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SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.:

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá conta o sr. presidente da grande deputação que foi ao paço apresentar a Sua Magestade El-Rei a resposta ao discurso da corôa.- Lê-se na mesa um officio do ministerio da marinha, remettendo o processo de investigação relativo ao sr. deputado Ferreira de Almeida.- Têem segunda leitura: uma nota do sr. Abreu Castello Branco, renovando a iniciativa do projecto de lei apresentado no 1.° de maio de 1883; uma nota do sr. Ruivo Godinho, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 106-C, de 1883; um projecto de lei dos srs. Julio de Vilhena, Pinheiro Chagas, Serpa Pinto, Carlos Lobo d'Avila, Guilhermino de Barros, Eduardo Coelho e Luiz José Dias, tornando applicavel a todos os membros do quadro de saude do municipio de Lisboa, em todos os casos em que não houver prejuizo para desempenho do serviço de saude municipal, o disposto no § unico do artigo 230.° da lei de 18 de julho de 1885.- O sr. Abreu Castello Branco apresenta duas representações, uma da junta geral do districto de Angra do Heroismo e outra da classe artistica da ilha Terceira. - O sr. Carrilho, por parte da commissão de fazenda, apresenta um requerimento para que sejam enviados ao governo, a fim de os informar, os seguintes documentos: representação de António Pedro de Aragão Moraes & C.ª; projecto de lei n.° 95-C do sr. deputado Augusto Victor dos Santos; projecto de lei n.° 101-H do sr. deputado Oliveira Matos ; renovação de iniciativa (n.° 101-D) do sr. deputado Cardoso Valente; renovação de iniciativa (n.° 93-E) do sr. deputado Veiga; renovação de iniciativa (n.° 101-C) do sr. deputado Oliveira Valle; renovação de iniciativa (n.° 100-A) do sr. deputado Urbano de Castro, e o requerimento da tutora de uma freira do extincto convento de Santa Monica. - Approva-se uma proposta apresentada pelo sr. Alfredo Pereira, depois de algumas considerações dos srs. presidente, Consiglieri Pedroso, Frederico Arouca e do auctor, para que, attendendo ao adiantado da sessão, haja duas sessões nocturnas por semana. - O sr. Avellar Machado chama a attenção do governo para o periodo grave que está atravessando a agricultura portuguesa. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Arthur Hintze Ribeiro faz algumas considerações quanto á classificação que se fez dos engenheiros civis, pelo decreto de 28 de outubro ultimo, julgando a injusta em relação a alguns. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Manuel José Vieira apresenta um requerimento, pedindo informações, pelo ministerio da guerra. - Justificam as suas faltas às sessões os srs. visconde de Monsaraz, Augusto Pimentel, José de Napoles, Vieira de Castro, Arthur Hintze Ribeiro, Alves de Moura e Guimarães Pedrosa.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.° 98, auctorisando o governo a concluir por empreitadas geraes, e no praso de dezoito annos, a rede das estradas reaes e districtaes. - Usam da palavra e apresentam moções de ordem os srs. Pereira dos Santos e Oliveira Martins, que fica com, a palavra reservada.
No fim da sessão o sr. Consiglieri Pedroso, referindo-se ao processo do sr. Ferreira de Almeida, pede á mesa que inste com a commissão de legislação criminal para que apresente quanto antes o seu parecer para, depois de impresso, ser distribuido pelos srs. deputados e entrar em discussão.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 74 srs. deputados. São os seguintes:-Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Antonio da Fonseca, Pereira Borges, Tavares Crespo, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Eduardo de Abreu, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Cândido da Silva, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro. Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes; Avellar Machado, José Castello Branco, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José de Nápoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Miguel Dantas, Pedro Victor, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Anselmo de Andrade, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, António Ennes, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Freitas Branco, Veiga Beirão, Francisco Matoso, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Guilhermino de Barros, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Alves de Moura, Barbosa Collen, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Guilherme Pacheco, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Simões Dias, Santos Reis, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alves da Fonseca, António Centeno, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Urbano de Castro, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bei lá, Góes Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Scarnichia, Dias Gallas, Alves Matheus, Oliveira Valle, Ferreira Galvão, Ferreira de Almeida, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, Pinto de Mascarenhas, Abreu e Sousa, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Marianno Prezado, Pedro Diniz e Visconde de Silves.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha remettendo o processo de investigação relativo ao sr. deputado Ferreira de Almeida. Foi enviado á commissão de legislação criminal.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- A lei de 18 de julho de 1885, que reformou o municipio de Lisboa, estabeleceu no seu artigo 57.° a incompatibilidade das funcções de delegado ou sub-delegado de saude com as de qualquer outro emprego publico ou particular; e no artigo 230.° e seu paragrapho estabeleceu, que os sub-delegados e seus substitutos nomeados até 10 de abril de 1885, que ficavam fazendo parte do quadro do pessoal de saude da mesma camara, podem, querendo, não

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se sujeitar á incompatibilidade estabelecida no artigo 57.° mas nesse caso o seu vencimento ficará reduzido de réis 900$000 a 7000$000 réis.
Quasi todos os sub-delegados actuaes estão no caso de optar, e não obstante alguns o terem feito e estarem em avançada idade, não tem isso impedido o desempenho do serviço municipal.
E realmente ha serviços que são perfeitamente compativeis com os do quadro de saude da camara - por exemplo o exercicio do magisterio na escola medico cirurgica, e a clinica dos hospitaes, os partidos clinicos de particulares, etc.
Alguns ha até que são vantajosos para a instrucção dos facultativos.
E tambem resulta para o municipio uma economia importante, porque passa a pagar 700$000 réis em vez de 900$000 réis aos que não quizerem sujeitar-se á incompatibilidade.
Á vista do exposto temos a honra de propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O disposto no § unico do artigo 230.° da lei de 18 de julho de 1885, que aproveita sómente aos sub-delegados nomeados até 10 de abril do mesmo anno, é applicavel a todos os membros do quadro de saude do municipio de Lisboa, em todos os casos em que não possa haver prejuizo para o desempenho do serviço de saude do municipio.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 20 de maio de 1887.= Julio de Vilhena = M. Pinheiro Chagas = Alexandre Alberto R. Serpa Pinto = Carlos Lobo d'Avila = Guilhermino Augusto de Barros = Eduardo José Coelho = Luiz José Dias.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Propostas para renovações de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 106-E de 1883, que tem por fim considerar como estrada de 1.ª classe a de Castello Branco por Malpica á fronteira hespanhola.
Esta iniciativa já foi renovada na sessão de 19 de junho de 1885. = Ruivo Godinho.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de obras publicas.
A proposta refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - No plano geral das estradas municipaes do concelho de Castello Branco está incluida, como sendo das mais importantes, a estrada desta cidade a Malpica e d'aqui ao Tejo, na extensão approximadamente de 20 kilometros. Deve esta estrada atravessar a parte mais rica do concelho, e uma das mais importantes do paiz, tal é a extensa mata de montados de sobro e de azinho de mais de 15 kilometros de largura por 40, ou mais, do comprimento; de tanta vantagem é esta estrada, e tanto é reconhecida a sua utilidade, que a camara municipal d'aquella cidade construiu já parte d'ella na extensão de perto de 9 kilometros, não podendo, como era- para desejar, dar-lhe maior desenvolvimento, attentas as diminutas receitas de que o municipio dispõe.
Está, sem duvida, esta estrada indevidamente classificada como municipal, e deve, em face da lei, ser incluida no plano geral das estradas reaes.
Pondo de parte a importancia d'ella para o concelho de Castello Branco, ha circumstancias de ordem mais elevada a que se deve attender, para justificar a necessidade de se dar a esta estrada a sua verdadeira classificação.
Deve ella ligar-se no rio Tejo com a estrada real já construida no reino de Hespanha, e por Herrera de Al cantara, Valencia e S. Vicente até Albuquerque, pondo assim em communicação o reino vizinho com a capital do districto, com a Guarda pela estrada real n.° 54, e, muito principalmente, com o grande centro industrial da Covilhã pela estrada real n.° 55, devendo por ella effectuar-se o transporte das materias primas que a Covilhã importa em larga escala da Extremadura hespanhola.
Acresce ainda, e, sobretudo, ao que liça exposto, a consideração de que, logo que esteja construido o caminho de ferro da Beira Baixa, é esta a estrada que, partindo da estação do Castello Branco, ha de ligar aquelle importante ponto da fronteira com a capital do districto, e por este, e pelo caminho de ferro, a porá em communicação directa com a capital do reino.
Dadas estas condições, que são exigidas pelo artigo 2.°, § 1.° da lei de 15 de julho de 1862, proponho o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E classificada como real, e. como tal, deve ser inserida no plano das estradas de primeira ordem, a estrada que, partindo da estacão que deverá haver em Castello Branco, quando esteja construido o caminho de ferro da Beira Baixa, e passando por Malpica ha de entroncar na fronteira, junto ao Tejo, com a estrada real hespanhola que dali segue por Herrera, Valencia de Alcantara e S. Vicente para o interior do paiz vizinho.
Art. 2.° Esta estrada deverá ser inserida no plano geral com a classificação seguinte: "Estrada real de 1.ª classe, n.° 16-B, de Castello Branco para Malpica á fronteira hespanhola por Herrera de Alcantara".
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 8 de junho de 1883. - Manuel Pinheiro Chagas.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto apresentado na sessão de 1 de maio de 1883, Diario da camara, pag. 1:331, auctorisando o governo a nomear um sub-inspector de instrucção primaria, com residencia em Angra do Heroismo, sendo dividida em tres circulos a undecima circumscripção escolar. Este projecto já teve parecer favoravel das commissões respectivas.
Sala das sessões, 21 de maio de 1887. = J. F. Abreu Castello Branco, deputado por Angra do Heroismo.
Lida na mesa foi admittida e enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria.
A proposta refere-se ao seguinte

Projecto de lei

Senhores.-As leis de 2 de maio de 1878 e de 11 de junho de 1880, alterando profundamente o que se havia legislado em matéria de instrucção primaria, entregaram às corporações administrativas, com a superintendencia das auctoridades delegadas do governo, a parte economica e administrativa d'este importante ramo de serviço, e se não é licito apreciar por emquanto os effeitos de tão larga descentralisação, é comtudo certo que entre as mais notaveis providencias adoptadas pelas referidas leis avulta a inspecção directa e permanentemente exercida por funccionarios especiaes de nomeação do governo.
Para este fim foram creadas doze circumscripções escolares, compostas de um ou mais districtos, e divididas em trinta circulos, com um ou mais concelhos, onde o inspector e o sub-inspector desempenham as funcções que lhes são próprias, e especialmente as que respeitam às disciplinas, programmas, methodos, modos e processos de ensino, compendios e alfaias escolares, o que tudo bem indica o muito que ha a espero d'estes funccionarios, mormente n'este periodo, em que se trata, de implantar o novo systema.
A undecima circumscripção escolar comprehende todo o archipelago dos Açores, com tres districtos administrativos, e acha se actualmente dividida em dois circulos, o primou o dos quaes, especialmente a cargo do respectivo in-

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spector, abrange os districtos de Ponta Delgada e de Angra do Heroismo, que se compõem de cinco ilhas, doze concelhos, oitenta e cinco freguezias, com uma população total de 197:900 habitantes, sendo o segundo circulo, a cargo de um sub-inspector, constituido unicamente pelo districto da Horta, com sete concelhos, trinta e nove freguezias, e com uma população de 61:900 habitantes.
Acha-se, portanto, o districto de Angra do Heroismo, não privado dos beneficios e salutares effeitos de uma inspecção assidua às suas escolas de instrucção primaria, pelo menos condemnado a desfructar raras vezos as vantagens do mesmo serviço, por isso que mal póde o inspector, que tem residencia official em Ponta Delgada, e por maior que seja o seu zelo, conciliar com as variadas attribuições do seu cargo a obrigação de percorrer e fiscalisar assiduamente as escolas de um circulo já de si tão vasto, quando as suas condições geographicas não contribuissem para mais dificultar essa fiscalisação.
Para obviar a estes inconvenientes representou a junta geral do mesmo districto ao governo (documento junto), pedindo a creação de mais um circulo escolar, onde um novo sub-inspector ali coadjuve o respectivo inspector.
Não cabendo, porém, actualmente na alçada do poder executivo, prover de remédio às difficuldades apontadas, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A undécima circumscripção escolar, creada pelo decreto regulamentar de 28 de julho de 1880, segundo as leis de 2 de maio de 1878 e de 11 de junho de 1880, será dividida em tres circules, cada um constituido por um districto administrativo.
§ unico. Fica o governo auctorisado a nomear um sub-inspector de instrucção primaria com residencia em Angra do Heroismo.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 30 de abril de 1883.= Barão de Ramalho, deputado por Angra do Heroismo.

REPRESENTAÇÕES

Da commissão districtal da junta geral de Angra do Heroismo, e da classe artistica, terceirense, pedindo a construcção de um quebra-mar, na bahia de Angra do Heroismo.
Apresentadas pelo sr. deputado Abreu Castello Branco e enviadas á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam enviados a esta camara, com a urgencia possivel, os seguintes esclarecimentos:
I. Nota numerica de cada contingente ou grupo de praças mandado passar da guarnição da Madeira para os outros corpos do exercito no continente e ilhas adjacentes, nos annos de 1884 a 1887;
II. Igual nota de qualquer contingente ou grupo que, nos mesmos annos, tenha sido mandado passar do continente ou ilhas adjacentes para a ilha da Madeira. = Manuel José Vieira.

2.° Por parte da commissão de fazenda, requeiro que seja consultado o governo: pelo ministerio da fazenda, sobre a representação de António Pedro de Aragão Moraes & C.ª (L. 13, fl. 10), sobre o projecto de lei n.° 95-C do sr. deputado Augusto Victor dos Santos, aquelle e este relativo a isenções de direitos de importação; sobre o projecto de lei n.° 101-A do sr. deputado Oliveira Matos, para rescisão do contrato dos direitos de portagem na ponte de Portella sobre o Mondego; sobre a renovação de iniciativa (n.° 101 D) do sr. Cardoso Valente, do projecto de lei que isenta a camara municipal de Gaia de pagar 821$172 réis
que deve pelo arrendamento do Campo Grande da Serra do Pilar; sobre a renovação de iniciativa (n.° 93-E) do sr. deputado Veiga do projecto de lei n.° 65-H de 1883, concedendo á misericordia do Carregal a igreja do extincto convento das freiras de S. Bernardo da Tabosa, e sobre o projecto de lei n.° 101-H, concedendo á misericordia o edificio do convento da Encarnação para o estabelecimento do um hospital civil; pelo ministerio do reino: sobre a renovação de iniciativa (n.° 101-C) pelo sr. deputado Oliveira Valle do projecto de lei n.° 162 da sessão de 1885, elevando o ordenado do guarda preparador do gabinete de physica da universidade de Coimbra, e sobre a renovação de iniciativa (n.° 100-A) pelo sr. deputado Urbano de Castro do projecto de lei n.° 47 da sessão de 1886, que auctorisa o governo a reformar o actor Antonio Pedro de Sousa; e pelo ministerio da justiça: sobre o requerimento da tutora da unica freira do extincto convento de Santa Monica desta cidade de Lisboa (L. 13, fl 1:840).
Sala da commissão, aos 23 de maio de 1887. = A. Carrilho, secretario.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente quando se votou, na sessão do dia 18 do corrente, a resposta ao discurso da corôa, tel-a-ia approvado com o additamento do sr. D. José de Saldanha, sobre a concessão da liberdade de associação religiosa no ultramar.= Alfredo Cesar Brandão, deputado pelo circulo de Castello Branco.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que faltei á sessão de sabbado por motivo justificado.- Visconde de Monsaraz.

2.ª Declaro que por motivo justificado não compareci às ultimas sessões da camara. = Augusto Pimentel.

3.ª Declaro a v. exa. e á camara, que deixei de comparecer a algumas sessões, por motivo justificado.=O deputado por Moimenta, José de Napoles.

4.ª Participo a v. exa. e á camara, que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = João Monteiro Vieira de Castro.

5.ª Por motivo justificado faltei às sessões de 20 e 21 do corrente. = O deputado, Alves de Moura.

6.ª Declaro que, por incommodo de saude, não compareci nas sessões dos dias 20 e 21 do corrente. = Arthur Hintze Ribeiro.

7.ª Declaro que por motivo justificado faltei á sessão de 7 de maio corrente. =A. Guimarães Pedrosa.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De José Xavier Grato, coronel reformado do exercito de Africa occidental, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Augusto Montenegro e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

De Marianno Augusto Machado de Faria e Maia, engenheiro civil, reclamando contra a collocação que lhe foi dada no quadro dos engenheiros civis, pelo decreto de 28 de outubro ultimo.
Apresentado pelo sr. deputado Hintze Ribeiro e enviado á commissão de obras publicas.

