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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

33.ª SESSÃO

EM 21 DE JULHO DE 1909

SUMMARIO. - Approvada a acta e lido o expediente, approvou-se um voto de sentimento pela morte dos Srs. Deputados fallecidos no interregno parlamentar, sendo dedicadas á sua memoria palavras de consideração pelo Governo e por oradores das diversas parcialidades. - Requereram documentos e apresentaram avisos previos os Srs. Claro da Ricca, Antonio Cabra], Feio Terenas, Abel de Andrade, Archer da Silva, Arthur Montenegro e João de Menezes. - Em seguida, com a sessão prorogada, o Sr. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima) fez a apresentação do Ministerio, falando os Srs. Moreira Junior, Pereira dos Santos, Conde de Castro e Solla, Rodrigues dos Santos, Ascensão Guimarães Malheiro Reymão, Thomás Garrett, Brito Camacho, Pinheiro Torres e João de Menezes, respondendo a todos o Chefe do Governo, e usando tambem da palavra os Srs. Ministros da Fazenda, da Guerra, da Marinha e dos Estrangeiros. - Marcou-se a sessão immediata para o dia 23.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.

João José Sinel de Cordes
José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior

Primeira chamada - As 2 horas da tarde.

Presentes - 6 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 horas e 3 quartos.

Presentes - 73 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Cândido da Piedade, Augusto Cesar Claro da Ricca, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Castro é Solla, Conde de Mangualde, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Henrique de Mello Archer da Silva, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Carlos de Mello Barreto, João Duarte de Menezes, João Henrique Ulrich, João Joaquim Isidro dos Reis, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Mattoso da Camara, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Cabral Correia do Amaral, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Manuel Telles de Vasconcellos, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomás d'Aquino de Almeida Garrett, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Coruche.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Conde da Arrochella, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Emygdio Lino da Silva Junior, Francisco Cabral Metello, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Ignacio de Araujo Lima, João José Sinel Cordes, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Malheiro Reymão, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Queiroz Velloso, José dos Santos Pereira Jardim, Luís Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Roberto da Cunha Baptista, Visconde de Ollivã.

Não compareceram á sessão os Srs.: Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio José de Almeida, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Corte Real, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde de Paço Vieira, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro de Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Augusto Pereira, João Correia Botelho Castello Branco, João José da Silva Ferreira Netto, João Pereira de Magalhães, João Soares Branco Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, Jorge Vieira, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Estevam de Vasconcellos, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Oliveira Mattos, José Osorio da Gama e Castro, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luis Filippe de Castro (D.), Luís da Gama, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Francisco de Vargas, Manuel de Sousa Avides, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Reguengo(Jorge), Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.

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SESSÃO N.º 33 DE 21 DE JULHO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Da Presidencia do Conselho de Ministros, participando, para conhecimento da Camara dos Senhores Deputados, que Sua Majestade El-Rei houve por bem nomear Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino, o Digno Par do Reino Conselheiro Wenceslau de Sousa Pereira Lima; Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, o Par do Reino Francisco José de Medeiros; Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, o Lente da Academia Polytechnica do Porto, Francisco de Paula Azeredo; Ministro e Seerecario de Fitado dos Negocios da Guerra, o General José Manuel de Elvas Cardeira; Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, o Vogal do Conselho Superior de Instrucção Publica Manuel da Terra Pereira Vianna, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros, o Par do Reino Carlos Roma du Bocage, e Ministro e Secretario de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industra, o antigo Deputado da Nação Antonio Alfredo Barjona de Freitas.

Para a secretaria.

Do Ministerio do Reino, participando não poder satisfazer ao requerimento do Sr. Deputado João Ignacio de Araujo Lima, em vista da Direcção Geral de Instrucção Secundaria, Superior e Especial não ter ainda todos os elementos de informação.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo um mappa dos direitos cobrados pelas alfandegas do continente do reino e das ilhas adjacentes nos despachos de importação de trigo effectuados nos annos de 1903 a 1908, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Sergio de Castro.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, remettendo a nota dos adeantamentos a funccionarios, abonados pelo cofre geral d'aquelle Ministerio, desde 2 de maio de 1906 até 31 de janeiro de 1908, fora dos preceitos estabelecidos no decreto de 30 de abril de 1892.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, enviando copia do officio da Caixa Geral de Depositos sobre a importancia da responsabilidade da Caixa para com os depositantes; nota dos depositos da Caixa Economica Portuguesa; nota dos papeis de credito em deposito; e nota das operações realizadas pela Caixa, por intermedio do Governo, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado José Maria Pereira de Lima.

Para à secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo documentos relativos ao imposto do alcool devido pela firma Sousa Lara & C.a, e ao aumento de 1:000$000 réis da verba para despesas de representação do Governo Geral do Estado da índia, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, copia do documento acêrca da prorogação por um anno do pagamento do imposto do álcool devido pela Companhia do Dombe Grande, em que se acha encorporada a firma Sousa Lara & C.ª
Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, copias dos telegrammas expedidos pelo mesmo Sr. Deputado, quando Ministro da Marinha e Ultramar, sobre dispendios de verbas fora do orçamento.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, participando, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado José Maria Pereira de Lima, que no departamento de oeste não existem cercos nem armações de pesca, havendo unicamente um vapor no Funchal empregado na pesca á linha e um hiate em Ponta Delgada destinado á pesca do bacalhau na Terra Nova.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha e Ultramar, remettendo, em, satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Thomás de Aquino de Almeida Garrett, copia do relatorio sobre Cabo Verde, elaborado pela commissao da presidência do Sr. Senna Barcellos.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha e Ultramar, participando, em referencia ao requerimento do Sr. Deputado Ernesto Jardim de Vilhena, que todos os documentos vindos da província de Moçambique acêrca do aumento dos impostos municipaes do Lourenço Marques constituem um processo que está submettido á Junta Consultiva do Ultramar, não podendo por isso ser por agora enviado á Camara.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, participando que as representações a que se refere o Sr. Deputado Senna Barcellos, acêrca da policia rural e de construcções urbanas em Cabo Verde, foram remettidas para informação ao governador d'aquella província, não podendo por isso ser enviadas á Camara.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo nota das gratificações pagas ao inspector das escolas da província de Cabo Verde nos annos de 1905-1906, 1906-1907 e 1907-1908, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Senna Barcellos.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado José Julio Vieira Ramos, tres plantas da linha ferrea de Tavira a Cacella, no sitio da Arrancada.

Para a secretaria.

Da Ministerio das Obras Publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Rodrigues Nogueira, relação nominal dos engenheiros é conductores em serviço nas circunscrições industriaes.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, remettendo, em sa-

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DKPUTADOS

tisfação ao requerimento do Sr. Deputado Abel Pereira de Andrade, copia de varias analyses feitas no laboratorio chimico-agricola do Porto.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, enviando, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Francisco Joaquim Fernandes, nota das estradas concluídas e em construcção no concelho de Sinfaes, Direcção das Obras Publicas de Viseu.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, enviando por copia, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado José Augusto Moreira de Almeida, parte do parecer do Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, datado de 10 de maio de 1907,-sobre o projecto de viação accelerada entre Tejo e Mondego.

Para a secretaria.

Do Juízo de Direito da comarca do Fundão, remettendo a culpa formada contra o Sr. Deputado da Nação Aurelio Pinto, por ter sido julgada.

Para a commissão de legislação criminal.

Da Junta do Credito Publico, participando para os fins convenientes o fallecimento do seu vogal effectivo D. Antonio, Caetano do Carmo de Noronha, que foi eleito por esta Camara, para o actual triennio.

Para a acta.

Da Camara Municipal de Salvaterra de Magos, agradecendo o voto de sentimento da Camara dos Senhores Deputados, referente aos abalos de terra que se deram naquella localidade.

Para a secretaria.

Do Governo Civil do districto de Lisboa, enviando uma representação documentada da Camara Municipal da Moita, pedindo autorização para desviar do fundo de viação a quantia de 150$000 réis, destinada á pesquisa de aguas.

Para a commissão de administração publica e legislação civil.

Do Sr. Deputado Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, solicitando licença para se ausentar do reino, em commissão de serviço publico.

Foi concedida.

Illmo. e Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Senhores Deputados. - Carecendo, por motivos de ordem particular, urgentes, de me ausentar por algum tempo para o estrangeiro, venho rogar a V. Exa. a subida fineza de, na primeira sessão util, apresentar esta minha declaração á Camara, com pedido instante o respeitoso, da minha parte, para me ser concedida a necessária autorização. - Alberto Charula.

Foi concedida.

O Sr. Presidente: - E com profundo sentimento que communico á Camara o fallecimento de alguns Senhores Deputados, fallecimento que se deu durante o tempo era que estiveram adiadas as Camaras.

Foram elles: Alvaro Valdez Penalva, Joaquim Ornellas de Mattos, Visconde do Rio Sado, Elmano da Cunha, Feliciano Marques Pereira, Venancio Deslandes, Figueiredo Leal e Miguel Maximo Monteiro.

Como V. Exas. acabam de ver, infelizmente, é longa a lista. Entre elles encontram-se homens de uma alta intellectualidade, e todos serviram o país e honraram a Camara com o seu talento e virtudes. Proponho por isso que na acta da sessão de hoje seja lançado um voto de sentimento e se façam as communicações devidas. - (Vozes: Muito bem).

Para a minha proposta entrar immediatamente em discussão, peço, dispensa do regimento.

Dispensado o regimento, entra em discussão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: justo é que ao iniciarmos os nossos trabalhos digamos algumas palavras de sentimento em memoria de antigos companheiros nesta casa do Parlamento, que são fallecidos.

Citou V. Exa. os nomes dos illustres Deputados que morreram desde a ultima sessão parlamentar até agora. Conheci-os a todos; de alguns fui companheiro de luta; tive uns por amigos, outros por adversarios; mas a todos tributo o sentimento da minha saudade e da plena justiça que elles merecem.

Um d'elles, o Sr. Alvaro Valdez Penalva, foi um official distincto e valente, que honrou a armada, e que nos combates em Africa tanto se distinguiu que mereceu ser condecorado com o officialato da Torre e Espada; conheci-o como secretario do illustre Presidente do Conselho, o Sr. Ferreira do Amaral, com quem tive a honra de servir, e então apreciei não só os seus excellentes dotes de caracter e de intelligencia, como quanto elle era devotado ao serviço publico e quanto a patria delle tinha a esperar, não só do seu caracter como da sua intelligencia.

O Visconde do Rio Sado, a quem V. Exa. tambem se referiu, foi um dos Deputados que encontrei no Parlamento quando nelle entrei pela primeira vez. A sua memoria tributo uma homenagem de saudade.

Todos os outros são merecedores da nossa saudade, da nossa sympathia e do nosso respeito.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Moreira Junior: - Pedi a palavra para, em nome do partido progressista nesta casa do Parlamento representado, me associar às palavras que V. Exa. pronunciou em homenagem áquelles que no intervallo parlamentar falleceram.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Pereira dos Santos: - Pedi a palavra para me associar em nome do partido regenerador ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor pela perda dos illustres cidadãos que foram membros d'esta Camara.

A todos a nossa parcialidade política dirige as suas condolencias.

Sr. Presidente: todos são dignos da consideração d'esta Camara, sejam quaes forem os credos políticos em que tenham militado, porque todos procuraram, segundo o seu credo, a melhor forma de servir os interesses da sua patria.

Entre elles destacarei, em primeiro logar, os nossos companheiros de trabalho, Alvaro Penalva e Marques Pereira; é a respeito d'estes que a nossa dor é mais intensa e viva, porque foram áquelles que ultimamente mais viveram comnosco e de que nos ficou portanto uma affectuosa saudade (Apoiados).

Alvaro Penalva era no Parlamento um dos seus membros mais illustres; as qualidades superiores de talento revelou-as em discussões n'esta Camara. Ao mesmo tempo em Alvaro Penalva perde a gloriosa e heroica marinha nacional um dos seus membros mais illustres e estimados. (Apoiados).

Sr. Presidente: a perda de Alvaro Penalva é muito sentida por nós, por isso mesmo que apreciávamos devidamente os dotes de caracter e de talento d'este nosso collega tão illustre e tão querido.

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Da mesma maneira o partido regenerador dirige as suas condolências pelo fallecimento do Sr. Marques Pereira, official de secretariada marinha, muito distincto, havendo bastante a esperar d'elle pelo seu muito criterio quando se tratassem nesta Camara os assuntos coloniae?, que são aquelles que mais interessam á prosperidade e vitalidade do país. Por isso nós sentimos a sua perda e a nossa saudade é grande.

Relativamente aos outros Deputados fallecidos, é justo dizer-se que todos elles constituíram figuras de destaque na sociedade portuguesa e que todos elles procuraram servir o país com verdadeira dedicação.

O Visconde do Rio Sado era um cavalheiro do mais fino trato. Foi durante largo tempo representante do país e por varias vezes revelou nesta Camara os mais vastos conhecimentos, especialmente nas questões jurídicas. Foi tambem um magistrado distincto.

Corno parlamentar, como juiz e como cavalheiro primoroso, sentimos a perda deste nosso antigo amigo e correligionario.

O Dr. Elmano da Cunha era tambem uma figura de relevo. Dotado de um espirito affectuoso prendia, pela sua affabilidade, aquelles que com elle tratavam. Tinha uma intelligencia culta, que se revelou brilhantemente no foro e nesta Camara.

O Conselheiro Figueiredo Leal tambem fez parte d'esta Camara durante alguns annos, representando o districto de Santarem.

Honrou a agricultura nacional, contribuindo muito para o seu desenvolvimento, e o seu testamento é ainda uma prova da sua benemerencia.

O Sr. Ornellas de Mattos distinguiu-se tambem como colonial e foi um dos que mais contribuíram para o desenvolvimento dos nosso domínio era Africa.

Todos honraram o país, e por isso o partido regenerador, representado nesta Camara, curva-se respeitoso perante as suas memorias.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Castro e Solla: - Sr. Presidente: Em nome dos Deputados regeneradores que teem assento neste lado da Camara, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. relativamente aos Deputados fallecidos no interregno parlamentar. A todos elles tributo a homenagem da minha saudade.

(S. Exa. não reviu.).

O Sr. Canto e Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, em meu nome e no do partido que tenho a honra de representar nesta Camara, me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa. com relação aos Deputados fallecidos no interregno parlamentar.

