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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quer v. ex.ª saber o que disseram aqui os srs. deputados? (Leu.)

Mas para que hei de eu estar a cansar a camara com a leitura dos calculos feitos pelos srs. deputados, quando a camara sabe perfeitamente ainda a impressão que taes apreciações lhes deviam fazer?

Mas quer v. ex.ª ver o que ha de verdade nos calculos e phrases dos illustres deputados? Quer a camara saber o que dista das apreciações dos srs. deputados ao que é verdadeiro? Isto é official (mostrando á camara um papel, e leu). Aqui tem v. ex.ª como os illustres deputados se enganaram; se no anno de 1869 as taxas fixas sem addicionaes eram 489$375 réis, o valor locativo 5:493$400 réis, taxas fixas correspondentes a 5 vehiculos, 21 creados e 437 cavalgaduras, a percentagem complementar não podia ser 60$000 réis!! Se no anno de 1870 as taxas fixas no concelho da Guarda, sem addicionaes, são 644$250 réis, valores locativos 5:493$400 réis, taxas fixas correspondentes a 3 vehiculos, 25 creados e 579 cavalgaduras, a percentagem complementar não podia ser 60$000 réis, como asseveraram os illustres deputados, mas 132$484 réis. Aqui têem a camara e v. ex.ª a justiça, exactidão e verdade que presidiu aos calculos dos meus collegas! Que distancia não ha de tudo isto para o que s. ex.ªs asseveraram!

Eu estou com grande receio que os illustres deputados, a quem me refiro, me julguem menos delicado e attencioso para com suas pessoas, mostrando a injustiça com que foram tratados os meus constituintes, que nunca se recusaram ao imposto quando lhe é distribuido (o orador com vehemencia), injustiça para commigo, pois esta pequena intelligencia que aqui está (apontando para elle orador), esta voz humilde ainda tem o vigor necessario para se erguer aqui e interpellar os srs. ministros se as cousas corressem como as pintaram os illustres deputados na Guarda ou em outra parte.

Nós, sr. presidente, somos deputados da nação, representâmos todo o paiz, e não um retalho d'elle, temos obrigação de zelar todos os seus interesses, e um dos primeiros deveres do deputado é fiscalisar os negocios da fazenda publica (apoiados). É este um dos seus primeiros deveres, repito (apoiados); e eu, tendo assento n'esta casa, seria réu de grande crime se não interpellasse o sr. ministro da fazenda, e deixasse correr aquelle estado de cousas; ainda bem que os illustres deputados é que estão em erro.

Mas não pensem os meus collegas, e não pense alguem que eu pretendo empanar o brilho das phrases elegantes pronunciadas por s. ex.ªs n'esta casa, nem tão pouco lançar desfavor ou fazer perder de conceito na opinião publica os discursos dos srs. deputados; nem elles desmerecem... não desmerecem... porque o erro é de calculo, os calculos podem estar errados e os discursos serem bellezas de arte. Ha muita cousa assim... ha grandes anachronismos em alguns quadros, e comtudo esses quadros são primores de arte. Ha um quadro de Rubens, era que o artista teve a vaidade de se retratar vestido de soldado e em trajes da sua epocha, combatendo no pretorio de Pilatos contra a furia dos judeus em defeza do Divino Mestre; pois com este grande anachronismo o quadro é uma belleza de arte, é uma cousa admiravel.

Os discursos dos illustres deputados pedem estar n'este caso, podem ser uma belleza de arte, comquanto os calculos estejam errados e as apreciações sejam falsas, e eu prezo sempre o talento, que é o apanagio mais glorioso e mais illustre do homem superior; mas o talento que não faz propaganda de más doutrinas (apoiados), quando do foco do genio não parte o fogo que queima, mas sim a luz que allumia (apoiados).

Não pensem que tenho por fim censura-los, pelo contrario não quero tirar o valor aos seus discursos, não quero.