O sr. Presidente: - Participo á camara que a grande deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade El-

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Rei a resposta ao discurso da corôa cumpriu a sua missão, tendo sido recebida por Sua Magestade com a affabilidado que lhe é habitual.
Acha-se nos corredores da camara, a fim de prestar juramento, o illustre deputado o sr. José Guilherme; nomeio introductores os srs. Arroyo e Teixeira de Vasconcellos.
Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. José Guilherme Pacheco.
O sr. Alfredo Pereira:- Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Sr. presidente, requeiro a urgencia.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Considerando que se acham pendentes d'esta camara propostas de lei, cuja discussão necessariamente deve ser larga, occupando muitas sessões;
Considerando que apenas restam, dentro do periodo regular da sessão, vinte e nove dias uteis :
Proponho que haja sessões nocturnas, pelo menos duas vezes por semana, ficando o sr. presidente auctorisado a fixar os dias que para tal fim entender mais convenientes. = Alfredo Pereira.
Foi declarada urgente e admittida á discussão.

O sr. Consiglieri Pedroso: -Sr. presidente, quando na sessão de 1885 um illustre deputado da maioria apresentou uma proposta análoga para haver sessões nocturnas, eu, conjunctamente com toda a minoria, que então era progressista, combati vehementemente essa proposta.
Portanto, sem por forma alguma dever ser classificado de incoherente, e appellando para o que então se passou com uma proposta similhante á que acaba de ser lida na mesa, podia tambem combatel-a.
Não o faço, porém, por muitas rasões que me parece a illustre maioria apreciará.
Tem sido a minoria d'esta camara accusada de fazer obstruccionismo; e se não posso fallar em nome de toda essa minoria, pois que sou apenas uma simples fracção d'ella, posso no entretanto individualmente dizer que chegou para mim o momento de desmentir com provas a infundada accusação que se nos dirige, não combatendo a proposta de sessões nocturnas, se bem que eu a considere como um mau expediente de adiantar trabalho.
Com o pessimo systema das nossas commissões, não d'esta, ou d'aquella, mas de todas, de não trazerem os respectivos pareceres acompanhados de todos os esclarecimentos indispensaveis para que os deputados possam estudar os assumptos no curto espaço de tempo em que têem de emittir sobre elles a sua opinião, a accumulação de sessões nocturnas com sessões diarias sómente servirá para dar um caracter de superficialidade menos própria às discussões d'esta assembléa.
A prova é que certas leis parece haverem sido aqui discutidas, e, depois de terem a sancção do parlamento, voltam muitas vezes na sessão seguinte para emendar, por isso que não houve tempo para na discussão se apurarem os seus defeitos.
Assim, embora pela minha parte não combata a proposta, deixo ficar consignada a minha opinião de que eu a reputo prejudicial para a boa ordem dos debates.
Em parlamento algum do mundo ha o excesso de trabalho, que se nota no parlamento portuguez. Todos os parlamentos da Europa e da America, quando conseguem deixar bem discutida uma ou duas leis importantes, consideram ter bem cumprido a sua missão. Entre nós, são legislações inteiras que todos os annos passam pela camara. É verdade que sáem da maneira, que todos sabemos.

sr. Frederico Arouca: - Pela minha parte não tenho duvida em votar a proposta para que haja sessões nocturnas duas vezes por semana, mas esta proposta obriga--me a algumas pequenas reflexões.
Diz-se que faltam vinte e nove dias uteis e que ha projectos muito importantes a discutir. Ora eu sei que podem faltar vinte e nove dias para o fim de tres mezes, mas tambem podem faltar uns poucos de mezes para o fim do anno.
O que é preciso ficar consignado é que a maioria é quem governa nesta casa, e que é a maioria que não vem às duas horas da tarde. A maioria não vem á sessão, senão á hora que quer, é agora quer sessões nocturnas, porque ella não quer vir de dia.
Nós, ou por outra, eu, quero ser coherente com as doutrinas que sustentava quando era maioria. Não tenho duvida em votar que haja duas sessões nocturnas por semana, mas não mais de duas, porque se os projectos são importantes, se é preciso um largo trabalho e um largo estudo, eu não posso estar de dia e de noite preso na camara, porque não tenho tempo para estudar, a não ser que o governo ache mais commodo e de menos trabalho levar tudo de assalto e não discutir comnosco.
Por isso é que eu digo, que não me opponho a que haja duas sessões, e ainda assim desejava que antes de se proceder á votação, ficasse bem claramente designada a hora a que a sessão começará.
Fechando a sessão diurna às seis horas da tarde, não podemos regressar á camara senão às nove horas da noite, e desejo que tambem ficasse consignado que esta proposta em nada altera a disposição do regimento, que determina que no dia de quinta feira não haja trabalhos parlamentares.
Sr. presidente, se por acaso assim se determinar, visto que na proposta se pede que seja v. exa. quem determine o serviço, v. exa. se dignará dizer-nos se concorda com as minhas observações.
Desejava ainda tambem que v. exa. se dignasse dizer se se procede nas sessões nocturnas como nas diurnas, em que os deputados da maioria podem chegar às quatro horas da tarde, ou se ha de haver um praso, dentro do qual, não se reunindo numero sufficiente de deputado, não haja sessão.
Eu atrever-me-ia ainda a pedir a v. exa. que se dignasse dar á camara explicações sobre este ponto, e se v. exa. concorda em que esse espaço de tempo fosse de um quarto de hora, e se às nove e um quarto não houvesse numero sufficiente de deputados para abrir a sessão, fossemos dispensados de trabalhar n'essa noite.
Não tenho duvida em votar a proposta, porque desejo concorrer para que as propostas do governo, que são muito importantes, tenham uma larga discussão, mas creio que se os trabalhos parlamentares estão tão atrazados não é por culpa da minoria, mas dos deputados da maioria que nunca vem às duas horas (Apoiados.), e porque alguns incidentes se têem mettido de permeio entre os trabalhos parlamentares, incidentes que os deputados da minoria entenderam dever discutir primeiro, por os julgarem mais importantes.
O sr. Presidente: - Eu creio que a camara estará de accordo em que as sessões comecem às nove horas, e passado um quarto de hora, se não estiver numero sufficiente de srs. deputados não haja sessão, e em que as quintas feiras se continuem a reservar para trabalhos em commissões, salvo o caso de haver um dia santo na semana.
Tenho tambem a dizer ao illustre deputado em resposta a uma das suas considerações, que eu estou sempre na camara muito antes das duas horas. (Apoiados.)
O sr. Alfredo Pereira: -Pedi a palavra para declarar que annuo às idéas expendidas pelo sr. deputado Frederico Arouca, para que as sessões comecem às nove horas, e igualmente para que se dê um periodo de um quarto de hora para espera, passado o qual, se não houver numero sufficiente, não haja sessão.
Quanto a um dos considerandos da minha proposta, que

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se refere aos dias de sessão, digo que elle se refere ao periodo regular da legislatura, e não a qualquer prorogação que possa haver, por isso que a camara não póde ter intervenção para que seja prolongado o periodo legislativo.
Eu tinha errado no numero dos dias, visto que devem ser vinte e nove menos cinco, porque me esqueci do incluir os cinco dias da sessão de janeiro, e comecei a contar da data de hoje. Ora, deduzindo as quintas feiras, como o illustre deputado quer, e os cinco dias que houve de sessão em janeiro, temos que o periodo fica reduzido a vinte e dois dias, o que é realmente escasso para que as propostas do governo tenham uma discussão conveniente.
Posta á votação a proposta, foi approvada.
O sr. Abreu Castello Branco : - Mando para a mesa uma representação da classe artistica de Angra do Heroismo e outra da junta geral d'aquelle districto com referencia á construccção de um porto artificial em Angra.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que estas representações sejam publicadas no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação requerida.
O sr. Montenegro: - Mando para a mesa um requerimento de José Xavier Grato, coronel reformado do ultramar, pedindo melhoria de reforma.
Este requerente é um official brioso, que durante quarenta annos tem servido o paiz em sitios difficeis, como foi em Cacheu, onde esteve quinze annos governador, e na Guiné, onde esteve cinco annos, e acha-se prejudicado por outros officiaes que são mais modernos e têem graduações superiores.
Peço á commissão, a quem este requerimento tem de ser enviado, que tome na devida consideração os relevantes serviços d'este prestante official.
O sr. Augusto Pimentel: -Mando para a mesa uma justificação de faltas.
O sr. Avellar Machado:-Desejo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para a crise deveras lamentavel por que a agricultura portugueza está passando, para o definhamento constante e progressivo da industria agricola.
S. exa. sabe muito bem, e ninguém o poderá contestar, que esta industria sobreleva muitissimo em importancia a todas as outras do paiz, reunidas; s. exa. não ignora que, exceptuando a da pesca, ella é de todas a mais contingente, a que menos certeza offerece de poder remunerar as grandes despezas de custeio, os improbos labores consumidos. (Apoiados.)
A industria agricola é, ha muitos annos, a que mais soffre, mas infelizmente para ella a que menos se queixa, motivo por que não é attendida, considerada e protegida, como mereceria ser no interesse do thesouro e do bem estar do povo. (Apoiados.)
V. exa. sabe que se a agricultura portugueza quizesse impor-se ao paiz, poderia trazer a esta e á outra casa do parlamento numerosos representantes, que pugnassem energicamente, como eu o estou fazendo n'este momento, pelos interesses de tão desprotegida industria. (Apoiados.)
Não o tem feito, porém, infelizmente para ella e infelizmente para o paiz. (Apoiados.)
Nas questões agricolas, como nas militares, abro um largo parenthesis á politica partidária, e estou prompto a defender e a votar quaesquer propostas, partam d'onde partirem, que tenham em vista, ou favorecer o desenvolvimento e bem estar da industria agricola, ou aperfeiçoar e elevar o nivel do exercito, que é o mais seguro esteio da nossa independencia.
E apesar de tudo, triste é dizei o, de entre as numerosas e despendiosas reformas dictatoriaes decretadas pelo sr. ministro das obras publicas, e pelos seus collegas no gabinete, nenhuma foi destinada a dar remedio aos males de que enferma a nossa agricultura.
Como muito bem disse o sr. Oliveira Martins, auctoridade valiosa, no assumpto, essas medida apenas tocaram a epiderme da questão social, ou mais exactamente, apenas serviram de pretexto para a nomeação de numerosos funccionarios, e para atulhar de empregados as secretarias do ministerio, sem que em nada melhorasse o viver agricola do paiz. (Apoiados.)
E é n'esta occasião em que tão acentuadamente se pronuncia a diminuição de valor da propriedade rural, que o governo quer á força fazer elevar o rendimento collectavel inscripto nas matrizes! (Apoiados.) É um facto averiguado que nos ultimos dez annos o valor da propriedade tende successivamente a decrescer. (Apoiados.)
Deus sabe até que ponto chegará a depreciação das terras sé os governos continuarem systematicamente a deixar no esquecimento ou a protelar indefinidamente a solução da questão agricola. (Apoiados.)
Os principaes productos do nosso solo, o vinho, os cereaes e o azeite têem soffrido uma diminuição de valor tal, que muitos lavradores deixaram já de se entregar ao cultivo das terras por não poderem tirar da sua industria uma remuneração regular. (Apoiados.)
Parece que os governos julgam, a olhar para a maneira por que sobrecarregam de impostos a agricultura, que as forças da terra e o seu trabalho de produzir não custam nada. (Apoiados.) Pois deveriam saber que o amanho das terras, que a exploração do solo, demanda o emprego de esforços e de capitães que representam mais de 50 a 60 por cento da receita bruta em annos favoraveis de novidade.
Pelas estatisticas que tenho presentes, vejo que o preço medio do trigo, que em 1882 era de 457 réis por decalitro, desceu o anno passado a 374 réis; que o preço do vinho passou de 600 a 350 réis por decalitro; e finalmente que o azeite vale menos 600 réis por decalitro do que valia em 1880. Ao mesmo tempo que isto acontece os salários têem-se elevado, lucta se com a falta de braços, e o governo vae pedindo mais impostos ao contribuinte. (Apoiados.)
Foram já para a mesa a fim de serem discutidas, ou acham-se nas commissões varias propostas do governo que augmentam os impostos em 2.500:000$000 réis, e muitos d'esses impostos vão inidir directamente sobre a agricultura, como teremos occasião de ver quando se discutir a reforma das pautas. (Apoiados.)
É necessario pois, que o sr. ministro das obras publicas empregue as suas altas faculdades e a grande energia que lhe attribuem, e que eu sou o primeiro a reconhecer, em fazer alguma cousa em beneficio da agricultura. Não peço muito.
Pelo que respeita aos cereaes, bastará que o sr. ministra das obras publicas traga ao parlamento uma proposta de lei, elevando rasoavelmente a taxa dos direitos de importação do trigo e das farinhas. E não fará mais do que seguir o exemplo da Hespanha, da França, da Austria Hungria e da Allemanha, nações bem mais adiantadas do que a nossa em sciencia agricola.
As rasões justificativas de uma tal medida são analogas às que determinaram o poder legislativo n'aquelles paizes, a recorrer a tal expediente, como indispensavel no momento actual, apesar das muitas rasões economicas, aliás de alto valor, que se apresentaram em contrario.
Com a protecção de que actualmente gosam os cereaes nacionaes é absolutamente impossivel, principalmente em terras de segunda classe, poder continuar a cultival-os.
Talvez o sr. ministro das obras publicas me diga que essas terras poderão ser destinadas a pastagens para engorda de gado. Mas a isso responderei que já os meus illustres collegas os srs. Teixeira de Vasconcellos e visconde da Torre, provaram exhuberantemente n'esta casa que as provincias do norte, (em que esta industria tinha condições excepcionaes para viver desafogadamente) luctam com uma terrivel crise proveniente da grande dimi-

