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«Um tão extraordinario acontecimento poz em sobresalto a freguezia, promovendo a saída para fóra da mesma de uma grande parte dos seus habitantes, vindo se depois no conhecimento de que aquillo se fizera para exercer pressão sobre os eleitores da freguesia, e para nos intimidar a nós.

«Á noite vieram a esta villa os mesmos homens armados, que andaram até altas horas alarmando e pondo em sobresalto o seus habitantes, dando tiros pela rua, o que já tem praticado por varias vezes.

«A muita prudencia fez nos responder sómente com o desprezo a tão insolita e immerecida provocação, resolvendo desde logo dar conhecimento do facto a v. ex.ª, para proceder convenientemente; pois se acaso não forem mantidas as garantias que a carta constitucional confere aos cidadãos, recairão sobre v. ex.ª as consequencias que possam derivar de factos similhantes.

«V. ex.ª, como governador civil e natural d'este concelho, conhece de certo os individuos que assignára esta carta, e ha de ter era consideração o que elles lhe expõem, para que se dê ao publico uma reparação da affronta que receberam cidadãos inoffensivos de dois funccionarios publicos, cuja missão não é alarmar os povos, intimidar os cidadãos pacíficos que se reunem n'este ou n'aquelle ponto, nem exercer pressão sobre os eleitores, apresentando-lhe ás portas a força armada.

«D'esta carta vão ser enviada copia authentica a varios jornaes, para que o paiz inteiro saiba o que se passa n'este concelho, e a fim de que o sr. ministro do reino proceda energicamente conforme o exigem a justiça e as conveniencias publicas, levantando a dignidade e o prestigio do poder, que os mencionados funccionarios aqui têem rebaixado pelos seus actos.

«Os signatarios aguardam o procedimento de v. ex.ª, o qual determinará a resolução que julgarem acertado tomar, para que nem os seus bens, nem as suas pessoas corram o menor risco.

«De v. ex.ª muito veneradores. — Alijó, 4 de novembro de 1863. — Antonio Villela de Sousa. — Antonio Maximino Pinto Villela. — Domingos Teixeira Moutinho. — Antonio José Ribeiro de Carvalho, proprietario. — Antonio Victorino de Carvalho, proprietario. — José dos Santos Monteiro, proprietario. — Francisco Gomei de Carvalho. — Guilherme Antonio Fernandes Anjo, proprietario. — Manuel Pinto Pimentel de Castro, camarista. — Roberto Augusto Pinto de Magalhães, presidente da camara.»

Já vê a camara que não a devem surprehender os acontecimentos que tiveram logar no dia 22, tanto em Alijó como na assembléa de Carlão, porque as cousas se dispunham com muita antecipação.

No dia 22, depois de todos os factos que tenho referido, tratou-se da eleição. Eram cinco as assembléas do concelho: Carlão, Alijó, Favaios, Sanfins e Villa Verde.

Nas assembléas de Favaios e Sanfins correram as cousas com toda a regularidade, porque em qualquer d'ellas era perigoso o emprego da força. A auctoridade abandonou completamente a eleição n'estas duas assembléas, obtendo a opposição grande maioria.

Não succedeu o mesmo nas assembléas de Alijó, de Carlão e de Villa Verde.

Para a de Carlão foi dirigir os trabalhos eleitoraes o irmão do chefe do districto, o recebedor da comarca. E, por parte dos que combatiam a lista da auctoridade, acabavam-se ali o dr. Antonio Maximino Pinto Villela, filho de Antonio de Sousa Villela, um primo d'aquelle, e algumas pessoas das freguezias proximas, as quaes tratavam de promover o andamento da eleição de modo que os eleitores que votavam contra a auctoridade podessem exercer o seu direito.

Correram as cousas com uma certa apparencia de regularidade até proximo da noite, não obstante o irmão do governador civil ter dado algumas provas de que o resultado da eleição não seria ali a fiel expressão do suffragio popular e de que a uma seria viciada, tentando introduzir n'ella um maço de listas, o que não póde conseguir por se lhe oppor o dr. Maximino Villela.

Á noite quando aquelles individuos, que já mencionei, se preparavam para guardar a uma na igreja, no local em que se tinha feito a eleição, para que o escrutinio não podesse ser viciado nem alterado, sendo o irmão do chefe do districto, que nada podia conseguir, porque lh'o vedavam aquelles guardas constantes da liberdade da uma, fez entrar precipitadamente na igreja um grupo de homens armados, que apontando as armas que levavam sobre os cidadãos que ali estavam, intimaram-nos para que saíssem da igreja para fóra quando não que eram fuzilados. Diante de uma tal intimação a liberdade eleitoral desappareceu e o governo liberal e rasgadamente progressista deu um golpe profundo no systema representativo.

Apenas aquellas victimas da liberdade saíram da igreja, e seguiram o caminho de suas casas, foi assaltada a uma e o escrutinio falsificado. Deixaram á opposição 25 votos (riso).