Seja-me permittido destacar de entre elles dois que foram meus companheiros nesta Camara, Alvaro Penalva e Marques Pereira.

Alvaro Penalva, pela sua educação, pela sua intelligencia e pelo seu caracter, tornou-se digno da mais elevada consideração. Como official da armada, a que eu tenho a honra de pertencer, foi um ornamento distincto dessa corporação, deixando na sua rapida passagem evidentes mostras da sua intelligencia e bravura distingnindo-se especialmente nas campanhas de Africa.

Marques Pereira possuía uma vasta erudição, sobretudo nas questões coloniaes, a que era especialmente dedicado.

Alvaro Penalva tinha uma natural tendência para estudar os assuntos coloniaes, conquistando nesses trabalhos a sympathia e consideração dos chefes. (Apoiados geraes).

Como escritor vigoroso e ponderado, deixou o seu nome vinculado a diversas revistas e jornaes. Como lente da Escola Colonial, na cadeira de legislação, foi de uma notavel correcção e de uma pouco vulgar assiduidade.

Ainda na vespera do dia da sua morte, quando a terrível cirrose estava para o arrebatar, não deixou de assistir aos exames. (Apoiados).

Sr. Presidente: homens como este impõem-se á nossa consideração; a sua memoria será sempre querida para todos, e o seu nome deixará uma eterna saudade. (Apoiados geraes).

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Pinto dos Santos: - Em nome do partido que tenho a honra de representar, associo-me ao voto de sentimento proposto por S. Ex.a, e permitta-me a Camara que me refira em especial ao Sr. Marques Pereira, funccionario do Ministerio da Marinha, onde foi meu collega; e cavalheiro distincto, illustrado e dotado de excellentes qualidades de caracter.

(O orador não reviu).

O Sr. Brito Camacho: - Pedi a palavra para me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

Se me não tivessem precedido no uso da palavra os Srs. João Pinto dos Santos e Canto e Castro, que falaram a respeito dos Srs. Marques Pereira e Alvaro Penalva, eu alongar-me-iha em considerações sobre estes nossos distinctos collegas. Por isso não o faço, e não tenho mais do que louvar-me nas palavras pronunciadas por S. Exas. a respeito de cavalheiros merecedores de toda a nossa sympathia.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. José Tavares: - Em nome do partido regenerador-liberal peço a palavra para me associar, com toda a boa vontade, ao voto de sentimento proposto por V. Exa., pela morte dos nossos illustres collegas.

(O orador não reviu).

O Sr. Pinheiro Torres: - Em nome do partido que tenho a honra de representar nesta Camara, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

Permittam-me V. Exa. e a Camara que destaque os dois fallecidos que foram meus illustres companheiros de trabalho, Alvaro Penalva e Marques Pereira.

Alvaro Penalva, cuja vida, embora breve, foi um modelo de dedicação e amor pelo serviço publico.(Apoiados), e Marques Pereira, bem conhecido entre os seus amigos, e cujo nome ficará inolvidavel para aquelles que ouviram a sua conversação sobre assuntos coloniaes, em que era erudito. (Apoiados).

Para elles o preito especial da minha saudade.

(O orador não reviu).

O Sr. Rodrigues Ribeiro: - Sr. Presidente: como amigo particular, muito querido, do Conselheiro Figueiredo Leal, quero particularizar o seu nome benemerito na commemoração parlamentar, prestando tambem o testemunho da minha saudade pela morte de todos os illustres Deputados que falleceram no interregno parlamentar.

Figueiredo Leal, como antigo Deputado e antigo governador civil do districto de Santarem, que hoje represento nesta Camara, foi uma figura distincta de homem publico, e como agricultor, propagando os melhores processos culturaes, prestou relevantes serviços á sua classe.

Abençoada seja a sua memoria (Apoiados), pois que ainda o seu testamento, legando uma grande parte da sua fortuna ao Hospital de Jesus Christo, que lutava com grandes difficuldades, é prova da bondade inexcedivel do seu coração, e do muito que elle bem queria ao districto de Santarem.

(O orador não reviu).

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6 DIRIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição, e em vista da manifestação da Camara considero approvada a minha proposta.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: tendo o Sr. Conselheiro Sebastião Telles pedido a exoneração do Ministerio a que presidia, dignou-se Sua Majestade El-Rei encarregar-me de organizar novo Gabinete. 2

No desempenho da elevada missão com que Sua Majestade me honrou, constitui o Ministerio que tenho a honra de apresentar á Camara.

Os novos Ministros não pertencem á política militante; alguns são estranhos ao Parlamento.

Todos teem, porem, uma longa vida publica e nella affirmadas altas aptidões e capacidades na magistratura, no magisterio superior, no exercito, nas elevadas missões por S. Exas. servidas.

Procurei constituir um Ministerio fora das lutas activas dos partidos e do Parlamento, por me parecer que seria essa a forma de melhor corresponder á confiança da Coroa e às conveniencias do país, dadas ascircunstancias politicas do momento.

O Ministerio não se constituiu contra nenhuma collectividade, nem contra nenhuma individualidade política. Organizou-se por maneira a poder merecer a cooperação e a benevolencia de todos na missão de apaziguamento que se impôs, e é o seu principal objectivo, por maneira a assegurar ao país o socego político e a tranquillidade de que elle tanto carece, para cuidar das suas finanças e do progredimento da sua economia. Os princípios que o actual Governo adopta são communs a todos os partidos monarchicos; não ha nos seus propositos motivos de divisão. Espera que o Parlamento se dignará deliberar sobre as propostas de leis annuaes, já submettidas á sua apreciação; sobre as de caracter internacional, taes como o tratado contra Allemanha e a dos sanatorios da Madeira; sobre os adeantamentos, e que, pelo menos, iniciará a revisão da ditadura de 1907, questões essas que todas ellas enredam a vida parlamentar e aos altos interesses da nação e a todos os partidos interessa resolver.

Entretanto o Governo usará, successiva e opportunamente, da sua iniciativa, submettendo pelas diversas pastas, ao Parlamento, propostas de lei tendentes a melhorar as condições financeiras e sociaes, a assegurar as liberdades individuaes e collectivas e a melhorar serviços publicos.

O Governo, solemnemente o declara, não tem preoccupações partidarias e tão somente o proposito de bem servir o país e as instituições.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Moreira Junior: - Tendo pedido a palavra após a exposição feita pelo Sr. Presidente do Conselho para em nome do partido progressista definir a sua attitude, não deve nem quer deixar de aproveitar o ensejo, antes de definir essa attitude, para dirigir os seus cumprimentos a todo o Governo, e ao mesmo tempo para fortemente accentuar a sua aspiração de que os actuaes Ministros mais uma vez possam evidenciar, nos cargos espinhosos que estão occupando, as faculdades de trabalho que possuem e o seu valor intellectual.

Tem por todos os membros do Governo igual deferencia e com alguns estreitas relações de amizade, o que é mais uma razão para que exteriorize essa aspiração.

Cumprido este dever, não deve tambem deixar de accentuar e affirmar, em seu nome e no do partido progressista, o seu respeito, gratidão e profunda amizade para com o chefe do Governo transacto e para com todos os membros que o compunham, a que foi lealmente devotado.

Sebastião Telles, o chefe desse Governo, não é apenas uma gloria no campo militar; pela sua intelligencia e ponderação merece bem de todos os partidos parlamentares a mais viva, a mais accesa e a mais affectuosa homenagem.

Desobrigado d'estes dois deveres, aliás gratíssimos, vae succintamente definir qual é a attitude do partido progressista ante a exposição do Sr. Presidente do Conselho.

O partido progressista estará ao lado d'este Governo, como tem estado sempre ao lado de todos, nas questões de caracter internacional e de ordem publica, ordem publica que é indispensavel manter para o livre e legitimo exercício de todas as liberdades publicas, exercício que é mester não confundir coma desordem.

No que toca ao plano político e administrativo, segundo, a orientação definida pelo Sr. Presidente do Conselho, o partido progressista saberá cumprir rigorosamente os deveres que se lho impõem. Ha de apreciar as varias questões apresentadas, sem sombra de facciosismo, e inspirando-se apenas nos mais altos interesses do país.

Importantes são, sem duvida, as providencias indicadas pelo Governo e para que chamou a attenção da Camara, mas o partido progressista entende tambem dever chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho para a situação financeira que o país atravessa e tambem para a situação economica, e nesta muito principalmente para a crise vinícola, que continua a ferir intensamente a nação, e que de um momento para o outro pode tornar-se deveras grave no que respeita á ordem, publica.

Das palavras do Sr. Presidente do Conselho deduz o partido progressista, e com isso se congratula, que o Parlamento se manterá aberto o tempo sufficiente para que a sua apreciação possa incidir pelo menos sobre as mais importantes das providencias referidas por S. Exa., e sobretudo para que a discussão se possa fazer cuidadosamente não só no que respeita ao orçamento, mas às outras leis constitucionaes.

Nestas poucas palavras fica definida qual ,é, perante o Governo, a attitude do partido progressista, attitude que se pode consubstanciar nesta simples frase - espectativa benevola.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: começo por agradecer ao meu illustre amigo Sr. Conselheiro Moreira Junior as palavras de benevolencia que dirigiu a todos os membros do Governo.

De ha muito que conheço a nobreza do caracter do Sr. Conselheiro Moreira Junior e não me susprehendeu por isso a forma e a maneira como S. Exa. falou.

Não tive a honra de fazer parte do Ministerio a que o Sr. Conselheiro Sebastião Telles presidiu, mas associo-me às palavras de louvor por S. Exa. proferidas para com o Presidente do Conselho do Ministerio de que tenho a honra de ser successor.

Agradeço sinceramente os cumprimentos que o illustre leader do partido progressista fez ao Governo, definindo a attitude da collectividade a que pertence, nesta casa do Parlamento.

Começou S. Exa. por affirmar que em todas as questões internacionaes e de ordem publica estava franca e abertamente ao lado do Governo.

Folgo de ouvir esta declaração, que affirma que o partido progressista é um partido de ordem.

As questões internacionaes e as questões de ordem publica são perfeitamente aquellas que mais nos affectam porque não são particularidades de um partido, mas sim questões de todo o país.

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Pode o illustre Deputado estar certo e seguro de que o Governo cuidará de todos os assuntos de caracter internacional e que nas questões de ordem o Governo usará sempre de uma prudente benevolencia, e de rigor tambem quando se tornar necessario..

Depois deste franco apoio prestado ao Governo nestas questões outras ha, como as referentes aos planos politi-cos e administrativos, para os quaes S. Exa. nos prometteu a sua melhor espectativa, que agradeço.

Chamou especialmente o illustre Deputado a attenção do Governo para as questões de ordem financeira e economica e, entre ellas, principalmente, para a que diz respeito á crise vinícola que nos assoberba.

Evidentemente, a melhor maneira de nos podermos occupar desta questão, que tanto interessa á vitalidade do país, é congregando nos todos, e a forma por que creio ter respondido á confiança de Sua Majestade, organizando um Ministerio extrapartidario, parece-me que é a melhor prova que posso dar ao illustre Deputado de que farei tudo para que se resolvam estas questões, que não são de nenhum partido, mas do país.

A situação financeira, se não é grave, reclama importantes cuidados, e o mesmo succede com a situação economica, dependente da primeira; e, comquanto a economia vital do país muito tenha progredido, é certo tambem que demanda de todos os partidos a sua attenção.

É sem duvida a crise vinícola uma das questões de maior interesse.

Sabe muito bem S. Exa. que todos os remédios que se filiam em providencias mais ou menos habilidosas, e que assim se distanciam de uma economia seria, são sempre falsas e impõem ao país sacrifícios que por vezes não compensam os resultados; por isso, eu entendi sempre que a melhor maneira de concorrermos para debellar a crise vinícola que nos assoberba era encetar a negociação de tratados de commercio, que nos abrissem os mercados ha tantos annos absolutamente fechados para nos (Apoiados), e tive a boa fortuna, quando Ministro dos Negocios Estrangeiros, de pôr a minha assinatura no tratado que rompia essa muralha da China que nos afastava de todos.

Por esse tratado, sabe V. Exa. quaes os benefícios que gozarão os vinhos portugueses e como pude conseguir introduzir o principio acêrca do uso dos nomes Porto e Madeira.

Já disse qual é a orientação sob o ponto de vista economico, e a respeito da crise vinícola; para estas questões chamo a attenção do Parlamento, esperando delle a sua melhor boa vontade.

Refiro-me ao tratado de commercio com a Allemanha, sujeito á sancção d'esta casa do Parlamento. E certo que algumas outras providencias, poderão e deverão ser adoptadas. Já disse á Camara, já tive a honra de expor, que pelas diversas pastas successiva e opporlunamente o Governo usará da sua iniciativa, mas entendo que o melhor que ha a fazer é desembaraçar o terreno parlamentar de aquillo que está apresentado e sujeito á sua deliberação e irmo-nos, a não ser que haja a attender qualquer providencia de caracter urgente, occupando das outras que o Parlamento entenda serem convenientes e opportunas.

Acerca da forma como o Governo deseja cumprir os preceitos constitucionaes, tambem na declaração que em nome do Gabinete tive a honra de fazer perante esta casa do Parlamento está expressa a minha boa vontade e o meu respeito pelos preceitos constitucionaes, quando disse que esperava que o Parlamento portugues deliberasse sobre as leis actuaes que estão sujeitas já á sua apreciação.

Supponho ter respondido e ter agradecido, conforme era meu dever, todas as palavras e considerações feitas pelo illustre Deputado.

A prova de que desejo cumprir a lei e de que o orçamento seja discutido está em que ainda antes de vir a esta casa do Parlamento, antes mesmo delle se reunir, já o Sr. Ministro da Fazenda havia pedido ao Sr. Presidente para ser convocada a commissão, a fim della dar o seu parecer para que elle venha quanto antes a esta Camara, e seja votado o mais rapidamente possível. (Vozes: - Muito bem.)

S. Exa. não reviu.

O Sr. Pereira dos Santos: - Ouvi com toda a attenção as palavras do Sr. Presidente do Conselho. S. Exa. cumpriu o preceito da antiga praxe parlamentar, apresentando-se a si e ao seu Governo nesta casa do Parlamento, o que sempre succede quando o Augusto Chefe do Estado não faz a apresentação do Governo no Discurso da Coroa. Apresentando o Governo veio ao mesmo tempo indicar a marcha política, o plano político que tenciona seguir, e pedir a cooperação dos membros da Camara.