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nuição que tem havido nos ultimos annos na exportação de gado vivo para Inglaterra.
Se o governo, em logar de crear julgados e negociar concordatas vergonhosas, procurasse alcançar que a Inglaterra levantasse a excommunhão com que fulminou a nossa exportação de gado, creia que bem mais teria merecido do paiz. Ao menos que sejam abolidos os direitos de exportação, e que se considere quanto possivel o projecto de lei do meu amigo o sr. Teixeira de Vasconcellos, que tem por fim minorar as penosas circumstancias em que se acham os creadores e engordadores de gado.
O sr. ministro das obras publicas, que tantas e tão despendiosas medidas decretou em dictadura, sem proveito para o paiz ; s. exa. que, com um traço de penna, transformou os institutos industriaes de Lisboa e Porto em verdadeiras universidades para as quaes despachou lentes pelo mesmo systema por que o sr. Marianno de Carvalho despacha guardas para a alfandega, bem poderia ter creado numerosas escolas praticas de agricultura onde se ensinasse, sem refolhos de sciencia balofa, o modo mais conveniente de amanhar as terras, de podar as vinhas, de fabricar os azeites, de preparar os vinhos segundo o paladar dos diversos mercados estrangeiros; podia ter pedido ao seu collega dos negocios estrangeiros que lhe fornecesse para estudar e meditar os luminosos relatorios em que alguns dos nossos consules tanto tem recommendado ao governo a maneira simples e economica de abrir novos mercados para os nossos productos agricolas, e sobretudo para o vinho, promovendo, com pequenissima despeza, modestas exposições temporarias ou permanentes d'esses productos nos principaes centros do consumo.
O anno de 1885 foi excepcionalissimo, não só na extraordinaria producção do vinho, mas tambem na boa qualidade d'este e na saida prompta e a preço altamente remunerador que encontrou, devido a um feliz concurso de circumstancias, que podem não repetir-se.
É necessario que o governo não durma, e trate de alcançar que novos mercados se abram para consumo deste importantissimo producto agricola, antes que se manifeste alguma crise de effeitos desastrosissimos. Não ha de ser quando a Argelia e a America começarem a inundar com os seus vinhos os mercados europeus que nós havemos de principiar a estudar a questão de lhes darmos facil saida.
Mas aos males que tenho apontado e com que lucta a agricultura vêem juntar-se outros, e não está infelizmente na mão dos estadistas o poder de os debellar.
A phylloxera e outros vários parasitas animaes e vegetaes têem ultimamente atacado os nossos vinhedos de uma maneira rapida e cruel.
Os lavradores luctam desesperadamente, na sua maioria pela salvação das vinhas, mas v. exa. comprehende que os tratamentos preventivos (os unicos em cuja verdadeira efficacia eu acredito) são deveras despendiosos, e que um grande numero de pequenos proprietarios não possuem os meios indispensaveis para encetarem a lucta, com vantagem, contra tantos males.
O capital que tão avida e sofregamente corre para os diversos syndicatos, para a divida fluctuante, para o jogo da bolsa, etc., só é accessivel aos lavradores por um juro elevadissimo, em extraordinaria desproporção com os lucros da industria agricola. Os governos, pela sua parte, só tratam de construir caminhos de ferro de necessidade problematica, estradas, portos artificiaes e mil outras obras mais ou menos urgentes, sem plano previamente concebido e perfeitamente estudado, deixando completamente ao abandono tudo que se refere á regularisação dos rios, á colmatagem, aos canaes de navegação e de irrigação, á hydraulica agricola, emfim. Os pântanos continuam envenenando a atemosphera com os seus miasmas; os campos a assoriarem-se e a alvercarem-se; e rios que poderiam ser um manancial abundantissimo de desenvolvimento de riqueza, tornam-se na maior parte das vezes um terrivel flagello para os proprietarios marginaes.
É muito bom construir estradas, caminhos de ferro, portos artificiaes, etc.; tudo isso é magnifico e o paiz num futuro mais ou menos remoto ha de tirar avultado juro do dinheiro que gastou com essas obras; mas o que é verdade é que a industria agricola está luctando com uma crise gravissima, que se acha sobrecarregada de impostos onerosissimos, tendendo sempre a crescerem, que vê fecharem-se aos seus productos a maior parte dos mercados, uns por circumstancias naturaes a que se não póde obviar, e outros por incuria e desleixo do governo; esta é a verdade. (Apoiados.)
Desejaria que o sr. ministro das obras publicas não quizesse inscrever o seu nome na longa lista d'aquelles que têem passado por essas cadeiras sem que apresentassem uma unica medida tendente a levantar a primeira industria d'este paiz, a industria agricola, da decadencia e do marasmo em que se acha. (Apoiados.)
Pergunto, portanto, a s. exa. se está resolvido a estudar convenientemente estas questões, a tomar em consideração as queixas e as representações dos lavradores, a attender e a pôr em pratica as medidas aconselhadas pelos nossos consules para facilitar a exportação dos nossos productos, a abrir exposições permanentes dos nossos vinhos, a favorecer quanto possivel a exportação d'esses vinhos, do azeite, da cortiça e do gado gordo, a mandar estabelecer no districto de Santarem, e nos demais centros agricolas de alguma importância escolas praticas de agricultura, sem grande luxo de sciencia, e de estados maiores, onde se ensinem praticamente aos lavradores os melhoramentos a introduzir no amanho das terras e na preparação dos estrumes, os processos aperfeiçoados da cultura, as sementeiras mais adequadas á natureza do terreno e às condições da localidade; o modo de preparar os vinhos, os azeites, etc., emfim todos os aperfeiçoamentos que possam ser immediatamente introduzidos, e com decidida vantagem, n'esta importantissima industria.
O que desejo e que s. exa. se resolva desde já a crear estas escolas, ainda que de começo sejam muito comesinhas e modestas.
Nas regiões vinicolas poder-se-iam limitar a ensinar aos lavradores e homens do campo a maneira de plantar, cultivar e tratar a vinha, e de applicar os remedios para os males a que está sujeita: de escolher as castas mais apropriadas, de empregar o systema de podar mais conveniente, de preparar os vinhos segundo os paladares dos mercados a que se destinassem, de os conservar e apresentar de um modo attrahente, etc.
Chamo, pois, a attenção de v. exa. para este importantissimo assumpto, e peço--lhe que applique uma parte da actividade, de que é capaz, como já tem demonstrado em outros negócios a seu cargo a accudir com remedios energicos á nossa agricultura, porque creia v. exa. que todos os beneficios que lhe dispensar serão largamente compensados. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes:-Muito bem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro):- O illustre deputado fez considerações muito sensatas a respeito do estado da nossa agricultura, considerações que, póde dizer-se, são hoje quasi unanimes na boca de todos os partidos; porque hoje quasi que todos somos mais ou menos pequenos proprietarios agricolas, todos temos mais ou menos interesses ligados á sorte da agricultura. (Apoiados.)
É verdade que a agricultura está em muito más circumstancias no nosso paiz, mas o que tambem é verdade é que essa crise agricola não existe só entre nós, não existe simplesmente no nosso paiz, dá-se actualmente em todos os paizes da Europa, o que prova que o mal é muito maior e que provém de causas geraes; que não estão dependen-

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tes do maior ou menor numero de cuidados que os governos empreguem para o debellar.
Todos os paizes da Europa se queixam da crise agricola por que estão passando e todos elles se queixam com fundamento o sendo assim, é porque ha tambem umas certas causas geraes, que não dependem da acção dos governos.
Ora a respeito da crise agricola citarei um pensamento que se reputa muito justo, do ministro da agricultura de França, pensamento que ainda é mais justo no nosso paiz, e é que aquelle estadista retribuo a crise agricola em França, principalmente (Apoiados.) diz ter-se visto obrigado trigo, porque a França não tinha o seguido o movimento scientifico da agricultura começado em 1789.
Ora o que é verdade é que a França está muito mais adiantada do que Portugal, e que por consequencia, se a causa do mal em França é realmente a falta de educação scientifica, nós com muita mais rasão, devemos applicar essa causa ao nosso paiz. (Apoiados.)
A respeito da protecção aos cereaes. Agora em França augmentou-se o direito de importação sobre o trigo, mas o que é verdade é que, apesar d'esse augmento, o direito sobre cereaes n'aquelle paiz fica ainda, inferior aos direitos que actualmente paga o trigo em Portugal.
A respeito do milho, quer v. exa. saber de onde provém o mau estado do milho? De duas causas.
1.ª Da diminuição do consumo, porque o trigo tem hoje mais consumo do que o milho, antigamente a alimentação de uma grande parte da populacho era feita com pão de milho, hoje já preferem o trigo, e effectivamente é mais vantajosa essa alimentação. Por outro lado a arca da producção do milho tem-se alargado...
Hoje a producção do milho em Portugal é maior do que era. Nas nossas condições agricolas não ha systema proteccionista que possa remediar esse mal.
No Porto ha fabricas de aguardente, que se alimentam principalmente de milho. Se s. exa. for examinar d'ondo provém a maior parte desse milho, verá que é nacional e não estrangeiro, e todavia os lavradores estão abarrotado de milho, cujo consumo tem diminuido em resultado da substituição d'elle pelo trigo na alimentação das classes populares, e do alargamento da cultura, que é superior ao nossas necessidades na justa proporção das outras culturas. Essa cultura faz--se geralmente em péssimas condições. S. exa., que conhece como eu, a provincia, sabe como se faz a cultura do milho e do trigo na maior parte dos terrenos ; empregam-se arados primitivos, que só revolvem a flor da terra, ou semeiam-se campos e montes, que só têem uma pequena camada de terra productiva.
D'ahi resulta ficar o milho e o trigo com raizes a 1 ou 2 decimetros, quando aliás podiam descer muito mais, se as terras fossem profundamente revolvidas. Assim, o cultivador obtendo milho apenas vinte eu trinta sementes nas torras más, quando em boas condições devia obter cem ou cento e vinte. Tudo isto provém, como digo, da falta de orientação scientifica.
S. exa. referiu-se tambem á questão dos gados.
Effectivamente a industria e engorda dos gados, entre nós, que era uma das principaes riquezas das provincias do norte, está hoje em grandissima decadencia, e uma das causas d'essa decadencia vem da invasão de gado gallego, o qual é creado em condições muito mais baratas do que o nosso. N'uma grande parte das terras do norte está-se vendendo hoje a carne de vacca e vitella para talho por preço abaixo de toda a remuneração. Sei de terras onde se está vendendo o kilo de vitella a 120 réis. Provém isto de duas causas. A primeira ter diminuido a nossa exportação, não por culpa nossa, nem de nenhum governo, mas principalmente pela invasão das carnes provenientes da America. Em segundo logar, por uma outra rasão. A Inglaterra, que era o nosso principal mercado, a despeito de todos os nossos esforços, exige que o gado de Portugal apenas lá chegue seja logo abatido. A consequencia necessaria é que o gado, logo que chega, tem de ser vendido immediatamente, não podendo por isso esperar melhoria de preço.
Foi esta uma das primeiras questões de que me occupei quando entrei para o ministerio.
O meu collega, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, tem feito reiterados esforços em favor da nossa causa, allegando que não havia rasão na exigencia por parte da Inglaterra, porque tinhamos uma policia sanitaria rigorosa e perfeitamente organisada para o nosso gado. A Inglaterra respondeu-nos que nós tinhamos uma policia sanitaria regular de gado, é certo, e que por isso podia estar tranquilla a este respeito; mas tendo nós aberto a nossa fronteira ao gado do reino vizinho, e não existindo em Hespanha essa policia nas mesmas condições, não podiamos responder pelo gado que exportâmos.
E sabe a camara a quem pertence essa responsabilidade? Ao partido regenerador, que estabeleceu a liberdade de importação no tratado de commercio com a Hespanha.
(Interrupção.)
O illustre deputado sabe que a Galliza tem pastos abundantissimos, e que nós no Minho não temos uma tão larga area de pastagens; d aqui resulta que as nossas provincias do norte são invadidas pelo gado da Galliza, que é produzido em condições com que os nossos lavradores não podem luctar.
O sr. Avellar Machado: - O gado que vem de Hespanha é magro, vem para a engorda.
O Orador: - Está enganado. O gado antes vinha para a engorda, mas agora vem já gordo.
Ora, desde que a fronteira está aberta e que a producção na Gailiza se faz em condições mais baratas e mais faceis do que em Portugal, a nossa própria industria tende a desapparecer e ser substituida pela industria estrangeira. E isto provém do tratado de commercio feito com a Hespanda, que não é da responsabilidade nem do governo, nem do partido progressista. (Apoiados.)
Tambem o illustre deputado se referiu á creação de escolas praticas ...
O sr. Avellar Machado : - E exposições permanentes.
O Orador: - Eu não sei como o illustre deputado concilia as duas idéas de não augmentar o pessoal e crear escolas. (Apoiados.)
Se eu tenho augmentado o pessoal, é porque alguns institutos têem requerido que as escolas funccionem.
Já estão trabalhos começados para escolas agricolas na Regua e em Faro, e para a escola vinicola na Bairrada, e vae começar a escola central agricola em Coimbra.
A parte scientifica da agricultura, de que depende a sua tal ou qual regeneração, está sendo desenvolvida, mas não se póde fazer tudo de um dia para o outro. (Apoiados.)
O que eu affirmo, é que não descanso um dia sobre este importante assumpto; e quando o partido do illustre deputado estiver no poder, hei de apoial-o em qualquer medida que elle apresente para melhorar a agricultura, porque eu, nestas questões, hei de sempre ser consciencioso e independente, porque entendo que estas questões de agricultura devem estar sempre fora das paixões partidarias. (Apoiados.)
(O orador não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)
O sr. Avellar Machado: - Comquanto me não satisfizessem completamente algumas das considerações do sr. ministro das obras publicas, agradeço-lhe a sua resposta, a sua boa vontade e zelo, e espero que continuará a empregar os seus esforços para só conseguir alguma cousa em bem da agricultura.
O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Pedi a palavra para,

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mandar para a mesa uma representação do engenheiro Marianno Augusto Machado de Faria e Maia, na qual se queixa de uma injustiça flagrante, que lhe foi feita na sua collocação no quadro dos engenheiros civis pelo decreto de 28 de outubro ultimo.
Chamo a attenção do sr. ministro das obras publicas para este assumpto, e peço a s. exa. que faça a justiça que é devida.
Este engenheiro queixa-se de que, na classificação da engenheria, foi collocado em classe inferior áquella a que tinha direito pelas habilitações scientificas, serviços e antiguidade.
Nos seus estudos da universidade obteve, nos 1.º, 2.º e 3.º annos de mathematica, distincções, e no 4.º anno teve o accessit.
No 1.º anno da faculdade de philosophia alcançou um premio, e foi classificado distincto na 3.ª cadeira.
Na classificação por mérito relativo, feita no 3.° anno do seu curso, foi classificado em 1.ª classe.
Em maio de 18G9 foi collocado na engenheria civil, e despachado engenheiro subalterno da repartição de obras publicas do districto de Ponta Delgada, cargo que exerceu até 19 de setembro de 1869, com responsabilidade igual á dos primeiros engenheiros de repartições districtaes.
Durante este tempo, alem do serviço districtal, desempenhou uma importante commissão no ministerio das obras publicas.
Desde agosto de 1870 até julho de 1872 esteve encarregado da direcção interina das obras do porto artificial de Ponta Delgada, a convite da junta administrativa daquellas obras, e com a approvação do governo.
Por portaria de 21 de junho de 1872 foi nomeado chefe de secção das mesmas obras, cargo em que serviu até 19 de setembro de 1879.
N'esta data foi nomeado director das obras do porto artificial e das obras publicas do districto de Ponta Delgada, e exerceu estes cargos até 2 de abril de 1881, em que foi exonerado por motivos alheios ás suas funcções, e mesmo na exoneração lhe foram classificados os seus trabalhos como muito distinctos.
Em agosto de 1883 foi despachado membro da quarta commissão de estudo dos pharoes, e por portaria de 3 de novembro do mesmo anno nomeado director das obras publicas do districto do Funchal, cargo que deixou de exercer por circumstancias que lhe eram particulares, e a seu pedido foi collocado na commissão de pesos e medidas, que ao presente serve.
Este engenheiro, depois de ter exercido commissões tão importantes, que desempenhou com louvor e approvação, foi classificado na 4.ª classe, ao passo que condiscipulos seus foram classificados na 1.ª classe, o que mostra que, na classificação que ultimamente lhe foi dada, houve injustiça flagrante.
No seu requerimento diz esse engenheiro:
«Confrontem-se as qualificações scientificas dos engenheiros civis João Anastácio de Carvalho e João Carlos de Almeida Machado com as do requerente, e a graduação d'aquelles seus condiscipulos, hoje engenheiros addidos da 1.ª classe, com a d'elle, engenheiro effectivo de 4.ª classe, e ver-se-ha que tal classificação não se harmonisa com a importância e qualificação das habilitações de cada um.»
Durante estas commissões elaborou relatorios e projectos de grande merecimento, de entre estes o do porto de abrigo, actualmente em construcção na Madeira, que foram bem qualificados e mereceram a approvação da junta consultiva de obras publicas; e de uma memória publicada num dos numeros da Revista de obras - publicas consta o modo por que exerceu a commissão das obras do porto artificial de Ponta Delgada, durante onze annos que n'ellas serviu.
Não quero cansar mais a attenção da camará. Parece-me ter dito o sufficiente a respeito do merito deste engenheiro, e ter ficado bem clara a injustiça que se lhe fez; classificando-o em 4.ª classe, depois de cerca de dezoito annos de serviços importantes nas obras publicas.
Pedia, pois, ao sr. ministro das obras publicas, que tomasse em attenção a situação d'este engenheiro, certo da sua boa vontade em fazer justiça a quem a merecer, e que, pelos muitos afazeres do elevado cargo, que occupa, difficil lhe teria sido conhecer com exactidão as circumstancias peculiares a cada um dos empregados do seu ministerio.
Approveito a occasião para mandar para a mesa uma justificação das faltas que dei nos dias 20 e 21 do corrente.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - O requerimento que o illustre deputado enviou para a mesa já me tinha sido remettido por outra via.
Devo dizer ao illustre deputado as rasões que tive para manter a classificação desse engenheiro. Tenho esse engenheiro como um talento muito distincto; mas essa qualidade póde dizer-se que é predominante em todos os engenheiros; hoje quando se falla de um engenheiro diz-se-distincto engenheiro. Effectivamente áquella classe não se sobe sem se ter qualidades excepcionaes de intelligencia. Ora o serviço é que varia. E eu estimo muito que o illustre deputado citasse os engenheiros que ficaram classificados em 1.ª classe.
O sr. João Anastacio de Carvalho foi classificado em 1.ª classe, porque desde o principio da sua carreira tem andado nas commissões mais trabalhosas e importantes da engenheria; tem sido director de estudos de caminhos de ferro, de construcções de caminhos de ferro, de estradas, tem andado nos trabalhos mais difficeis, tem corrido montes e valles, emquanto o illustre engenheiro, para quem s. exa. pediu a minha benevolência, tem estado quasi sempre na sua casa, tem estado no meio da sua familia, e ultimamente esteve n'uma commissão, como o illustre deputado sabe, e sabe toda a gente, que é insignificante, a de inspector de pesos e medidas. E eu faltaria á justiça se classificasse no mesmo pé um engenheiro que tem estado quieto, ao pé da familia, empregado em trabalhos de muito menos importancia...
O sr. Hintze Ribeiro: - Exerceu o logar de director das obras publicas em Ponta Delgada.
O Orador: - E melhor não fatiarmos na direcção das obras publicas de Ponta Delgada.
O sr. Sousa e Silva: - Peço a palavra.
O Orador: - Não me refiro a esse engenheiro; refiro-me a todos que lá têem estado.
Eu sempre entendi que devia nivellar os engenheiros, não só pelos seus merecimentos, mas tambem pelos seus serviços; e classificando o sr. João Anastácio de Carvalho em 1.ª classe, não podia deixar de collocar o sr. Maia na 4.ª Eu classifiquei na 4.ª classe todos os engenheiros que estavam nas mesmas condições; e ha dois mais antigos que o sr. Marianno Maia que estavam nos pesos e medidas que foram classificados em 4.ª classe.
O sr. Hintze Ribeiro: - Ha justamente um engenheiro nas mesmas condições em que elle está e que foi classificado na 3.ª classe. É o sr. Almeida d'Eça.
O Orador: - Não posso dizer agora com certeza o que ha a esse respeito.
(Ápartes.)
Dizem-me d'aqui do lado que é um dos mais antigos e que ficando classificado na 3.ª classe ficou addido.
Vê-se n'esse caso que a differença entre um e outro póde ser de tres numeros apenas.
Posso ter feito, sem o querer, uma injustiça, mas o que nenhum sr. deputado póde dizer é que eu me decidisse pelas influencias politicas quanto á classificação da engenheria. (Apoiados.)
Se alguns saltos houve na classificação que se fez, esses saltos favoreceram individuos pertencentes ao partido regenerador.
Póde ser que não fizesse uma classificação perfeita, por-

