamente desconhecido desparar uma pistola contra um irmão do proprio administrador, um dos membros da mesa da assembléa e opposição á lista da auctoridade, sendo obrigado por este facto a abandonar os trabalhos, a fugir (apoiados), e a buscar abrigo n'uma casa de um seu amigo (apoiados). E a auctoridade administrativa que via um seu irmão offendido e perseguido por um assassino, ficou impassivel (O sr. Borges Fernandes: — Apoiado.) ao pé da mesa da assembléa a presencear tudo aquillo sem que desse providencias (apoiados). Dois membros da mesa tambem se retiraram por não julgarem seguras as suas vidas. Officiaram n'esse sentido ao presidente da mesa, e não voltaram mais ao local dos trabalhos eleitoraes, porque talvez hoje não fossem vivos se tentassem faze-lo.

Ao presidente, quando tirava as listas da uma para as dar aos escrutinadores, substituíam lh'as por outras quando eram da opposição, as quaes recebia e entregava aquelles sem que lhe fosse permittido fazer a menor reflexão.

Na assembléa de Bornes praticaram-se todos aquelles factos, consta isso de dois officios que fazem parte da acta, um do presidente da assembléa e assignado por elle, e outro dos membros da mesa que abandonaram os trabalhos, por perigarem as suas vidas, os quaes officios foram enviados ao governo civil, juntamente com o processo eleitoral do concelho, e lá existem nos archivos d'aquella repartição, porque de lá é extrahida esta certidão, e mandada passar pelo chefe, do districto.

E quando a eleição d'esta assembléa, e outras juntamente com a da sede do concelho de Villa Pouca de Aguiar, foi submettida á decisão do conselho de districto, quer a camara saber qual foi a sua deliberação?

«Julgâmos válida a eleição, e não attendemos ao officio do presidente da assembléa de Bornes, nem dos dois membros que se retiraram; porque não são documentos de attender nos termos da lei.»

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Este foi o accordão do conselho de districto, e estas palavras estão na acta da sessão em que foi julgada válida aquella eleição.

Mas tudo isto se fez, tudo isto se passou, e a auctoridade administrativa, que presidiu a todos estes actos, ainda hoje se conserva no concelho de Villa Pouca de Aguiar e no exercicio das suas funcções (apoiados); o chefe do districto, que foi a mola principal de todos estes deploraveis acontecimentos (apoiados), ainda se diz que é governador civil de Villa Real (apoiados), e ainda hoje ha quem diga que ha de continuar a ser governador civil n'aquelle districto (apoiados). E um homem d'estes é uma preciosidade (apoiados) que nenhum partido deve desaproveitar (apoiados). E effectivamente é uma preciosidade, porque um homem d'estes raras vezes se encontra (apoiados), nem nas epochas de 1844 e de 1845 appareceram (apoiados).

«Outrosim certifico que, junto á acta do apuramento geral de votos para a eleição da camara municipal do referido concelho de Villa Pouca de Aguiar, a que se procedeu no dia 29 do indicado mez de novembro ultimo, se acha o officio que o presidente da assembléa de Bornes dirigiu ao presidente da assembléa d'aquelle apuramento geral, do qual o seu teor é o seguinte:

