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e paragens estavam tomadas, e que quem passava era preso, como succedeu tambem a um creado de Francisco de Paula Carneiro Leite; mas quem votava pelo governo podia transitar.

«No dia 23 haviam tambem piquetes pelos altos, e até sentinellas perdidas, e tudo era revistado para impedirem que fossem á extracção: era Bornes uma pequena Varsovia. O presidente, que se pôde acolher a casa de um desconhecido que primeiro encontrou á noite, foi pela manhã chamado, debaixo de palavra de honra de bom tratamento, para começar os trabalhos eleitoraes; recusou, mas convenceram no, por bem ou por mal, mas ao chegar ao adro da capella foi insultado publicamente, chamando-lhe maroto, comedor e ainda cousas peiores; e aos empurrões o introduziram na capella, onde exerceu as altas funcções de mero espectador.

«O escrutinador Caetano de Madureira, ao chegar á assembléa, recebeu de alguem, de quem não esperava, algumas chalaças e dictos picantes, que o fizeram desnortear alguma cousa, e muito mais quando viu que gente sem ser mesario, procedeu á contagem das listas contra a sua proposta; desde esta epocha por diante fez inteiramente de cego, mudo e surdo, mas vendo e ouvindo tudo, porém a necessidade obrigou-o a fazer aquelle papel involuntariamente. E talvez fizesse bem...

«Não se sabe ao certo como a urna se achava no dia 23, porque ella não ficou lacrada, mas sim o saco; que, com os embates, não podia existir, e tempo e meios tiveram o sufficiente para qualquer alteração.

«Mas vamos ao dia 23; o tal inculcado delegado do administrador, Urbano, suppriu as vezes de presidente; principiou a contar as lista ás 20 e 40, e fingindo por vezes que se enganava ía extremando as que se differençavam já pelo papel fino ou grosso, e já pelo tamanho, etc. pois bem se differençavam umas das outras, e pondo assim aquellas listas na extremidade da mesa, outros unidos a elle lhe ministravam outras puras do governo, tirando aquellas, e até veiu ao adro com uma mão cheia das que haviam escolhido na mesa.

«O escrutinador José Joaquim Machado contou e extremou tambem pelo mesmo modo 20 listas, e tirando-as com uma mão, com a outra lançou na mesa outras tantas das que quiz.

«As listas não se queimaram nem na presença da assembléa, nem nunca, umas ficaram pelos bolsos dos agentes do governo e o resto numa gaveta. Testemunhas presentes a estes actos obrados: dois mesarios da opposição, João Filippe de Magalhães, de Eiriz, José Joaquim de Sousa, de Valloura, e Alvaro Rodrigues, de Villarinho.

«Ia-nos esquecendo de lhe observar o facto que v. s. não ignora, de que devendo estar a força á ordem do presidente da assembléa, e tendo-a v. s.ª requisitado ao ex.mo general da provincia, este lhe respondeu que - o ex.mo governador civil não a consentia ao presidente, mas sim ao administrador; e requisitando-a v. s.ª a este, respondeu-lhe que a requisitasse ao regedor de Bornes que, como sabe, não satisfez requisições, e com as ordens do delegado do administrador, Francisco de Assis Teixeira, só contra as deliberações da mesa foi empregada.

«Deus guarde a v. s.ª Eiriz, 24 de novembro de 1863. — O escrutinador, Paulo de Sousa Leite Pereira Canavarro. — O secretario, Antonio José de Sousa Machado.

«Esquecia-nos mencionar que concorreram á uma 493 votantes, obtendo a lista governamental, com as traficancias, 282 votos o mais votado, e 280 o menos; e a lista da opposição 211 o mais votado, e 210 e 108 o menos; obtendo por conseguinte aquella uma maioria de 71 votos. Assim ouvimos isto. Era ut supra. — O escrutinador, Paulo de Sousa Leite Pereira Canavarro. — O secretario, Antonio de Sousa Machado.»

Alem dos officios que acabo de ler, existem outros documentos d'onde consta a verdade dos factos referidos, e que por extensos de mais não leio á camara, mas d'elles terá conhecimento pela sua impressão no Diario de Lisboa.