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que a infallibilidade não é das cousas humanas, mas o que eu procurei foi ser justo. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem alguns papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Sousa e Silva: - Desejo que se lance na acta a declaração de que eu pedi a palavra quando o sr. ministro das obras publicas se referiu ao ex-director das obras publicas do districto de Ponta Delgada.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 98 sobre construcção de estradas

O sr. Pereira dos Santos (sobre a ordem): - Segundo as praxes regimentaes, começo por ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
Antes de entrar propriamente na justificação da minha moção, é para mim muito grato cumprir o dever de cortezia de responder ao illustre deputado que me precedeu no debate, seguindo as considerações que por s. exa. foram expendidas ácerca d'este projecto, na ultima sessão.
Folgo immensamente que a ordem da inscripção me deixe a faculdade de fallar em seguida ao illustre deputado.
Já durante o nosso convivio intimo e muito particular, de muitos annos, eu tive a honra de por muitas vezes cruzar os meus argumentos com os de s. exa., embora fosse de ordinario em assumptos muitos menos importantes e quasi sempre bem mais agradaveis do que este, e em todas essas discussões eu tive occasião de reconhecer os levantadissimos dotes que caracterisam o notavel talento do illustre deputado.
Em todo o caso nunca poderia dar-lhe uma demonstração de apreço de um talento que tivesse tanto valor como dando-a d'este logar.
Por isso repito que folguei immenso que me pertencesse a palavra depois de s. exa.
Agora vou, como disse, responder às considerações do illustre relator; e, para isso, vou seguindo a par e passo a argumentação de s. exa.
Principiou o illustre deputado por estranhar que deste lado da camara se atacasse mais a proposta do governo e o seu relatório do que o projecto das commissões reunidas.
A estranheza do illustre relator não me parece muito rasoavel.
A proposta do governo e o seu relatório fazem parte do relatorio de fazenda, e este documento é não só para o parlamento portuguez, mas para os parlamentos de todas as nações, um dos mais importantes, senão o mais importante, que costuma ser apresentado á sua consideração.
O relatorio de fazenda é o documento em que o governo descreve o estado da fazenda publica e define o seu plano financeiro. É o documento em que apresenta as medidas tendentes a regularisar ou melhorar a situação financeira do paiz.
É o documento que era esperado com anciedade por todo o paiz e fóra d'elle desde que se abriu o parlamento; é um documento, que está sendo discutido não só em todo o Portugal mas ainda na imprensa estrangeira, não é estranhavel que se aprecie aqui, e muito pelo contrario é n'este logar que mais rasão ha para que elle seja apreciado e discutido.
O relatorio de fazenda foi escripto e é dirigido para os representantes da nação, e por isso todas as observações no sentido de o apreciar, tem perfeito cabimento aqui e nesta discussão!
Portanto a estranheza do illustre deputado não tem nada de rasoavel, e se alguma estranheza póde haver n'esta questão é a de que o governo se não tenha levantado ainda a dar explicações.
Fazem-se incriminações deste lado da camara ao relatório de fazenda por ter alguns erros, e até um d'elles foi claramente corrigido pelas commissões reunidas de obras publicas e fazenda.
Foi o periodo da amortisação, que se augmentou com mais dez annos no projecto das commissões. Ora notando-se deste lado da camara a existencia de erros n'essa parte do relatorio, o que eu julgara natural e rasoavel é que alguem do governo se levantasse immediatamente a dizer-nos que esses erros não existem e que, o que lá está escripto é puramente a verdade; porque se torna indispensavel que em questões com a importancia d'esta, e quando se fazem apreciações desta ordem, se possa levantar immediatamente qualquer membro do governo a sustentar o que assignou, porque emquanto o não fizerem nós estamos no plenissimo direito de dizer, que, sendo os calculos arithmeticos do mesmo relatório menos exactos, tambem as conclusões que d'elle derivam são inteiramente falsas, o que é triste para um documento d'esta ordem! (Apoiados.)
É para notar este facto, que já se tem repetido mais de uma vez ácerca das propostas que o governo tem apresentado n'esta sessão á consideração do parlamento.
Na primeira proposta que era relativa á pauta, notou-se desde logo um erro, que foi corrigido na camara alta pelo sr. ministro da fazenda; em seguida veiu um projecto insignificante na essencia pelos resultados e pelos encargos que produz, relativo á camara municipal do Porto, e logo depois veiu o projecto actual, que é importantíssimo pelo assumpto de que trata e pelos encargos que produz.
Pois n'este projecto ha erros que se reconheceram e que foram corrigidos nas commissões reunidas de fazenda e de obras publicas, e ha outros que foram já apontados por este lado da camara. Eu entendo que o governo tem stricta obrigação de se defender destas accusações ao relatorio de fazenda, tanto mais que, acabando de fazer uma tão larga dictadura, se não defende, não póde tambem desviar a suspeita de que muitos desses projectos de decreto que foram presentes á sancção real talvez não fossem convertidos em decretos com força de lei se os erros que provavelmente teriam tambem fossem corregidos como deviam ser! (Apoiados.)
Um outro facto noto eu tambem, sr. presidente, ao entrar na discussão d'este projecto; é que, sendo elle o primeiro projecto de alguma importancia que vem á discussão parlamentar, depois de ter sido submettido á apreciação da commissão, foi ali remodelado e reformado quasi completamente.
Ainda bem, sr. presidente, que enofim o governo pode chegar a reconhecer que a cooperação das commissões e da camara é em todos os casos indispensavel e importante!
É bom que se saiba que no primeiro projecto de alguma importância que se apresentou á consideração do parlamento, são tão profundas as alterações n'elle introduzidas pelas commissões, que quasi renovaram toda a proposta de lei apresentada pelo governo.
Agora vou entrar mais particularmente na critica das considerações feitas na sessão anterior pelo illustrado relator da commissão o sr. Eduardo Villaça.
Vou entrar n'uma discussão do genero d'aquellas que em geral não são agradaveis para a camara. Eu sei de ha muito tempo, que os discursos em que se falla muito em numeros não podem prender demasiadamente a attenção; e estas observações têem agora mais rasão de ser, porque é certo que a camara está acostumada a discursos muito brilhantes de oradores notaveis como são os que têem durante as ultimas sessões revelado aqui os seus dotes oratorios tão levantados e superiores.
Não podem ser assim os discursos que mais immediatamente se baseiam em apreciações technicas, e por isso

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nunca são tão interessantes como os que se referem a assumptos doutrinarios, ou sobre questões politicas. Em todo o caso, ha uma verdade que é tambem inquestionavel, e é que, se estes discursos não podem ser interessantes, pelo lado thetorico ou oratorio, comtudo não são menos interessantes para o apuramento da verdade. Nas discussões desta natureza chega se á verdade, com mais rigor e com mais certeza, do que em qualquer discussão relativa a assumptos doutrinarios. (Apoiados.)
Também declaro a v. exa., que não vou fazer agora calculos novos. Já se têem referido tantos numeros, tantos calculos, n'esta questão, que eu não julgo conveniente vir fatigar ainda acamara com calculos novos. Nem preciso fazel-o, para responder às considerações apresentadas pelo illustre relator do parecer. Vou limitar-me quasi exclusivamente a fazer a analyse e a critica das observações apresentadas por s. exa. sobre este assumpto.
No relatorio de fazenda declara-se que a proposta de lei que foi submettida á consideração das duas commissões reunidas, de obras publicas e de fazenda, dava uma economia na construcção das estradas, de 6.000:000$000 réis approximadamente, e que dava ao mesmo tempo uma reducção considerabilissima no periodo da construcção das mesmas estradas, relativamente aos processos actuaes. A base donde se derivaram estas consequencias foi a seguinte. Tomou-se o preço médio da construcção de todas as estradas reaes do paiz, desde 1870 até junho de 1886, e deduziu-se o preço médio kilometrico de 6:020$000 réis.
Deduziu-se o preço de todas as estradas districtaes construídas durante um certo periodo, preço que foi fixado em 3.370:000$000 réis. Multiplicou-se o preço kilometrico medio, por que têem ficado as estradas reaes, pelo numero de kilometros a construir, e fez-se o mesmo quanto ás estradas districtaes. Sommando estes productos concluiu-se o preço em que importaria a construcção de todas as estradas reaes e districtaes do paiz, segundo os processos actuaes. Em seguida tomou-se o preço kilometrico de réis 4:500$000 réis adoptado na proposta do governo, para a construcção das estradas reaes; multiplicou-se pelo numero de kilometros a construir, e deduziu-se assim o custo da construcção das estradas reaes, segundo o novo systema.
Tomou-se o preço de 3:000$000 réis, proposto para a adjudicação das estradas districtaes, multiplicou-se pelo numero das estradas desta ordem a construir e deduziu-se que a somma d'este producto com o anterior, representará o despendio total a effectuar com a constituição das estradas reaes e districtaes no paiz.
Subtrahiu-se este custo da construcção assim calculado do custo da construcção anteriormente calculado para o caso do systema que tem sido seguido, e disse-se que a differença representa a economia do projecto actual.
Tudo isto seria verdadeiro, se os dois numeros a que se chegou representassem quantidades perfeitamente homogeneas. Não aconteceu, porém, assim. Nos preços de réis 6.020$000 e 3:370$000 réis está incluido o custo de todas as obras de arte, de valor superior a 12:000$000 réis; nos preços de 4:500$000 réis e 3:000$000 réis adoptados para base da adjudicação na proposta do governo, não se comprehende o custo das obras de arte de valor superior a 12:000$000 réis.
Estas considerações, que eu faço, respondem ás do illustre relator, que dizia que n'aquelles preços, de 4:500$000 réis e 3:000$000 réis, estavam comprehendidos o preço das obras de arte, de valer superior a 12:000$000 réis.
O sr. relator diz que o valor d'estas obras está incluido n'aquelles preços; eu digo que não está.
Se não estão incluidos é claro que a economia em que só falla não é verdadeira.
Tudo se resume, pois, em primeiro logar, em saber se effectivamente, segundo o pensamento do governo, nos preços de adjudicação que queria adoptar como base, se comprehende ou não comprehende, o preço das obras de arte de valor superior a 12:000$000 réis.
É unicamente uma questão de interpretação; e essa interpretação póde fazer-se, lendo-se o que está escripto na proposta do governo. Não ha nada mais racional nem mais legitimo. (Apoiados.)
Ora, vejamos o que está escripto na proposta do governo:
«Artigo 3.º As empreitadas serão sempre compostas por estradas completas ou por grandes lanços, não podendo a adjudicação ser feita por mais de 4:500$000 réis cada kilometro para as estradas reaes, cujas condições technicas sejam as da lei de 15 de julho de 1862, nem por mais de 3.000$000 réis para todas as outras.
«§ 1.º Exceptuam-se dos preços fixados n'este artigo, as obras de arte, cujo orçamento exceda 12:000$000 réis.
Então se se exceptuam dos preços fixados, as obras de arte de valor superior a 12:000$000 réis, como é que estão comprehendidas n'aquelles preços?
Não ha hermeneutica grammatical nenhuma, que possa sustentar que nestes preços de 4:500$000 e 3:6003000 réis estão comprehendidas as obras de arte de valor superior a 12:000$000 réis. (Apoiados.)
Mas se isto não é precisamente a verdade, se esta hermeneutica ainda não póde satisfazer, eu vou soccorrer-me a outra que não póde ser suspeita, que é a hermeneutica do sr. Marianno de Carvalho, relator do projecto de 1880, comparando-a com a hermeneutica do mesmo sr. Marianno de Carvalho, ministro da fazenda em 1887.
Vejamos a redacção em 1880.
No projecto de lei sujeito á apreciação do parlamento em 1880, e de que era relator o sr. Marianno de Carvalho, dizia-se:
«Artigo 3.º Sendo a construcção feita por empreza ou empreitada geral não poderá o governo contratai a por preço superior a 4:500$000 réis, incluindo as despezas com estudos.
«§ 1.º Exceptuam-se do preço fixado n'este artigo as obras de arte cujo orçamento exceda 12:000$000 réis.»
Precisamente as mesmas palavras.
Agora vamos a ver o relatorio das propostas de fazenda a que se referia este projecto de lei do sr. Marianno de Carvalho em 1880, e procuremos ahi a interpretação para as palavras anteriores.
Diz esse relatorio que, computando-se ao preço de réis 4:500$000 o custo kilometrico da adjudicação das estradas a construir se gastaria a verba de 7.600:000$000 réis, mas o sr. Saraiva de Carvalho pedia auctorisação para contrahir um emprestimo de 9.000:000$000 réis e dizia:
«A differença para 9.000:000$000 réis será para occorrer a obras de arte excepcionaes ou a quaesquer outros casos imprevistos.»
Então se elle pedia mais 1.400:000$000 réis para obras de arte e despezas imprevistas, estavam as obras de arte incluidas no preço total 7.600:000$000 réis, ou (o que é o mesmo) no preço de 4:500$000 réis que pedia para a base da adjudicação?
Se a redacção é precisamente a mesma como é que nos preços de 4:500$000 réis e de 3:600$000 réis, estão comprehendidas as obras de custo excedente a 12:000$000 réis?
Os calculos do relatorio de fazenda estão manifestamente errados, e a economia dos 6.000:000$000 réis é perfeitamente imaginaria.
Mas o sr. relator sente que nós discutamos de mais a proposta do governo, e pede-nos que attendamos especialmente ao projecto de lei.
Ora vejamos:
Se no projecto do governo, estão nos preços de 4:500$000 e 3:600$000 réis comprehendidas as pontes, então as modificações feitas na proposta do governo pelas illustres commissões são de tal natureza que até chegaram a reduzir no preço kilometrico uma quantia importantíssima, como é

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o preço das pontes. Mas se são estes incluidos nos preços, então as conclusões a que chegou o sr. Villaça não têem fundamento nem verdade alguma.
Vejamos qual é a redacção do projecto de lei:
«Artigo 3.º As empreitadas serão sempre compostas por estradas completas, por zonas ou por grandes lanços. A media do preço kilometrico em cada uma d'essas grandes empreitadas não poderá ser superior a 3:600$000 réis.»