«Ill.mo sr. — Participo a v. s.ª que todos os actos eleitoraes a que presidi na assembléa eleitoral que houve na Capella de Nossa Senhora do Rosario, de Bornes, para eleger a camara municipal que havia de servir no biennio de 1864 e 1865, foram feitos e praticados debaixo de coacção e oppressão sem que eu podesse observar a lei e manter a ordem, vindo por isso a ser forçada uma parte dos votantes a pegar na lista á bôca da uma para a deitar na mesma, ameaçando os eleitores que pediam liberdade eleitoral a ponto de alguns serem victimas dentro do templo se lhe não acudissem, insultando e apupando outros, entrando com armas aperradas dentro do templo, pondo tudo em continuo alarma, com pequenas alterações, dizendo que para isto tinham auctorisação das auctoridades superiores, isto até que foi ao sol posto, pois então renovaram suas gentilezas a pretexto de conserva da uma na dita Capella contra alguns eleitores presentes, bem como contra o escrutinador Paulo de Sousa Canavarro e o secretario Antonio de Sousa Machado, que todos se viram na dura necessidade de fugir, aliás eram victimas, sendo voz publica que ainda bateram uma espingarda ao referido escrutinador Paulo de Sousa Canavarro, e eu tive de me recolher a uma casa, por fortuna sem me verem, e por conseguinte de no dia seguinte, segunda feira, me retirar, o que não pude conseguir por se achar cercado o povo em todas as entradas pela policia armada; e sabendo de mim foram lá para que viesse assistir ou que lhe desse uma chave que estava em meu poder, cuja entreguei ao reitor da freguezia de Bornes, o qual a levou; e passada meia hora, pouco mais ou menos, veiu ter comigo o padre Caetano Borges de Faria assegurando me que não tinha perigo ou insulto, ao que respondi que não queria ser victima, acudindo elle logo com a sua palavra de honra, que pouco ou nada valeu, porque logo que cheguei ao adro da capella fui apupado e insultado por palavras injuriosas, em consequencia do que tive de assistir aos trabalhos eleitoraes d'este dia, cujos findaram uma hora boa depois do sol posto, mas mudo e cego pela coacção em que estava, ainda que ouvia e via perfeitamente todas as illegalidades, como a falta de queimar as listas e depois as metter em uma gaveta; e outrosim vendo que na contagem das listas se empregaram pessoas que não faziam parte da mesa e mais circumstancias, cujas se justificarão com testemunhas, sendo necessario, pois que as ha de vista.

«Declaro que voltei na terça feira a assignar a acta pela rasão de evitar a multa que a lei me impunha, e não para a legalisar, pois conscienciosamente o digo que estive eu e mais o mesario que não assignou em completa coacção, movida esta pela auctoridade, pois assim o manifestavam seus agentes.

«Esquecia me dizer a v. s.ª que tanto desejo eu tinha de manter a ordem e a liberdade na eleição, que requisitei força militar ao general da divisão, o qual a não deu, dizendo que tinha officio do governador civil para a pôr á disposição do administrador do concelho, a quem eu a devia requisitar, e fazendo lhe eu a requisição a não satisfez, ficando com a força em Villa Pouca, aonde não era necessaria, nem tinha tido requisição do presidente da assembléa d'essa villa para ali a conservar. Do que se conclue que em Bornes só se desejava a desordem. Vão juntos os officios do general, em numero de dois.

«Deus guarde a v. s.ª Santelinho, 25 de novembro de 1863. — Ill.mo sr. presidente da assembléa do apuramento. — O presidente da assembléa de Bornes, Manuel dos Santos Rodrigues Pereira.

«Certifico mais que tambem junto á supra mencionada acta do apuramento geral se acha outro officio de um dos escrutinadores e de um dos secretarios da predita assembléa de Bornes, do qual o seu teor é o seguinte:

«Ill.mo sr. — Hontem officiámos a v. s.ª d'este logar de Eiriz (para onde nos tinhamos refugiado para não sermos victimas dos excessos, ameaças e demasias dos agentes do governo), dizendo-lhe que a nossa vida perigava se apparecessemos n'essa assembléa de Bornes, como v. s.ª sabe e é notorio, e que por essa rasão fizesse constar isto á mesa para os devidos effeitos. O portador do officio do primeiro signatario d'este foi preso logo que chegou ao logar de Bornes, pelo simples facto de ser o conductor de um escripto do escrutinador da opposição; e o portador do officio do segundo signatario, secretario da mesma, vendo a captura do primeiro, salvou-se na fuga. E como ignorâmos se aquelles officios foram ou não entregues, lhe dirigimos este por essa mulher, porque d'ella não desconfiam tanto os sicarios da policia, para fazer constar á supradita mesa de que não comparecemos, dignando-se depois envia-lo á mesa de apuramento da cabeça do concelho, para que este use d'elle como protesto, acta ou como lhe aprouver, podendo envia-lo ao ex.mo governador civil, para ser presente em conselho de districto.