No dia seguinte, 23, de algumas casas de Alijó via-se que grande multidão de gente seguia a estrada de Carlão, pela parte que fica ao poente. Este facto despertou em todos a curiosidade de saber o que era, tanto mais que os animos estavam ainda bastante preoccupados com o que ali se passára na noite do dia antecedente. Era o irmão do chefe do districto que com a sua gente vinham annunciar por um modo anarchico o vencimento da eleição obtido pelo terror e pelo crime. Fizeram na villa a sua entrada triumphante, no meio de um delirio proprio sómente de homens selvagens. Assim correram as cousas na assembléa de Carlão, onde se por acaso tenho apparecido era de certo victima, segundo declararam alguns dos agentes eleitoraes da auctoridade, pois que diziam elles que tinham ordem para me fuzilar logo que ali apparecesse.

Possuo uma carta de um meu amigo, na qual me diz que = ninguem vá a Carlão, principalmente V. porque é morto irremediavelmente =. Vejo que alguns srs. deputados se riem com esta declaração. Eu queria ver os illustres deputados no centro d'aquellas desordens, no meio de homens amotinados pela auctoridade, armados por ella para praticarem toda a qualidade de excessos queria que tivessem presenciado todos estes factos, que andassem constantemente no meio dos perigos, porque então, de certo Se não riam e, haviam de olhar para estas cousas com a gravidade com que devem ser consideradas (muitos apoiados na esquerda). Não, são factos estes que promovam o riso (muitos apoia dos); pelo contrario são factos que todos devemos deplorar, e é assim que deve proceder o homem que se disser sensato e liberal, para os estigmatisar severamente, e evitar que se tornem a repetir (muitos apoiados).

Supposto a acta da eleição da assembléa de Carlão declare que a eleição se fez com toda a regularidade, diz todavia o bastante para se conhecer que o escrutinio foi adulterado.

Toda a camara sabe que quando a operação eleitoral de um dia acaba na contagem das listas e esta se faz, tem de se affixar por edital o resultado d'esta operação, dando-se conta do numero de listas existentes na urna. Mas quer a camara saber o que fez a mesa eleitoral da assembléa de Carlão, insuspeita, porque era formada dos amigos da auctoridade? Eu leio a acta: «... seguindo-se em tudo as mais formalidades da lei, de maneira que, com esta votação toda, era igual o numero das descargas ao das listas coutadas. O que tudo se fez publico por edital affixado na porta da igreja no dia seguinte, para no fim d'esta operação se julgar estar a pôr-se o sol pelo calculo de differentes relogios de algibeira de differentes eleitores presentes, pois que de outra maneira não se podia fazer esta experiencia, por todo o dia ter estado encoberto e a chuviscar».

No dia 22 concluiu-se a operação eleitoral com a contagem das listas, diz a acta; o resultado d'esta operação não se fez publico por edital, como a lei prescreve, em seguida ao acto, e só isso teve logar no dia seguinte «porque no fim d'essa operação se julgou estar-se a pôr o sol pelo calculo do differentes relogios de algibeira de differentes eleitores presentes!» (Riso.)

Começa a acta do dia seguinte por estas palavras: «... e depois do mesmo presidente e mais mesarios tomarem seus assentos, e se publicar por edital o resultado das listas na urna e das notas da descarga, etc.»

Esta acta confirma o facto do dia antecedente; a operação eleitoral começou por se fazer saber por edital o resultado da ultima operação da vespera!

Parece-me que esta falta é das nullidades insanaveis em uma eleição, segundo os termos da lei; e que quando não houvesse mais nada para annullar, não digo a eleição de todas as assembléas do concelho, mas a da assembléa de Carlão, esta circumstancia era sufficiente, por isso que, tendo-se feito a contagem das listas que estavam na urna e a sua confrontação com as descargas dos cadernos, se não affixou por edital o numero das listas, como cumpria se fizesse.

E que rasão se dá para se não fazer isto? «Por se julgar que estava a pôr-se o sol pelo calculo de differentes regios de algibeira!»

Em Alijo, na assembléa da sede do concelho, as cousas não correram tambem por tal modo regulares que se não manifestasse o systema da oppressão e da violencia geralmente adoptado. Em Alijó foi disputada a mesa definitiva da assembléa, houve a votação para a mesa no dia 22, entraram quatrocentas e tantas listas na urna, e demorou-se a operação eleitoral para o apuramento da mesa até ao dia 23 ao meio dia. A esta hora começou a eleição municipal. As tres horas da tarde a porta do templo estava fechada, e a eleição declarada finda.

Como é que, tendo a formação da mesa definitiva demorado até o dia 23 ao meio dia, se podia fazer a eleição municipal em quatro horas e tres quartos n'uma assembléa de mais de 500 eleitores, e considerando se como tendo votado 320?! (Apoiados.) É cousa absolutamente impossivel fazer-se, a menos que se não tenha descoberto o systema de fazer eleições a vapor, se o vapor pôde alcançar tanto! Em Alijó a opposição não teve um voto sequer.

Deu a hora. Peço a v. ex.ª me reserve a palavra para a sessão seguinte. Desejava terminar hoje. Se o não faço é porque se tem entrado muito tarde na ordem do dia. Não quero com isto irrogar censura a ninguem, não é esse o meu intento; trato apenas de justificar-me, por ter ainda de occupar a attenção da camara mais uma sessão.