«§ 3.º Exceptuam-se dos preços fixados neste artigo as obras de arte, cujo orçamento exceda 12:000$000 réis.»
Estão ou não estão pois incluidos os preços das obras de arte! Não percebo que haja hermeneutica que possa conduzir á interpellação seguinte:
«Quando se exceptua um elemento de qualquer quantidade, quer se dizer que o cimento exceptuado, do mesmo modo lá fica na mesma quantidade. (Apoiados.)
Verdade seja, que o sr. Villaça para se defender disse ainda que n'aquelles preços são comprehendidas as obras de arte superiores a 12:000$000 réis, só para o effeito da organisação geral do plano de construcções, para o facto da constituição da rede, mas que não estão comprehendidos para o preço da construcção.
Ora na verdade! O illustre deputado, educado ha tanto tempo, e tão bem, no estudo das sciencias exactas, mathematico distincto, e que ainda hoje continua na sua educação essencialmente positiva, como distincto chefe de uma repartição de estatistica, se por acaso tivesse a intenção de exceptuar o preço das pontes só para um effeito e não para outro, punha porventura aqui uma excepção em absoluto e não dizia mais nada? E porventura, e sobretudo redigia assim um projecto em cuja defeza havia de fazer a sua estreia parlamentar, e que tão cuidadosamente viu, a ponto de introduzir importantes modificações na proposta do governo? (Apoiados.)
Vê-se, pois, que tudo quanto s. exa. disse na interpretação da letra do projecto foi precisamente forçado pela necessidade de uma defeza difficil e ingrata. Não foi mais do que um modo de procurar satisfazer forçadamente ao encargo honrosissimo de relator deste importante projecto, encargo que lhe foi confiado com toda a justiça pelas commissões de fazenda e obras publicas reunidas. O que é verdade é que s. exa. esteve forçando interpretações pela necessidade imperiosa de ter de defender a proposta e o parecer.
Retomemos agora as considerações feitas e vamos a criticar em especial as observações feitas pelo sr. Pedro Victor Sequeira, e a resposta dada pelo sr. Eduardo Villaça.
A base da argumentação adduzida pelo sr. Pedro Victor Sequeira começa assim:
«As estradas reaes e districtaes de bojo em diante terão o typo n.º 4, segundo está expresso no projecto das commissões e na proposta do governo.»
É bom que saibamos que para a construcção das estradas reaes estava determinado por portaria de 1862 que haveria quatro typos diversos de estradas; um typo de estradas de 8 metros de largura, outro de 7m,40, outro de 6m,60 e outro de 6 metros.
As estradas reaes têem sido até hoje construídas com tres typos diversos: umas com 8 metros de largura, outras com 7, outras com 6m,60. O ultimo typo de estrada real construida é de 6m,60.
Continuava o sr. Pedro Victor dizendo que agora se vão fazer as estradas reaes precisamente nas mesmas condições technicas das estradas districtaes, por isso que as estradas reaes, como as districtaes, terão todas a largura de 6 metros e as condições de rampas e curvas perfeitamente identicas.
Dizia mais o sr. Pedro Victor que, sendo perfeitamente identicas as condições technicas, o preço a estabelecer, para a construcção das estradas reaes seria o mesmo que para a construcção das estradas districtaes.
Tomando o preço por que tem ficado a construcção de estradas districtaes de 3:376$000 réis, indicado no relatorio de fazenda, e partindo desta base, depois do tomar o numero de kilometros de estradas reaes e districtaes a construir e de multiplicar o numero obtido pelo preço kilometrico de construcção, determinava o preço total da construcção, mesmo com pontes, visto dever suppor-se da leitura do relatorio da proposta do governo que no preço de 3:376$000 réis se comprehendia o preço das pontes.
Passo já á resposta do sr. Eduardo Villaça.
Disse s. exa. que as estradas reaes custarão mais caro que as districtaes, e insistia para os seus cálculos em tomar para custo das estradas reaes o preço de 6:020$000 réis.
Disse s. exa.:
«As estradas reaes têem custado até hoje 6:020$000 réis, e este numero é exacto, porque a sua exactidão resulta da seguinte consideração: Para se alcançar o preço de 6:020$000 réis, tomou-se um grande numero de elementos durante muitos annos, e deduziu-se a media, que seria forçosamente muito mais rigorosa e exacta, do que se fosse deduzida n'um periodo mais curto e que conseguintemente comprehendesse menor numero de elementos.»
Este principio, permitta-me o illustre deputado que lh'o observe, não é exacto para o caso sujeito. Em assumpto de estradas reaes, quanto mais longe nós formos procurar os elementos, tanto mais se afastará a media obtida do preço que deve servir de base para a adjudicação das futuras estradas. A rasão d'esta verdade é facil de perceber. Toda a gente sabe, que as estradas reaes primeiro construidas foram muitissimo mais caras do que as ultimas estradas, por motivos de ordem variadissima.
Primeiro: a escolha de traçados. Quem não vê ainda hoje nas estradas antigas os traçados inconvenientes, que se não praticariam hoje?
Nem isto desdoura em nada o merecimento nem o valor dos illustrados engenheiros, que fizeram os estudos dessas estradas; o paiz pagou, como todos os paizes pagam, em obras desta natureza, as despezas da aprendizagem. (Apoiados.) Ainda hoje não ha nada mais importante para a economia de uma construcção, quer ella seja de um caminho de ferro, quer seja de uma estrada, como a boa escolha do respectivo traçado. Póde na construcção de um caminho de ferro ou de uma estrada fazer-se uma economia ou reducção de custo importante fazendo descer o preço do material ou da mão de obra, mas nada poderá tornar a construcção tão barata como uma boa e rigorosa escolha do traçado respectivo. (Apoiados.)
Em segundo logar, temos a circumstancía das larguras. Póde tornar-se como media para o calculo o preço de réis 6:020$000, que se refere a estradas da largura de 8 metros, de 7m,60 e de 6m,60, quando vamos fazer estradas simplesmente com a largura de 6 metros?!
Em terceiro logar, é necessario ter presente que as primeiras estradas foram construidas com obras de arte grandiosas, de vão muito superior ao que era estrictamente necessario para uma vasão sufficiente; e alem d'isso vemos a cada passo pontes caríssimas que já se não empregam hoje, muros de supporte perfeitamente inuteis, etc.
D'isto resulta pois: primeiro, que o principio avocado pelo illustre deputado não é verdadeiro; segundo, que ao contrario d'esse principio, o preço médio que deduzirmos será tanto mais approximado do preço verdadeiro por que ficará o custo das estradas, quanto os elementos se referirem a um periodo mais proximo.
Ora eu vou soccorrer-me a elementos mais modernos e conseguintemente mais proximos da verdade.
As construcções têem sido muitissimo mais economicas e vamos ver qual é o preço porque no ultimo tempo têem ficado as estradas reaes do paiz.

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É forçoso que eu declare já que duvido tanto do preço de 6:020$000 réis, que se diz que foi deduzido da media de diversos elementos, como duvido da maior parte dos calculos que estão feitos na proposta do governo.
Eu tenho rasões indirectas para duvidar, visto que este numero vem indicado num relatorio em que se contem erros, como o do periodo da amortisação que foi corrigido pelas commissões e vários outros como o erro de uma divisão quando se trata das estradas insulanas; pois este ultimo é d'aquelles que nem sequer resistem a um segundo de apreciação!
E entendo e julgo que é perfeitamente censuravel que, num documento como é o relatório de fazenda, se apresentem cálculos donde se pretende derivar uma economia de 6.000:000$000 réis, fundando-se esses calculos em elementos que não estão perfeitamente correctos.
Também tenho, rasões directas, e digo as que tenho, para não acreditar no preço de 6:020$000 réis.
Soccorro me ainda á auctoridade do sr. Saraiva de Carvalho, que não póde ser suspeita para ninguém desse lado da camara.
O sr. Saraiva de Carvalho dizia na sua proposta de lei que o preço da construcção das estradas com pontes, desde 1870 até 1879 era de 5:253$000 réis.
Veja-se que differença, para o preço de 6:020$000 réis que a proposta de lei diz ter sido deduzida para o período de 1870 a 1886!
Verdade seja que o preço do sr. Saraiva de Carvalho foi deduzido para o periodo entre 1870 a 1879, e nós poderíamos ter, em todo o caso, uma construcção, desde 1879 até 1886, em que o acréscimo da despeza se tornasse de tal modo grande que fosse sufficiente para elevar a media de todos os anteriores, desde 1870 a 1879, em proximamente 800$000 réis, dando ainda, para este e para os immediatos até 1886, um custo médio de 6:020$000 réis.
A que preço, extraordinariamente elevado, teria então ficado a construcção de 1879 a 1886!
A construcção de 1879 a 1886 não foi tão cara como poderia deprehender-se do relatorio da fazenda, e nem foi mesmo mais cara que em 1870 a 1878, e eu digo isto deduzindo-o, não de documentos que me tenham vindo do ministerio, que nem pedi, porque sei a sorte que teria. (Apoiados.)
Eu pedi alguns documentos ao governo, logo no principio d'esta sessão, mas ainda estou á espera d'elles.
Mas, na impossibilidade de alcançar elementos do governo, soccorri-me a outros que têem auctoridade scientifica, e que sobretudo não têem pequeno valor porque vem de uma corporação muito respeitavel, como é a associação dos engenheiros civis portuguezes, de que o illustre relator da commissão foi um distincto secretario e, demais, os dados que vem na Revista de obras publicas, que é a publicação d'aquella corporação, são extrahidos de documentos provenientes do ministerio das obras publicas.
Deduz-se dali que, de 1877 a 1886, se construíram 1:261 kilometros de estradas reaes, estando em construcção 171 kilometros em 1877 e 267 kilometros em 1886.
Ora, para se calcular a despeza media com estas obras, é necessario ser-se mais correcto do que o foi a proposta do governo. Basta ser-se tão correcto como foi o sr. Saraiva de Carvalho.
Nos calculos da proposta do governo toma-se como despeza a effectuar por inteiro, a de muitos kilometros que já estão em construcção, como se o custo dos kilometros em que tem de começar-se a construcção fosse igual ao d'aquelles que estão já em construcção mais ou menos adiantada.
Como já disse, não foi assim que calculou o sr. Saraiva de Carvalho; s. exa. calculou como eu agora faço; partiu do principio, que mais se approxima da verdade, que metade dos kilometros que estão em trabalhos estariam em principio de construcção e outra metade próximos da conclusão, e addicionou ao preço dos kilometros a construir de novo metade do preço total d'aquelles que já estão em construcção.
Ora fazendo estes calculos, e tendo em consideração os kilometros em construcção em 1877 e os kilometros em construcção era 1886, teriamos o total de 1:309 kilometros construidos desde 1877 até 1886.
A despeza effectuada com estas obras não vem indicada na revista de obras publicas e minas, mas encontra-se no proprio relatorio da fazenda, onde se encontram todas as despezas feitas com estradas reaes desde 1877 até 1886.
E é de notar que essas verbas importantissimas, em que não ouvi fallar, e que não está na proposta, nem no projecto, nem em parte alguma: são as grandes reparações, que já hoje tem uma percentagem consideravel na dotação das estradas.
Sommando os dados do relatorio de fazenda encontra-se gasto em estradas desde 1877 até 1886 6.500:000$000
O numero de kilometros de entradas reaes construidas, já dissemos que foi de 1:309; portanto a despeza media de construcção nas estradas reaes entre 1877 e 1886 foi de 4:962$000 réis ou approximadamente de 5:000$000 réis por kilometro.
Já s. exa. vê que, fundando-me eu em elementos de tanta auctoridade como os do sr. Saraiva de Carvalho, e em elementos de tanta probidade scientifica como são os deduzidos da Revista de obras publicas, eu posso afoutamente afirmar que o preço de 6:020$000 réis não é exacto; e direi mais que só deve tomar-se o preço de réis 5:000$000 que representa o preço de construcção n'um periodo moderno, notando-se que n'este preço está incluído o valor das obras de arte. de custo superior a 12:000$000 réis.
É forçoso, porém declarar que o preço de 5:000$000 réis a que chegámos não póde de fórma alguma tomar se para base de adjudicação e que para se descer até aos preços, que deveriam ser incluidos no projecto, é indispensavel fazer reducções importantes.
A primeira das reducções a fazer é relativa ao custo das pontes Para as pontes a reducção que faço não é a que vem indicada na proposta de fazenda, porque esta se refere a um periodo atrazado de construcção; mas faço-a ainda, tendo em attenção o que se encontra estabelecido na proposta do sr. Saraiva de Carvalho, que, como continuo a dizer, deve ser perfeitamente insuspeito para a maioria da camara.
Eu digo tambem que o custo das obras de arte importante será tão grande na construcção das estradas reaes, como na das estradas districtaes.
E verdade que hontem dizia o illustre deputado, o sr. relator, que nas estradas districtaes a despeza das obras de arte ha de ser em geral muito menor do que nas estradas reaes.
Eu não posso comprehender a rasão dessa affirmação, embora s. exa. a apoie nos seus dados estatisticos, em que eu confio muito. Mas os dados estatísticos nada provam em favor do illustre deputado, por esta simples rasão, que é inteiramente verdadeira, é que em geral nos districtos não têem sido ainda construidas as grandes obras de arte na execução das estradas districtaes.
Em geral nos districtos as obras de pontes para a passagem dos grandes rios, não têem sido construídas até hoje.
Nós vemos, por exemplo, no districto de Coimbra, que as estradas districtaes terminam junto de uma das margens do Mondego, e começam do outro lado, sendo a passagem no rio feita por barcos. Resulta, pois, que vamos ter agora a despeza de uma verba ainda mais avultada com a construcção das pontes, porque temos de fazer todas aquellas que os districtos deixaram de construir, e que são importantissimas. N'uma direcção de obras publicas onde eu servi, tive a meu cargo a construcção das estradas n.ºs 60 e 60-A, em cada uma das quaes se ha de fazer uma ponte

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sobre o Mondego, não estando por emquanto nenhuma projectada.
Estas grandes pontes, em geral, não se faziam pela simples rasão de que os districtos, não podendo dispor de largas sommas para a construcção das suas estradas, preferiam applicar o producto dos addicionaes á construcção de novos lanços, a ir applical-o á construcção de grandes pontes, em logares onde se podia operar a passagem por meio de barcos.
Portanto, no preço dos 5:000$000 réis tenho de fazer em primeiro logar a reducção do custo das pontes, e não posso fazer reducção inferior á que corresponde às estradas reaes, e tenho tambem de fazer a reducção relativa á despeza das grandes reparações, que até agora não têem sido consideradas por ninguem.
Para isso soccorro-me novamente á opinião auctorisadissima do sr. Saraiva de Carvalho.
Dizia s. exa. que, sendo o preço da adjudicação de todas as obras de 7:600$000 réis, pedia ao credito para a realisação da sua proposta de lei 9.000:000$000 réis, sendo a differença para satisfazer á construcção das pontes e despezas imprevistas.
E agora é forçoso responder ao sr. relator do projecto, quando queria argumentar em favor d'elle com a declaração de que o partido regenerador tinha votado em 1880 o projecto do sr. Saraiva de Carvalho. O que eu digo é que esse projecto nas suas disposições geraes era incomparavelmente melhor do que este; nos seus calculos e em tudo era muitissimo preferivel. (Apoiados.)
Lá estará claramente expressa a differença de 7:600$000 réis para 9.000:000$000 réis, a fim de se poder satisfazer á construcção das obras de pontes e aos encargos de grandes reparações, porque para as pequenas reparações ha verba especial no orçamento. Deduzindo doestes preços a relação respectiva, encontrámos a proporção de 18 por cento, que é a reducção que deve operar-se no preço dos 5:000$000 réis para alcançarmos o preço verdadeiro por que têem sido construidas ultimamente as estradas reaes com a dedução das pontes.
Chegâmos assim a 4:100$000 réis, que é o preço por que desde 1877 até 1886 têem sido feita as obras de terraplenagens, expropriações e obras de arte correntes, o empedrado, que são as despezas que devem ser comprehendidas na base da licitação a tomar agora.
Poder-se-ha porém tomar para base de adjudicação o preço de 4:100$000 réis sem novas correcções?
Seguramente que não; por quanto tem a industria particular construido estas estradas?
Por estes 4:100$000 réis? De certo que não. Destes 4:100$000 réis comprehendem-se todas as despezas feitas com o pessoal menor da administração e fiscalisação, e este preço refere-se a uma largura de estrada muito superior á largura que de ora avante se empregará.
N'esses 4:100$000 réis comprehendiam-se todas as despezas feitas com o pessoal de administração das estradas, com os conductores auxiliares, com os apontadores, com os apparelhadores, com os olheiros, que todos eram pagos á custa das obras; comprehendiam-se tambem todas as despezas de secretaria e de expediente, e todas as despezas de instrumentos, e isto tudo junto representa uma verba importantissima no custo das estradas! Vou daqui a pouco dizer em quanto essas despezas importavam, e se for esse preço de 4:100$000 réis a que eu já cheguei com as devidas correcções, se podem tomar as despezas de expropriação e o custo das obras de terraplenagem e de empedrado e das obras de arte correntes! Não é de maneira nenhuma esse o preço por que os empreiteiros têem tomado as estradas, ou aquelle por que a industria particular as têem até hoje construidos; pois só esse preço que representa o custo pago aos empreiteiros, é que póde admittir-se como base para a licitação.
Tudo quanto não seja isto corresponde a dar aos empreiteiros lucros superiores áquelles que elles têem tido agora.
É indispensavel, portanto, fazer no preço de 4:100$000 réis as correcções devidas ás despezas de administração, e em segundo logar, as que são devidas á diminuição da largura das estradas.
Calculo primeiramente a correcção devida á reducção de largura.
Supponho que desde 1877 até 1880, que é o periodo a que me reporto, não têem sido feitas estradas senão pelo typo n.º 3, com a largura de 6m,60. É crivel que n'este periodo algumas tenham sido construídas com maior largura, mas n'este caso eu argumentaria em hypothese que não era favoravel para as minhas considerações. Agora passamos a construir estradas com a largura de 6 metros. Ha pois uma reducção, e eu digo que a reducção de largura, é muito proximamente proporcional á reducção de despeza na construcção.
Desde que seja reduzida a largura, desce proporcionalmente a despeza de expropriação, como a do empedrado, como a de terraplenagem, só nas obras de arte correntes é que se não guardará completamente a proporcioríalidade por causa dos muros de ala. Mas a não ser esta alteração, que é de si pequenissima a reducção na despeza de construcção é perfeitamente proporcional á largura de estrada; logo se 4:100$000 réis é o preço por que têem sido construidas as estradas do typo n.º 3 de 6m,60, é indispensavel fazer-se a reducção de 0m,10 para se obter o preço da estrada de 6 metros só. (Apoiados.)
E d'aqui se deriva que em vez de 4:100$000 réis ternos de abater 410$000 réis a este preço para alcançarmos o custo das estradas que vamos construir com 6 metros de largura, salvas as correcções ainda a fazer nas despezas de administração.
Vamos emfim procurar quaes sejam estas despezas de administração, para alcançarmos o preço pelo qual a industria particular poderá construir as novas estradas reaes e districtaes.
Nos orçamentos das estradas feitos até hoje, estava incluída uma percentagem de 10 por cento do valor total d'esses orçamentos para despezas de administração. Mas essa percentagem de 10 por cento sobre a verba orçamental não chegava para estas despezas, porque, embora as empreitadas se não adjudicassem por preços superiores aos orçamentos, vinham os orçamentos supplementares, que eram em geral provenientes do excesso das despezas de administração.
As despezas de administração eram muito superiores a 10 por cento do custo total das obras, e nos ultimos tempos não só era superior a 10 por cento, mas mesmo a 15 por cento. Basta fazer um simples calculo, para nos convencermos inteiramente disso. Se tivermos n'um lanço de 5 kilometros, apenas um conductor, um apparelhador e um olheiro para a respectiva fiscalisação, chegâmos a despender annualmente só com este pessoal a quantia de 550$000 réis.
Supponhamos que a estrada custará 20:000$000 réis, e que a sua dotação animal será de 4:000$000 réis, que é uma quantia muito superior às dotações ultimamente concedidas. Neste caso aquella verba de 550$000 réis corresponde á despeza de administração por kilometro de estradas; e esta verba de 550$000 réis, corresponde, approximadamente, a 15 por cento de 4:100$000 réis.
E é de notar que no calculo d'aquella percentagem não alludi a despezas importantes, como são as de expediente de secretaria, bagageiras, a conductores, instrumentos, etc., sendo por consequencia a despeza de 15 por cento consideravelmente diminuta.
Logo, o preço por que tem ficado a obra que se projecta adjudicar por 3:600$000 réis, no projecto das commissões que se projectava adjudicar por 4:500$000 e 3:000$000 réis na proposta do governo, só póde ser o preço de réis

