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OFFICIOS.

Para o Bispo de Vizeu.

Excellentissimo e Reverendíssimo Senhor. - A Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, tendo resolvido em Sessão de hoje que se renovasse ao Governo a recommendação para se obterem os esclarecimentos necessarios sobre os quesitos offerecidos pela Commissão encarregada do Projecto de Lei sobre as Eleições das Camaras do Reino, e que tive a honra de remetter a V. Exca. em data de 3 do corrente, o participo assim a V. Exca., para que possa instar pela ressposta aos mesmos quesitos. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 14 de Fevereiro de 1827. - Excellentissimo e Reverendíssimo Senhor Bispo de Vizeu, Par do Reino - Francisco Barroso Pereira.

Para o mesmo.

Excellentissimo e Reverendíssimo Senhor. - Havendo dirigido a V. Exca. por equivocação, em Offficio de 6 do corrente a Indicação do Sr. Deputado Visconde de Fonte Arcada, para se obterem do Governo esclarecimentos sobre os inconvenientes, que tem embaraçado a devida execução do Artigo 126 da Carta, vou rogar a V. Exca. que no caso de inda não ter expedido Ordem alguma áquelle fim, se digne participarmo, para então eu podêr dirigir devidamente aquella requisição pela Secretaria dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, o que suspendo até receber a resposta de V. Exca., que espero da sua bondade. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 14 de Fevereiro de 1827.- Excellentissimo e Reverendíssimo Senhor Bispo de Vizeu, Par do Reino - Francisco Barroso Pereira.

Para o Ministro da Justiça.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão de hontem a parte do Parecer da Commissão Central encarregada de examinar o objecto, de que tracta um Requerimento de Antonio Fallé de Silveira Barreto sobre pedir-se ao Governo esclarecimentos ácerca de um estilo, que diz haver no Juízo dos Feitos da Corôa, de assignarem sempre os respectivos Juizes os Feitos, sejão ou não voto, tenho a honra de remetter a V. Exca. o dito Requerimento, bem como a cópia conforme daquelle Parecer, a fim de que possa expedir as Ordens, que julgar precisas para devido effeito do objecto, de que tracta. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 14 de Fevereiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Luiz Manoel de Moura Cabral - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas, e 40 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se achárão presentes 83 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão, 20; a saber: os Srs. Xavier da Fonseca - Marciano d'Azevedo - Tovar - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Leite Pereira - Araujo e Castro - Pessanha - Bettencourt - Tavares d'Almeida - Izidoro José dos Sonctos - Queiroz - Mello Freire - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Gonçalves Ferreira - Sousa Cardoso - Pereira Coutinho - Alvares Diniz - Sousa Machado - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa de uma Representação do Guarda Mor da Saude do Porto, e Cidade do Funchal, da Ilha da Madeira, offerecendo um Projecto de Regulamento de Saude para os Portos das Ilhas da Madeira, Açores, e Cabo Verde, que se mandou remetter á Secretaria para se guardar no Archivo.

Ordem do Dia.

Entrou em discussão o Artigo Addicional ao Projecto N.º 101 com o N.° 116, e he o seguinte:

Os Generos Cereaes terão livre entrada para Franquia, Baldeação, Deposito, e Re-exportação, pagando da Direitos um por cento nos casos de Baldeação, ou Re-exportação: terão tambem entrada para consumo, pagando a Farinha de Direitos por arroba 700 réis, o Trigo por arroba 400 réis, o Milho 200 réis, e a Cevada, e outros Cereaes 100 réis tambem por arroba.
Camara 12 de Fevereiro de 1827. - José Xavier Mouzinho da Silveira.
O Sr. Pereira do Carmo: - Peço a palavra sobre a Ordem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Pereira do Carmo: - Vou fallar sobre a ordem. O Artigo, que nos apresenta o Sr. Mouzinho da Silveira em nome da Commissão de Fazenda, não he propriamente um Additamento ao Projecto principal, mas sim uma rigorosa Lei de Cereaes, que deita abaixo todas as existentes ácerca desta materia; porque não só admitte a entrada dos Cereaes para franquia, baldeação, deposito, e re-exportação, mas tambem para consumo, pagando a farinha de Direitos por arroba 700 reis, o trigo 400, o milho 200, e a cevada, e outros Cereaes 100; se he pois uma Lei em todo o rigôr da palavra, como ninguem de boa fé pode duvidar, segue-se que deve passar pela freira da discussão, que se acha marcada no Titulo 5.° do Regimento desta Casa. Porem, como ainda não passou, tenho por sem dúvida que se deve sobre-estar sobre a sua discussão, até se preencherem as formalidades legaes.

Mas deverá por ventura ficar suspenso o Projecto principal, cuja utilidade foi tão geralmente reconhecida? De nenhuma sorte. E para conciliar a sua prompta expedição com a regularidade, e madureza, com que deve ser debatido o novo Projecto do Sr. Mouzinho, faço um Additamento (para ser collocado no fim do Artigo 3.° do Projecto principal) concebido nos seguintes termos = O Commercio dos Cereaes fi-

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ca regulado pelas Leis existentes, em quanto não forem convenientemente alteradas. = (Mandou-o para a Mesa.)

O Sr. Francisco Joaquim Maya: - Tambem sobre a ordem, Sr. Presidente.