Sr. Presidente: julgo sempre necessária e conveniente esta apresentação e esta resposta, porque das declarações das differentes parcialidades resulta para o Governo o conhecimento da attitude das forças políticas parlamentares e ao mesmo tempo serve para os differentes elementos justificarem a attitude que assumam.

O Sr. Presidente: - Previno a V. Exa. de que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia. Quando der a hora, se V. Exa. quiser continuar, eu consultarei
a Camara.

O Orador: - V. Exa. fará o favor de consultar a Camara.

Eu vou por parte do partido, regenerador corresponder ao appello do Sr. Presidente do Conselho, expondo, tão concisamente e tão precisamente quanto eu o possa fazer, a attitude desse partido e á justificação dessa attitude.

Sr. Presidente, casos ha em que, de antemão, se pode marcar a attitude dos grupos políticos da Camara.

Quando nas bancadas do poder está um Governo retintamente partidario, a attitude do partido a que pertence o Governo é naturalmente a de uma situação de apoio absoluto e incondicionalmente a esse Governo. Isto deriva natural e logicamente da ideia, do principio e da propria constituição dos partidos, em que todos presuppõem um plano de administração e política anteriormente detalhado, previamente estudado e determinado.

Por forma que, estando no Governo esse partido, não vem senão dar execução a um plano que de antemão já se sabe que essas parcialidades políticas approvam.

Por vezes, Sr. Presidente, a situação de opposição se apresenta como nítida e natural todas as vezes que nos partidos políticos se tem, para a defesa dos seus ideiaes e para a defesa dos princípios que sustentam, declarado e, combatido as ideias dos homens que se assentam nos Conselhos da Coroa.

É natural e logico que nestas condições a attitude dessas parcialidades adversas seja de opposição franca e aberta.

Não é o caso de agora, pela declaração do Sr. Presidente do Conselho de que o Governo que está sentado naquellas cadeiras é um Governo fora dos partidos. Os membros do actual Governo não teem estado na effectividade da política pelo menos nos últimos tempos, e o Governo apresenta-se como extra-partidario.

Sr. Presidente: a attitude do partido regenerador perante este Governo deriva, como consequencia logica, das considerações que já fiz em outra occasião. A sua coherencia só por si será sufficiente para declarar que não pode receber este Governo hostilmente. Com effeito, quando se apresentou o Governo anterior nas duas casas do Parlamento, foi bem manifesta a opinião de que, attenta a situação política do país, vista a effervescencia da paixão partidária, para que o systema, político em Portugal pudesse razoavelmente satisfazer ao seu fim seria conveniente que no Governo entrassem elementos que pudessem estabelecer um Governo de acalmação, e ao mesmo tempo

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dizia-se nessa declaração que se estimaria, visto que havia questões gravíssimas a tratar, que o Governo fosse constituido por individualidades que tivessem competencia para a gerencia das differentes pastas. Portanto, o que já pé diamos, quando foi constituído o Governo anterior, foi que fosse chamado um Governo que não estivesse na effectividade da e efervescencia política, um Governo que fosse bem combinado entre os differentes partidos, de maneira que não se apresentasse com o caracter de qualquer facção política, e que fosse constituído por individualidade que tivessem, pela sua educação profissional e technica demonstrado conhecimento dos assuntos das pastas que iam gerir.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em virtude da manifestação da Camara, pode V. Exa. continuar o seu discurso.

O Orador: - Quando termina o meu discurso, mandarei para a mesa um requerimento pedindo para que se generalize a discussão.

Dizia eu que a coherencia dos partidos é uma das condições indispensaveis para que elles possam ser bem recebidos na opinião publica. Desde que o partido regenerador tinha declarado solemnemente que entendia já, na conjuntura política em que foi chamado o Ministerio anterior, que era sobretudo necessario um Governo que pudesse produzir acalmação e ao mesmo tempo mostrasse competencia para os differentes assuntos, e desde que se apresentou, no actual momento, um Governo cujo Presidente do Conselho declarou que não tem ideias de hostilidade para ninguem, apresentando-se como um Ministerio extra-partidario, e desde que ao mesmo tempo vejo nas cadeiras do poder cavalheiros conhecidos pela sua educa cão profissional e technica, demonstrativa da competencia para gerir as pastas que lhes foram confiadas, a nossa attitude não pode ser a que tivemos para situações em condições oppostas. (Apoiados).

A attitude do partido regenerador, nesta conjuntura, não pode ser, repito, de hostilidade. Se por acaso tivesse de me referir pessoalmente aos illustres membros do Governo, diria que reconheço em muitos delles competência, pois tive ensejo de conviver com alguns no tempo de estudante, e por isso a minha opinião é que S. Exas. possuem aquelles conhecimentos que são necessários para o exercício do cargo de Ministros.

Mas isto quer dizer que era principio o partido regenerador acceita incondicionalmente um Governo extra partidario? Não. (Apoiados).

Sou sectario dos Governos partidarios, porque entendo que no systema representativo, por muito que se tenha inventado, ainda até agora não se encontrou melhor formula que o systema de partidos, porque só pelos partidos se pode conseguir a completa regularidade, força e espirito de sequencia nos negocios publicos. (Apoiados).

Por conseguinte se eu, como principio, acceitasse os Ministros extra-partidarios, por mim mesmo representaria a negativa, visto a minha propria situação dentro do partido. (Apoiados). Todavia em differentes conjunturas da historia política portuguesa tem havido Governos nestas condições, verdadeiramente uteis e proveitosos, que serviram para abafar o ardor das paixões partidarias, que poderia prejudicar o systema politico do país.

Nestas circunstancias declaro que o Governo actual não pode ser recebido com hostilidade pelo partido regenerador, que lhe não levantará espinhos ou abrolhos á sua marcha governativa. Mas seria improprio de nós, tanto mais que temos programma definido, assente e sanccionado pelas nossas assembleias geraes, se dessemos o nosso apoio incondicional ao Governo.

Comtudo a situação do Governo actual e as nossas declarações anteriores fazem com que apreciemos os actos do Governo á luz da nossa critica.

Relativamente ao plano do Governo, não posso empenhar-me com qualquer declaração; simplesmente o .que peço é para apresentar as suas propostas que são tão urgentes e tão importantes.

Tenho ouvido tantas declarações da parte dos Governos, que a pratica demonstra que essas declarações não são realizaveis pelas propostas que se apresentam. Por isso declaro que não apreciarei o Governo pelas suas declarações e tratarei de o apreciar pelas propostas que apresentar (Apoiados), e, repito, essas propostas são tão urgentes na conjuntura actual que ellas se impõem, como são a dos vinhos, a dos adeantamentos, etc.

Traga o Governo todas as propostas que tiver, para que o Parlamento português possa dar a manifestação sincera de que está disposto a trabalhar para produzir alguma cousa util para o país. (Apoiados).

O que eu estou agora dizendo não é só determinado pela apresentação deste Ministerio. Já no anno passado, quando uma parte da opinião accusava a opposição de que nós por extensão dos debates políticos protrahiamos as discussões de assuntos graves e importantes, ellas, com desvelada solicitude, e até com sacrifício de alguns dos seus membros, pararam nas discussões políticas para entrar em assuntos graves e concretos, tão precisos ao país.

O que podíamos nessa occasião pedimos neste momento, e dessa vez tínhamos d(c) ver as cousas pelo prisma da opposição intransigente que tínhamos declarado na Camara.

Neste momento fazemos este pedido ao Governo na intenção de collaborar com elle com sentimento de benevolência o mais vehemente.

Tenho dito. (Vozes. - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo Sr. Deputado Pereira dos Santos.

(Leu-se).

Requerimento

Requeiro a generalização da discussão. = Pereira dos Santos.

Foi approvado.

O Sr. Claro da Ricca: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Precisando tratar no Parlamento da situação financeira nacional, tanto no tocante ao continente como ao ultramar, requeiro com a maxima urgencia:

Nota minuciosa da situação actual da divida fluctuante, discriminando-se os vencimentos, suas datas e juros, tanto no país como no estrangeiro;

Nota dos contratos e suas copias, acêrca do levantamento de fundos realizados em conta da divida fluctuante externa, tanto no país como no estrangeiro, desde 31 de janeiro de 1908 até 15 de julho de 1909;

Nota relativa á divida fluctuante interna em contas correntes;

Nota dos saldos existentes nos cofres publicos em conta do Thesouro e em conta da Junta do Credito Publico em 15 de julho de 1909 e em 1 de julho de 1908;

Nota dos saldos que em 15 de julho de 1909 e em 1 de ulho de 1908 a Junta do Credito Publico tinha no estrangeiro;

Nota da venda de títulos realizada desde 31 de junho de 1908 até 10 de julho de 1909;

Nota dos creditos do Governo no estrangeiro em 15 de

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julho de 1909 e em 1 de julho de 1908, e dos depositos, nas mesmas datas, existentes á ordem do Governo no estrangeiro;

Nota dos títulos na posse e administração da Fazenda em 1 de julho de 1908 e em 15 de julho de 1909;

Nota das despesas escrituradas á conta das províncias ultramarinas, pagas pelo Thesouro na metropole, bem como das que teem sido transferidas de umas províncias para outras ou para a metropole;

Nota das despesas realizadas com guerras coloniaes desde 1889 até 1909, indicando-se por cada campanha a respectiva despesa. = Claro da Ricca.

Mandou-se expedir.

O Sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, me seja enviada, com a maxima urgencia, copia do relatorio do jury que apreciou as provas dos candidatos a um logar de segundo official do mesmo Ministerio ultimamente provido; nota dos documentos que foram apresentados pelos dois candidatos, que foram classificados em 1.ª classe, Srs. Alvaro de Azevedo e Eurico de Seabra; e bem assim copia textual e integral do decreto que nomeou o candidato, Sr. Eurico de Seabra. = Antonio Cabral.

Mandou-se expedir.

O Sr. Feio Terenas: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelas repartições competentes, me sejam dadas as seguintes informações:

Nota do numero de escolas, designando localidades, que se encontram fechadas porque os senhorios e não teem recebido as rendas das casas onde essas escolas deviam funccionar;

Nota do numero de escolas, designando localidades, cujas rendas estão sendo pagas por corporações administrativas, sem que taes escolas estejam criadas;

Nota dos processos enviados á Direcção Geral de Instrucção Primaria, pelos inspectores, em condições de varias escolas poderem ser criadas e postas a concurso, com a indicação dos motivos por que essas escolas não foram postas a concurso e estabelecidas;

Nota dos, legados recebidos e não recebidos em favor de escolas primarias; dos que se perderam porque o Governo não tomou conta d'elles nos prazos marcados pelos legatarios, e informação sobre o destino que tiveram os legados recebidos. = Feio Terenas.

Mandou-se expedir.

O Sr. Abel de Andrade: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, requeiro.:

Copia de todos os documentos existentes no Ministerio dos Negocios Estrangeiros, relativos á convenção entre o governo da província de Moçambique e o governo do Transvaal de 1 de abril de 1909 antes e depois da respectiva assinatura trocados:

a) entre aquelle Ministerio e qualquer nação;
b) entre aquelle Ministerio e o governo da província de Moçambique;
c) entre aquelle Ministerio e o negociador português, quer directamente, quer por intermedio do governo da província de Moçambique. = Abel de Andrade.

Mandou-se expedir.

Pelo Ministerio dos Negocios da Marinha e Ultramar, requeiro:

Copia de qualquer documento pelo qual o governo da província de Moçambique tenha conferido ao negociador português poderes para o representar junto do governo do Transvaal. = Abel de Andrade.

Mandou-se expedir.

O Sr. Archer da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que com a maior urgencia me sejam enviados pelo Ministerio da Fazenda:

1.° Copia da acta da assembleia geral em que foi eleita, a ultima direcção e commissão revisora da Caixa das Aposentações dos Empregados Civis;

2.° Copia dos pareceres das commissões revisoras da mesma caixa desde 1905. = Henrique de Mello Archer da Silva.

Mandou-se expedir.

O Sr. Arthur Montenegro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro mais uma vez que me seja enviada pelo Ministerio da Guerra copia do processo que correu no cominando da 1.ª divisão militar no anno de 1908 contra o alumno da Escola do Exercito José Cabral Caldeira do Amaral, que frequenta presentemente o 2.° anno do curso de engenharia militar. = Arthur Montenegro.

Mandou-se expedir.

O Sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro da Justiça sobre os motivos que o levaram a preterir o candidato que obteve a unanimidade de votos do jury que o classificou em 1.ª classe, no concurso aberto ultimamente para o provimento de um logar de segundo official do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça. = Antonio Cabral.

Para a acta.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: o meu velho amigo o Sr. Pereira dos Santos tomou a palavra em nome do partido regenerador, por elle representado nesta Camara, e desenvolveu o seu discurso offerecendo ao Governo a sua benevolencia.

Começo por agradecer esta deferencia, que consideramos de grande utilidade para as discussões que nesta casa do Parlamento hão de ter logar ácerca de propostas já apresentadas, e de outras que hão de ser trazidas aqui pelas diversas pastas.

Muito eloquentemente demonstrou o Sr. Pereira dos Santos quaes as razões por que, no seu entender, o partido que aqui representava devia dar a este Governo a sua benevolencia.

As razões são porque desde ha muito elle entende que, dadas as circunstancias políticas de momento, dado o aggravamento de paixões entre as diversas parcialidades políticas, necessario era que houvesse um Ministerio, ou todo constituído de elementos extra-partidarios, ou pela congregação de diversos partidos, que merecesse o apoio das differentes parcialidades, e que fizesse acalmar as paixões que impediam um trabalho util.

Effectivamente este Ministerio, constituído todo com elementos extra-partidarios, e com elementos até estranhos ao Parlamento, dá plena satisfação aos desejos que S. Exa. manifestou.

Disse o Sr. Pereira dos Santos ser opinião sua que os Ministerios desta natureza eram sempre os mais profícuos e os melhores, por isso que, estando desde ha muito inscrito no partido regenerador, contraditoria seria a sua

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attitude se viesse aqui sustentar a necessidade dos Ministerios extra-partidarios, e S. Exa. collaborasse com o partido a que pertence.