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4:100$000 com a dedução dos 410$000 réis relativos á largura e dos 15 por cento ou 605$000 relativos ás despezas de administração, ficando assim reduzido aquelle preço a 3:085$000 réis.
Póde dizer-se, e a resposta é natural, que d'aqui em diante não haverá fiscalisação tão rigorosa nas estradas, e eu digo que ha de ser muito sensivelmente a mesma que tem havido até agora, a não ser que vamos fazer, como ultimamente se tem praticado, (embora com risco menos grave) para a construcção dos caminhos de ferro, onde a fiscalisação do governo tem sido insufficientissima. Mas isto, que é já um erro grave em questão de caminhos de ferro, não póde admittir-se em construcção de estradas; porque, nos caminhos de ferro, as companhias é que exploram depois e, estando fixadas as despezas de exploração nos respectivos contratos, resulta que o acrescimo ou diminuição na despeza de reparações, ficam inteiramente a cargo das companhias, que são pois directamente interessadas em construir bem.
Mas com relação ás estradas, se não tivermos na construcção uma fiscalisação severa e muito rigorosa, ellas não satisfarão ao fim para que foram destinadas, (Apoiados.) porque, passado pouco tempo estão completamente deterioradas. (Apoiados.)
E indispensavel fazer sensiveis despezas de administração ou fiscalisação. Havemos de ter os apparelhadores para fiscalisar a construcção das obras de arte, e os olheiros para fiscalisar a terraplanagem, e os conductores como chefes de lanço, etc.; e daqui resulta que o preço de reis 3:085$000, que é aquelle por que a industria particular poderá construir as obras que têem de ser adjudicadas, é o unico que legitimamente poderá ser tomado para base de licitação, embora de facto as estradas custem mais, porque ha a addicionar o preço da fiscalisação do governo e o das pontes, d'onde resultam as despezas que sempre ficam a cargo do governo.
É bom frisar bem este ponto.
Eu não quero que ninguém se assuste com a suspeita de que o preço da construcção póde ficar reduzido para uma estrada de 6 metros de largura a 3:085$000 réis, ou com a idéa errada de que as estradas reaes se tenham feito por este preço.
Estas estradas têem custado mais do que isso. No respectivo custo tem-se incluido as despezas da fiscalisação, que sempre ficam a cargo do governo e as estradas tem sido construidas com largura superior á que vamos adoptar; e no preço a que cheguei deduzi, como era justo, o custo das obras de arte excedentes a 12:000$000 réis.
O que digo é que o preço por que se tem construido o lanço de 6m,60 é de 4:100$000 réis, afóra o custo das obras de arte. Este preço não póde ser adoptado como base para a adjudicação, porque é necessario deduzir as despezas feitas com a administração e as relativas á reducção da largura; e só se póde admittir, para base de adjudicação o preço de 3:085$6000 réis, correspondente aquelle por que a industria particular tem feito trabalhos equivalentes aos que se vão adjudicar.
Ora, desde que nós chegámos a esta conclusão: primeira que nos preços de 4:500$000 e 3:000$000 réis da proposta do governo, e que no preço de 3:600$000 réis do projecto das commissões, não está comprehendido o preço das obras de arte de valor excedente a 12:000$000 réis; segunda, que a adjudicação das estradas de 6m,0 sem as pontes não deve ser feita por um preço superior a 3:085$000 réis, quando o projecto das commissões indica o preço de 3:600$000 réis, conclue-se que não ha economia de 6.000:000$000 réis, em que nos falla a proposta do governo, mas que, ao contrario, ha um acrescimo muito importante de despeza com a adopção do projecto actual. (Apoiados.)
Relativamente ao custo das obras, ainda vou fazer outras considerações em resposta ao illustre relator.
S. exa., em assumpto de economias, foi ainda muito adiante das conclusões a que chegou o sr. ministro da fazenda na justificação da sua proposta de lei.
S. exa. chegou á economia de 11.000:000$000 réis. Isto é o maximo até onde se póde ir!
E não admira: o illustre deputado fez-nos a sua profissão de fé politica na ultima sessão, e por essa occasião quiz-se mostrar ainda mais amoroso para o projecto do que o próprio governo. Era natural; foi procurar ainda mais economias, e chegou até 11.000:000$000 réis no fim de dezoito annos!
Vamos a ver a maneira como o illustre deputado formulou os seus calculos para chegar a esse resultado em que de certo nunca pensaria, se não fossem as circumstancias difficeis em que se encontrava para defender a proposta do governo e o seu projecto.
S. exa. calculou os encargos successivos do emprestimo de 10.000:000$000 réis, que de ora avante virão descriptos no orçamento do estado, e primeiramente comparou esses encargos com as verbas que o governo até agora empregava na construcção de estradas reaes e subsidios de estradas districtaes.
Ora, é de notar que estas ultimas verbas vinham descriptas no orçamento extraordinario do estado, emquanto que os encargos do emprestimo de 16.000:000$000 réis virão descriptos no orçamento ordinario.
Resulta, pois, que o illustre deputado começou a comparar as verbas realisadas ou a realisar no orçamento extraordinario, e que são pagas como receitas extraordinarias, para a realisação das quaes o governo recorre ao credito, com os encargos do emprestimo que tem a effectuar por este projecto.
É necessario ter bem presente que o governo, para obter as verbas que até agora applicava para a construcção das estradas reaes, e em subsidios para as estradas districtaes, recorria ao credito, como agora vae recorrer, para alcançal-os 16.000:000$000 réis annuaes.
Só podem comparar-se os encargos de um emprestimo com os encargos de outro emprestimo.
Comparar, como o illustre deputado fez, as quantias realizadas n'um emprestimo com os encargos de outro emprestimo, é para se chegar ás mais extraordinarias conclusões.
Até aqui, para a construcção de estradas reaes e subsidios para estradas districtaes, empregavam-se 1.100:000$000 réis; daqui em diante applicam-se 1.600:000$000 réis, e tanto umas como outras verbas vão ser procuradas ao credito.
N'estas circumstancias não podemos senão comparar encargos de um emprestimo com encargos de outro emprestimo, e não se fazendo isto, embora venham os juros compostos a que s. exa. reccorreu, seja qual for o periodo em que se faça a comparação das economias (e muitas fez o illustre deputado), chegaremos com certeza sempre a conclusões muito extraordinarias.
O que realmente me admira é que com calculos desta natureza, o illustre deputado só chegasse á economia de 11.000:000$000 réis, no fim de dezoito annos!
Outro ponto que tem entrado no assumpto d'esta discussão refere-se ao periodo da construcção. Levantou-o o sr. Pedro Victor e respondeu-lhe o sr. Villaça.
O periodo depende essencialmente do preço da construcção. Se a verba annual a empregar e constante e se sustentamos que os preços kilometricos pódem ser muito reduzidos, é claro que a construcção das estradas se póde fazer n'um periodo muitissimo mais curto do que o que está indicado na proposta do governo.
Mas, para apreciarmos sempre as conclusões da proposta do governo, vamos continuar a responder lhe com as conclusões do sr. Saraiva de Carvalho.
O sr. Saraiva de Carvalho dizia que para se construirem 1:265 kilometros, seria necessario um periodo de doze a treze auüos? pelo svstema antigo; agora, pela proposta do

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governo, entende-se que serão precisos vinte e dois annos para construir 1:309 kilometros.
Para se construirem mais 44 kilometros seria preciso nada menos do que a differença de dez annos. Tudo isto deriva do excessivo preço kilometrico que foi adoptado e que é um preço falso.
Segundo os dados da Revista de obras publicas, as estradas reaes que temos a fazer, em vez de exigirem um periodo de construcção de vinte e dois annos, poder-se-íam construir em pouco mais de doze annos.
Eu quero agora derivar já uma conclusão que me ha de servir para o seguimento d'esta discussão, e que e que este projecto de lei tem como consequencia o adiamento da construcção das estradas reaes á custa do maior desenvolvimento das estradas districtaes.
Agora vejamos as outras considerações que fez o sr. Pedro Victor, que parece não lograram ter resposta da parte do illustre deputado relator.
Para calcular as verbas que de ora em diante poderiam ser applicadas na construcção das estradas reaes e districtaes, o sr. Pedro Victor addicionou ás verbas que no orçamento extraordinario têem vindo designadas para construcção de estradas reaes e subsidios a estradas districtaes, aquella que actualmente vem designada no orçamento geral do estado, e que é pedida aos districtos, como compensação dos serviços que passaram d'estes para o estado, depois das convenientes correcções.
Para a construcção das estradas reaes o governo applicava até hoje 754:000$000 réis, indicados no orçamento extraordinario, e subsidiava a construcção das estradas districtaes com a verba approximada de 300:000$000 réis, que tambem vinha descripta no orçamento extraordinario.
D'aqui em diante póde applicar á construcção das districtaes, não só os subsidios do governo, mas ainda a verba que provém do lançamento nos districtos de addicionaes ás contribuições geraes do estado.
Como calculou o governo esses addicionaes?
Eu vou referir-me a uma questão que particularmente se relaciona com assumptos que hão de entrar na discussão do bill. Estamos a discutir um projecto de lei, que se funda em disposições das leis ultimamente decretadas em dictadura, a respeito das quaes o governo ainda não tratou de adquirir do parlamento o bill que o releve da responsabilidade em que incorreu.
Por causa da falta de ordem, que era indispensavel seguir nas discussões parlamentares, eu vejo-me forçado a fazer diversas considerações que presuppõem a approvação da lei dictatorial da reforma da engenheria. Diz-se ali que d'aqui em diante será o governo quem construirá as estradas districtaes, e para isso foi encorporada no orçamento do estado uma quantia que se diz ser equivalente ao que estavam pagando os districtos para a sua viação districtal.
A verba descripta no orçamento foi mal calculada, e este ponto é importantissimo.
Como se procedeu ao calculo d'esse addicional pedido para compensação?
Vejamos. Eram pouquissimos os districtos que podiam construir directamente com o producto dos addicionaes que tinham lançado sobre as contribuições, se por acaso algum podia construir; e a rasão é simples de comprehender, porque esses addicionaes eram quasi exclusivamente applicados ao pagamento dos encargos dos emprestimos contrahidos sobre a viação, e para pagamento das despezas de conservação e policia de estradas. (Apoiados.)
Agora vou ver qual é a verba que está encorporada no orçamento geral do estado, como compensação dos addicionaes que os districtos lançavam, e quaes são as verbas que continuam ainda a cargo dos districtos.
O orçamento descreve a verba de 557:000$000 réis, dos quaes ha a deduzir a verba para os tribunaes administrativos, ficando, portanto, reduzida a 514:000$000 réis, d'onde ternos ainda a descontar as despezas com os serviços florestaes e de secretaria de obras publicas, visto que tudo passou para cargo do estado.
Feitas estas deducções, chegâmos a esta conclusão: que se vão pedir aos districtos 390:000$000 réis para a construcção de novas estradas, e para a policia e conservação das estradas construidas.
No orçamento geral do estado, visto que passou para o estado a conservação das estradas districtaes, inscreveu-se o addiccional de 90:000$000 réis para policia e conservação d'estas estradas.
Noto de passagem que é diminutissimo este addicional de 90:000$000 réis para a conservação das estradas districtaes pelo motivo seguinte:
Até aqui estavam no orçamento 320:000$000 réis para policia e conservação das estradas reaes, correspondendo por isso a verba de cerca de 60$000 réis para a conservação de cada kilometro de estrada real.
Fazendo-se o calculo, vê-se que, para que a policia e conservação das estradas districtaes fossem bem feitas, seria preciso que aquella verba de 90:000$000 réis fosse elevada a 172:000$000 réis.
Mas, continuando na ordem de considerações anteriores, vemos que o governo vae pedir aos districtos a verba de 390:000$000 réis para a construcção de estradas novas, e para a policia e conservação das antigas, quando, com aquella verba, esses districtos só pagavam os encargos dos emprestimos contrahidos, e as despezas do policia e conservação; e, de facto, se vou ver os orçamentos districtaes para 1887, reconheço que ainda ficaram a cargo dos districtos todos os encargos dos emprestimos relativos á viação.
Pedem-se, pois, aos districtos os 390:000$000 réis para construcção, policia e conservação das estradas, e elles continuam pagando, com addicionaes lançados pelas juntas geraes, os encargos dos emprestimos que tinham contrahido para viação. Logo, os districtos ficam a pagar muito mais do que até aqui pagavam. (Apoiados.)
Isto é que me parece que não póde ser.
Esta é a conclusão a que eu chego.
Se já era um principio injusto, perfeitamente iniquo, que os districtos que mais caminharam no sentido do adiantamento da sua viação, que tinham pago com addicionaes elevados a construcção das suas obras, ficassema pagar as obras dos districtos onde nunca houve impulso para a viação, onde nunca se procurou desenvolver a construcção de estradas, mais injusto ainda é que fiquem duplamente sobrecarregados, porque, alem de ficarem pagando como todos os outros, ainda ficam pagando os encargos dos emprestimos que lhes foi necessario levantar para as estradas. (Apoiados.)
D'aqui resulta que este projecto na essência, o que traz é tirar aos districtos mais uma verba de 300 e tantos contos, para ser inscripta nas receitas ordinarias do estado.
O que se deduz de tudo isto é que este projecto não procura senão satisfazer a um expediente financeiro; não é senão unica e exclusivamente um projecto de occasião.
Este projecto tem por fim pedir aos districtos mais 300 e tantos contos.
Como expediente financeiro é magnifico. Tiram-se aos districtos 300:000$000 réis annuaes e nos primeiros annos só se gastarão 93:000$000 réis no primeiro anno, réis 196:000$000 no segundo e 300:000$000 réis approximadamente no terceiro.
Como não haviam de melhorar as condições do orçamento e do thesouro?
Pois vão-se buscar a mais 300:000$000 réis aos districtos e só se pagam, nos tres primeiros annos, encargos que são menores do que aquella verba! (Apoiados.)
E agora é de notar-se que se as estradas, pedindo-se a mais estes 300:000$000 réis aos districtos, se poderiam construir pelos antigos processos com grande impulso, este projecto em todo o caso dará um impulso mais sensivel á viação, porque alem das estradas que agora forem classifi-