Todas as reflexões, que acaba de expender o Illustre Deputado o Sr. Bento Pereira do Carmo, serião muito opportunas no dia, em que se dêo este Projecto para Ordem do Dia. Não posso deixar de dizer que me lisongeio de ter tão boa fé, como tem qualquer dos Illustres Deputados Camara; e estou persuadido que nenhum delles, e muito menos a Commissão de Fazenda quererá surprender a Camara, nem que aqui seja discutido por surpreza objecto algum. Este Artigo tem uma relação íntima com a Lei, e não podia deixar de offerecer-se a consideração da Camara. Nesta Lei dèo-se entrada a todas as Mercadorias de qualquer Paiz, que fossem; declarou-se quaes devião ser admittidas o deposito, baldeação, e re-exportação, e quaes ficavão disto exceptuadas. Declarou-se as que não podião ter admittidas a consumo, e até se estabelecerão Direitos particulares para as Mercadorias d'Africa, Asia, e America: tendo pois em vista o Projecto todas as Mercadorias do Mundo, parece que tinha muita connexão com o mesmo Projecto os Generos Cereaes, ou de Grãos, ou como se queira chamar. Se he util, ou não admittir a consumo estes Generos Cereaes; se he util, ou não admitti-los a Deposito para os incluir, ou excluir da Tabella das excepções, he a questão, que agora se deve tractar; mas dizer que este Artigo deve seguir o andamento ordinario de uma Lei, he dizer que siga o caminho, porque este Artigo já passou. A Camara resolvêo que os Generos Cereaes fossem tractados em discussão separada; determinou que a Commissão apresentasse sobre este objecto um Artigo Addiccional ao Projecto principal: este Artigo foi examinado nas Secções Geraes, foi impresso, e dado para Ordem do Dia; e agora, depois de resoluções tomadas pela Camara com tanta madureza, pertende-se que não entre em discussão? Isto he que se pode, e deve considerar como inversão da ordem Diga-se quanto se quizer pró, ou contra o Artigo, mas rejeita-lo in limine, por julgar que he opposto á ordem, he bem extraordinario! Digno antes esses Illustres Deputados com franqueza a verdade, se sim, ou não estão habilitados para tractor desta materia; mas não digão que não deve agora ser discutida. Não se annulle par semelhante maneira o que a Camara approvou, e decidio.

O Sr. Derramado: - O meu voto, apoiando a opinião do Sr. Pereira do Carmo, he que este objecto fique adiado, para ser tomado em consideração com mais vagar e madureza. Estou persuadido de que a Legislação actual requer reformas nesta parte, mas estas devem ser feitas segundo o que se acha determinado em o nosso Regimento. Apoio pois a opinião do Sr. Pereira do Carmo, porque ninguem pode negar que este Artigo he uma nova Lei, e uma Lei, que diz respeito ao objecto do maior, a mais geral interesse da Nação Portugueza.

O Sr. Magalhães: - Antes de fallar sobre a questão suscitada pelo Sr. Pereira do Carmo cumpre-me dizer que, tributando ao seu merecimento e profundo saber o devido respeito, não posso deixar de maravilhar-me ouvindo-o propor o adiamento de uma materia já discutida; depois impressa, e examinada pelas Secções, e dada competentemente para Ordem do Dia de hoje.

Diz o Sr. Deputado que he querer surpreender a Assemblèa o apresentar-lhe á discussão este Artigo: e eu não posso deixar de dizer que, depois dos preparativos de que fallei, ho a maior surpreza que póde fazer-se á Camara propor-lhe o adiamento de semelhante materia, e a substituição por um outro Artigo sem exame, nem discussão. Isto, para me explicar com mais exactidão, parece querer evitar um duello acceito quando no dia aprazado um dos combatentes sahe para fora da terra.

Porque razão se não propoz este adiamento, ou substituirão na primeira vez que a questão dos Cereaes se agitou? Porque razão se não propoz quando se distribuio o Artigo depois de impresso? Porque não o foi quando as Secções o examinárão? Mas agora!... Eu não vejo que um só dos Srs. Deputados não esteja preparado, e não deseje que semelhante materia se discuta.

A Lei dos Cereaes deve em todo o caso ser reformada porque he má: então que tem que o seja agora era parte?

Concluo pois votando contra o adiamento.

O Sr. Galvão Palma: - Julgo que deve ser admittido o Artigo á discussão, por isso mesmo que, logo que se pôz em debute a indicação, se questionou sobre os Cereaes devorem ou não entrar na Tabella das restricções; e em consequencia, não só porque vimos para isso prevenidos, mas por ser um objecto que tanto influe na prosperidade pública, voto que se não defira, mós que entre logo em discussão.

O Sr. Sousa Castello-branco: - Convenho em que não tem lugar o adiamento, porque esta materia tem-se dado para Ordem do Dia, e ainda não começou a discussão.

O Sr. Presidente: - Este adiamento não pode considerar-se propriamente tal. O Sr. Deputado, que o propoz suppoz, que este Artigo não tem ligação com a Lei que se acaba de discutir, e propoz outro Artigo dizendo: que, em quanto aos Generos Cereaes, ficarão existindo por agora as Leis que actualmente regem. Digo isto somente, para chamar a questão ao seu verdadeiro ponto.

O Sr. F. A. de Campos: - Sr. Presidente, he necessario revelar o segredo. Um dos Srs. Deputados, que procura pôr o Artigo fora da discussão, tem um novo Projecto sobre Cereaes, e quer com a exclusão deste introduzir o seu. Isto he que he fóra da ordem que elle reclama. Se o Sr. Deputado não gosta da doutrina do Artigo, impugne-a, rejeite-a, offereça emendas e additamentos, que a occasião he excellente para expender as suas idéas, e fazer approvar o seu Projecto; mas querer inverter a ordem da Assemblêa, tendo o Artigo passado pelas Secções Geraes, e sido dado para Ordem do Dia, he uma verdadeira surpreza á Camara, que não pode ser admittida.
O Sr. Pereira do Carmo: - Eu não pertendo surprender a Camara, e muito menos desvia-la da regularidade dos seus trabalhos. O que eu pertendo he que se execute pontualmente o Regimento da Casa. A questão pois reduz-se a saber, se o Artigo que nos offerece o Sr. Mouzinho merece o nome de Adiamento, ou he um novo Projecto de Lei sobre Cereaes,

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Eu sustento que he um novo Projecto de Lei, que deve discutir-se segundo as formalidades marcadas no Regimento; por consequencia não pode ser boje admittido á discussão, porque ainda não estão preenchidas estas formalidades.

O Sr. Magalhães: - O Artigo proposto pelo Sr. Deputado he, ou não he uma nova doutrina, differente daquella, que se dêo para Ordem do dia? Logo essa he que he a verdadeira surpreza, que se quer fazer á Camara.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - O Artigo não he Lei nova, como se disse: semelhante proposição não pode ser sustentada, apenas se observar que os Cereaes forão separados da generalidade da regra da admissão, para se discutir depois, se entraria nella, ou formaria uma excepção; e que faz o Artigo? Offerece á discussão a mesma regra, que offerecêo na generalidade da Lei; offerece-a particularizada, porque assim o vencêo a Camara. Vamos por tanto fazer a discussão premeditado, para a qual a Camara se acha preparada; que lhe foi dada para Ordem do dia; e deixemo-nos de a evadir a titulo de Lei nova.