E effectivamente, sem a menor duvida, os grandes partidos políticos são o melhor apoio dos Governos; concorrem poderosamente para a regularidade do systema parlamentar.

Mas sabe S. Exa. muito bem que não é um facto que affecta apenas o nosso país, mas que se da em toda a parte, que os. velhos partidos historicos se desaggregam formando novas collectividades políticas, as quaes teem de ser attendidas para a regular funcção da vida política do país, e que circunstancias ha em que, tanto aqui como no estrangeiro, se aconselha que se attenda às circunstancias de momento para que se não complique ainda mais a vida política dos países a que dizem respeito.

Precisamente, era isto que se dava entre nos, devido a actual constituição da Camara dos Senhores Deputados, onde não havia fortes maiorias que representassem os partidos, mas onde havia e ha, como se viu ainda ha pouco pelo grande numero de pessoas que pediram a palavra, varias collectividades e parcialidades, sendo assim muito difficil alcançar neste momento aquillo. que preconizava o illustre Deputado.

Daqui se vê que a declaração que eu fiz de que, para corresponder a confiança da Camara e às necessidades políticas de momento, o que mais se impunha era justamente a constituição de um Ministerio extra-partidario, que pudesse merecer a benevolencia e a cooperação de todos, era a todos os respeitos justa.

Deseja o illustre Deputado que os meus collegas tragam a esta Camara as suas propostas. Disse que eram numerosos os problemas de que o Parlamento já tinha de se occupar e que indispensavel era que elle os resolvesse.

É este tambem o meu parecer.

Não se recusam os Ministros a trazer o producto do seu trabalho, mas entendo tambem que, sem termos a preoccupação de mostrar os productos do nosso trabalho, é no entanto de conveniencia para o país que se liquidem desde já os problemas que estão affectos ao Parlamento.

São elles, como V. Exa. sabe, de caracter internacional, político e economico.

Todos elles carecem de estudo e de uma resolução pronta.

Para que havemos de trazer uma grande bagagem de trabalhos feitos por todas as pastas para ficarem nas commissões e pendentes do Parlamento?...

Significa isto que o Governo não quer usar da sua iniciativa?

O Governo ha de usar da sua iniciativa, mas opportunamente e quando as necessidades do país o reclamem.

O que elle não tem é o prurido de mostrar a sua competencia pelo grande numero de propostas apresentadas; elle, acima de tudo, acima das suas proprias individualidades, colloca sempre os altos interesses do país.

Sr. Presidente: supponho que por esta forma tenho respondido ao illustre leader do partido regenerador, e só me resta agradecer-lhe mais uma vez a deferencia benevolente que prometteu ao Governo.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Castro e Solla: - Sr. Presidente: primeiro que tudo, os meus cumprimentos ao Sr. Presidente do Conselho e a todo o Governo.

Poucas palavras tenho a dizer. O Governo tem o nosso apoio incondicional nas questões de ordem publica e internacionaes.

Aguardamos os actos, as providencias, as medidas e propostas do Governo, preparadas no intervallo parlamentar. O nosso desejo sincero e sentido é o de podermos collaborar com elle, e oxala que essas propostas apresentadas, ou as medidas sujeitas ao nosso voto, sejam de molde a podermos continuar a apresentar-nos nesta attitude de benevolo cumprimento ou, o que é mais, de lhe darmos o nosso applauso. (Apoiados).

Neste momento, em que ha assuntos gravíssimos a resolver, urge que se apresentem essas propostas.

Disse o Sr. Presidente do Conselho que se apresentarão propostas que melhorem as circunstancias financeiras do país, longas medidas commerciaes e aperfeiçoamentos, dos serviços publicos.

Esperamos essas propostas e depois pronunciar-nos-he-mos com inteira, absoluta e completa imparcialidade, desejando contribuir para o prestigio parlamentar, em harmonia com os nossos princípios, e pondo acima de tudo aquillo que nos julgamos ser os interesses do país.

Temos todos a esperança de podermos collaborar abertamente, e desde já, com o Governo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: agradeço os cumprimentos que me fez o Sr. Conde de Castro e Solla e o apoio incondicional que elle acaba, de offerecer ao Governo em questões de ordem publica e internacionaes.

Esta declaração certifica quanto são primorosos os dotes de coração de S. Exa. e o seu patriotismo, sabendo por elles que S. Exa. não poderia negar apoio a nenhum Governo, fosse elle qual fosse, em questões dessa ordem.

Acercados outros assuntos declarou S. Exa. que aguarda as propostas do Governo para as julgar, desejando sinceramente que as suas providencias se possam transformar em leis uteis.

Esta o orador certo e seguro de que o Governo virá a ter o franco apoio que S. Exa. lhe offerece, porquanto não se afastara, em nada, do programma que apresentou e que mereceu a approvação do illustre Deputado.

Agradeço, pois, o apoio que o Sr. Conde de Castro e Solla me offerece.

O Governo não se afastara do programma traçado, e julgo desnecessario repetir aquillo que já tive a honra de responder ao Sr. Pereira dos Santos.

Julgo mesmo que o Governo trahiria a sua missão se por, acaso quisesse usar de larga iniciativa. O Governo não se inspira em propositos partidarios, inspira-se apenas nas circunstancias políticas de momento.

Já vê S. Exa. que não estamos aqui para engrandecimento do nosso nome; estamos apenas para prestar ao país um serviço de que elle carece.

Significa isto que os Ministros não tragam ao Parlamento aquillo que se reputa necessario? Não.

Prefiro ter uma iniciativa opportuna a trazer muitas propostas de lei que não sejam discutidas.

Aqui tem V. Exa. claramente dito qual é o proposito do Governo, e nada se me offerece acrescentar na presente occasião, se não reiterar os meus agradecimentos ao illustre Deputado.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Pinto dos Santos: - Sr. Presidente: na ultima resposta dada pelo Sr. Presidente do Conselho ao Sr: Conde de Castro e Solla, vi claramente que os intuitos do Governo eram simplesmente resolver questões transitorias.

O Governo, organizado extra-partidariamente numa conjuntura difficil como esta, diz que se propôs resolver muitas questões complexas e irritantes que não puderam ser resolvidas pelos partidos militantes, que encontraram gravíssimas dificuldades.

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Se o Governo cumprir o seu programma, e eu não tenho motivos para pôr em duvida as suas intenções, realizará nesta hora grave que nós atravessamos uma alta funcção e prestará ao país um grande serviço.

Estamos atravessando uma época critica, temos de tratar das graves questões que estão na tela do debate e cuja resolução é exigida pela nação, como são, por exemplo, as questões políticas, as questões de moralidade como a dos adeantamentos e outras mais que teem irritado extraordinariamente a opinião publica.

Se este Governo resolver estas questões, desembaraçando o terreno publico e permittindo que depois os outros agrupamentos possam governar consoante os seus princípios, terá feito um relevante serviço ao seu país. (Apoiados).

Eu não tenho motivo nenhum para duvidar da sinceridade com que o Governo se apresenta no desempenho das suas funcções, em que mediu com certeza a gravidade do problema e as suas dificuldades; faço, portanto, votos para que consigne neste momento os seus intuitos de realizar esse programma, essas ambições e esses desejos.

Oxalá que o consigam, porque se o Governo se mostrasse noutro sentido, muito mal iria, não só para elle proprio, como para todas as agremiações políticas, pois não serviria senão para contribuir para o descredito do systema representativo, por ter falhado mais uma tentativa. Espero, por consequencia, que o Governo, que é composto de homens distinctos (Apoiados), se norteie pelos bons princípios e merecerá o apoio e a espectativa de todos os partidos. Creio que o fará, porque do contrario seria mais uma desillusão para todos os que militam na política portuguesa.

Finalmente, o nosso desejo é de que nós possamos apoiar o Governo, para o que esperamos que elle se norteie nos princípios que são de sobejo conhecidos e que sempre temos advogado.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: posso assegurar ao illustre Deputado que o Governo ha de cumprir o seu dever e saber cumpri-lo. Asseguro mais que o Governo se não arredará dos princípios que aqui expus nitidamente, e que o seu único propósito será o de prestar ao país os serviços de que elle carece e de permittir que todos os partidos ou collectividades que se acham representados no Parlamento lhe dêem o seu apoio.

Disse muito bem o Sr. Pinto dos Santos que b momento era grave bastante, para todos pensarmos em que não devia falhar mais esta tentativa. Effectivamente assim é, e por parte do Governo posso dar ao illustre Deputado toda a segurança de que todos os esforços se hão de fazer, para que ella não falhe.

Tenho tambem toda a confiança de que os differentes grupos políticos que teem representação nesta casa do Parlamento prestarão ao Governo todo o concurso dos seus serviços e da sua intelligencia, para que elle possa cumprir o seu dever.

Acceito e agradeço a benevolência que me é offerecida, em nome do partida a que pertence o Sr. Pinto dos Santos; acceito e agradeço, repito, porque no Governo se trata apenas de desembaraçar a arena política das questões que impedem resolver muitas outras. - Sr. Presidente: disse já que não houve da minha parte ou da parte dos meus collegas o proposito de aggravar os partidos militantes, assim como tambem não houve o proposito de formar qualquer partido ou agrupamento, que ainda mais viesse perturbar a vida política do país. O que ha é o firme proposito de acalmação política e o de collaborar com todas as parcialidades, para que as propostas do Governo possam ser recebidas por todos.

Feito isto, eu creio que o serviço prestado pelo Governo ao país, se não é brilhante, será em todo o caso util e sobretudo patriótico.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ascensão Guimarães: - Sr. Presidente: devo fazer uma declaração em nome dos Deputados independentes, denominados amaralistas, embora o Sr. Ferreira do Amaral nos tenha dado completa liberdade de acção.

A nossa attitude, perante o actual Ministerio, será de espectativa, não deixando comtudo de reconhecer que elle não tem, nem pode ter, orientação política bem definida. Se porventura o Gabinete seguir uma orientação rasgadamente liberal, se respeitar, acima de tudo, os direitos individuaes, e, em todos os campos, a liberdade de pensamento, se der satisfação aos justos e razoaveis votos do liberalismo, português, pode este Ministerio, ou qual: quer outro com identico programma, contar abertamente com o nosso apoio político; mas só nessas condições, porque, se seguir outro caminho, outra orientação, pode contar com a nossa mais cerrada, tenaz e vehemente opposição.

Param aqui as considerações que desejava fazer em nome dos meus amigos. Nas restantes considerações, retomo a minha completa independencia, pois a ninguem consultei sobre as palavras que vou proferir, palavras que são da minha exclusiva responsabilidade.

Eu ouvi, Sr. Presidente, ante-hontem, com a maior attenção, a declaração feita por V. Exa. a respeito do incidente parlamentar que provocou a queda do Ministerio transacto a formação do actual Ministerio, e ainda o adiamento das Cortes. A declaração não podia ser mais correcta, e eu felicito tanto V. Exa. como os partidos interessados por terem chegado a uma solução que a todos honra.

Mas permitta V. Exa. que eu lamente que esta solução não tivesse sido encontrada ha dois meses, porque, assim, ter-nos-hia poupado o estarmos todos aqui, pois que p Parlamento já estaria fechado; ter-nos-hia poupado o adiamento das Camaras, cuja legalidade não quero agora discutir, como não quero deixar de dizer que esta intervenção continua do poder moderador no poder legislativo não beneficia as instituições; e, por ultimo, não se teria organizado este Ministerio, que não julgo viavel, com esta ou com outra Camara.

Eu bem sei que as minhas palavras destoam, imprimem uma nota discordante neste, com de benevolencias, que ameaça afogar o Ministerio com tanta benevolencia!

Mas, na comedia política, vê-se muitas vezes que a palavra foi dada ao homem para occultar o seu pensamento.

Este Ministerio, em minha opinião, Sr. Presidente, não anda, nem desanda; não faz, nem desfaz.

Apoia-se de um lado no partido progressista, e conserva-lhe os seus governadores civis, a que não dá força e que nada governam, e os seus administradores de concelho, que nada administram, redundando tudo numa anarchia administrativa, como não ha memoria.

Por outro lado, apoia-se no bloco, que espera anciosamente a tal demissão dos governadores civis, que ainda não appareceu, e se vae amparando com a esperança na almejada successão.

E, assim, entre duas aguas, vae singrando este Ministério, não se sabe com que rumo, nem para onde!

Este Ministerio não tem cor definida; é diaphano como um phantasma!

Acaba de dizer o Sr. Presidente do Conselho que era absolutamente extra-partidario; mas começa o seu chefe por ser um partidário dos quatro costados, não se sabendo mesmo se, no Gabinete, ainda haverá outros partidarios.

O Ministerio é cheio de incoherencias.

O conservantismo accentuadissimo e muito conhecido da

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Presidencia do Conselho esbate-se no liberalismo agudo da pasta da Justiça... com uma pontinha de demagogia; o classicismo da pasta dos Estrangeiros dilue-se no modernismo da pasta das Obras Publicas; emfim os projectos caros da pasta da Marinha e as reformas dispendiosissimas do orgão, perfilhadas pela pasta da Guerra, com algumas das quaes, aliás, concordo, vão de encontro às tendências economicas da pasta da Fazenda.

Assim, este Ministerio é um chaos, é uma perfeita antinomia, quasi um pandemonio!

Não se sabe quando ha de cair, pelo mesmo motivo por que se não sabe por que subiu.

Os actuaes Ministros não estão nos conselhos da Coroa impellidos pela opinião publica. S. Exas. foram escolhidos a dedo pelo Sr. Presidente do Conselho, que, por sua vez, tambem se não sabe por que é que foi chamado ao poder.

Eu não desejo com este asserto melindrar, ou ser menos primoroso para com S. Exa., que é um cavalheiro, extremamente bem educado, um perfeito gentleman.

Eu vou explicar as minhas palavras. Conheço, ha muitos annos, o Sr. Presidente, na sua fase de verdadeiro homem de sciencia.

Li as suas primorosas theses, os seus magnificos trabalhos de paleontologia botanica, de que talvez nenhum dos collegas desta Camara tenha conhecimento, e que eu posso assegurar que honram a sciencia portuguesa; sei que é um optimo professor; dizem me que é um engenheiro de minas distinctissimo e abalisadissimo; todos nos o conhecemos como um parlamentar de largos recursos e de palavra brilhante e espontanea.

