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RECTIFICAÇÃO
Foi omittido o nome do sr. Fortunato de Mello no numero daquelles srs. deputados que o sr. presidente declarou estarem inscriptos para fallar sobre a materia, quando terminou a discussão do bill de indemnidade.
Discurso do sr. ministro da fazenda, proferido na sessão de 15 do corrente, publicada no Diario de hontem, e que devia ter logar a pag. 1038, col. 3.º, lin. 50.º
O sr. Ministro da Fazenda (Dias Ferreira): — Sr. presidente, a camara acaba de ouvir um longo e eloquente discurso, em que se apreciaram as medidas da situação passada, a politica geral da sua administração, e em especial o alcance e vantagens das medidas que o governo de que tenho a honra de fazer parte revogou em dictadura.
Poucas palavras direi sobre esta larga discussão. Não discuto agora (e discuti-as largamente n'esta casa) as medidas da iniciativa da situação passada, os melhoramentos que os cavalheiros que faziam parte do ministerio passado prestaram ao paiz, nem mesmo as largas consequencias da sua politica. Hei de, quando me for conveniente para a ordem dos meus argumentos, aproveitar o que for indispensavel do debate a que a camara tem assistido, e agora procurarei restabelecer a questão, que esta sujeita á téla do parlamento, aos seus verdadeiros termos.
A questão que se discute é muito diversa e distincta da que tratou o illustre deputado. Não apreciamos nas suas vantagens intrínsecas as medidas que se revogaram em dictadura. A questão é inteiramente outra. As circumstancias em que se achava o paiz quando este gabinete tomou conta da governação publica, as circumstancias imperiosas da occasião, as necessidades da ordem publica, o pronunciamento da opinião em toda a parte, reclamavam ou não a revogação prompta d'estas medidas? Esta é que é a questão.
Ainda que as leis revogadas fossem as melhores do mundo, e trouxessem a salvação a todos os ramos da administração publica, quando um paiz inteiro pronuncia o seu voto contra ellas, os poderes publicos têem obrigação de respeitar esta manifestação e de se apresentarem do lado do paiz.
Teria o governo muito prazer em revogar essas medidas em dictadura? Não fez o governo todas as diligencias para vir a um accordo com o parlamento, apesar das reclamações energicas do paiz para que o governo, primeiro que tudo, aconselhasse a dissolução da camara electiva? E apesar d'isso não procurou o governo todos os meios de evitar uma alteração politica? Não empregou todas as diligencias, não quiz vir a todos os accordos e a todas as transacções rasoaveis?
Mas quando se desenganou de que, não obstante as suas boas disposições para vir a uma conciliação parlamentar, não encontrava ahi os meios de desarmar de prompto a inquietação popular, o governo não podia hesitar, sem ser criminoso da gravissima responsabilidade que lhe resultava se o movimento popular fosse mais longe, se a inquietação popular tomasse outras proporções (apoiados).
Eu concordo com o illustre deputado em que é necessario elevar e não abater os poderes politicos, e que é para lamentar que o poder executivo se visse na necessidade de tomar attribuições extraordinarias, e que em circumstancias normaes só poderiam ser exercidas pelos corpos collegislativos. Eu lamento o facto, e espero que a lição que deu o paiz a todos os poderes publicos os advirta da necessidade de não provocarem mais a essas medidas excepcionaes e extraordinarias (apoiados). Pela minha parte julgaria abaixo da dignidade dos homens publicos que elles sacrificassem as suas opiniões, as suas crenças, os seus principios, a falsas ou verdadeiras popularidades. _ Quando as exigencias populares não estão em harmonia com as convicções, com os principios e com as crenças dos homens que estão á frente da governação publica, longe de mim aconselhar a estes que sacrifiquem as suas opiniões, os seus principios o as suas crenças a essas exigencias. Mas os principios ensinam o meio de saír d'estas difficuldades. Os governos abdicam, quando os desampara a opinião do paiz, quando lhes falta a confiança dos corpos co-legislativos, ou quando se não reputam á altura da sua missão. E absolutamente impossivel governar com proveito para a causa publica, quando os poderes publicos dizem uma cousa e o paiz diz exactamente o contrario (apoiados).