O Sr. F. J. Maya: - Chamo outra vez a attenção da Camara para considerar que, ainda que este Artigo fosse uma nova Lei, elle passou já por todas as Estações, que o Regimento as manda passar. Dizer o contrario, he um erro, e nelle labora o Sr. Pereira do Carmo. Lembremo-nos que o Artigo he apresentado por uma Commissão especial, e que a marcha dos Projectos de Lei, apresentados por Commissões especiaes, depois de sua leitura, são impressos, mandados ás Secções Geraes, e dados para Ordem do dia, segando a ordem dos trabalhos o permitte, Ou exige: e he isto mesmo o que se praticou com o Artigo em questão. He por tanto fora de toda a dúvida, que pode, e deve entrar hoje em discussão, ainda quando fosse uma nova Lei de Cereaes, como alguns Illustres Deputados tem querido chamar-lhe.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida, e não se approvou o adiamento, resolvendo-se que devia entrar já em discussão o objecto do Artigo addicional.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Peço a palavra para lêr o Orçamento.
O Sr. Presidente: - Julgo que deve ser ouvido com preferencia. Tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Deputado Ministro da Fazenda: - Srs., por Ordem de Sua Alteza a Senhora Infanta Regente, em Nome d'ElRei, venho apresentar a esta Camara o Balanço da Receita, e Despeza do Thesouro, do anno findo, e o Orçamento do anno presente.

Solicito em cumprir com os meus deveres, quanto cabe em minhas forças, eu quizera ter desempenhado mais cedo esta obrigação, imposta ao meu Cargo pelo Artigo 138 da Carta; porem, Srs., a execução literal deste Artigo he absolutamente impossível, em quanto se não fixar por Lei o modo de computar o anno economico diverso do anno civil, para as Operações de Fazenda. Estando determinado o dia 2 de Janeiro para a Abertura da Sessão annual das Côrtes, como se hão de apresentar as Contas do anno precedente, logo que as Cortes estejão reunidas, uma vez que esse anno finde no ultimo de Dezembro? O resultado he que as Contas do Thesouro, do anno passado, apenas se podérão concluir no dia 13 do corrente, apezar das minhas instantes diligencias. Igual inconveniente se transmitte tambem ao Orçamento, que dessas Contas depende; vindo por este modo a acceleração do trabalho augmentar a imperfeição inevitavel da Obra. O remedio parece consistir em se fixar por Lei o principio do anno economico no 1.º de Julho, como estava indicado em uma das Propostas do Governo, feitas á Camara na Sessão passada, que por falta de opportunidade não entrou em discussão. Este objecto, sendo da maior urgencia, faz-se recommendavel á consideração da Camara.

Não he causa menos influente na imperfeição das Contas a falta de regras fixas, e invariaveis sobre as Relações dos differentes Ministerios com o Thesouro Publico. Pede a boa ordem que, discutido com cada um dos Ministros o seu respectivo Orçamento, e approvado este por Lei, assim como determinados os meios, com que o Thesouro ha de fazer face a essa Despeza, ao Ministro da Fazenda pertença tão somente mandar pagar em tempo opportuno as quantias correspondentes; ficando a cargo de cada um dos Ministros cuidar da sua applicação conforme a Lei, e mandar no fim do anno as Contas ao Thesouro, aonde devem ser fiscalizadas, para entrarem na Conta geral. He este outro objecto de summo interesse, tambem anteriormente proposto, que pede promptas providencias.

Entre os Documentos, que deponho sobre a Mesa, figura em primeiro lugar a Conta do anno antecedente da Junta dos Juros N.° 1.

[Ver tabela na imagem]

Porem grande parte destas avultadas quantias consiste em diversas transacções sobre Títulos de Divida Publica, e outros papeis do Governo; he pois necessario entrar em uma analyse mais particular da mesma Conta N.º 2, para a Camara vir no conhecimento dos noções, que lhe podem ser profícuas para o estabelecimento do Credito, e para as operações, que delle dependem.

As diversas dotações das cinco Caixas da Junta produzirão no decurso do anno, comprehendendo alguns vencimentos anteriores, entradas effectivas, que perfazem a somma de 1:014:288$100 réis já líquidos de 214:898$785 réis, em que importou a venda dos Bens denominados = Proprios da Corôa = porque este Artigo não pode contar-se com dotação ordinaria, por isso que depende de quantidade variavel, e de Leis, que novamente ordenem a sua alienação quando as circumstancias públicas o mostrarem conveniente á prudencia das Camaras, na forma do Artigo 15 §. 13 da Carta Constitucional. ( Para esclarecimento vai junta uma Consulta do Conselho da Fazenda N.º 3.)

A Despeza util ordinaria, isto he, o pagamento dos juros, e costeamento importou 768:861$573 réis,

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vindo a ser o excesso da Receita sobre a Despeza 245:426$527 réis, o qual em parte se empregou no destracte de Applices de diversos Emprestimos, conforme as Leis, que regem aquelle Estabelecimento.
Donde vem a ficar plenamente comprovado o que tive a honra de expôr a esta Camara na Sessão antecedente, ácerca dos Credores da Divida consolidada.

Pelo que respeita á Divida fluctuante até o fim de Setembro de 1822, que se mandou liquidar, importa a totalidade dos Títulos emittidos pela Commissão respectiva até o fim do anno passado N.º 4 em 11:201:467$100 Rs.

[Ver tabela na imagem]

Digo aproximadamente, porque tendo sido admittidos á encontros alguns Titulos em parte do seu valor, já não tem o que representão, sem com tudo poderem ser amortizados.

As Contas do Thesouro mostrão que a Receita effectiva do anno precedente sommou N.° 6

Pelo exame destas Contas se conhecerá, que se o methodo da contabilidade nada deixa a desejar, quanto á sua exactidão, ainda quando sujeita á fiscalisação mais escrupulosa, he com tudo de tal maneira complicado o systema de classificação seguido desde a creação do Erario, que se offerece grande difficuldade em obter os resultados geraes dos differentes ramos de arrecadação com aquella necessaria clareza, que deve fazer o caracter essencial das Contas, que se apresentem ás Camaras. Um rumo só de Receita demanda ás vezes o exame das Contas de todas as quatro Contadorias, e não está escripturado em todas ellas com a mesma regularidade; donde se vê qual será o embaraço, quando se quer apurar qualquer Artigo, conhecer a sua importancia, despezas, e rendimento liquido.