Mas ha uma qualidade que lhe falta: S. Exa. não tem nem sei como dizê-lo - aquella energia de decisão, aquella fixidez de intuitos, é aquella firmeza absolutamente indispensaveis para o desempenho daquelle cargo.

S. Exa. não é, em política, um homem de acção.

Por isso, Sr. Presidente - francamente o digo - julgo absolutamente inviavel o actual Ministerio, heterogeneo, sem cor, sem tom, sem programma definido!

Pena foi - seja-me permittido este desabafo - que tivesse caído o Ministerio Ferreira do Amaral.

O Sr. Brito Camacho: - Não apoiado.

O Orador: - Parece, Sr. Presidente, que, por maleficio não sei de quem, já estão esquecidos, aqui e lá fora, os serviços prestados a este ingrato país pelo Gabinete da Presidencia do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral.

Talvez motive este esquecimento o terem-lhe succedido tres Ministerios de existencia ephemera por causa da constituição desta Camara, com a qual bem vivia aquelle Gabinete.

Decorreram poucos meses e já caiu no olvido!

É tamanha a injustiça, que eu peço a V. Exa. e a Camara licença para, em poucas palavras, relembrar a situação especial em que foi chamado aquelle Ministerio, e quaes os serviços relevantes que prestou ao país.

O Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral foi chamado a constituir Gabinete quando os partidos tradicionaes se julgaram, por si sós, incompetentes para resolver a crise política.

A situação era extremamente critica, extremamente grave. V. Exas. lembram-se de que, na tarde de 1 de fevereiro, a noticia do regicídio duplo, inesperada, brutal, espalhada com uma rapidez extraordinaria, de boca em boca na capital, e transmittida pelo telegrapho aos pontos mais distantes causara, em toda a parte, uma profundíssima impressão.

Eu estava então de serviço no quartel.

Estavamos, havia dias, de prevenção.

Abafava-se, ainda, sob a ditadura franquista.

Nessa noite de 1 de fevereiro ninguem dormiu.

V. Exa., Sr. Presidente, imagina certamente, porque tambem a devia ter sentido, a cruel anciedade, o enorme sobresalto, a terrível duvida que, nessa noite angustiosa, todos nos sentimos sobre o dia de amanhã nos destinos da patria portuguesa!

Nessa noite, a mesma cruel anciedade, a mesma terrível duvida deviam tê-las sentido os políticos de todos os matizes que, durante o reinado anterior, intervieram nos negocios publicos.

Mas esses políticos deviam tambem ter sentido, no intimo das suas consciencias, uma sombra da remorso pelo que haviam contribuído, mais ou menos, pouco ou muito, para esse estado de cousas, para essa horrenda tragedia que, em pleno barbarismo, se desenrolara no Terreiro do Paço, e que, então, ainda se julgasse em começo, ninguem sabia onde iria parar, todos julgavam o principio do fim!

Foi nesse momento gravissimo de crise nacional, de crise política, e, sobretudo, de crise de políticos, que foi chamado o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, e, então, o seu nome foi unanimemente bem recebido por todo o país.

Realmente, ninguem como S. Exa., por todo o seu passado, pela sua honestidade inconcussa, pelo seu valor e lealdade como militar, pelo seu liberalismo nunca desmentido, podia arcar com as difficuldades de momento; e S. Exa. soube corresponder a esta espectativa.

S. Exa. tomou conta do Governo, e, passados dias, decorridas algumas semanas, essa cruel anciedade e essa terrível duvida dissipavam-se, o socego dos espíritos restabelecia-se, emfim a quietação era geral.

O Sr. Ferreira do Amaral governou sempre com a maxima tolerancia, com o maior liberalismo, com absoluto respeito pela lei.

Com a sua natural bonhomia, venceu todos os obstaculos e desfez todos os attritos.

Aqui, nesta Camara, em nenhum debate S. Exa. ficou mal ferido. Se qualquer estocada lhe era dirigida, resvalava na sua couraça de liberal convicto, de verdadeiro homem de bem.

Encerraram-se as Camaras e tudo correu, serenamente, até se convocaram os collegios eleitoraes para a eleição das corporações administrativas. Foi a pedra do escandalo que provocou a rotura das hostilidades de um dos partidos que, nesta Camara, haviam apoiado o Sr. Amaral.

Mas esse partido não tinha razão, porque um dos actos que mais nobilitou a administração do Sr. Ferreira do Amaral foi precisamente esse.

S. Exa. havia promettido, aqui, ao país, que faria as eleições municipaes; e cumpriu a sua promessa.

Note-se que, por essa época, ninguém acreditaria, que, em Lisboa, tornaria a realisar-se uma eleição camararia !

O Sr. Ferreira do Amaral até foi accusado da pretensão de republicanizar o primeiro município do país!

Mas que culpa tinha S. Exa., que nunca teve partido, que até não consentiu, emquanto foi Ministro, que os seus amigos pessoaes se unissem aqui formando um grupo parlamentar, de que os partidos políticos monarchicos não quisessem concorrer às eleições em Lisboa?!

O Sr. Amaral, como representante do poder executivo, entendeu, e, a meu ver, entendeu muito bem, que esse poder não devia intervir nas eleições das corporações administrativas, não só em Lisboa como em todo o país, e, nesse sentido, remetteu a todas as autoridades administrativas uma circular cuja doutrina foi muito bem recebida por todos os homens que; neste país, são sinceramente liberaes.

Emfim, V. Exa. e toda a Camara conhecem os factos que occorreram depois e que fizeram cair o Ministerio Amaral; mas eu, mais uma vez, manifesto o meu desgosto, apenas por que esse Ministerio não tivesse caído, nas Camaras, perante o voto dos representantes do país.

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Esse Gabinete tinha um fim a cumprir: liquidar e fazer esquecer o passado; preparar vida nova para o futuro.

Se este programma patriotico não foi integralmente cumprido, a culpa não foi -todos o sabem - do seu presidente, dos seus Ministros.

Pertenceu a esse Ministerio o actual Sr. Presidente do Conselho.

Para S. Exa. foi sempre o Sr. Ferreira do Amaral um amigo sincero e querido, collega leal e correcto.

Correu o boato, quando caiu o Ministerio presidido pelo Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, que o actual Presidente do Conselho tinha, directa ou indirectamente, contribuído para a quem desse Ministerio.

Posso garantir a V. Exa. e á Camara que não teve fundamento algum esse boato.

Eu conheço bem o actual Sr. Presidente do Conselho, e tenho a convicção de que, sabendo S. Exa. que o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral queria cair nas Camaras, perante os representantes da nação, para não pôr a descoberto a Coroa -levava até ahi a sua lealdade monar chica - S. Exa. de maneira nenhuma desejaria ser desagradavel ao seu Presidente, e, portanto, de maneira alguma quereria collocar em má situação o seu velho amigo, o distincto almirante Sr. Ferreira do Amaral.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: o illustre orador, que falou em nome dos Deputados independentes, amigos do Sr. Ferreira do Amaral, teve duas partes no seu discurso: uma, aquella que proferiu em nome desses amigos, e outra aquella que proferiu em seu nome individual.

Na primeira parte, trouxe o illustre Deputado a esta casa do Parlamento a primeira nota discordante; na segunda parte, fez me inteira justiça.

Em nome dos amigos do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, prometteu S. Exa. ao Governo uma benevolencia ou espectativa condicional.

O Sr. Ascenção Guimarães: - Benevolencia, não!

O Orador: - Espectativa condicional.

O Sr. Ascenção Guimarães: - Só espectativa!

O Orador: - Desde o momento que se apresentam restricções, creio eu que é condicional.

Emquanto á primeira parte espero conseguir que essa espectativa condicional se transforme em apoio formal.

Ora quaes são as condições que apresenta o illustre Deputado em nome dos amigos do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, para que a sua espectativa se transforme em melhor apoio?

Essas condições são que o Ministerio actual seja rasgadamente liberal e que o Ministerio actual dê satisfação inteira ao liberalismo português.

Mas, Sr. Presidente, ácerca disso pode S. Exa. estar descansado. O Ministerio actual não é um Ministerio reaccionário; o Ministerio actual, como S. Exa. disse - desde conservador até a pontinha da demagogia - é um Ministerio liberal:

Conte V. Exa. que o Ministerio ha de ser sempre um Ministerio liberal; não será por esse motivo que S. Exa. deixará de dar o seu apoio.

A primeira parte do discurso do illustre Deputado, nas suas ideias fundamentaes ou, talvez na sua ideia fundamental, me parece, era apenas esta, encerrou-se nisto.

Iniciou depois o illustre Deputado a segunda parte do seu discurso de conta propria. Não acha viavel o Ministerio: não anda, nem desanda, não faz nem desfaz. O illustre Deputado, que não representa aqui nenhum partido político, porque creio que o Sr. Ferreira do Amaral, pelo que sempre ouvi dizer, não quer ter correligionarios; o illustre Deputado, que não representa nenhum partido politico, é aquelle que vem cheio de dores, incommodado, malquistado já com o Governo, porque não cuidou dos governadores civis, porque elle não tratou dos administradores de concelho!

(Aparte do Sr. Guimarães, que se não ouviu).

O Orador: - Ah! perdão, foi o que S. Exa. disse.

O Sr. Ascensão Guimarães: - No meu direito de critica.

O Orador: - E eu no meu direito de resposta. S. Exa. pode dizer aquillo que quiser, eu posso responder aquillo que entender. E creia S. Exa. uma cousa, e, é que me encontro sempre no meu logar, respeitando todos os direitos, mas não cedendo dos meus.

Ora, S. Exa. ha de concordar em que é realmente extranhavel que seja o representante de um grupo que creio que não tem um grande numero de votos por esse país fora, supponho eu que não tem, que seja o representante de um grupo nestas condições que se afflija porque o Governo não demitte autoridades, porque o Governo conserva as autoridades que encontrou.

Sr. Presidente: honra seja feita aos representantes de todos os partidos que até agora falaram, nem um só se referiu a semelhante circunstancia, nem um só entendeu que perante as circunstancias difficeis do país lhe era dado ou era permittido vir levantar aqui no Parlamento essa questão, e o illustre representante dos amigos do Sr. Ferreira do Amaral, que foi o primeiro a dizer que o choquement desse Ministerio, o primeiro, embaraço que elle encontrou foi a questão dos governadores civis e administradores de concelho, devia calá-lo aqui.

Sr. Presidente: crivou-me o illustre Deputado e meu querido amigo, e isto é permittido nestas lutas do Parlamento, das suas mais finas ironias. Tenho a agradecer a benevolencia com que leu os meus trabalhos scientificos e a benevolencia com que aqui os apreciou. Eu tambem conheço os de S. Exa., e como naturalista S. Exa. sabe o que são parasitas vegetaes. Eram quasi que um symbolo para os seus amigos, que não vivem de força propria, mas daquella que lhe deram os partidos. (Riso).

Sr. Presidente: ninguem mais do que eu faz justiça às intenções e aos altos serviços prestados pelo Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, depois da trágica e dolorosa tarde de 1 de fevereiro. Ninguem mais do que eu o acompanhou com lealdade e com sinceridade em todos os seus esforços para que elle pudesse levar a bom termo a missão de que fora incumbido; sabe-o S. Exa. e nunca o seu liberalismo encontrou embaraços ou impedimentos no meu conservantismo, porque, Sr. Presidente, eu posso ser conservador, mas creia V. Exa. que ninguem é mais liberal do que eu sou; vem-me isso dos quatro costados que eu não nego e de que me orgulho, do partido a que pertenci e a que pertenço.

Sr. Presidente: o partido regenerador, representado por Fontes Pereira de Mello, representado por Hintze Ribeiro, representado por todos aquelles que tenham tido a honra gloria de serem chefes desse partido, foi sempre em partido conservador liberal. (Apoiados). E nenhum ha que mais serviços tenha prestado á liberdade do país do que o partido, regenerador. (Apoiados).

Sr. Presidente: não é só no nosso país que os conservadores timbram tambem em ser liberaes.

V. Exa., que é muito lido e illustrado, recorda-se da historia da Inglaterra, e nella encontrará bastas vezes o partido conservador, tomando a deanteira do partido libe-

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ral, conseguir implantar as mais rasgadas medidas liberaes, na liberal Inglaterra. (Apoiados).

Terminando o seu discurso, o illustre Deputado referiu-se a boatos que correram, e que S. Exa. foi o primeiro a desmentir, de que eu em nada concorri para a queda do Ministerio Amaral.

Devo dizer a V. Exa. que tudo lhe agradeço até mesmo as ironias que proferiu. A justiça, essa não lha agradeço, porque me era devida.

Tenho uma larga vida publica. Todos que aqui estão me conhecem. Pode o illustre Deputado entender que a minha acção não é energica; mais ou menos é-me isso indifferente. Mas o que ninguem me pode accusar é de uma deslealdade. Não a commetti, nunca a commeiterei.

Demais, é bem claro e sabido que o que determinou a queda do Ministerio Ferreira do Amaral foi a attitude tomada pelo chefe do partido regenerador, Sr. Conselheiro Julio de Vilhena, desejando que dois Ministros do seu partido, que para o Ministerio Amaral tinham sido indicados por S. Exa., o desacompanhassem nessa occasião. (Apoiados).

Sr. Presidente: bem longe de commetter uma deslealdade para com o Sr. Ferreira do Amaral, esses Ministros foram lealissimos com elle, porque não duvidaram de quebrar íntimos laços de amizade e solidariedade política, para ficar ao lado de S. Exa.

Foi este o procedimento desses Ministros; não foi nenhum outro, nem nenhuma artimanha ou enredo que deram com Ferreira do Amaral em terra. O que determinou a sua exoneração foi a attitude tomada pelo Sr. Julio de Vilhena, altitude que alias S. Exa. jamais renegou, assumindo sempre a inteira responsabilidade della. (Apoiados).

Agradeço ao illustre Deputado o ensejo que me deu de trazer aqui estas claras e categoricas explicações: de dizer o que era de justiça e para minha justiça.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Malheiro Reymão: - Levanta-se singularmente embaraçado para usar da palavra, dizendo precisa e concisamente o que sente, porque fala numa assembleia política; porque, a tratar se de uma assembleia de outra natureza, não teria mais do que declarar-se encantado por haver-lhe o Sr. Presidente do Conselho dado occasião a ter feito conhecimento com os membros desta Camara, de quem estava ausente ha muito.