«No entanto rogâmos a v. s.ª que se digne passar recibo da entrega d'este, e permitta-nos que insiramos n'elle as occorrencias desagradaveis que nós e v. s.ª observámos no dia 22 e as que nos consta se praticaram no dia 23.

«Logo que v. s.ª se apresentou na assembléa ás nove horas na qualidade de presidente para se proceder á eleição, fez a proposta da mesa que foi rejeitada pelos eleitores governamentaes em minoria, com vozearias desconformes e continuadas, e até pateadas, sendo executado parte d'este tumulto por gente assalariada e sem voto, que de antemão se havia preparado para perturbar a ordem e socego da assembléa. Vendo v. s.ª que o tumulto e desordem continuava e que as suas vozes e repetidas diligencias eram desattendidas para a conservar, de combinação com os differentes agentes renovou a proposta da mesa da maneira que sabe, sendo approvados os seguintes cidadãos da opposição: Caetano de Sousa Madureira e Paulo de Sousa Canavarro, escrutinadores, e Antonio de Sousa Machado, secretario; e do governo José Joaquim de Sousa Machado e Cribonio de Freitas, escrutinadores, e secretario padre Francisco de Faria, ficando assim constituida a mesa definitiva com v. s.ª presidente nato d'ella, dando sempre o seu voto a favor da opposição, mas de que servia á opposição ter maioria na mesa se suas deliberações não eram executadas? E de que lhe serviu tambem o querer o digno presidente d'ella querer socegar os tumultos e impedir que com ameaças e a força os agentes do governo distribuíssem listas á bôca da urna, e sempre foi desobedecido? E só sim se faria obedecer a auctoridade administrativa que, logo no começo da eleição e sempre se fez respeitar, fazendo introduzir no templo por varias vezes grandes troços de gente com armas aperradas, que a pretexto de fazer manter o socego, que não queriam e que tinham mandado alterar, ía dando a sua coronhada em quem lhe não era affeiçoado, e até, ou de proposito ou por embriaguez, se bateram na assembléa algumas armas, que por misericordia divina não deram fogo. De sorte que a vida dos cidadãos pacificos e inermes corria perigo imminente á vista d'aquella orgia e d'aquella bachanal! Nem era de esperar outra cousa attenta a numerosa cohorte de policia, uns rotos, outros descalços e quasi todos a caírem bebados, depois de haverem esgotado uma pipa de vinho que a gente do governo havia collocado á beira da assembléa.

«Assim correu parte da votação até que se ouviu no auditorio que o reitor de Bornes, um dos mais famigerados agentes governamentaes, estava publica e escandalosamente dando listas á bôca da urna, e sendo admoestado com placidez e moderação pelo proposto para camarista da opposição Francisco Antonio de Madureira, se originou um barulho de tal magnitude, que alguem fugiu da assembléa e outros ficaram atemorisados, quando se viram cercados de punhaes e armas engatilhadas, e já n'esta occasião o dito Madureira seria victima se se não mettêra de permeio alguns seus dedicados amigos, que conseguiram impedir a mão do assassino, e a policia mais servia para intimidar do que para accommodar. Mas quem requereu a policia? Nem a mesa nem o presidente, porque bem sabido era que tal policia estava, collocada á beira das portas da capella só para invadir e intimidar os eleitores da opposição que eram tres partes mais do que os do governo.

«Quando porém votou a freguezia de Capelludos redobraram os tumultos, vozearias e ameaças, porque a encommenda para esta era mais especial. Então o regedor da freguezia e o mestre escola Urbano mandaram formar uma ala larga, e coadjuvados pelo dito reitor de Bornes, o padre Caetano de Faria, fizeram passar grande numero de eleitores por ella, e collocando-se o dito Urbano ao fundo com um masso de listas na mão, á vista de toda a assembléa, cada um dos eleitores, á proporção que era chamado, recebia assim a lista, e em voz alta lhe dizia: «leve-a na mão levantada como uma bandeira; a outro, «leve-a na cabeça; a outro, «nas costas»; e oppondo-se a mesa e v. s.ª a isto por repetidas vezes, respondeu com toda a energia, arrogancia e força de pulmão que = tinha ordem do administrador e governador civil para dar as listas á bôca da urna, e carta branca para obrar, e que por força assim haviam de ser dadas =, como effectivamente foram, sendo alem d'isso acompanhadas estas gentilezas de muitos vivas, algasarras, ameaças e até morras! Quem não viu talvez não acredite, mas é verdade.