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cadas, ainda virá o parlamento augmentar consideravelmente o numero das estradas a construir nos dezoito annos a que se refere o projecto de lei.
Sr. presidente, eu vou entrar propriamente agora no assumpto relativo á minha moção, e serei tão breve quanto podér na sua justificação, visto que mo sinto bastante cansado.
Dizia-nos hontem o illustrado relator, o sr. Villaça, que este projecto era summamente conveniente porque se conseguia realisar por elle no periodo de dezoito annos um desenvolvimento e progresso consideraveis nas condições economicas do paiz.
Dizia s. exa. que a viação ordinaria estava muito atrazada quando comparada com a viação nos outros paizes; notando todavia ao mesmo tempo que o estado da viação accelerada em Portugal estava tambem muito atrazada em comparação com este género de viação n'outras nações.
Eu sou dos que sustentam, com convicção, que é absolutamente necessario promover um grande desenvolvimento nas forças productivas da nação, e que é dever nosso procurar fomentar um grande desenvolvimento económico no paiz, para assim podermos saír da situação financeira pouco lisonjeira em que nos encontrâmos. Nós temos uma capitação de dividas que é superior á de quasi todos, senão todos os paizes da Europa, e a divida publica representa uma percentagem que é elevadissima do capital da nação; é, pois, indispensavel caminharmos no sentido do nosso desenvolvimento economico; mas é necessario que o façamos com muita prudencia e com muita segurança.
Era precisamente isto o que dizia hontem o sr. Villaça; e é partindo dos mesmos principies que eu rejeito o projecto que o illustre deputado defende.
É indispensavel saber se o projecto, que está sujeito á discussão da camara, corresponde ou na o a um levantado interesse economico, e se a approvação d'elle não compro metterá a execução das obras mais uteis e urgentes.
Eu digo que não corresponde, e receio que elle, em vez de promover grande progresso na economia social, vá ao contrario prejudicar a construcção de outras obras indispensaveis, que é necessario e urgente encetar, para que o paiz adquira o estado de prosperidade que lhe é preciso adquirir.
As estradas executadas no nosso paiz estão principalmente construidas nas regiões onde abundam a fertilidade, a producção e a população; estão construidas com sensivel desenvolvimento nas regiões do litoral e no Minho.
Onde falta a viação ordinaria é no Alemtejo, é em parte de Traz os Montes, é finalmente nas regiões que se estendem pelo lado leste do nosso paiz.
Ora, eu digo que nas regiões onde não ha população, onde falta a actividade, onde escasseia a producção, as estradas não podem ser poderosos agentes do progresso economico, não podem corresponder a um elevado interesse nacional.
As estradas que temos a construir não affectarão tão sensivelmente a economia da nação, como aquellas que têem sido construidas até hoje.
E como a minha opinião não possa ter subida auctoridade, eu cito, para me apoiar, uma das opiniões mais auctorisadas, que se póde invocar, de um dos talentos mais notaveis d'esta terra, é a opinião do sr. Oliveira Martins. N'um projecto que ha pouco tempo ainda s. exa. apresentou á consideração do parlamento, lê-se o seguinte:
(Leu.)
Eu não podia dizer isto com tanta eloquencia, nem com a millesima parte de auctoridade com que s. exa. o diz.
Ora, eu pergunto: no estado actual das finanças publicas, e quando este projecto tem principalmente por fim attender ao desenvolvimento das estradas districtaes, mesmo á custa das estradas reaes (como ha pouco demonstrei) ; quando as estradas districtaes, a construir ficarão principalmente nas regiões do Alemtejo, onde a população especifica é apenas de 7 a 8 habitantes por kilometro quadrado; onde n'uma área, que é a terça parte da superficie continental do paiz, ha uma população pouco maior do que a de Lisboa, porque não passa de 300:000 habitantes; onde não ha producção, onde não ha actividade, onde não ha progresso agricola algum; onde os elementos escasseiam inteiramente, por uma detestavel constituição da propriedade, pela falta completa de agua para irrigações, pelo estado deploravel e pouco adiantado em que se encontra a arborisação n'aquella região; pergunto eu, se em taes circumstancias, este projecto corresponde de facto a um desenvolvimento e progresso importante na vida economica da nação?
Tenho ouvido dizer, e hontem repetiu uma serie de vezes o illustre deputado o sr. Villaça, que este projecto é absolutamente necessario, porque é indispensavel que façamos progredir a agricultura nacional.
Umas poucas de vezes s. exa. citou a vantagem para os progressos da agricultura nacional, que quer fazer sobresaír notavelmente com o emprego de 28.000:000i$000 réis, que tanta é a despeza total que este projecto occasiona, na construcção mais rapida das estradas districtaes.
Mas eu continuo a dizer, na minha ordem de idéas: é indispensavel muita viação para a Bélgica, porque lá ha fertilidade; é indispensavel muita viação, especialmente onde se podem desenvolver as forças productivas, onde ha elementos que possam sujeitar-se a uma actividade util e proveitosa.
Mas em regiões como o Alemtejo, onde a constituição da propriedade é detestavel, onde ha falta de irrigação, onde falta a arborisação, onde ha todos estes defeitos incompativeis com um conveniente progresso agricola, qual é o grande interesse económico, que resultará de um excepcional desenvolvimento de viação districtal?
Eu já uma vez li, na discussão sobre o caminho de ferro do Alemtejo, o que então se dizia sobre as vantagens d'esse caminho de ferro.
Era elle, sobretudo, indispensavel, porque com a sua construcção começariam desde logo a constituir-se as aldeias, as villas e nem sei mesmo se até as cidades, em volta das estações da via férrea!
Pois apesar de tantas esperanças, o caminho de ferro fez-se, e não deu durante muito tempo nem mesmo um rendimento bruto sufficiente para compensar as despezas da sua exploração, e a actividade económica manteve-se proximamente como estava.
Não quero dizer com isto que o caminho de ferro fosse inutil.
Os caminhos de ferro não são unicamente instrumentos de rendimento bruto; têem uma funcção muito mais importante no desenvolvimento da riqueza nacional; e são muitas vezes uteis para o paiz as proprias linhas férreas que nem chegam a compensar as despezas da exploração.
O que quero fazer sentir é que o caminho de ferro não exerceu um consideravel effeito sobre a prosperidade das regiões transtaganas quando terminava em logares sem actividade ou producção.
E, se as estradas, n'estas condições, não são valiosos instrumentos de prosperidade economica, é rasoavel pensar se, votando nós uma serie de despezas enormes com estas obras, não iremos comprometter a realisação de outras obras mais necessarias e muito mais importantes para o paiz. Não podemos pensar simplesmente em fazer estradas, porque ha muito que fazer no paiz, em diversos outros melhoramentos materiaes.
Dizia ante-hontem o illustre relator que nós estávamos muito atrazados em viação ordinaria e em viação accelerada.
Mas s. exa. esqueceu-se de dizer-nos, que em viação accelerada estamos muito mais atrazados ainda do que em viação ordinaria; e o illustre deputado sabe-o muito me-

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lhor do que eu, porque, sendo chefe da repartição de estatistica, deve lá ter todos os elementos precisos.
E, se em caminhos de ferro estamos muito mais atraza dos, como havemos de comprometter com um grande desenvolvimento das estradas, cujos encargos se tornarão cada vez maiores, as obras dos caminhos de ferro, que são mais urgentes e proveitosas?
Não devemos lançar-nos absolutamente no caminho de promover melhoramentos, que tenham um pequeno interesse economico, quando com isso podemos compromettei outras obras, que são absolutamente indispensaveis, e que podem ter uma influencia muito mais efficaz no regimen da economia nacional. (Apoiados.)
Mas este projecto parecia que devia ligar se ao plano economico do actual governo, ou pelo menos do illustre ministro das obras publicas.
S. exa., cuja pasta é a ultima na ordem hierarchica eu na ordem da antiguidade, mas que é talvez a primeira pela importancia dos assumptos que lhe são afferentes, o sr. ministro das obras publicas, que tem a seu cargo a direcção geral dos assumptos commerciaes, a protecção superior ao desenvolvimento das industrias, a quem compete patrocinar e dirigir superiormente a agricultura do paiz, a quem compete ao mesmo tempo o desenvolvimento da viação e a communicação dos pensamentos pelos correios e pelos meios accelerados; o sr. ministro das obras publicas, que reune em si, finalmente, a direcção superior de tudo quanto póde concorrer para o desenvolvimento economico do paiz, precisava apresentar-se aqui com um plano economico perfeitamente definido e claro, e que desse bem a entender qual era o seu modo de sentir sobre a maneira de fazer progredir economicamente a nação. Mas, o que encontro eu todavia no procedimento de s. exa.?
Subindo ao poder, começou por desviar das direcções de obras publicas, onde se estudam e construem estradas, um grande numero de engenheiros e conductores, porque julgava que elles não eram ali necessarios, e mandava-os fazer estudos de caminhos de ferro, onde não havia plano nenhum approvado, onde não estão escolhidas as directrizes, onde não está absolutamente nada definido ou determinado.
Em vista d'isto, convergindo todas as attenções de s. exa. no sentido de estudos de caminhos de ferro, parecia natural que s. exa. teria por fim appresentar-nos do preferencia n'este anno quaesquer projectos relativos a caminhos dê ferro, e não um projecto para a construcção das estradas. Pois succedeu exactamente o contrario. S. exa. apresentou-nos um projecto com o fim de desenvolver sensivelmente a viação ordinaria do paiz, e não nos apresentou uma unica medida relativa a caminhos de ferro.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Ainda não estão feitos os estudos.
O Orador: - Tambem não estavam feitos os estudos em França, quando em 1878 o sr. de Freycinet apresentou á camara o pedido de approvação do plano da rede geral complementar dos caminhos de ferro. É isto que eu entendo que é indispensavel fazer desde já no nosso paiz, porque em minha opinião, no estudo d'estes elementos importantes da prosperidade publica, nós andâmos no caminho mais desastrado, que é possivel imaginar.
Vemos, por exemplo, o illustre ministro das obras publicas mandar n'um dia fazer os estudos do caminho de ferro de Vizeu para Chaves, que nunca foi considerado em rede alguma do paiz dentro das que foram estudadas na associação dos engenheiros civis, ou em qualquer outra parte, e passado pouco tempo mandar estudar uma variante de Vizeu para Recarei, como; se o caminho de ferro tivesse de satisfazer á condição de ligar Vizeu com a região do Tâmega, ou antes á de ligar Vizeu com a cidade do Porto. Vemos s. exa. num dia mandar estudar a continuação de um caminho de ferro do Corgo a ligar com a cidade de Vizeu, e ao mesmo tempo decretar o estudo de um prolongamente eventual para Villa Franca das Naves, como sem saber se o caminho de ferro é para satisfazer á condição de servir o commercio regional de parte do districto de Vizeu, ou se elle ha de ter o caracter mais geral de operar a ligação da rede transmontana com a linha da Beira Alta. Umas vezes os caminhos de ferro são estudados para via larga, outras vezes para via estreita, quando se não mandam estudar para as duas hypotheses!
Umas vezes fazendo-se estudos n'uma direcção e outras n'outra. (Apoiados.) E assim successivamente. Isto é o que se chama caminhar sem plano, nem ordem. Sua regra, seu pensamento fixo, é andar perfeitamente ao acaso.
É exactamente por isso que eu entendo que a primeira cousa indispensavel é o que o sr. ministro das obras publicas traga ao parlamento um plano da rede dos caminhos de ferro portuguezes, e que faça concordar com elle a rede da viação ordinaria; e depois de nos mostrar quaes são os caminhos de ferro que temos a fazer e os encargos que elles nos trarão, mostre-nos tambem então que póde caminhar no sentido de fazer progredir e dar um grande impulso á viação ordinaria. (Apoiados.)
É demais, como ha de decretar uma rede de viação ordinaria, que depende essencialmente de uma rede de viação accelerada, sem previamente ter feito approvar esta? (Apoiados.)
E, em todo o caso não seria preciso muito tempo para s. exa. apresentar um plano da rede geral complementar dos caminhos de ferro, como ainda não ha muito tempo foi estabelecida em França. N'esse paiz apresentou-se ao parlamento o plano da rede, depois de um estudo previo que não foi superior a tres mezes!
Acho pouco proprio que para a constituição da rede das estradas ordinarias seja necessario, como se dispõe neste projecto de lei, que sejam ouvidas as juntas geraes dos districtos e a junta consultiva de obras publicas, e que para o delineamento e classificação dos caminhos de ferro baste o arbitrio de s. exa., que inventou ás redes do norte e do sul do paiz, em que constantemente nos está fallando nas suas portarias, sem que para esse estudo e delineamento nem sequer ouça ajunta consultiva de obras publicas, nem nenhum dos corpos administrativos. (Apoiados.)
Sob o ponto de vista da viação accelerada, o nosso atrazo é dos mais significativos. Nós possuimos simplesmente 1 kilometro de caminho de ferro por cada 59 kilometros quadrados de superficie, quando na Allemauha 1 kilometro de viação corresponde simplesmente a 14 kilometros quadrados de área, na França a 16,3 kilometros, na Inglaterra a 15,8 kilomeiros e na Belgica a 6,7 kilometros.
Temos em exploração apenas 1:500 kilometros de caminho de ferro, e só depois de construidos todos os que já foram contratados é que possuiremos uma rede de 2:000 kilometros.
Entretanto já em 1877 a associação dos engenheiros civis, estudando a viação accelarada no paiz, estabelecia uma rede de 3:600 kilometros.
Temos pois muitissimo a fazer e muitissimo a pagar em construcção dos caminhos de ferro!
Ha muitos caminhos de ferro em construcção que ainda o estado há de fazer e cujas despezas ainda não vem descriptas no orçamento. Ainda não começámos a pagar a linha de Torres-Alfarellos, nem as linhas do syndicato, nem a da Beira Baixa, nem a linha de Mirandella, nem o ramal de Vizeu!
O sr. ministro das obras publicas mandou estudar 600 dlometros de caminho de ferro e, se esses caminhos de ferro, se fizerem também, hão de ser pagos! Mas independentemente d'esses ha muitos mais caminhos de ferro a construir.
É necessario pois um impulso consideravel na viação accelerada, que contribuirá muito mais efficazmente para o desenvolvimento economico do paiz; e é necessario attender a que não podemos nem devemos lançar-nos aberta-