Conhece a maior parte dos actuaes Ministros, e apenas não tem relações com o Sr. Ministro da Guerra. Pelo que sabe de cada um delles, merecem absolutamente o seu maior respeito, pelas altas qualidadas da sua intelligencia, pelas largas e brilhantes provas de actividade que teem dado em toda a sua vida publica.

Mas, porque fala numa assembleia política, não é propriamente das qualidades pessoaes dos Ministros da Coroa, aos quaes rende as mais sinceras homenagens, mas das qualidades políticas do Gabinete, de que o orador tem que se occupar. E, francamente: se já era grande a sua obscuridade a proposito dos intuitos do programma do Gabinete, constituído sem "obedecer a nenhuma razão política, suficientemente explicativa; se já era grande a sua incerteza e duvida a respeito do proposito, norte e programma do Gabinete, muito maior ficou ella sendo depois das palavras anodynas, sphyngicas, reservadíssimas do Chefe do Governo.

Crê o orador que o Sr. Presidente do Conselho, que tem o seu nome firmado como um dos distinctos diplomatas do nosso país, pelas qualidades que tem revelado na gerencia da pasta dos Estrangeiros, confirmou hoje os seus creditos.

Nunca a palavra lhe serviu para tão bem occultar o seu pensamento. Disse S. Exa. que formou Governo fora dos partidos, para governar com os princípios communs a todos os partidos. Ora os princípios communs a todos os partidos são uma cousa como o senso commum, que não existe.

Elle, orador, fala tanto mais a vontade que não representa senão uma insignificante entidade parlamentar. Fala a vontade porque lhe parece que essas gravíssimas circunstancias de ordem financeira, economica e política que embaraçaram suecessivamente a acção dos differentes Governos exigem, da parte do Governo, mais clareza nas suas affirmações, que não são feitas apenas a Camara, mas ao país. É necessario mais clareza, nitidez e precisão nas declarações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, como chefe de Governo composto na sua maioria por elementos estranhos a esta Camara. Porque é doloroso e triste que seja um dos mais notaveis e distinctos leaders dos partidos monarchicos, um dos mais notaveis homens políticos do país quem venha dizer que foi necessario, sair das formulas ordinarias, criando-se um. Governo extra-partidario, um Governo original, não pela desvalia dos homens, mas pelo seu aspecto político; porque, aparte as discordancias conhecidas, ou talvez injustamente attribui-das a cada um dos Ministros, dizendo-se que uns são azul carregado e outros vermelho berrante, aparte tudo isso, o que deve conquistar a espectativa um apoio da opposição no Parlamento, só podem ser as declarações precisas, affirmações concretas, feitas pelo chefe do Governo, dizendo claramente ao país o que vem fazer, qual a missão que julga dever desempenhar nos Conselhos da Coroa.

Ora, francamente, com grande desgosto delle, orador, o Sr. Presidente do Conselho foi de uma concisão tão extraordinaria, que demonstrou o seu proposito de não dizer a Camara cousa alguma.

As responsabilidades pessoaes dos Srs. Ministros conhece-as o orador; mas a sua obra política, a sua traça parlamentar, as circunstancias que, segundo tem ouvido dizer aos chefes dos partidos tradicionaes e historicos, justificam a sua ascensão ao poder, é que não se encontram nas declarações do Sr. Presidente do Conselho, que disse que o Governo vinha apenas pedir às Camaras que lhe approvem o orçamento, o tratado com a Allemanha e discutam os sanatorios da Madeira, liquidando-se, em ultimo logar, os adeantamentos, segundo S. Exa. disse; questões essas que os partidos historicos se julgam incapazes de resolver.

Ora o tempo é para todos trabalharem, Governo e Parlamento; porque cada dia, cada hora, cada mês que vae passando em pura perda para o trabalho de restauração nacional, que é absolutamente indispensavel fazer, aggrava consideravelmente o problema, podendo, porventura, tornar-se insoluvel.

O Sr. Presidente do Conselho, sem deixar de resolver as questões pendentes, que carecem de solução immediata, como por exemplo a approvação do orçamento, a liquidação da questão dos adeantamentos, que é uma questão mais ou menos ligada por uma lei ao Parlamento, tem outras ainda como a dos sanatorios, e tambem importantes sob o ponto de vista das conveniencias, sob o ponto de vista internacional e tambem dos interesses financeiros do Thesouro.

Muito grave é a situação da Fazenda Publica e não se pode continuar por mais tempo no regime artificial em que se tem vivido, sempre na imminencia do maior e mais profundo mal.

É preciso olhar para a questão da renda publica, com o interesse que ella impõe a todos, e tambem para as questões economicas. Não é somente com tratados de commercio que se ha de conseguir resolver a crise vinícola; porque sejam quaes forem as condições que se alcancem para o nosso país, sob o ponto de vista da importação dos nossos vinhos, não se poderá lutar com os preços de producção dos paises que comnosco competem.

Portanto, se a questão é grave, se o problema é im-

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portante, se o periodo é de condescendencias e tranquillidade no terreno politico, o Sr. Presidente do Conselho, por, essa mesma razão, tem que aproveitar essa monção favoravel, não somente para se felicitar de ter arrancado o Gabinete ás lutas partidarias e poder durar mais ou menos tempo, mas para interesse do país.

Acredita elle, orador, que todos os partidos politicos do país ainda encontrarão patriotismo afazer votar o orçamento, resolver a questão dos adeantaraentos e dos sanatorios, sem que para isso tivessem de se exautorar por uma forma dolorosa os homens politicos que nesses partidos escalaram os primeiros logares e que na politica portuguesa tambem teem occupado os primeiros logares.

Como disse, não se sabe bem em nome de que se formou o actual Gabinete, porque o Sr. Presidente do Conselho nem representava um grupo parlamentar importante em qualquer das casas do Parlamento, nem fora indicado como ponto de origem, como nucleo neutro de acção, pelos chefes dos partidos politicos, que foram consultados.

Isso seria então o systema representativo a valer; mas não foi isso o que se deu. S. Exa., chamado para constituir Gabinete em condições das mais graves, sustentou a intervenção do Chefe do Estado na solução da crise, aumentando assim, mais a sua responsabilidade; não buscou no Parlamento os elementos representativos, os cooperadores da sua obra, foi buscá-los - e muito bem sob o ponto de vista das pessoas - a differentes partes do pais. Parece que até para o estrangeiro se fizeram solicitações.

Mas a verdade é que houve desdem, quasi desprezo dos homens publicos, que teem uma representação parlamentar accentuada, que por si, ou pelos seus, teem uma intervenção directa, formal, na vida politica do pais. Todos elles foram postos de parte como inuteis.

Fala o orador tomando a defesa delles porque, em meio dos seus erros graves e das suas muitas responsabilidades, pesa-lhe ver que assim se atire para a alcofa das cousas inuteis homens capazes de bem servir o seu país, que teem mostrado, em muitas circunstancias, capacidade, merecimentos, qualidades que lhes deviam conquistar outra consideração.

Mas como é singular que elle, orador, um dos partidarios de mais insignificante cotação, venha levantar a bandeira e o pendados partidos tradicionaes! Mas pesa-lhes vê-los nessa singularissima apathia, que não lhes fica bem.

Entristecem tal facto, porque o orador considera que se esses homens politicos quisessem, fazer tábua rasa de muitos dos seus antigos erros e habitos; se se dedicassem, com as qualidades indiscutiveis que muitos d'elles ou pelo menos alguns d'elles possuem, a uma administração rigorosa e honesta do pais; se quisessem dedicar a sua actividade ao estudo dos problemas que neste momento e quasi dia a dia e successivamente carecem de uma solução urgente, o país deveria esperar muitissimo d'esses homens; o que não quer dizer que não possam o Sr. Presidente do Conselho e os seus collegas desempenhar com igual brilho essa missão.

Para concluir, dirá ao Sr. Presidente do Conselho e aos seus collegas do Gabinete que desconhece a sua obra politica e não sabe quaes são os seus intentos, não podendo, portanto, traçar de ante mão a sua attitude. Faz porem votos para que o Governo proceda por maneira que todo o país o applauda e reconheça que foi optima a escolha feita.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygrapliicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Não é a primeira vez que eu tenho a honra de responder ao illustre Deputado Sr. Malheiro Reymão; por mais de uma vez tive já ensejo de o fazer.

Reconheço, portanto, quanto é perspicaz a sua intelli-gencia e como é tambem um adversario leal.

Hoje não é como adversario que o encontro aqui, mas tambem não posso dizer que, das suas palavras, eu possa ver a esperança de um apoio ao Governo: espera e aguarda S. Exa. os actos d'este Governo.

Pretende S. Exa. que as minhas declarações mais se guiaram pelo habito de ter sido Ministro dos Negocios Estrangeiros, do que pelo dever de Presidente do Conselho, porque, como S. Exa. disse, me corre a obrigação de dizer claramente ao Parlamento quaes os propositos do Ministerio actual, quaes as providencias que tenciono tomar, qual é, em todas as suas minucias, o programma do Gabinete actual.

Entende S. Exa. que a affirmação que eu fiz de que os principies do actual Governo não envolviam os desejos de qualquer campo politico, porque de todos podem ser acceitos, era uma cousa tão banal como o senso commum.

Quem me dera que o programma deste Governo fosse fazer cousas com senso commum!
E de resto, como é que a V. Exa. pode causar estranheza que haja principios commuus a todos os partidos monarchicos, quando é certo que tantas vezes, e não só no nosso país como no estrangeiro, tem havido agrupamentos politicos para resolver situações melindrosas que não podiam ser resolvidas por um só partido?

Pergunto eu ao illustre Deputado, mas dispenso-o de responder, se por acaso, dada a constituição actual da Camara, seria possivel a organização de um Ministerio baseado em qualquer partido fortemente constituido que d'elle pudesse receber e d'elle pudesse tirar as providencias que é necessario que o Parlamento vote quanto antes!

V. Exa. bem sabe que não; não era possivel organizar nenhum Ministerio partidario no actual momento; e se por acaso Sua Majestade El-Rei tivesse incumbido de organização ministerial qualquer dos chefes dos partidos fortemente constituidos, necessariamente devia vir e immediatamente lhe apresentariam o pedido de dissolução do Parlamento.

O que significa, portanto, da parte do Poder Moderador o chamamento do actual chefe do Governo?

Significa que o Chefe do Estado tentou tudo quanto o Poder Moderador podia fazer para que as Camaras vivam e collaborem com os Governos, que livremente escolheu, para que assim o país não soffra perturbações e se possa resolver aquillo de que elle tanto carece.

Seguramente, eu não sei o que se passou entre as pessoas consultadas e o Chefe do Estado, mas a tentativa de Sua Majestade El-Rei devia acatar-se e respeitar-se como sé acatam e respeitam sempre as deliberações do Chefe do Estado.

Sr. Presidente: as circunstancias actuaes são de sua natureza tão enredadas e complicadas que, como hoje se viu nesta casa do Parlamento, por vezes parece, apenas digo parece, que a logica não entra muito nas nossas discussões.

Os partidos historicos, os partidos fortemente constituidos, todas as parcialidades, com excepção dos amigos do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, prometteram a sua benevolencia, o seu apoio, em quem se afflige é o Sr. Conselheiro Malheiro Reymão. É S. Exa. que se doe todo por se terem abandonado os partidos historicos, lançados á margem os seus homens e chamados os que estão agora sentados nas cadeiras do poder.

Oh! Sr. Presidente, mas pelo facto do chamamento do actual Presidente do Conselho aos Conselhos da Coroa e dos Ministros que o honram com a sua camaradagem, pode d'ahi concluir-se que houve da parte de alguem menos consideração pelos homens publicos que teem praça assente nos partidos militantes?! Não, Sr. Presidente. Bem pelo contrario, o que se pro-

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cura é respeitar todos. O que se procura é não pender para nenhum. O que se procura é desembaraçar o momento politico actual da vida portuguesa das circunstancias que o enredam, para que depois todos elles possam continuar a prestar ao país os serviços que já teem prestado, e possam affirmar mais vezes as altas capacidades de que tantas vezes teem dado provas.

Ha aqui, porventura, a menor desconsideração seja para quem for?

Por certo que não. Ha pelo contrario o desejo de a todos considerar e respeitar.

É tambem a primeira vez que se constitue um Ministerio extra-partidario em Portugal?

Não. Se S. Exa., ou qualquer, for procurar nos annaes da historia contemporanea, encontrará uma e muitas vezes repetido este facto.

Se não era extra-partidario o Ministerio ao qual tenho a honra de succeder, não era seguramente tambem Ministerio partidario...

Porque é que o illustre Deputado só para mim reservou não direi a acrimonia, mas, emfim, as suas palavras de critica, pela organização deste Ministerio, e as não teve tambem para os Ministerios transactos pelo mesmo motivo?

Não sei; S. Exa., que é um parlamentar primoroso e muito experimentado, lançou mão de um artificio que é sempre bem recebido: contou-nos uma historia, a historia de Miguel couteiro, desse visconde que eu não sei - eu não sei quem é o visconde nem o couteiro - mas se por acaso - e não veja V. Exa. nas minhas palavras a menor allusão, o menor remoque que ellas não conteem - mas se por acaso o couteiro fosse perguntado acêrca dos intuitos d'este Ministerio, o que elle poderia dizer é que não tinha de responder ácerca do que era ditadura, porque este Ministerio não a fará.

Aqui tem S. Exa. já uma affirmação positiva e uma resposta á historia, que para. nos não serviu. (Apoiados).

Respondida assim á parte geral e ás criticas que foram feitas pelo illustre Deputado, quero ainda, despido talvez dos antigos habitos que S. Exa. tanto lastimou de ver reservados nas minhas respostas e nas minhas palavras, dizer . que eu não fui tão reservado que antecipadamente não respondesse áquillo que S. Exa. deseja.

Entende o illustre Deputado que as circunstancias financeiras são por tal forma delicadas que não ha tempo para que o Governo espere tranquillamente que se resolva a questão dos adeantamentos, que se resolvam as outras questões pendentes dos trabalhos parlamentares: deve-se desde já cuidar das questões financeiras.

Queria S. Exa. que eu lhe dissesse que o Governo traria a esta casa do Parlamento propostas financeiras?