Apezar disto: nos Documentos, que acompanhão o Orçamento da Receita, encontrará a Camara um proveitoso trabalho a este respeito, contendo a devida separação das Contribuições directas, e indirectas, N.º 8, incluindo uma Lista das que se devem arrecadar em todas as Alfandegas do Reino, Let. A; e outrosim a classificação dos Artigos de Despeza, contemplados nos respectivos Orçamentos parciaes das Contadorias do Thesouro, Lei. B. Só o tempo, e as necessarias reformas podem produzir outros melhoramentos, que ainda nos Governos Representativos, ha muito constituidos, annualmente se promovem.

Na Conta da Alfandega das Sete Casas, N.° 9, se acha mais uma prova irrefragavel da certeza dos princípios da Sciencia, que já hoje encontra poucos Antagonistas; e vem a ser que o rendimento da Mesa dos Vinhos foi maior no anno passado, do que havia sido em 1825, apezar de se ter diminuído o Direito da Exportação á ametade do que anteriormente se pagava, e a uma quarta parte no Vinho exportado para o Brasil; sendo de esperar que este resultado favoravel vá em augmento nos annos futuros, conforme a experiencia feita por outras Nações em caso identico. D'onde se collige, como bem observa o Administrador desta Alfandega, que a diminuição dos Direitos, animando a exportação, longe de prejudicar, utilisa a Fazenda Publica, alem dos outros benefícios, que produz a favor do Commercio, e Cultura.

O Orçamento da Junta dos Juros para o anno corrente, Num. 10, e 11, mostra a applicação seguinte dos seus rendimentos.

[Ver tabela na iamgem]

Aquelle Saldo com tudo poderá ser menor, porisso que a Receita seja a affectada em parte por effeito de alguma diminuição de rendimento.
Pelo Orçamento do Thesouro N.º 12 se calcula.

[Ver tabela na iamgem]

Porem isto he no estado ordinario; para o extraordinario, em que nos achâmos, pede o Ministerio da Guerra um augmento, que não será menor de quatro mil contos, segundo o parecer do respectivo Ministro.
No Orçamento da Marinha tambem se não comprehende a despeza feita no Rio de Janeiro com a Náo D. João VI, que provavelmente será apresentada no anno corrente.

Vão tambem juntos varios Mappas de Receita, e Despeza presumível das Provincias Ultramarinas, que ora pertencem, e fazem parte da Monarchia Portugueza, com o resumo do seu conteúdo, N.º 13, e algumas observações sobre esta importante materia.

Tambem se annexão alguns outros Orçamentos, que não pertencem ao Thesouro Publico, por dize-

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rem respeito a Administrações, de que o mesmo Thesouro não toma conta.
Quando na Sessão precedente compareci nesta Camara a expôr o estado da Fazenda, propuz que se considerasse o anno de 1827 como um prazo necessario, para se adoptarem meios conducentes a melhorar a administração, e arrecadação dos rendimentos públicos, e a provêr á sua mais regular, e economica applicação. Esperava então com fundamentos que no fim do anno appareceria menos avultado o grande deficit do Thesouro, o qual havia obrigado o Governo a pedir um Emprestimo de dous mil contos de reis para prover áquelle estado provisorio; e que, devendo este melhorar progressivamente, não seria necessario recorrer a novos Impostos. Porem hoje, Senhores, quão diverso he o quadro, que tenho de apresentar á vossa consideração! Podérão os inimigos d'EIRei, e da Carta arrastar a seu partido forças sufficientes para nos fazerem a mais pérfida guerra; o valôr, e a lealdade Portugueza não bastárão para suffocar em seu principio uma invasão tão injusta, como barbara; os Rebeldes talárão nossos Campos, apoderárão-se de Cidades, e Villas, e chegarão a occupor duas Províncias. Forão roubados os Cofres Publico, as Propriedades Particulares arruinadas, os Magistrados, e os habitantes distrahidos de suas naturaes occupações, affugentados, ou compellidos a segui-los. He facil antever o damno, que um tal estado de cousas terá causado á Fazenda Publica: não he comtudo possível avaliar a grandeza do mal, senão depois que este houver cessado, e a tranquillidade estiver restabelecida.

Se o desfalque das Rendas he consideravel, o augmento das Despezas tem crescido em muito maior proporção. Vio-se o Governo obrigado não só a completar os Corpos da primeira Linha do Exercito, mas tambem a chamar ás armas os da segunda Linha, e Ordenanças, e aos primeiros se offerecêrão vantagens. Soldos de Campanha, etapes, gratificações, augmento de forragens, abastecimentos de Praças; todas as despezas em fim, que traz comsigo a Guerra, vierão cahir sobre o Thesouro exhausto; o que tudo produzio estagnação geral na Receita, e grande atrazo nos pagamentos.

Foi nestas circumstancias que o Governo instou de novo com a necessidade urgente de um Emprestimo; reconhecêrão uma, e outra Camara que o Thesouro precisava de auxilio prompto, porem infelizmente não convierão nos meios.

Os esforços, que o Governo tem feito para ir tenteando o pagamento das Despezas Publicas, tem consumido os fracos recursos, que podião tirar-se da confiança no Governo, e da esperança de Providencias dadas pelas Côrtes.

He indispensavel portanto pôr em movimento as Operações do Thesouro, paralisadas por falta de meios; desaffrontar o Credito do Governo, empenhado até agora na expectativa de Disposições Legislativas, acudir promptamente ás instantes precisões do Estado, e pôr termo á anxiedade do Publico sobre materia, que tanto o interessa.

Se para supprir o deficit deste anno se reputárão precisos em Novembro passado dous mil contos de réis, o accrescimo de despeza exige agora, em lugar daquella quantia, quatro mil contos de réis, e muito mais será necessario se continuar a conservar-se em pé de Guerra o nosso Exercito; e esta somma só pode conseguir-se por meio de um Emprestimo. Mas um Emprestimo não pode negociar-se debaixo de Bases invariáveis prescriptas por quem o pede, porque he sempre um objecto de convenção, cujas condições podem variar de um momento ao outro, segundo as circumstancias occorrentes, de maneira que são susceptíveis de alteração, em quanto se não ultimar o Contracto.

Convem pois deixar á prudencia do Governo as Condições do Emprestimo, ficando a Camara bem certa de que o Governo não poupará nenhuma das diligencias, que estiverem ao seu alcance, para o fazer, com a maior vantagem do Thesouro; e como he sempre mais proveitoso que os mutuantes do Emprestimo sejão Capitalistas Portugnezes, convem igualmente que o Governo seja authorisado para poder- augmentar o numero das Acções do Banco de Lisboa, no caso de ser assim necessario para se negociar o Emprestimo com o Banco.