Na assembléa de Villa Pouca de Aguiar, nem por isso as cousas correram com a precisa regularidade. E para a camara formar um juizo seguro a este respeito, lembrarei uma circumstancia, que por descuido omitti quando fallei da alteração das assembléas eleitoraes. O administrador do concelho, na interposição do recurso, considerou como essencial para maior liberdade eleitoral, escolher a casa de um cidadão para reunir a assembléa, fazendo ao conselho a indicação da que lhe convinha.

O sr. Borges Fernandes: — Apoiado.

O Orador: — O conselho de districto julgou rasoavel o pedido do administrador, porque era evidente que lhe não convinha a igreja matriz (apoiados) para reunir a assembléa; e não lhe convinha a igreja matriz porque estava situada em largo, porque tinha saídas desassombradas e desembaraçadas, e porque havia a largueza necessaria para os eleitores poderem estar livres da pressão da auctoridade e votarem desaffrontadamente (apoiados), emquanto que á casa particular não podiam concorrer commodamente e nas condições da lei 400 ou mais eleitores que formavam aquella assembléa (apoiados). Mandou-se fazer a eleição n'esta casa particular que o administrador indicara...

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Para mais livre o mais desassombradamente, no entender d'elle administrador, os eleitores manifestarem o seu voto! (Apoiados.)

Aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro da justiça, para lembrar a s. ex.ª que convem muito para a boa administração da justiça, que os delegados do procurador regio sejam alheios ás pugnas eleitoraes. O da comarca de Villa Pouca de Aguiar parece-me que se esqueceu um pouco da sua posição, não assim o juiz de direito, que soube manter-se na altura da sua posição, e lembrar ao seu delegado o que lhe cumpria fazer na qualidade de magistrado judicial.

Ali, finalmente, os eleitores eram torturados, opprimidos o vexados, permitta-se me a phrase, antes de transporem a porta da casa da assembléa eleitoral, porque o local para ella foi escolhido de proposito para obstar a que a eleição fosse livre (apoiados).

No concelho de Murça correram as cousas ainda mais irregular e mais desordenadamente. A camara ha de pôr em duvida a existencia de alguns factos que ali se passaram, como me aconteceria se não fosse testemunha occular de alguns. E n'esta parte appello para os meus illustres collegas do districto, que sabem perfeitamente que poucos dias antes da eleição estive n'aquelle concelho, e quando já j ali reinava a desordem e a anarchia.

No dia 6 de novembro parece-me que foi que estive em Murça, onde me demorei algumas horas, seguindo depois para a freguezia do Candedo. Era dia de mercado e concorri ao local onde costuma fazer-se. Apenas ali cheguei fui logo avisado por dois individuos que me retirasse immediatamente, porque talvez quando o quizesse fazer já não tivesse tempo para isso. Vendo porém algumas pessoas com quem tenho estado em boas relações até aquella data, e que se approximavam de mim, entendi que me devia approximar d'ellas. Fallei-lhes, e essas mesmas me aconselharam a que me retirasse. Disse-lhes que precisava fallar com ellas, e seguimos depois para casa de uma d'ellas. Na nossa retaguarda seguia um grupo de gente que não sei como a possa classificar, dando vivas e morras; vivas ao administrador, vivas ao governador civil, vivas ao governo e morras á opposição.

Fiquei surprehendido com o estado anarchico em que se achava a villa de Murça; mas muito mais assombrado fiquei, quando procurando um cidadão probo, amigo meu particular, e um dos primeiros proprietarios d'aquelle concelho, chamado Antonio Luiz da Silva, elle me disse que = quando saia de casa ía sempre acompanhado com armas, porque á porta de sua casa todas as noites se iam dar tiros e morras, a elle Antonio Luiz da Silva =. A causa que motivava tão deploraveis acontecimentos, era o trabalhar elle na eleição com os seus amigos politicos, em contraposição á auctoridade. Este era o estado em que se achava a villa de Murça.

No dia seguinte teve necessidade de voltar a Murça; diziam que = eu não voltava lá =; fui e estive até á noite, seguindo d'ahi para Alijó. Saindo já tarde de Murça, ainda tive occasião de observar que era verdade o que o cidadão Antonio Luiz da Silva me havia dito, porque quando chegava ao alto da ponte do outro lado, e já era bastante noite, ouvi os tiros e morras, levantados por essa gente que estava ao lado da auctoridade.