Mas eu já fiz essa declaração; eu já disse que as primeiras propostas a serem trazidas a esta casa do Parlamento eram seguramente as do Sr. Ministro da Fazenda; pode portanto S. Exa. estar tranquillo e seguro de que nesta, parte não ha de faltar a iniciativa parlamentar para dar satisfação a S. Exa., e permitta-me, por muito que eu considere o seu alto espirito, para dar sobretudo satisfação ás necessidades do pais.

Sr. Presidente: eu quero demonstrar ao illustre Deputado quanto foi injusto commigo, dizendo que eu não gosto nunca de ser claro nas minhas respostas, de dizer tudo quanto penso e por isso vou até a alongar-me um pouco mais na resposta que lhe dou.

Entende o illustre Deputado que eu apenas com a questão dos tratados de commcrcios não resolvo a crise vinicola.

Mas, Sr. Presidente, eu tambem, e ainda hoje nesta casa do Parlamento, disse que não era só com tratados de còmmercio que essa crise se havia de resolver! Antecipadamente tambem dei satisfação a S. Exa.

O meu collega das Obras Publicas tem versado muito o assunto e creia S. Exa. que não faltarão aqui tambem propostas da iniciativa de S. Exa., ou providencias, que muitas vezes mais valem do que propostas, para que que problema se possa resolver.

Mas no que eu discordo absolutamente do illustre Deputado, e não discordo apenas theoricamente, mas por factos, é de que os tratados de commercio não sejam o principal factor da resolução da crise vinicola.

E do que inteiramente discordo é de que nos não possamos concorrer aos mercados estrangeiros com os nossos vinhos, quando tenhamos igualdade de tratamento, por isso que produzimos muito caro, ao contrario das outras nações.

Não é assim. Quer S. Exa. exemplos, não só um, mas muitos?

Veja S. Exa. que em todos os países onde a igualdade de tratamento nos vinhos nos é dado, nesses países nos mantemos uma situação predominante.

Veja S. Exa. no Brasil. Então no Brasil não concorrem os vinhos de todas as nações e sobretudo os das nações nossas competidoras mais para temer, a França, a Italia e a Espanha? E, no entanto, no Brasil a situação dos nossos vinhos é excellente, porque temos a igualdade de tratamento.

Na Inglaterra tem-se notado a diminuição do consumo dos nossos vinhos generosos desde que se promulgou a disposição de que os vinhos até 17° graus pagam um terço dos direitos que pagam os outros vinhos.

Aqui tem S. Exa. a razão por que, em meu entender, a diminuição do consumo é principalmente devida a circunstancias particulares que se dão em diversos mercados; sempre, porem, que a igualdade de tratamento seja obtida, a situação dos nossos vinhos é excellente.

Julgo ter assim respondido ao illustre Deputado e agradeço calorosamente as palavras amigas que dirigiu aos meus collegas no Gabinete.

(O orador não reviu).

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: eu, que não tenho a honra de pertencer a nenhum grupo d'esta camara e que, por emquanto pelo menos, me não filiei em nenhum partido politico, quero tambem definir a minha attitude em face do actual Governo.

Mas, antes de o fazer, tenho de referir-me ao que ha pouco num discurso o Sr. Presidente do Conselho disse, e que não quero nem posso deixar passar sem o protesto mais vehemente.

Quando nós lhe pediamos boa administração, S. Exa. alludiu ironicamente á circunstancia de não termos por detrás de nos nenhum partido. Ora nos somos cidadãos d'esta patria que teem escravizado, aviltado, calcado aos pés, desta patria que, podendo ser rica e feliz, é só a arena de quanta ambição descabida, sem fundamento, sem razão, meia duzia de individuos d'ella se lembraram de fazer. E lutar e combater esta onda que avança e ameaça tudo afundar num lodaçal, é um direito de que não abdicamos, é um dever a que não fugimos.

Posto isto e com os meus cumprimentos ao Governo, começarei por dizer que, sob o ponto- de vista administrativo, aguardo numa benévola espectativa os seus actos, embora os até agora praticados não sejam de molde a que essa espectativa assim se mantenha, a esses actos terei occasião de me referir a seu tempo.

Sob o ponto de vista politico, eu só direi que discordo absolutamente da orientação do Sr. Presidente do Conselho.

Não é no momento que atravessamos, um momento de crise angustiosissima, com uma situação financeira que é sem duvida alguma tragica, numa situação economica que está longe de ser boa, a nossa situação internacional ennegrecendo-se de dia para dia, sem um exercito, sem marinha, sem força alguma com que possamos resistir a qual-

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quer ataque, sem nada, de mãos amarradas, não é nesta situação que se pode governar com blandicias, com palavras prudentes e moderadas.

Esta é a minha opinião e espero que os factos a venham contrariar.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - O illustre Deputado reivindicou para si o direito, visto que não pertencia a nenhuma agremiação politica, de falar sobre p desenvolvimento do país de caracter administrativo.

(Interrupção do Sr. Almeida Garrett).

S. Exa. usou de um direito, de pela sua voz fazer reclamações a este ou a outro qualquer Governo. Esse direito ninguem lhe contestou, nem o contesta.

Em seguida o illustre Deputado prometteu a sua benevolencia ao actual Governo, dizendo entretanto que as minhas palavras moderadas não eram sufficientes para as circunstancias, que são difficeis.

Mas, Sr. Presidente, eu não comprehendo bem.

Não é então com palavras moderadas que se pode administrar bem o país?!...

Então com que é?

Parece-me que o que é necessario é administrar prudentemente. O que é necessario, se tanto for possivel, é seguir o exemplo do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, que nesta casa do Parlamento, como em toda a parte, não fez mais que empregar palavras mo deradas.

Eu, Sr. Presidente, entendo que justamente uma das forcas principaes que o actual Governo pode empregar é o ser moderado, pois que não é com exageros que se resolvem difficuldades.

Talvez entre a minha idade, que já não é pouca, e a do illustre Deputado, que ainda é muito novo, se encontre a differença para eu preconizar estas ideias.

Das palavras de S. Exa. vê se o proposito e o desejo de querer energia. Não sei bem em que, nem como.

Diz que a nossa situação internacional é má e que ha de ser com energia contra as potencias que rios havemos de defender. Diz o illustre Deputado que não temos exercito, que não temos marinha, e para essa situação o que nos aconselha e o que deseja são actos energicos.

O Sr. Almeida Garrett (interrompendo): - E obras!

O Orador: - O illustre Deputado sabe que a melhor voz diplomatica é aquella que soa pela boca dos canhões, mas não é dessa que pudemos usar.

Mas, Sr. Presidente, com moderação e com prudencia sabe S. Exa. que muito teem feito para bem do país os Governos que o teem administrado.

E creia S. Exa. que com moderação e prudencia hão de ser feitas as obras d'este Governo, e que assim nos defenderemos.

Sr. Presidente: de resto a isto se referiu o illustre Deputado no seu discurso que terminou por dizer que espera que nas obras do Governo nada haja, que impossibilite de conceder-lhe o seu apoio. Eu tambem assim o espero.

Terminando assim a minha resposta ao illustre Deputado, aproveito a occasião para a mandar para a mesa a seguinte

Proposta de accumulação

Da Camara dos Senhores Deputados da Nação solicita o Governo de Sua Majestade a autorização necessaria para que o Sr. Deputado Dr. José Maria Joaquim Tavares, lente cathedratico da faculdade de direito da Universidade de Coimbra, possa durante a actual sessão legislativa accumular, querendo, as funcções dos seus ditos cargos de Deputado e lente da Universidade.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, 20 de julho de 1909. = O Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino, Wenceslau de Sousa Pereira Lima. Lida na mesa, foi approvada.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Pinheiro Torres: - Declara em nome do partido que tem a honra de representar que, pessoalmente, todos os Ministros lhe merecem a maior estima e consideração e que no Sr. Ministro da Fazenda reconhece o continuador das altissimas e nobilissimas qualidades de caracter de seu pae, o Sr. Conde de Samodães. Deve, porem, acrescentar que, como entidade Governo, tem serias apprehensões a respeito da sua constituição e viabilidade.

Deplora o desprestigio da patria, mas filia-o no desprestigio do Parlamento e no constante esmagamento dos direitos do povo, que mais uma vez se acentuaram, pois não sabe a que indicações parlamentares ou a quaes correntes de opinião publica obedeceu a constituição do actual Governo.

Entende que o tempo não vae para situações duvidosas, nem de equilibrio, que nada significam nem remedeiam; e se o Governo não tem força, nem coragem civica, para arcar com os problemas do actual momento, que se demitta porque assim prestará um grande serviço ao país.

Acha gravissima a questão da ordem publica e da disciplina dos espiritos, e para ella, do mesmo modo que para a questão, da educação civica, que se prende com a questão eleitoral, chama a attenção do Governo para que salve o país da anarchia mental em que elle vive e para que lhe responda se tenciona trazer ao Parlamento qualquer medida de caracter eleitoral.

Se em questões de tanto porte não proceder como deve ha de reconhecer como uma grande verdade que o poder da soberania está no povo.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: concluiu o illustre Deputado o seu notavel discurso dizendo ao Governo que não esquecesse que o poder e a soberania do povo está no povo.

Ora é justamente para servir a todo o povo português e a nenhuma parcialidade politica, que o Governo aqui se encontra.

Sr. Presidente: eu não quero usar de um falso expediente, que era pôr em contradicção o illustre Deputado nas diversas passagens do seu. discurso.

Entende o Sr. Pinheiro Torres que é indispensavel que eu defina a minha attitude, que eu, empenhe e segure uma bandeira. Ora, Sr. Presidente, a bandeira que eu neste momento empunho e seguro é a bandeira do país. É para essa que estamos aqui a trabalhar, não é para a bandeira de um partido avançado ou extremamente conservador, para não dizer reaccionario. E essa bandeira que eu asseguro a S. Exa. que hei de defender.

Diz o illustre Deputado que é necessario resolver longe dos partidos o problema eleitoral, que quando aqui entrou logo desejou que isso fosse feito.

(Interrupção do Sr. Pinheiro Torres).

Sr. Presidente: eu desde já asseguro a V. Exa. e ao illustre Deputado que uma das propostas de minha iniciativa será justamente uma reforma eleitoral.
Entregue ao Parlamento, elle resolverá. Do que S. Exa. pode já ficar certo é de que essa reforma, como S. Exa. deseja, será rasgadamente liberal.

Sr. Presidente: quis o illustre Deputado acentuar algumas frases com que respondi ao Sr. Ascensão Guimarães. Devo dizer que, respondendo a esse illustre Deputado, só

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quis usar de argumentos que pudessem servir de defesa ás finas ironias que S. Exa. me dirigiu. Parece-me que isso era justo.

Dois pontos houve que mais interessaram o illustre Deputado: a questão de ordem publica e a questão de educação civica, appellando para este Governo para que defina a sua situação e diga o que tem a fazer. Neste ponto quasi que attribuiu a responsabilidade de tudo que hoje ha de mau no país a este Governo, que apenas tom dois meses de existencia!

S. Exa. foi até apresentar para modelo Clemenceau, o antigo chefe do Governo francês.

Ora acêrca de ordem publica recordo-me precisamente o do que ainda não ha muito tempo Clemenceau dizia no Parlamento galo:

"Se sou tolerante, chamam-me fraco; se reprimo, chamam-me brutal; se uso uma repressão tolerante, chamam-me incoherente".

Em questões de ordem publica ha sempre necessidade de proceder com o maior cuidado, attendendo ás circunstancias de momento, e não se querendo fazer uma inutil exhibição de forças. Mas creia S. Exa. uma cousa: tolerante, mas firme ha de ser sempre este Governo, e as questões de ordem publica hão de merecer a sua attenção.

Com respeito á educação civica, como quer o illustre Deputado que em dois meses- de Governo os meus collegas e eu tivéssemos estudado todos os defeitos que S. Exa. aponta!

Como quer que questões que dimanam de tantas circunstancias, como é a tradição, a raça, as questões de ensino, de educação publica e domestica, e até da educação politica de que tanto enferma a educação do país; como quer o illustre Deputado, nestas condições, pedir contas ao Governo de que o estado da nossa educação civica seja mau?

Não é seguramente bom, mas é pela acção de todos nos que isso se ha de corrigir, e creia o illustre Deputado, uma cousa, e é que a acção do Governo, seja elle qual for, pôr si só, nada pode remediar.

As questões de educação civica, que se prendem com questões de raça e outras, e o illustre Deputado, que é muito intelligente e muito lido e competente no assunto, não pode deixar de saber, são questões que mais vivamente agitam todos os partidos.

O illustre Deputado não pode ignorar isto, e porque o não ignora, sabe muito bem que não é pela acção de um Governo, por muito que elle dure, que essas questões hão de ser resolvidas; é pela acção prestante de todos e pela collaboração de todos os partidos que essas questões podem encontrar solução.

Agora, na parte commum do Governo, pode S. Exa. estar certo que essas questões serão cuidadosamente apreciadas e que nenhum acto se produzirá da sua responsabilidade que possa trazer deslustre ou que possa enfermar ainda mais as más condições em que, porventura, se encontra a educação civica do povo. Mas justamente um exemplo que todos nos podemos dar, Parlamento e Governo, é o de nos associarmos e collaborarmos para desembaraçar a politica portuguesa dos problemas que a embaraçam e tornar, quanto possivel, mais fecunda a acção de Governos mais fortes, de Governos que se apoiem sobre partidos bem constituidos e solidos, por maneira a dar ao país tudo quanto elle deseja e precisa.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Brito Camacho: - Accentua que a attitude do partido republicano em face do actual Ministerio é a que tem sido perante outros, porque se trata da defesa de principios e não da defesa de homens; mas, por isso mesmo que o seu interesse não é simplesmente o de derrubar Governos, não terá para com elle uma attitude de luta systematica.

Entra depois em considerações de caracter politico e dirige ao Governo as seguintes perguntas:

Se o Governo considera encerrada a sessão logo que termine o prazo da actual sessão legislativa, embora não estejam yotadas as leis constitucionaes e iniciada a discussão do orçamento.

Se o orçamento que o Sr. Ministro da Fazenda tenciona apresentar é o que foi elaborado pelo Sr. Espregueira e que uma parte da Camara que apoia o Governo classificou de suspeito, embora a seu ver injustificadamente.