Para Pagamento do Juro, e Amortisação deste Emprestimo, podem offerecer-se os duzentos contos applicados annualmente na Junta dos Juros para o pagamento do terceiro Emprestimo, que acaba no presente anno, e do qual só tem que pagar-se no primeiro Semestre de 1828, pelos Juros, e Desastres do segundo Semestre deste anno 73:442$313 rs, ficando já livres no anno futuro 126:557$687 rs., e nos seguintes os duzentos contos.
Não sendo porem estes fundos sufficientes para segurança do pagamento do Emprestimo, he conveniente que a dotação da 4.ª Caixa seja reforçada com o producto do Imposto do Sello extendido a outros Artigos, alem dos já estabelecidos; e he este o objecto de uma Proposta de Lei, que Sua Alteza a Senhora Infanta Regente em Nome d'ElRei Manda fazer á Camara.

Este Imposto pela sua immensa divisibilidade he o mais suave, e ao mesmo tempo o mais geral, que poderia lembrar-se; e, sem me atrever a orçar desde já qual será a sua importancia, posso com tudo affiançar que, junto aos outros meios propostos, bastará não só para o pagamento do Emprestimo ora pedido, mas até para o de maior quantia se as circumstancias o exigirem.

Proponho por tanto:

Que o Governo seja Authorisado a contrahir um Emprestimo de 4:000 contos de réis, para supprir os despezas do anno corrente.

Que se deixe ao Governo a liberdade de estipular as Condições deste Emprestimo.

Que se lhe permitia poder augmentar os Fundos do Banco por meio de novas Acções, no caso de ser assim necessario, se o Banco quizer tomar a si o Emprestimo em todo, ou em parte.

Que ao Pagamento do Juro, e Amortisação deste Emprestimo só hypotheque a dotação da 4.ª Caixa da Junta dos Juros elevada a 200 contos de réis, como até agora erão applicados ao Pagamento e Amortisação do terceiro Emprestimo, que acaba no corrente anno, e reforçada com o producto dos novos Artigos do Papel Sellado, de que apresento em Nome de Sua Alteza a Proposta de Lei.

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Que o Pagamento do Juro e Destracte se faça na Junta dos Juros, destinando-se por ora para esse fim em cada anno a quantia, que for necessaria para a importancia do Juro calculado sobre o total do Emprestimo, e para um por cento de Amortisação; de maneira que sendo o Juro do Emprestimo 5 por cento se destinem annualmente para Juro, e Amortização 240:000$000 réis; podendo elevar-se a Amortisação a 2 ou 3 por cento, segundo o que produzir o Imposto do Sello, e as circumstancias o permittirem.

Seria escusado accrescentar que este objecto he da maior urgencia, a que por isso deve tractar-se com preferencia a outro qualquer; porem, em desempenho do meu Cargo, seja-me licito lembrar á Camara que todas as oscillações, as dúvidas, e até certo ponto a discussão nimiamente miuda, em Negocios de semelhante natureza, empecem as operações de Credito, e destroem a confiança, que sobremaneira convem promover, e cimentar. E he para advertir que em quanto o Governo não tiver os meios, que julgar necessarios para desempenhar cabalmente todas as suas attribuições, cessa a sua responsabilidade, e corre perigo a Causa Publica.

O Governo não pode deixar de propôr novamente a Lei para a melhor arrecadação das Decimas, porque a julga necessaria e justa; necessaria para o augmento da Receita ordinaria do Thesouro, a fim de esta se equilibrar com a Despeza; justa porque tende unicamente a estabelecer a igualdade de deveres prescriptos pela Carta. O Governo tem dado Providencias, e pode dar outras para remediar os abusos, que se tem introduzido neste Ramo, porem de balde trabalhará para o conseguir, em quanto uma Sancção Penal não vier pôr os ommissos e relaxados em igual condição com os probos, e obedientes; estes pagão a Decima exacta dos seus arrendamentos, aquelles não. Na presença do Imperio da Lei não deve ser tolerada uma desigualdade tão injusta.

Com esta Lei, e as outras, que o Governo propôz na Sessão passada, e torna igualmente a propôr, e outro sim com aquellas, que a Sabedoria das Camaras já tem principiado a Discutir, se aperfeiçoará, a Administração, se facilitarão aos Povos os meios de solverem seus encargos, se melhorará a sua respectiva situação facilitando e augmentando o Commercio, e beneficiando a Agricultura; até que tempos menos calamitosos nos conclusão á Epoca feliz, em que hajão de ser aliviados dos Tributos mais nocivos á verdadeira riqueza; talvez não esteja mui distante, mas nunca será tão breve como o Governo o deseja. Tal he a sorte das cousas humanas: o mal produz rapidamente os seus effeitos, e os resultados do bem são progressivos, e a sua fruirão lenta e tardia.

Camara dos Deputados 15 de Fevereiro de 1857. = O Deputado Barão do Sobral, Hermano. = Ministro da Fazenda.

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[ver tabela na imagem]

Extracto do Orçamento da Receita, e Despeza do Thesouro Publico para o anno de 1827

Receita Despeza

N.B. Manifesta-se um deficit de 2.446:782$058 réis, alem de 24:000$000 réis para a continuação do 2.º anno da Empreza do Theatro de S. Carlos, despeza, que, apezar de se não achar contemplada nos Orçamentos parciaes, se deve com tudo mencionar para a Camara a tomar em consideração, se assim o julgar conveniente.

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Proposta de uma Lei para estabelecer o Imposto de novos Artigos de Papel Sellado.

Serão daqui em diante sujeitos ao Sêllo os objectos seguintes:

Art. 1.° As Portarias expedidas pelas Secretarias d'Estado, pelas quaes se concederem Graças de qualquer natureza, masque, ou não paguem Sêllo, ou não hajão de processar-se por ellas Diplomas, que, segundo a legislação actualmente existente, tenhão de paga-lo.

Art. 2.° Os Livros das Notas dos Tahelliães, os dos Parochos, os das Camaras, e todos aquelles, de que se extrahirem Documentos, que hajão de fazer prova em Juizo, ou fora delle; e bem assim os Livros das Irmandades, Confrarias, e Misericordias; ficando tão somente excluídos os dos Hospitaes.