Este estado conservou se inalteravel até ao dia da eleição.

A camara municipal vendo que era conveniente garantir aos povos a liberdade da uma, não obstante funccionar sempre debaixo de impressões desagradaveis, dividiu o concelho em tres assembléas, porque julgou prudente que as freguezias ruraes que não estavam envolvidas n'aquelle bulício da villa, o qual exprimia unicamente o interesse de dois ou tres individuos que se empenhavam n'aquella luta e mais nada, fossem arrastados aquelle fóco de anarchia. Não convinha isto aos inimigos da ordem, e por isso as assembléas foram alteradas, fazendo-se convergir todas as freguezias do concelho de Murça á capital do concelho, á excepção de duas. De modo que formaram uma assembléa com 230 eleitores, e outra com mais de 600.

No dia 22 era de esperar o que havia de seguir-se a todos aquelles preparativos.

Um cunhado do administrador do concelho, com uma banda de musica, desceu á ponte de Murça a esperar os eleitores, e aquelles que com certa força de vontade se recusavam a aceitar a lista que elle lhe pretendia impor, eram insultados e alguns foram espancados; e aquelles que não obstante os meios de terror empregados, caminhavam resolutos ao local aonde a lei os chamava para exercerem o seu importante direito politico de escolherem os seus representantes, eram acommettidos e assaltados no proprio templo do Senhor; e aos que mais persistencia faziam em não acceder ás propostas da auctoridade e que se mostravam firmes em votar na lista da opposição, mostravam-se-lhes armas e punhaes e até caveiras espetadas em paus, symbolisando n'ellas a sorte que os esperava, se acaso quizessem oppor-se ás violencias da auctoridade. Estes são os factos que se praticaram na villa de Murça no dia 22 de novembro.

Tenho aqui um documento processado na sede da comarca em Alijó, do qual constam os factos já referidos.

É um exame de corpo de delicto indirecto, e foi tirado na cabeça da comarca, porque não era possivel requere-lo na villa de Murça ou prepara-lo sequer sem correr grave risco a vida do requerente. O que o fizesse era victima irrevogavelmente. No dia 23, para o qual se espaçou a eleição, querendo-se cohonestar com este facto todas as violencias praticadas na vespera, e para se fazer acreditar que o processo eleitoral tinha corrido com grande regularidade.

Quer a camara saber o que aconteceu? Quando alguns individuos que haviam sido mudos espectadores de todas as scenas horrorosas que ficam descriptas, saíram da igreja, foram mandados acompanhar por uma banda de musica até fóra da villa, tocando aquella uma marcha funebre, e dobraram os sinos a finados. Tudo isto se fez, tudo isto passou, todos o sabem, ninguem o ignora, menos a auctoridade superior do districto, menos os seus amigos, menos o governo, porque ainda manda syndicar a respeito d'estes actos (risadas).

Se do concelho de Murça passo ao concelho de Alijó, não vejo que sejam de uma ordem inferior ou que importem menos gravidade, as violencias e as arbitrariedades praticadas n'este concelho. Já sabe a camara que o primeiro passo dado pelo chefe do districto para espalhar o terror n'aquelle concelho, foi a dissolução da camara (apoiados). Já fiz ver a sem rasão com que essa camara foi dissolvida (apoiados); tambem fiz ver que o plano combinado pelo chefe do districto para promover o vencimento da eleição em todos os concelhos, cuja administração lhe estava confiada, não deixou de se pôr em pratica ali, e com muita mais rasão, porque era o concelho da sua naturalidade, e era o concelho onde elle como particular já tinha soffrido duas derrotas eleitoraes. Prepararam-se portanto as cousas para uma batalha campal. O governador civil apenas transferido de Bragança para o districto de Villa Real, demorou-se algum tempo a ir para o districto, parte d'esse tempo passou-o em Alijó, onde se demorou mais de vinte dias.

Durante esses vinte dias escusado é dizer á camara que tratou de preparar e dispor as cousas de modo que podesse melhor conseguir os seus fins. Essa demora em Alijó tornou-se bastante reparada, porque não havia rasão alguma para que elle, tendo sido transferido do districto de Bragança, para o de Villa Real, considerasse como capital do districto Alijó e não Villa Real. A demora porém foi explicada pelo comparecimento de uma alta personagem n'aquelle concelho. Depois de varias conferencias entre os dois, marchou o governador civil para a sede do districto.