Sr. presidente, se eu quizesse combater este projecto da contribuição sumptuaria, usaria de um só argumento, que seria por si só bastante, e permitta o sr. ministro da fazenda, que me honra com a sua amisade, e em quem respeito não só as virtudes do cidadão, mas uma grande honestidade como homem publico, que eu lhe diga, que no estado das nossas cousas publicas não me parece de rasão superior a simples mudança do imposto de repartição para o imposto de quota, sem vantagem visivel nem de ordem alguma para o thesouro; não seria esta a occasião apropriada para estas mudanças e substituições de impostos, quando nem a fazenda publica nem o paiz fica melhorado, e creiam que ainda que o projecto rendesse alguma cousa, já não chegava para pagar a despeza da sua discussão (apoiados), alem de me parecer inconveniente assustar o paiz com projectos que não podem dar resultado algum, e é uma verdade que não ha maior tyranno que o medo, nem maior desgraça que o susto, principalmente para um povo como o nosso, que precisa andar, e andar muito, porque no seu verdadeiro progresso é que está a resolução facil da questão de fazenda. Governar, sr. presidente, é fecundar, é harmonisar, é conciliar, é marchar e é progredir (apoiados); não é parar, não é inflammar, não é incendiar, não é destruir (apoiados).

E se os illustres deputados entendem que podem separar a questão de fazenda da questão economica, estão perfeitamente enganados; do desenvolvimento de todos os recursos do paiz, da exploração de todas as suas riquezas, do seu incessante caminhar é que ha de vir a morte do deficit, que nos assoberba, ha de vir o progresso do paiz á sombra da verdadeira liberdade (apoiados).

Não são essas economias pequenas em que se falla aqui todos os dias as que nos hão de salvar; e a proposito de economias, e já que saí do meu silencio, para onde vou remetter-me em breve, consintam v. ex.ª e a camara que eu lhes conte uma historia, que em verdade vem a proposito.

Havia um convento ahi não sei para onde, mas as finanças do convento estavam em muito mau estado, tocou-se a capitulo, e decidiu-se unanimemente que era forçoso fazer economias; foi chamada toda a communidade, e discutiu-se o assumpto; dizia um, faça-se a economia na sôpa; gritavam todos, é impossivel, a sôpa? que é o nosso primeiro alimento! não póde ser... Faça se no cozido; peior, respondiam logo, sem cozido não se póde passar. Faça-se no assado; no assado? não póde ser... não se póde passar sem prato de meio. Faça-se economia e reforma na sobremeza, gritou o padre guardião; não póde ser, clamaram todos, isso é que é impossivel. Appareceu uma lembrança feliz, uma proposta salvadora das finanças do convento; nós, disse um dos frades, não precisâmos se não de um palito cada um, faça-se a economia e a reforma nos palitos: a proposta foi apoiada por todos os frades, e aceita geralmente como a grande medida salvadora (riso).

Não se póde reparar a questão de fazenda da questão economicas, da exploração das riquezas do paiz á sombra da verdadeira liberdade é que ha de necessaria e principalmente vir a morte do deficit; e quando digo á sombra da liberdade refiro-me á verdadeira liberdade, porque para mim a liberdade nunca é tão forte como quando é liberdade, nunca tão fraca como quando degenera em despotismo (apoiados); as victorias da verdadeira liberdade são sempre generosas amnistias, a universalidade é sempre a sua grandeza; a liberdade (disse n'esta casa um homem notavel) é o direito, e o direito é a philosophia; a philosophia não é d'este nem d'aquelle partido, não é d'esta nem d'aquella confraria, não é d'este nem d'aquelle individuo, é de todos os partidos, de todas as confrarias, de todos os homens, dos seus amigos e até dos seus adversarios (apoiados).

A camara desculpará o tempo que eu lhe tenho roubado, desculpará mesmo o calor que tenho tomado n'este debate; é já costume velho para mim o tomar sempre calor nas discussões, e apesar de estar já cansado e velho conservo