Art. 3.º Os Passaportes, Testamentos, e Codicillos.

Art. 4.° Os Contractos, suas Condições, Escriptos de Arrendamento, Recibos, e quaesquer Bilhetes, que indiquem pagamento, e que valhão como Recibos, Bilhetes de Credito das Alfandegas, Apolices d'Acções em Companhias, ou Contractos, Apolices de Seguros, Bilhetes de Loterias, ou Rifas, Protestos, Cartas de Fretamento, e Letras da Terra.

Art. 5.° Todos os Bilhetes para Despachos, ou elles acompanhem, ou não, os Generos, ou Fazendas despachadas. Os Bilhetes das Estivas, que se passão pelas Almotacerias, e os Bilhetes para entrada.

Art. 6.º As Licenças para qualquer genero de Lojas de Venda, ou para outros diversos objectos.

Art. 7.° Todos os Periodicos, inclusive a Gazeta. Os Cartazes, ou Annuncios impressos, ou seja para Divertimentos públicos, ou para Vendas, ou para outro qualquer objecto particular. As Listas para Leilões, quando não forem por conta da Fazenda Publica. As Folhinhas de porta, d'algibeira, de reza, e o Almanach.

Art. 8.° Os Sêllos serão regulados pelo Mappa junto, que faz parte desta Lei.

Art. 9.º Serão nullos todos os Papeis, que em observancia desta Lei deverem ser sellados, e que sem essa formalidade se apresentarem em Juizo.

Art. 10. Em todos os casos, em que os Livros, ou Papeis sellados não tiverem de apresentar-se em Juizo, serão castigadas com a pena de 50$000 réis, ou dous mezes de prizão, quando não poderem pagar os 50$000 réis, todas as pessoas, que contravierem á disposição da presente Lei; e isto por tantas vezes quantos a transgredirem. Esta pena terá a mesma applicação que o Imposto do Sêllo.

Art. 11.° O Governo fará os Regulamentos necessarios para a arrecadação deste Imposto, e dará todas as outras providencias, que julgar indispensaveis para a execução da Lei.

Art. 13. O producto deste Imposto será arrecadado pela Superintendencia do Sêllo do Papel das Mercês, d'onde será transmittido á Junta dos Juros, para complemento da Dotação da 4.ª Caixa, com applicação ao pagamento do Emprestimo de quatro mil contos de réis, contraindo em virtude da Lei de
e o Governo augmentará, se assim for preciso para a promptidão do Expediente, o número dos Empregados na mesma Superintendencia.

Camara dos Deputados em 15 de Fevereiro de 1827. - O Deputado Barão do Sobral, Hermano Ministro da Fazenda.

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Mappa das classificações dos Novos Artigos de Papel Sellado que faz parte da Proposta de Lei de .... de......de 1827.

[ver tabela na imagem]

Resolvêo-se que fosse tudo remettido á Commissão de Fazenda com recommendação de urgencia; e sendo por isso dispensados os seus Membros de assistirem ás Sessões em quanto lhes fôr necessario para ultimarem os seus trabalhos: e que ao mesmo tempo se mandassem imprimir o Relatorio, Projecto de Lei, e Orçamento apresentados pelo dicto Ministro dos Negocios da Fazenda.

Continou a discussão sobre o objecto da Ordem do Dia, o Artigo Addicional N.º 115.

O Sr. Moraes Sarmento: - Depois do que disse nesta Camara o Sr. Deputado Bettencourt em uma das Sessões antecedentes, quando com o seu enthusiasmo, e conhecimentos praticos desta materia, se oppoz a que o Projecto passasse, eu me absteria de fallar, por estar persuadido da força das razões, que dêo aquelle Sr. Deputado, se o objecto da questão não tocasse com princípios de Economia Política, para cujo progresso, e estudo, ainda não ha muitos dias, eu apresentei um Projecto de Lei. He preciso todavia, que eu declare que os meus conhecimentos em Economia Política são os mais limitados. Eu reconheço o fim util, que parecêo ao Sabio Auctor do Projecto se dirigia a sua Proposição. Persuado-me que não haverá estado algum, aonde os princípios abstractos de Economia Política possão ter apropriada applicação: em todo o caso, não me persuado da que em Portugal isso possa ter lugar. He verdade que

