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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

«Pois não ha milhares de causas que actuam sobre o preço das cousas, com uma influencia incomparavelmente maior do que o imposto do consumo?

«Pois não ha, principalmente para os generos de producção agricola, que são aquelles de que se trata, a variação e eventualidade das colheitas, e mil accidentes imprevistos, que influem muito mais no preço d'estes generos do que qualquer imposto?

«Nem se diga que são casos extraordinarios; porque a producção agricola nas suas condições normaes está sujeita a estas eventualidades.

«Tanto isto é assim, não só em referencia aos generos agricolas, mas tambem com relação aos productos das diversas industrias; tanto este facto tem impressionado os mais elevados espiritos que se dedicam ao estudo da economia politica, que um dos mais recentes escriptores inglezes, e dos mais distinctos sobre estes assumptos, mr. Macleod, defino o preço dos objectos de maior consumo chamando-lhe valor instantaneo.»

E depois, note v. ex.ª, sr. presidente, que o imposto sobre o consumo ha de repercutir-se, como se repercuto todo o imposto. Não póde haver para elle uma excepção.

E o illustre deputado a quem estou respondendo, que é muito versado n'estes assumptos, o que certamente ha de ter lido os bellos capitules escriptos a tal respeito na sciencia economica, sabe perfeitamente que até agora não se póde descriminar á priori, qual a parte que fica pertencendo á materia, sobre que incide immediatamente um imposto, e a que pela repercussão é desviada para muitas outras.

É por isto que um outro meu illustre adversario, e particular amigo, o sr. Pinheiro Chagas, economista distincto, ainda ha pouco disse que preferia os impostos velhos aos novos; porque já era sabida a parte que n'elles pertencia á incidencia; já estava ahi tudo feito; e por consequencia não podiam deixar de produzir; o que não tem succedido com alguns, quando se lançam pela primeira vez.

O illustre deputado, o sr. Arrobas, comprehende muito bem que a distribuição do imposto é um problema dos mais graves.

Se nós podessemos saber qual é o rendimento de cada contribuinte, o mais justo era lançar os tributos proporcionalmente a esse rendimento; mas como descobril-o? Não póde ser. É por isso que não existe paiz, onde se adopte o imposto unico.

E n'um systema financeiro bem organisado, em que ha portanto a pluralidade do imposto, não póde deixar de entrar a contribuição indirecta.

Os nobres deputados reconhecem isto perfeitamente.

O sr. José Luciano expoz as mesmas idéas no seu discurso de 1867.

Ora ouça a camara.

«O governo não póde accumular as contribuições sem commetter grandes injustiças. E confesso a v. ex.ª, e n'este ponto não posso deixar de ter alguma reserva, porque tenho medo de não reproduzir fielmente o pensamento da illustre commissão de fazenda, de que sou relator, que admittida a pluralidade dos impostos, tenho grande predilecção pelo imposto indirecto.

«O imposto indirecto tem para mim grandes vantagens, e a maior de todas, alem de acompanhar o desenvolvimento da riqueza publica, é a de só bater á porta do contribuinte quando elle póde pagar. (Apoiados.)»

Bem vê o illustre deputado, o sr. Arrobas, que até da parte da opposição ha votos por este imposto.

Mas continuava o sr. José Luciano de Castro.

«Os generos de geral consumo são os que se prestam mais ao imposto, e é a elles que o fisco deve ir pedir a contribuição, sem ferir os generos de primeira e indispensavel necessidade, que devem escapar á rede fiscal.

«Aquelles generos de que todos se servem, mas do que podem deixar de se servir, quando o imposto fizer com que o seu preço exceda os recursos do contribuinte, devem, na opinião de todos os economistas, ficar sujeitos ao imposto de consumo.

«Diz-se, porém, que os generos, tributados pela proposta, são de primeira necessidade, e indispensaveis á alimentação individual. Eu peço licença para observar, que não me parece que seja verdadeira a opinião do illustre deputado, que expoz estas idéas.

«Não tenho dados estatisticos modernos, mas tenho um relatorio sobre cereaes, publicado pelo actual ministro das obras publicas, o sr. João de Andrade Corvo, relatorio em que s. ex.ª manifesta mais uma vez os recursos da sua intelligencia; (Apoiados.) e ahi acho alguns dados estatisticos, publicados pelos medicos em 1855, nos relatorios, ácerca da invasão da cholera morbus, os quaes vou ler á camara, porque derramam bastante luz sobre o assumpto.

«Não lerei á camara todo este trabalho, porque é bastante extenso, mas vê-se d'elle que a alimentação vegetal era a que predominava em toda a parte nos diversos districtos do reino.

«Depois de publicar estes extractos, acrescenta o sr. Corvo: «Estas informações, cuja exactidão não póde ser suspeita, confirmam as deducções tiradas da analyse que sobre a estatistica fizemos. Alimentação vegetal em toda a parte, alimentação incompleta na qualidade e na quantidade. Raras vezes carne, ou apenas como condimento dos legumes; peixe salgado ou fresco, como principal substancia animal do consumo popular.»

Aqui ficam destruidas pela base as declamações do meu amigo, o sr. Arrobas, contra as disposições do projecto, que affectam os pobres e os mendigos!

Até o sr. Pinheiro Chagas apostolou tambem a doutrina n'estes periodos eloquentissimos.

«Confesso que tenho uma certa predilecção pelos impostos indirectos, e uma qualidade que elles têem, e que muitos economistas dizem que é inconveniente, eu considero-a como uma vantagem, e esta opinião não é só minha.

«Refiro-me ao facto de ser a sua cobrança feita quasi insensivelmente para o contribuinte. Ora, sr. presidente, quando estamos todos de accordo em dividir em prestações mensaes a cobrança das contribuições directas, parece-me que não devemos considerar de pequena monta a vantagem, que tem os impostos indirectos, de se cobrarem em fracções minimas.

«Vi n'um economista francez comparados os impostos indirectos aos anesthesicos. Ora, sr. presidente, a cobrança do imposto é com effeito uma operação dolorosa; se ha economistas estoicos que preferem a brutalidade á franqueza, eu confesso a v. ex.ª que opto pela chloroformisação.

«Nâo me parece tambem que seja muito verdadeira a desproporcionalidade que se lhes attribue. Diz-se que o imposto de consumo é um imposto progressivo na rasão directa da miseria, porque o pobre e o rico consomem igualmente certos generos, e portanto o imposto aggrava mais o pobre do que o rico. É o velho argumento contra o imposto de consumo, argumento cem vezes rebatido. Se um imposto, considerado isoladamente, não é muito proporcional, essa proporcionalidade torna-se a encontrar na multiplicidade do imposto, porque se ha alguns generos que são consumidos igualmente pelos pobres e pelos ricos, e onde portanto o imposto é muito mais pesado para aquelles do que para estes, em compensação ha muitos outros generos que são do consumo exclusivo do opulento, que o pobre nunca aspirou a consumir.

«Sr. presidente, a verdade é que nós todos consumimos em proporção dos nossos haveres. Mas, para considerarmos o imposto debaixo d'este ponto de vista, o que não podemos é isolar o imposto do consumo do imposto de importação. Pois o imposto que se chama imposto de consumo e que recáe sobre o consumo do vinho, em que póde differir, debaixo d'este ponto de vista, do imposto que se chama de importação e que recáe sobre o consumo do chá?

Sessão de 4 de maio de 1878