Se é verdade que o Sr. Ministro da Guerra tencione trazer ao. Parlamento uma reorganização do exercito tal como saiu do Conselho de Defesa Nacional e que não foi acceita pelo Sr. Sebastião Telles.

Se porventura a mudança do arsenal para a outra margem é considerada como o primeiro assunto á tratar pela pasta respectiva, comquanto seja certo que, não havendo verba para a acquisição de material naval, inutil se torna essa mudança.
Se em relação á questão colonial o Governo tem um plano assente e definido.

Se é intenção do Governo trazer ao Parlamento o tratado entre Moçambique e o Transvaal para que o Parlamento possa affirmar o seu direito de approvação ou rejeição e se tenciona fechar as negociações com a China acêrca de Macau sem dar satisfação desse facto ao país.

Por ultimo entende que se o Governo, realizar toda a obra que promette condemnará de vez ao ostracismo todos os partidos politicos que conduziram o país á situação desgraçada em que elle se encontra.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Emygdio Lino da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro se consulte a Camara sobre se consente a prorogação da sessão até liquidação do assunto de ordem era discussão. = Emygdio Lino da Silva.

É lido na mesa.

Consultada a Camara, é approvado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Cumpre-me responder ao Sr. Dr. Brito Camacho. Já não é a primeira vez que, nesta casa do Parlamento, eu tenho a honra de responder a S. Exa., e sempre, da parte de S. Exa. para commigo, os debates nesta casa do Parlamento teem sido dirigidos com aquella serenidade, com aquella correcção que tão bem se dão com o seu caracter e que mostram é seu proposito de bem servir o seu país.

O illustre Deputado disse que falava em nome de principios e não em nome de homens; que lhe era indiiferente que o Governo tivesse saido dos partidos politicos ou fosse extra-partidario: reconhecia como absolutamente legitima a absoluta liberdade que, pela Carta, El-Rei tem de escolher livremente os seus Ministros.

Eu não falo tambem em nome da defesa de homens, tanto mais que tenho bem demonstrado isto na sessão de hoje. Não tenho nenhum partido a apoiar-me, mas simplesmente todos a offerecerem a sua benevolencia para que o Governo possa caminhar e resolver questões de momento que tanto interessam á politica portuguesa e ao país que sejam resolvidos. Os principios que eu aqui sustento são os principios monarchicos, os principios que o illustre Deputado defende são os principios republicanos; tanto um como outro o fazemos com plena convicção, com absoluto ardor, e seguramente S. Exa., que já mais de uma vez se tem defrontado eommigo nesta casa do Parlamento, sabe

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bem que nunca me fallece nem a minha convicção, nem o profundo respeito que eu voto aos principios.

Entende S. Exa. que as instituições podem valer de muito na forma como as sociedades sejam administradas; seguramente, as instituições podem valer de muito e podem ser optimas para um país e nocivas para outro. E por isso que eu, reconhecendo, como seguramente ninguem pode deixar de o fazer, a todos os países a absoluta liberdade que teem de escolher a forma por que se regem, entendo que para o meu país nenhuma forma é mais adequada ás suas tradições, mentalidade, estado de educação civica, a tudo quanto nelle se encontra, como a forma monarchica; é por isso que a defendo e a sustento.

Posta a questão de principios, disse o illustre Deputado que nunca combate systematicamente nenhum Governo, e que, pelo contrario, se alguma providencia fosse apresentada pelo Governo, fosse qual fosse, que merecesse o apoio da Camara, não a combatia systematicamente.

Deseja S. Exa. que eu lhe responda se dado o adeantado da sessão eu encerrarei o Parlamento sem que estejam cumpridos os preceitos constitucionaes. Nas declarações que eu fiz S. Exa. devia ter visto qual é o meu proposito.

O meu proposito é appellar para o Parlamento para. que elle delibere sobre todas as leis annuaes que pela Constituição deve resolver. Este é o meu proposito, o meu desejo.

Acerca de outros assuntos ainda me interrogou. S. Exa. desejou que eu lhe respondesse acêrca do Transvaal e appellou ainda para os meus collegas para que lhe dessem respostas precisas sobre os factos concretos, sobre os quaes as deseja.

Os meus collegas tomarão a palavra para responder precisa e concretamente ás perguntas do illustre Deputado.

Acerca do Transvaal, devo dizer que o Governo se encontrou perante um tratado assinado e em plena execução. É intenção do Governo trazer ao Parlamento os documentos que sobre o assunto estão colligidos e quasi totalmente impressos, e haverá então elementos para discutir o assunto.

Parece-me, portanto, que nesta occasião fazer uma discussão mais larga será contraproducente. Isto não quer dizer que eu não entenda que com a assinatura do tratado por parte do representante da provincia de Moçambique nos estamos para todos os effeitos ligados áquella convenção; convenção que não reputo senão um acordo entre os governos de provincias ultramarinas de duas nações.

Os tratados entre as potencias são aquelles que, segundo os preceitos constitucionaes, teem de vir ao Parlamento.

Não são o mesmo que convenções, que se fazem entre provincias do ultramar.

O que se passa em relação a Macau é inteiramente differente do que se passa referente ao Transvaal.

Ahi o que se trata é entre os Governos de dois países; trata-se da limitação das fronteiras de Macau com a China. Nesse caso, pelo artigo 10.° do Acto Addicional de 1852, deve se trazer a convenção ao Parlamento para que elle a transforme em lei.

Mas o que se passa com o Transvaal não é uma convenção entre duas potencias: é uma convenção entre provincias, do ultramar.

Veja o illustre Deputado quanto é diversa a situação entre estes dois assuntos, para os quaes S. Exa. chamou a attenção do meu collega dos Negocios Estrangeiros, embora eu esteja respondendo, dispensandorme de mais palavras.

Aos outros Srs. Ministros, eu não quero tirar-lhe o prazer de responder ao illustre Deputado, e pode S. Exa. estar certo e seguro de que o Parlamento estará habilitado com todos os documentos que forem necessarios.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azeredo): - Sr. Presidente: o illustre Deputado Sr. Brito Camacho deseja que eu. lhe responda concretamente com relação aos assuntos que estão pendentes á apreciação desta Camara, e aproveitou a occasião para me dirigir palavras de immerecido louvor, que muito me penhoraram.

Lisonjeia-me extremamente que um homem tão conhecido, que tem tornado tão notorio o seu nome, que tem affirmado as suas qualidades de intelligencia e um brilhante caracter, me dispensasse as palavras de elogio que me dispensou, a mim, que tenho vivido justamente numa obscuridade, que de maneira nenhuma justifica uma apreciação tão favoravel (Não apoiado) de um homem que vive na atmosphera intelligente do país.

Permitta-me tambem V. Ex.a, Sr. Presidente, que eu agradeça nesta occasião a um e outro illustre Deputado, que hoje tambem se dirigiu a mim com frases muito amaveis.

Nellas envolveu tambem o nome de meu pae, fazendo vibrar assim as cordas mais sensiveis do meu coração.

É realmente muito agradavel para mim que, na mesma sessão, um Deputado republicano o representante do partido que posso dizer a extrema direita monarchica da Camara e encontrassem palavras de tanto affecto para um homem que não conhecem pessoalmente1, pois que não tenho a honra de conhecer nem um nem outro.

Isto dá-me esperança de que realmente inspiro confiança a todos, e isto não pode ser com certeza pelo brilhantismo da minha intelligencia, nem pelas obras que tenho produzido.

A unica forma que pode trazer esta apreciação é seguramente a diligencia de manter sempre uma linha de conducta honesta (Apoiados) e de não desmerecer o nome honrado que herdei.

Posto isto, vou responder ao illustre Deputado.

Perguntou S. Exa. se entre as propostas que eu tenciono apresentar ha um orçamento sob a responsabilidade do Sr. Conselheiro Espregueira.

S. Exa. com certeza não pretendia que eu apresentasse outro.

Todos sabem que um orçamento bem feito seria materialmente impossivel de fazer.

O trabalho do Sr. Conselheiro Espregueira é insuspeito para mim; se o é ou não para a Camara, isso não sei.

Não posso deixar de considerar este documento á luz do mais imparcial conceito.
Eu tenho procurado analysar successivamente, tanto quanto o tempo me tem permittido, as verbas desse orçamento.

Dentro em pouco vae ser apreciado e estou convencido que elle virá em condições de que suspeitas não poderá haver. Poderá haver, sim, mudanças de uma ou de outra applicação de dinheiro, mas suspeitas sobre despesas encobertas ou disfarçadas, é que não deve haver, e, se as houver, desapparecerão no decurso da discussão.

Era isto que tinha a dizer á Camara e em. especial ao illustre Deputado que me deu ensejo de erguer hoje a minha voz nesta casa do Parlamento.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Elvas Cardeira): - Sr. Presidente: tomei a palavra para responder ao illustre Deputado Sr. Brito Camacho sobre o ponto em que elle deseja ser elucidado, isto é, só eu apresentava a proposta de organização feita pelo Conselho de Defesa Nacional.

Logo que eu assumi a pasta da Guerra, ao receber os cumprimentos dos officiaes que me foram felicitar, pro-

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metti trazer ao Parlamento as duas propostas que estavam elaboradas pelo Conselho de Defesa Nacional, uma d'ellas a do recrutamento, que eu considero a primeira e a mais necessaria, por isso que torna pessoal e obrigatorio o serviço militar, com a qual me conformo por completo, e a da organização do exercito, da qual discordo em muitos pontos, como consta das actas da secção do Conselho de Defesa Nacional, visto que eu tinha feito parte dessa secção.

Essas propostas apresentá-las-hei ao Parlamento e aqui, de acordo com a commissão de guerra, farei todas as observações que forem necessarias e direi então os pontos em que discordo.

Apresento estas duas propostas por entender que sou obrigado a isso pelo artigo 5.° do regulamento da defesa nacional.

Não concordo com a proposta apresentada a este Parlamento pelo Sr. Sebastião Telles, e não me conformo porque entendo que uma organização se deve apresentar como deve ser no futuro; agora trazer uma organização, deixando margem para que no anno immediato se torne preciso modificá-la, entendo que não se deve fazer.

Havia outro projecto que estava em estudo, que era o estado maior general, e que não chegou a tempo de ser presente á Camara.

É provavel que eu apresente um sobre o serviço de estado maior, por isso que ha tanta differença de promoções entre officiaes do mesmo corpo.

Opportunamehte apresentarei á Camara este projecto, para ella decidir se é ou não vantajoso.

Parece-me, Sr. Presidente, ter assim respondido ás perguntas do illustre Deputado Sr. Brito Camacho.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Terra Vianna): - Sr. Presidente: o illustre Deputado Sr. Brito Camacho fez-me duas perguntas: uma com relação aos negocios de marinha, e outra relativa aos negocios do ultramar. Perguntou-me S. Exa. se a transferencia do Arsenal de Marinha para a Outra Banda tinha sido adoptada por mim. Respondendo a S. Exa., direi que considero indispensavel a transferencia do Arsenal de Marinha para a Outra Banda; é uma providencia a tomar pela ordem natural das cousas.

Com relação aos negocios do ultramar, entendo que o plano do fomento colonial consiste no desenvolvimento material das colonias, na construcção de novas vias de communicação e no prolongamento d'aquellas que actualmente estão sendo executadas, pela força dos orçamentos das diversas pastas.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Roma du Bocage): - Sr. Presidente: não faria uso da palavra, em hora tão adeantada, se não desejasse agradecer as amaveis referencias que nesta casa, a que outrora pertenci, me foram hoje feitas.

Agradeço de uma vez a todos, mas não queria faltar a esse dever, e digo isto porque o Sr. Presidente do Conselho já deu ao Sr. Brito Camacho a resposta que podia dar.

Trata-se de um tratado com uma potencia. Ha, portanto, duas potencias discutindo entre si uma questão.

Tem-se dito que existem difficuldades graves neste assunto.

Tudo quanto se tem dito acêrca da questão de Macau não tem fundamento.

Acerca de Cantão, quando a situação se torna mais insistentemente perigosa, tem o Governo Português procurado harmonizar as cousas peia melhor forma.

As negociações com o Governo do Celeste Imperio não vão bem nem mal, pois apenas houve uma primeira conferencia de trabalho e não se realizou ainda mais nenhuma.

Comprehende perfeitamente a Camara que não posso dar-lhe informações sobre um assunto de natureza diplomática. Tenho de guardar silencio.

Entendo que deve haver confiança, não para mim, mas aquella confiança que o poder legislativo deve ter no poder executivo, para elle poder representar a nação. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. João de Menezes: - Como a hora vae adeantada, o que tencionava perguntar ao Sr. Ministro da Justiça vae num aviso prévio que mando para a mesa.

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro da Justiça acêrca do modo. como teem sido observadas algumas leis que dizem respeito á Companhia de Jesus. = João de Menezes.

Para a secretaria.

Como me resta ainda uma duvida, acêrca da resposta dada pelo Sr. Presidente do Conselho ao meu collega Sr. Brito Camacho, aproveito a occasião para formular á pergunta, pois é possivel que não tivesse ouvido bem. Essa pergunta, muito simples, é a seguinte:

Faltam dez dias para terminar o periodo de tres meses d'esta sessão parlamentar. Nesses dez dias evidentemente não é possivei discutir-se, como é desejo de toda a Camara, intelligente e largamente o Orçamento Geral do Estado. Por isso pergunto a S. Exa., se no caso de não estar concluida a discussão do orçamento, d'aqui a dez dias, tenciona propor a prorogação da sessão até o orçamento ser discutido convenientemente e votado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - O illustre Deputado perguntou-me o que tenciona o Governo fazer se, terminado que seja o periodo da actual sessão legislativa, o Orçamento ainda não estiver votado. O que posso responder a S. Exa. é uma cousa. O que regula o assunto é o artigo 7.° do decreto de 1896, e o Governo ha de integralmente cumprir essa lei.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição e terminado o assunto.

A proxima sessão é na sexta feira, á hora regimental.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas e 25 minutos da tarde.

Documento mandado para a mesa nesta sessão

Representação

Da Companhia Real dos Caminhos de Ferro através de Africa, pedindo que as suas reclamações sejam submettidas a um tribunal arbitrai, como se determina no contrato de concessão.

Para a acta.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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