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em Inglaterra o systema Economico se tem nestes derradeiros annos dirigido debaixo dos principios desta Sciencia; porem está Portugal semelhante a Inglaterra? A nossa Nação presentemente pode-se chamar agrícola: (Apoiado) he para a terra, para onde olhâmos, para a nossa riqueza, eu antes chamarei subsistencia. Portugal pode-se antes asemelhar a Polonia, posto que a sua Agricultura seja mais variada, em razão de um bom clima, e fertil terra. He verdade que para evitar que o nosso Paiz produza antes amostras de differentes producções, do que certas producções em abundancia, lançou mão o Marquez de Pombal de uma medida propria da ignorancia, e violencia daquelles tempos, aldeando pela raiz o direito da propriedade, mandando arrancar em certos lugares do Douro as Vinhas, e compelhado os Proprietarios a que semeassem Trigo.
Estes meios de que usou um homem, que reunio um grande patriotismo a par de um grande despotismo, servirão para mostrar que erão inuteis aquelles recursos, porque ao dono do Prédio he a quem pertence saber o Interesse, que lhe pode dar a cultura da sua Propriedade. Na Inglaterra suppõe-se a existencia de dous interesses oppostos, que vem a ser, o dos Proprietarios de Bens de Raiz, e o dos Capitalistas. Eu não creio, que a hypothese seja a mesma entre nós. As Fabricas não são muitas em Portugal, e a Agricultura, he decididamente o principal emprego da maior parte da população. Ha tambem outros motivos: Lisboa, não ha dúvida, he quem vem a comprar o Pão por mais algum preço; porem devemo-nos lembrar que são as Províncias, que, sustentão a grandeza da Capital no estado presente. A maior parte dos Dizimos, os Bens da Corôa, de que estão senhores os Donatarios, são gastos em Lisboa. He preciso que se saiba, que o Clero Secular não he o senhor dos Dizimos da Nação, posto que sobre elle possa recahir o odio, que se attribue aos consumidores dos Dizimos. O Clero consome somente parte dos Dízimos, porque grande parte faz o apanagio das principais Famílias do Reino, e he em Lisboa para onde elles vem: junte-se a isso a Patriarchal, as mais Commendas de Christo, Aviz, S. Tiago, Ordem de Malta, Prestimonios, Pensões, e todo o modo de descerem os rendimentos para a Capital; que seria das Províncias, se Lisboa em troco disto não fizesse da sua parte algum sacrifício? Alem do que, a pratica tem mostrado o perigo de um Deposito, que facilmente por contrabando iria tirar a concorrencia aos Generos Cereaes do Alemtejo, e áquelles que as nossas Embarcações costeiras trazem do Minho, da Beira, e que pelo Douro descem de Tras os Montes para o Porto. O Reino, Senhores, produz mais Generos Cereaes, do que geralmente se imagina; e, a não ser para Lisboa, nada seria preciso de fóra; e se he ainda necessario, isso he devido á nossa falta de communicações, e estradai, pois ha sitios em Portugal, aonde, os vizinhos, na distancia de seis leguas, se avistão de vinte em vinte annos. Outra circumtancia ha digna da notar-se: a navegação do Douro, posto que lentamente, todavia se vai augmentado. Ella ainda tem bastantes obstaculos, e alguns são fundados em antigos privilegios, e doações» e que talvez serão mais difficultosos de vencer-se, do que a aspereza das margens, e pontos difficultosos do mesmo Rio. Neste estado de cousas, estou intimamente convencido de que não sã applicaveis as bellas theorias dos Economistas. Houve já na minha vida uma occasião, em que se tractou esta materia. Eu não tinha maior uso da lição dos Economistas. Li as suas opiniões, e mesmo a de maior Escriptor nesta especie particular, que he o Coronel Torrens. Lendo-se com attenção Matthus, Say e toda a brigada de Economistas, delles mesmos se pode deduzir o caso, em que não he applicavel o principio geral, em que elles fundão as suas bem combinadas theorias. Tempo virá, em que o nosso Pais, tendo estradas, e boas communicações, se possa abrir um Commercio vantajoso. Com a nova ordem de cousas he de esperar que tenhâmos um Governo cuidadoso, e activo, em vez de indolencia, e apathia, que até o presente se tem observado; porem ia começar accusações, e por isso acabarei, sendo de parecer que fique rejeitado o Projecto.

O Sr. Galvão Palma: - Em conformidade do que já expendi em outra Sessão, não posso approvar o Artigo, que concede Deposito aos Cereaes estrangeiros com o Direito de 1 por 100. Os fundamentos, que me levão a rejeita-lo, são: primeiro, porque esta admissão será um alarme á classe agrícola, que sobre modo devemos respeitar, e até proteger: segundo, porque habilita o Contrabando, que está sempre na proporção da carestia do Genero. Em quanto se não fizerem Leis fiscaes, e se vigiar na sua execução, devemos obstiuir a torrente impetuosa deste crime, não menos destruidor da fazenda, que dos bons costumes. Sem que diminua a força do argumento, o dizerem que, mesmo faltando a franquia dos Cereaes, os Navios podem, passando-os para a banda d'alem, entrar, apresentando-os como producção do Alemtejo; pois a Lei, quando ordena que o Comprador venha munido com uma Guia passada pela Authoridade do lugar, em que se comprou o Genero (que aliás he perdido), obvia o abuso. Terceiro: este tributo, apezar de ser gravoso, não excluirá a entrada do Pão estrangeiro, pois ha Paizes, que em consequencia da fecundidade, e melhor fabrico do terreno, e barateza do seu costeamento, o podem apresentar no nosso Porto A 200 reis. que com os 400 assim mesmo não pode concorrer o nosso pelos motivos expostos. Quarto, e o mais triumphante argumento, o deduzido da experiencia. Combinemos as épocas até 1819 com a outra, que se lhe segue. Por um cálculo de Pão Estrangeiro, que entrou em o nosso Porto desde 1900 até 1819, se colhe que no espaço destes 20 annos, e em cada um delles se consumio só do nosso trigo vinte mil meios, e do estrangeiro noventa e tantos mil, vindo por consequencia a producção do Paiz a ser a quarta parte. Logo porem que em 1820 apparecêo a nunca assás louvada providencia, que tolhêo a illimitada importação dos Cereaes, animárão-se os Lavradores; e o resultado foi, que no anno de 1821 se necessuitárão apenas de vinte e cinco mil moios, no de 1822, e 1825 nem um só foi importado; e no passado, porque a colheita foi mui escasso, apenas se admittirão oito mil meios, ou pouco mais. Sem que obste contra esta theoria o argumento deduxiso do receio proveniente da falta de Pão para consumo da Capital, pois feito o cáçcilo da producção das Provincias Meridionaes, que sempre he baixo por motivos, que a todos são patentes, se dá licença para entrar aquelle,q eu faltar. O outro argumento tem por

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base o interesse do Thesouro. Sr. Presidente, quandoo os Cidadão vivem na abundancia, animando-se por esta, e outras medidas a Agricultura, a Nação he rica. A felicidade, que resulta desta exclusão de Cereaes, não he só privativa Ho Lavrador, mas do Proprietario, que recebe mais prompto a sua renda, e sem quita, nem espera: interessa o Artista, prospera o Commercio, e essa classe de trabalhadores, pois o Lavrador tem com que lhe pague, aliás gemerião na miseria, ou na ociosidade, perpetrando crimes, de que ellas são fecunda origem. Desenganemo-nos, Sr. Presidente, em quanto rnos não persuadirmos que a riqueza das Províncias he a que faz a da Capital, e que daquellas he que reflue o numerario para esta grande Babilonia, não teremos idêas fixas a este respeito.

O Sr. Henriques do Couto: - Sr. Presidente, em quanto á admissão ou exclusão dos Cereaes, eu penso que, senão toda esta Illustre Camara, ao menos uma grande parte, com bastante maioria, olhando aos immensos prejuízos que já se expendêrão sobre tal admissão estará em resolução de votar, que não sejão admittidos; deste modo tenho tencionado tambem votar, e peço a Vossa Excellencia proponha á votação; que em quanto aos Cereaes ficão por agora subsistindo as Leis que actualmente nos regem, em quanto não forem competentemente alteradas. Agora aproveito esta occasião para dar uma explicação a uma expressão de que usei na Sessão do dia 12, quando fallei sobre os Cereaes. Quando naquella Sessão eu disse que a Lei agraria de 11 de Abril de 1815, e outro dicta de 24 de Novembro da 1823 havia sido supprimida pelo despotismo, foi attribuindo este dicto despotismo ao modo com que a desprezão os Administradores dos Direitos dos Cereaes nos campos, não permittindo aos Lavradores (principalmente aos pobres) que gozem desta Lei como nella se contem, obrigando-os a pagar Direitos dos fructos das roteias, ainda que estas estejão em todas as circumstancias designadas na mesma Lei: tal he, Senhores, o modo com que em muitas Administrações se respeita a Lei, e tal he o modo de supprimir a nossa Agricultura, e não a deixar progredir!!!
Eis-aqui ao que eu dei o nome de despotismo; e, lembrando-me agora que pode sêr, se lhe désse muito diversa applicação, por isso faço esta declaração.