A reforma administrativa seria excellente, más eu que a combati largamente n'esta casa, e a camara sabe que a discuti com vehemencia, eu, digo francamente a v. ex.ª, que, fazendo inteira justiça ao cavalheiro que apresentou aquelle trabalho, que denota grande somma de esforços intellectuaes, muito estudo e um pensamento devidamente combinado, fazendo inteira justiça ao pensamento que presidiu áquelle trabalho e á alta intelligencia que elle revela, ainda hoje estou convencido de que, se aquella medida chegasse a executar-se, era uma grande calamidade para este paiz (apoiados).
O paiz não aborrece as politicas reformadoras, o eu sou apologista das politicas reformadoras, mas com uma modificação. Essas politicas reformadoras, em logar de se irem estudar só desde Badajoz até á Russia, devem estudar-se antes de tudo no interior do paiz, nas suas leis, nos seus habitos, nos seus preconceitos mesmo (apoiados). É muito conveniente ler tudo o que ha nas nações estrangeiras; é muito conveniente que nós saibamos a maneira por que regem e administram as suas finanças e os seus negocios as nações vizinhas; tudo isso é muito vantajoso, mas a primeira questão a estudar, a questão dos homens praticos, dos homens do governo, dos homens que entendem que as medidas politicas não consistem em simples combinações scientificas feitas no remanso do gabinete, é estudar os habitos e costumes dos povos, a sua indole e estado de civilisação.
E, sr. presidente, medidas ha que, por mais excellentes e mais vantajosas a um paiz, não podem executar-se, quando os que estão encarregados do promover a sua execução se acham já cansados no espirito publico, e quando o favor da opinião já os desamparou.
Francamente; foi só a reforma administrativa, foi só a lei do imposto do consumo que creou a actual situação politica do paiz? Não. Estava já preparada por circumstancias anteriores.
VV. ex.ªs sabem perfeitamente que a crise financeira tomou proporções graves e assustadoras no anno de 1866; que o governo se viu obrigado a levantar fundos em circumstancias difficeis, porque o preço do dinheiro subiu em toda a parte, e que a situação financeira do nosso paiz começou de incutir certos receios a todos.
É qual foi o caminho que o governo de então seguiu para conjurar as difficuldades?
Não quero aggredir nenhum dos cavalheiros que fizeram parte do gabinete demissionário, quero só explicar a situação politica em que nos achavamos collocados, para revogar algumas medidas votadas no tempo do ministerio passado.
Essa situação ou se demorou muito tempo em satisfazer as necessidades publicas, ou foi tomando medidas e creando instituições que ninguem contestava em principio, mas que eram inopportunas pela occasião. Quando o paiz inteiro anciava pela resolução da questão de fazenda, quando todos desejavam que se fizessem as possiveis reducções e economias, que se recorresse mesmo ao imposto, como meio de attenuar o desequilibrio entre a receita e a despeza; w. ex.ªs sabem bem qual foi a medida que discutimos em primeiro logar no começo da sessão passada.
Quando os governos, apesar do seu bom systema, apesar de todas as suas idéas reformadoras, seguem um caminho que não agrada ao paiz; e em logar de considerarem antes de tudo a opinião publica e os habitos e necessidades dos povos, olham só para os livros e para as leis estrangeiras, podem fazer os mais excellentes trabalhos scientificos, mas não podem governar com proveito um paiz constitucional.
As providencias tomadas contra o voto da opinião publica, alem de não serem devidamente combinadas, levaram o paiz ao estado em que o encontrámos. E desenganemo-nos de que, se nós continuássemos n'este caminho, o paiz retomava a mesma posição.
O paiz collocava-se immediatamente contra nós, porque é paiz não podia estar satisfeito, só com a mudança de individuos.
Muito talento, muita illustração e muita probidade tinham os cavalheiros que faziam parte do ministerio passado, mas em logar de caminharem com os votos, com a opinião publica, e de estudarem os costumes e as necessidades do paiz, seguiram o systema exactamente opposto. Foram para a politica reformadora, politica que eu adopto e aprecio, mas que deve ser modificada e reformada em harmonia com as circumstancias, habitos e civilisação dos povos.
N'esta epocha não podem emprehender-se reformas de serviços, que não sejam determinadas pelos principios da mais stricta economia.