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mente na construcção de estradas, cujo interesse economico é pouco importante, quando temos a pagar a construcção de caminhos de ferro irnportantissimos já contratados ou estudados, e de começar a construcção de muitos outros.
Mas alem dos caminhos de ferro temos ainda de construir outras obras importantes, relativas ao melhoramento das condições agricolas do paiz, e não podemos, confiando absolutamente no que hão de produzir as estradas, estar de antemão a comprometter o desenvolvimento d'essas obras importantes, com um impulso excessivo de estradas de pequeno interesse economico. (Apoiados.)
O projecto procura conseguir um grande desenvolvimento nas estradas ordinarias, mas o governo não procura attender agora ao desenvolvimento da rede de caminhos de ferro da nação!
É necessario attender tambem a que, afora a viação ferrea, ha outros melhoramentos importantissimos a executar, que tambem hão de produzir encargo consideravel e que não são menos necessarios para o desenvolvimento da economia nacional.
Lembremos nos de que no periodo actual, em que as circumstancias financeiras são pouco prosperas, e em que é indispensavel promover o fomento da nação, não devemos só procurar promover a construcção das estradas, como se o ministerio das obras publicas não fosse destinado senão a fazer viação.
Póde dizer-se que está atrazada a construcção de estradas ordinarias e atrazada a construcção de caminhos de ferro, mas é indispensavel reconhecer tambem que está atrazadissima a construcção de outras obras, que são indispensaveis para o conveniente regimen economico da nação. Temos os nossos rios a correr á revelia pelos campos, correndo sem regimen, outras vezes saindo do seu leito e assoriando as terras, alvercando os campos, não poucas vezes humedecendo as terras e tornando-as improprias para a cultura.
E no fim de tudo isto vemos a actividade dos campos a diminuir e a agricultura abandonada, ao passo que os salarios a progredirem notavelmente.
Pareceu-me que o sr. ministro das obras publicas, no anno passado, se queria encaminhar no sentido de fazer prosperar a hydraulica agricola no nosso paiz, que apenas tem melhorado sensivelmente o Mondego.
Pois esse exemplo do Mondego devia aproveitar e servir de incentivo ao governo, porque ali as vantagens obtidas são bem eloquentes, graças ao talento e á incansavel dedicação do illustre engenheiro que está á testa da segunda direcção hydraulica.
Quantas vantagens podem resultar dos melhoramentos d'esta natureza no nosso paiz? Pois não vemos que alguns terrenos importantissimos da bacia do Mondego, que ha vinte annos estavam destruidos, que eram verdadeiros pantanos, estão hoje reduzidos a uma fertil cultura, graças á jurisprudencia salutar e sabia da administração de 1867 e á actividade d'aquelle engenheiro?
Não vemos que as febres que dominavam os habitantes marginaes do campo se dissiparam quasi completamente, e que a propriedade agricola e a prosperidade hygienica n'aquella região têem melhorado consideravelmente?
Quando temos exemplos tão frisantes como aquelles que se deram nos campos do Mondego, encontrâmos por causa da indolencia governativa e do mau caminho que o governo segue na execução das obras os restantes rios como o Tejo, o Liz e os que estão estabelecidos na provincia do Alemtejo em um completo estado de abandono, quando tão bem podiam ser aproveitados no desenvolvimento e progresso agricola de vastas regiões.
Eu vi, é verdade, que o sr. ministro das obras publicas mandou publicar o regulamento que era referente á lei de 6 de março de 1886, que creava as circumscripções hydraulicas, e tive esperança então de que o governo caminharia no sentido do fazer desenvolver as obras relativas a este assumpto; a observação dos factos veiu, porém, desde logo fazer desapparecer as minhas mais legitimas e rasoaveis esperanças.
O regulamento dispunha que no periodo de seis mezes se reuniriam as commissões districtaes para promover a classificação dos rios e ribeiros, sendo esta classificação a base primordial d'estes importantes melhoramentos. Pois as commissões ainda nem sequer se reuniram, a não ser as de Leiria e Aveiro, sendo a convocação d'estas principalmente devida á actividade do director da segunda circumscripção hydraulica.
Tambem vi que as obras da quarta secção hydraulica, a mais importante, foram dadas á direcção superior de um engenheiro, que pouco tempo depois era desviado d'aquella direcção para fazer estudos de caminhos de ferro problematicos, que nunca entraram em rede alguma de caminhos de ferro, e apenas existiam na imaginação do sr. ministro das obras publicas!
Se queremos caminhar no progresso economico da nação, não basta dar grande impulso ás estradas de pequena importancia, é forçoso que se pense, e a serio, tambem nos caminhos de ferro e nas obras de arborisação e dos rios. É necessario que s. exa. o sr. ministro das obras publicas lance as suas vistas cuidadosas para este importante ramo de administração publica, e hydraulica agricola nacional. (Apoiados.)
Estou fatigado, e vou concluir com umas considerações a que eu chamo de ordem politica.
Em junho do anno passado, a real associação de agricultura portugueza, num relatorio que dirigiu ao governo, escrevia o seguinte:
(Leu.)
O projecto que se discute tem por fim dar consideravel impulso á viação ordinaria.
Nós não devemos ficar unicamente a fazer estradas. A viação accelerada está muito mais atrazada do que a viação ordinaria. As obras hydraulicas são indispensaveis, porque é indispensavel, como julgo, promover o desenvolvimento economico do paiz.
E necessario attender a que nos primeiros annos temos construcções importantes a realisar, como são o porto de Lisboa, que vae começar, o porto de Leixões, que não está ainda em meio da sua construcção, o caminho de ferro da Beira Baixa, e os de Mirandella e Vizeu; vão provavelmente construir-se os 600 kilometros de estradas que o sr. ministro das obras publicas já mandou estudar no paiz; temos as obras de Cascaes, o tunnel de Lisboa, que na minha opinião não correspondem a um grande interesse nacional, e muitas outras obras que já estão decretadas. É necessario fazer muitas obras em que até agora se não tem pensado, como as obras hydraulicas do paiz. Com todas estas obras vamos ter um acrescimo consideravel de trabalho.
E sabe v. exa. o que produz sempre o grande acrescimmo do trabalho em qualquer paiz? E o augmento dos salarios. (Apoiados.)
Em 1870 um desenvolvimento de trabalho na região de leste da França teve como consequencia o augmento de salario dos operarios em 30 por cento. Isto dá-se precisamente na occasião em que a real associação da agricultura portugueza nos diz que os salarios estão elevados, que a agricultura não póde progredir, e que o capital empregado na agricultura não tira a conveniente remuneração.
Nós estamos sempre a votar no parlamento leis de desenvolvimento economico, e dizemos sempre no principio de todos os relatorios que o fim principal d'essas leis é o de produzir o desenvolvimento da agricultura nacional.
Pois é sobretudo indispensavel ter bem presente que, dando este impulso consideravel á viação, podemos ir augmentar os salarios e aggravar assim ainda mais a agricultura, nota que todos fazem vibrar quando no parlamento se trata de discutir ou votar melhoramentos materiaes.

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Termino por aqui. Tenho a certeza de que as minhas palavras não são bem recebidas por muita gente, porque é mania geral do nosso paiz, ainda mesmo n'aquelles que mais pensam, que as nossas circumstancias financeiras não são favoraveis, o quererem junto da sua porta uma estrada, embora ella muitas vezes não sirva para mais do que para os conduzir aos grandes centros de população onde vão dissipar os seus haveres, ou mais rapidamente a qualquer porto de mar, onde possam embarcar em navios que os conduzam ao paiz para onde emigram.
Não me importa com a impressão que as minhas palavras possam produzir, porque fico com a minha consciencia tranquiila, tendo exposto n'esta casa as minhas idéas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
Leu-se na mesa a moção.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Fuschini.
O sr. Fuschini: - Como depois de mim está inscripto o sr. Oliveira Martins, e como a auctoridade d'este illustre deputado foi invocada pelo sr. Pereira dos Santos, desisto da palavra, pedindo a v. exa. que me inscreva de novo.
O sr. Presidente: - N'esse caso tem a palavra sobre a ordem o sr. Oliveira Martins.
O sr. Oliveira Martins (sobre a ordem): - Cumprindo as prescripções do regimento, mando para a mesa a minha moção de ordem, concebida nos seguintes termos:
«A camara affirma a conveniencia e utilidade do projecto em discussão, e continua na ordem do dia. = Oliveira Martins.»
A camara deve, a estas horas, estar já fatigada de ouvir citar quantias e kilometros, de percorrer estradas em todos os sentidos e de encarar por tantos lados diversos esta questão de facto complexa e sem duvida alguma arida. Entretanto ha circumstancias n'este projecto de lei que o tornam, a meu ver, de um alcance eminentemente grave e digno de uma attenção despida de preoccupações politicas.
Este projecto foi impugnado por dois illustres oradores do lado esquerdo da camara os srs. Victor Sequeira e Pereira dos Santos.
Em primeiro logar agitou-se muito a questão de saber se os calculos do relatorio do governo eram ou não exactos, exagerados ou deficientes, e até que ponto a verba de 3:600$000 réis, fixada no projecto apresentado pelas commissões, póde ou não corresponder ás necessidades da construcção das estradas.
Sobre este ponto o sr. Victor Sequeira fez uma critica longa, architectou calculos e algarismos pelos quaes chegou a provar que a realisação da proposta do governo trazia comsigo uma despeza muitissimo superior áquella em que o governo orçava as obras; e chegou a este resultado, porque calculou que o custo effectivo das estradas reaes e districtaes, construidas n'estes ultimos annos, tinha sido muitissimo superior aos calculos do relatorio do governo, e que portanto o orçamento de 3:000$000 réis do projecto de lei era inferior á verdade.
Como o custo das estradas já construidas tinha sido consideravelmente superior, como era desse custo que se partia para determinar o algarismo de 3:600$000 réis, fixado no projecto de lei, s. exa. chegava á conclusão, de que o custo effectivo das estradas a construir seria muitissimo superior ao que o governo e as commissões tinham calculado.
Isto dizia o illustre deputado que iniciou o debate; hoje com espanto meu, ouço o sr. Pereira dos Santos argumentar de uma fórma absolutamente opposta e dizer-nos, que as estradas reaes construidas não custam 6:000$000 réis, porque deduzidas as obras de arte ficavam em 5:500$000 réis, deduzidas não me recordo que outras verbas ficavam em 4:100$000 réis, deduzido o equivalente á reducção da largura determinada pela portaria de 10 do setembro de 1886 ficavam em 3:600$000 réis; finalmente, deduzidas ainda as despezas de fiscalisação calculadas em 15 por cento, ficavam em 3:085$000 réis e sobre isto ainda havia a deduzir ferramentas, material de reparação e não sei que outras cousas, d'onde se poderia concluir a final, que o custo das estradas ficaria proximamente em cousa nenhuma! (Apoiados.}
Ora parece-me que esta argumentação se destroe uma pela outra, e que eu não tenho senão, de pegar nos argumentos produzidos hoje peio sr. Pereira dos Santos para os apresentar contra os argumentos produzidos hontem pelo sr. Pedro Victor. (Apoiados.)
O facto positivo é que o estado gastou uma certa quantia; é que esta quantia se divide por um determinado numero de kilometros de estrada construidos; é que o meio de encontrar o preço é dividir o custo pelo numero dos kilometros das estradas. (Apoiados.)
Não quero causar a camara com algarismos, porque sobrados algarismos se têem apresentado já; entretanto, nós verificámos, que se construiram 1:599 kilometros de estradas reaes, que custaram 9.631:000$000 ou 6:020$000 réis por kilometro; que se construiram 2:702 kilometros de estradas districtaes que custaram 9.123:000$000 réis ou 3:376$000 réis por kilometro.
Muito bem. Prosigamos. Disse-nos o sr. Pedro Victor no seu discurso de sabbado, e disse-se igualmente hoje, que em virtude da portaria de 10 de setembro de 1886, estradas reaes e districtaes são a mesma cousa, porque têem a mesma largura, as mesmas declividades, as mesmas condições de planta, etc.
Acceito esta definição de s. exa. e digo que com effeito se temos a construir, como o relatorio do governo indica, 8:301 kilometros e só o preço kilometrico das estradas foi de 3:376$000 réis, parece-me que o computo de 3:600$000 réis, apresentado n'este projecto, corresponde a 29:883$000 réis, multiplicando o numero de kilometros a construir pelo preço de 3:600$000 réis que não é mais do que o arredondamento da quantia encontrada pelos calculos do governo. V. exa. vê, sr. presidente, que eu acceito os numeros propostos pelos impugnadores do projecto; sendo assim, como é, não vejo que se possa fazer qualquer objecção ao meu calculo.
Mas diz o § 3.° do artigo 3.° que se exceptuam dos preços fixados n'este artigo as obras de arte, cujo orçamento exceda 12:000$000 réis. -
A este respeito tambem se têem feito variadas considerações e construido calculos mais ou menos habilmente imaginados.
Se as estradas reaes e districtaes desde a data da portaria de 10 de setembro de 1886 em diante são absolutamente identicas, temos de applicar ao total das estradas a construir agora, visto que as condições da sua construcção são como os impugnadores do projecto dizem, as mesmas percentagens de despeza que se encontra nas estradas districtaes para as grandes obras de arte. Argumentando assim hypotheticamente, porque desde já o digo, a minha opinião é que não é verdadeira a interpretação que se tem querido dar ao paragrapho; se applicarmos a rasão do orçamento das obras de arte apresentado hontem pelo meu amigo o sr. Eduardo Villaça relator do projecto, rasão que era de 1,2 por cento, encontrâmos que, sendo o orçamento total das obras a construir de 29.883:000$0000 réis, e juntando-lhe 1,2 por cento, o custo summario da rede de 8:301 kilometros subiria 30.241:000$000 réis.
Portanto a economia que o governo calcula no seu relatorio de 6.125:000$000 réis, ficaria reduzida por este calculo hypotheticu, feito nas condições e com elementos fornecidos pelos srs. deputados impugnadores do projecto, a 4.948:000$000 réis.
Não me parece que dos dados fornecidos pelos proprios oradores da opposição se possa tirar nenhuma

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outra inferencia, nenhum outro calculo, nenhuma outra conclusão.
Agora, porém, devo fazer- uma pergunta á camara. O quer dizer a inscripção da quantia de 3:600$000 réis no artigo 3.°?
Que significa? Qual é o seu valor exacto?
(Leu.)
E porventura este artigo um orçamento?
Ninguem diz que as empreitadas hão de custar 3:600$000 réis por kilometro. (Apoiados.)
Isto não é sequer base para a licitação, é um limite apenas para que o preço medio kilometrico nunca possa exceder este algarismo. Esta cifra de 3:600$000 réis que vem no projecto, não é um preço; é um limite posto pelo governo para que nas arrematações por zonas se não possa exceder em media essa quantia. As empreitadas hão de ser adjudicadas em praça e o concurso é que determinara o preço effectivo.
Toda a argumentação fundada em outras bases é absolutamente chimerica
Passemos agora ao § 3.° O governo, contratando a construcção d'estas estradas, não póde exceder uma quantia kilometrica media de 3:600$000 réis; mas uma cousa é a limitação e outra cousa é o preço de adjudicação em praça.
N'um dado momento o governo põe em adjudicação lanços de estradas differentes e orçados em preços tambem differences. Um d'elles ou dois, por exemplo, podem ser superiores a 3:600$000 réis; podem ser de 4:000$000 réis ou de 6:000$000 réis, nem se comprehende que se apresente um projecto de lei determinando que todos os kilometros de estradas não possam custar mais de 3:600$000 réis. Isso seria absurdo. Apresentam-se, repito, a concurso verbi gratia tres estradas que conjuntamente constituem uma zona: n'uma d'essas estradas o preço é de 2:000$000 réis, n'outra 3:600$000 réis n'outra 4:000$000 réis; o que é necessario é que desde que se faz uma adjudicação o preço medio kilometrico da zona arrematada não seja superior a réis 3:600$000. Esta é a idéa do projecto, e toda a argumentação em sentido contrario é falsa e absolutamente chimerica.
Estabelecido isto, resta-me explicar um ponto que diz respeito ao orçamento das obras de arte.
É ocioso dizer que toda a obra cujo orçamento excede a 12:000$000 réis se classifica como grande obra de arte; todas as pequenas obras que têem orçamentos inferiores, consideram-se pequenas obras de arte. Digo isto porque esta maneira de me exprimir servir-me ha no decurso do que tenho a dizer.
Dizem-me que já deu a hora. Eu não desejava voltar para a casa com a palavra. Já disse que n'estes assumptos a maior concisão deve ser sempre preferida. No entretanto como tenho ainda varias outras considerações a fazer, peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Consiglieri Pedroso, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Pedi a palavra para fazer um simples pedido.
Eu pedia a v. exa. para instar com a commissão de legislação criminal, a fim de que esta désse quanto antes o seu parecer ácerca do processo do nosso collega Ferreira de Almeida, processo que acaba de ser enviado para a mesa.
Comprehende v. exa., e comprehende a camara, a gravidade e a importancia que deve ter para todos nós esse documento, e ao mesmo tempo como é urgente, inadiavel, que sobro elle se tome uma deliberação. (Apoiados.)
Peço, pois, a v. exa., que inste com todas as suas forças com a respectiva commissao, para que no menor praso de tempo essa commissão dê o competente parecer.
Sobre este parecer não póde deixar de recaír uma longa discussão, e por isso ainda peço a v. exa. a fineza de pedir á referida commissão, para que, assim que esteja formulado o mesmo parecer, immediatamente seja impresso e distribuido por casa dos srs. deputados, para que todos nós, no menor espaço de tempo, possamos, com o maximo conhecimento de causa, vir dar sobre elle a nossa opinião.
O sr. Eduardo Coelho: - Pedi a palavra para esclarecer a camara. Em resposta ao meu amigo o sr. Consiglieri Pedroso tenho a honra de declarar que a commissão de legislação criminal, de que tenho a honra de fazer parte, já se reuniu para tratar d'este assumpto, e espera ámanhã apresentar o seu parecer, de maneira que a camara tome uma resolução sobre o assumpto, que, como me parece, e urgente.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Eu desejava que a camara dispensasse o regimento para que, sem deliberação da camara, fosse impresso o parecer.
O sr. Marçal Pacheco: -- Eu faço parte da commissao. A commissão, compenetrada da necessidade de dar solução, a mais rapida possivel, a este assumpto, deliberou reunir-se de novo ámanhã. O parecer ha de ser apresentado pelo sr. Albano de Mello, que foi escolhido para relator.
Sobre o facto do processo ser ou não impresso, a camara o que póde é dispensar que se imprima.
Isso é uma questão para se avaliar ámanhã.
Ámanhã é que a camara poderá decidir se entende que é urgente entrar desde logo na discussão, ou se é melhor que se mande imprimir o parecer para se estudar melhor o assumpto.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e cinco minutos da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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