Vê-se portanto, pelo menos para mim é bastante evidente, e tambem o será para a camara, que o governador civil de Villa Real se não teve accessor, teve, coadjutor (riso); e que, o que esquecesse a um, para levar por diante o plano, não podia esquecer ao outro, porque ambos os personagens eram, e são de certo, homens de muito tino politico e de muita cordura, e um principalmente de muita instrucção e de bastantes conhecimentos.

N'este concerto não podia saír senão uma obra muito perfeita, e tão perfeita como as pessoas por quem era inspirada. Fallo em inspiração, porque talvez que alguma d'ellas esteja nas circumstancias de sobre si descer o divino espirito, como representante e successor dos apostolos. E certo porém que se houve inspiração não foi do divino espirito, porque não podemos nem devemos acreditar que d'elle podessem emanar inspirações malignas, anarchicas e muito subversivas da ordem publica.

Dispozeram-se pois as cousas no concelho de Alijó pelo mesmo modo que nos outros, ou ainda com mais afan, porque um dos personagens ficou tendo a sua residencia permanente n'aquelle concelho, d'onde se ausentou quinze ou dezeseis dias depois da eleição.

E tanto as cousas se dispunham para se levarem, no dizer de alguem, á mocada, que no dia 1 de novembro deram d'isso sobejas provas o administrador do concelho e o recebedor da comarca.

Constando que se achava no seu casal de Villa Chã Antonio Villela de Sousa, irmão de um digno magistrado que ha pouco falleceu e que era de todos nós bem conhecido, os seus amigos foram cumprimenta-lo e passar com elle algumas horas. Eu que me achava proximo d'aquelle local tambem ali compareci, e, se me não engano, tambem ali esteve o meu collega e amigo o sr. Antonio Julio Pinto de Magalhães. Quando todos passeávamos pela povoação, aproveitando algumas horas de descanso e mesmo de recreio, como o pôde haver no campo, appareceu o administrador do concelho, acompanhado do irmão do chefe do districto, precedidos de vinte ou trinta homens armados de bacamartes e clavinas, e fazendo desfilar esta força pela frente dos individuos que ali se achavam, foram estabelecer quartel general em casa da residencia do parocho.

Isto indignou e surprehendeu a todos, porque não era de esperar um acontecimento d'aquelles, principalmente quando as pessoas que ali se achavam eram das principaes do concelho e totalmente inoffensivas.

N'esta occasião teriam havido funestos acontecimentos se alguns dos individuos que ali se encontravam não tivessem diligenciado que não houvesse o menor desgosto, fazendo com que todos se retirassem e deixassem á vontade o administrador e o irmão do governador civil com a sua força armada.

Entretanto os cavalheiros que ali estavam entenderam que deviam dirigir-se ao chefe do districto, dando-lhe parte do acontecido, e pedir-lhe providencias de segurança para si e para a sua propriedade, que não julgavam segura.

Eu vou ler á camara a carta que aquelles cavalheiros dirigiram por essa occasião ao chefe do districto. Este e outros factos promoveram uma indignação geral no districto contra as auctoridades, a qual augmentou desde que a camara municipal foi dissolvida.

Diz a carta:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Tendo-se reunido os signatarios d'esta carta em Villa Chã, no dia 1 de novembro, por saberem que ali estava no seu casal o proprietario d'este concelho Antonio Villela de Sousa, e seu filho dr. Antonio Maximino Pinto Villela, para gosarem dos folguedos proprios de tal dia, não tardou muito tempo que não fossem perturbados do socego que costuma reinar em similhantes occasiões, entre pessoas que tratam de divertir-se, com a apparição do irmão de v. ex.ª, Antonio Barbosa de Abreu Junior, recebedor da comarca, e do administrador do concelho, Joaquim José Augusto Monteiro, os quaes se apresentaram ali acompanhados de mais de vinte homens armados de bacamartes e clavinas, fazendo desfilar estes diante dos abaixo assignados, no meio dos quaes mandaram collocar um official da administração; e indo depois fazer o seu quartel general em casa do reitor da freguezia, João Martins da Veiga.