«A mesa, vendo que em tudo era desobedecida, procedeu ao resto da chamada e concluiu a votação sem mais replica. Correram as duas horas de espera, e estando estas quasi a Analisar, chegou o administrador á assembléa, vindo da capital do concelho com alguns soldados, que fez logo aquartellar antes de serem vistos, e com a sua apparição redobrou a exaltação dos animos, e se encheu a capella de gente de todas as classes. Perguntou á mesa o que estavam fazendo; respondeu-se-lhe que estava a espirar o praso das duas horas; conferenciou com o mesario do governo Machado, e saiu. Acabadas ellas, lavrou a mesa a acta da formação da mesa, fechou e lacrou os papeis e rubricou-os, e a urna, que era uma panella de lata com tampa, sem ser lacrada e sem se proceder á contagem das listas, porque a isso se oppoz o supradito reitor de Bornes por ser sol posto, a governar mais do que a mesa; e tudo assim foi mettido n'um saco, que depois apertado com um forte baraço se lacrou este em differentes partes, deliberando a mesa em seguida que fosse a uma para casa do padre Luiz de Bornes, para melhor resguardo e commodidade de quem a quizesse vigiar, evitando-se assim mais profanação no templo, que de noite era inevitavel; mas o fim da gente do governo não era o resguardo, porque pegando o presidente n'ella e seguido dos mesarios e povo, menos do mesario José Joaquim Machado (que se presume saíu a chamar o administrador para impedir que a uma saísse), deu alguns passos, e quando ía, e os que o acompanhavam, a saír fóra do edificio, o sempre nomeado reitor de Bornes, o padre Caetano de Faria, gritando em altas vozes que se oppozessem á deliberação da mesa, alarmou de tal sorte o povo que invadiu logo a capella com toda a qualidade de armas, e então os chefes da opposição seriam victimas se não obtivessem na fuga o seu salvamento, para o que concorreu o apoio e avisos de alguns seus amigos que os cercavam e que tambem n'essa occasião obstaram a que a urna, que havia sido tirada da mão do presidente, se subtrahisse; e segurando a ultimamente um de seus creados foi preso pelo inaudito crime de ser dos seus creados! Por essa mesma occasião foi espancado um de seus caseiros, já se vê por ser caseiro do primeiro signatario, e quando o barulho estava findo prenderam-lhe outro sem causa conhecida. Em seguida a policia procurou e perseguiu o primeiro signatario na casa para onde se tinha retirado, desfechando se dentro do portal uma arma de fogo que não feriu lume; com a noite e evasão pelas trazeiras da casa fomo-nos retirando a porto mais seguro no logar de Eiriz. Depois d'isto só por tradição podemos dizer alguma cousa. Mas o que se segue é verdade, e podemos afiança-lo com testemunhas presenciaes e dignas de iodo o credito. A urna ficou na capella, porém o lacre do baraço não podia existir pela luta que houve entre homens forçosos, isto é obvio, ouvimos que uma chave ficára na mão do escrutinador José Joaquim Machado, outra na do presidente, que como velho não pôde fugir, e outra na do tenente Ribeiro, que aos gritos do povo acudiu com poucos soldados vindos de longe, onde se achavam aquartelados. Cabe aqui uma pergunta. A que ficou a força militar em Villa Pouca sem que o presidente a requisitasse, e requisitando-a o da assembléa, de Bornes? E chegando ao sol posto a Bornes, povoação grande e espalhada, para que se aquartelou? A resposta é facil de dar; talvez a policia embriagada fosse mais disciplinada! Outra pergunta. Para que quereria o digno reitor de Bornes a chave que entregaram ao pobre presidente, e que alta noite se lhe exigiu? Provavelmente foi para ir á capella fazer oração mental!

«N'esta noite ignorâmos o que se fez na capella, se bem que o presenciámos; só sim sabemos que todas as avenidas