O Sr. Soares Franco: - Estamos chegados a uma discussão de grande interesse, e que tem dado muito que pensar nos Paizes Estrangeiros, particularmente a Inglaterra. Muitos Senhores tem fallado contra o Artigo; e eu vou fallar a favor delle. O Trigo que vier a Lisboa nunca poderá importar menos de um cruzado, com outro cruzado, com pouca differença, que se lhe põem de Direitos, aqui temos o preço regulador actual, que he aquelle, que se julga necessario para o Lavrador poder vendê-lo em Lisboa, com algum interesse; de maneira, que a admissão dos Cereaes Estrangeiros com semelhantes Direitos nada vem a prejudicar a Agricultura, porque os eleva ao mesmo preço regulador actual de 800 réis; preço artificial sim, mas necessario, porque ninguem trabalha sem tirar algum lucro do seu trabalho; porem chegando o Trigo a este preço, seja pela prohibição, ou pelos Direitos, que são quasi prohibitivos, ha de necessariamente entrar, porque a Capital, o Porto, as Terras, onde se experimenta mais falta não hão de morrer de fome. O Lavrador do Alemtéjo poderia vender á sua porta em metal o Trigo a cinco ou seis tostões, calculou-se dous tostões para o transporte e rebate do papel; tal he o estado deploravel das nossas estradas, que feito o desconto pelo rebate do papel são necessarios sete vintens para vir cada Alqueire de Trigo a Lisboa. O animar a Agricultura por meios directos seria o melhor; mas elles operão lentamente. Com tudo ha um motivo activo em arruinar os Lavradores, e que não será difficultoso em remover. Fallo dos tributos, summamente variados; de modo que por muitas vezes chega o Escrivão ou o Meirinho á casa do Lavrador a pedir já Decima, já Maneio, já Subsidio, já Real d'Agua; etc. Ora: o Lavrador Francez não paga menos, antes mais que o Portuguez; porem o faz de uma vez somente. Paga a Contribuição directa em principal para o Estado; em centesimos addicionaes para as despezas locaes; e fica livre de todos os fiscalisantes. Porem em quanto não se tomão estas e outras medidas semelhantes já mondadas na Carta, precisa sustentar-se o interesse do Lavrador por um preço artificial; até aqui todos concordâmos; discordâmos no modo de formar esse Apreço; ha dous, um o actual, outro o do Projecto. O argumento mais forte que se tem feito para se não admittirem os Cereaes, ainda com taes direitos, he o receio do Contrabando: quem usa deste argumento cuida que agora se não faz Contrabando, pois engana-se; faz-se muito, e muito; e sendo natural, como eu espero, que esta Lei não saia sem ir acompanhada da outra da Fiscalisação do Porto, está desvanecido este terror. Os Senhores que cuidão, que se não faz Contrabando; reflictão, que temos mais de 100 legoas de raia sêca; por ella os Hespanhoes mettem muito Trigo em Portugal; faz-se mesmo aqui em Lisboa muito Contrabando com as franquias e baldeações já concedidas por Lei, e que não podem deixar de se conceder; he para este ponto que eu chamo a attenção da Camara. A Lei das extinctas Côrtes de 5 de Maio de 1821, foi provisoria, e por isso summamente imperfeita; diz que osCereaces possão entrar, chegando ao preço regulador marcado, mas não diz donde; se houvesse um Deposito era exequivel a Lei; não o havendo, ou os Negociantes hão de mandar vir os Trigos, na incerteza da venda, o que he pessimo, ou hão de fazer as suas encommendas depois de chegar ao dicto regulador, e gastando a vinda algum tempo, teríamos entretanto a fome. A Lei em que fallou o Sr. Bettencourt, he a de 15 de Outubro de 1824: veio encher aquella grande falta da antiga. Mas de um modo muito máo, e só proprio para promover o Contrabando. Aqui tenho na mão o extracto desse Alvará (lêo). Pelos primeiros Artigos dá ao Inspector uma Authoridade illimitadá, e quasi soberana; felizmente recahio em um homem muito honrado e de probidade; mas as Leis não se devem fazer em attenção a um homem; supponhâmos que elle morre, ou sahe do lugar, e vem outro que abusa; ahi teremos tudo inundado de Cereaes, por Contrabando, e sem nada pagarem, e a Agricultura arruinada pelo mesmo principio, que erradamente a queria conservar. Incumbe mais o Alvará á Camara da Cidade do Porto fazer todos os Officios do Inspector do Terreiro nas tres Províncias do Norte; e á de Bragança na de Tras-os-Montes; não sei se são boas, ou

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zrás; sei que mudão annualmente, que não podem ter informações sobre que contem, e não devem ter tal Inspecção.

Em consequencia approvo o Artigo; peço porem que esta Lei não possa passar sem se estabelecer uma Policia no Porto, que o possa focalizar; daqui resultará grande interesse ao Thesouro, a que devemos attender, tendo em vista o grande deficit que nos apresenta o orçamento do Excellentissimo Ministro da Fazenda. Podendo affirmar-se, que não serão menos de 300 a 400 contos o que se venha a adquirir por este Artigo.
O Sr. Girão: - Sr. Presidente, eu sou contra o deposito, de que tracta o Artigo, mas só por uma razão, e vem a ser; o máo effeito moral, que pode causar aos Agricultores, pois que, ressentidos dos males passados, hão de pensar que se renovão por via deste deposito; que o Contrabando será immenso; e que tornarão a ver os seus Armazens cheios, sem lhe acharem consumo. Os inimigos da Sancta Causa, em que nos achâmos empenhados, não deixarão de se aproveitar disto, e fazer-nos o mal, que poderem, illudindo o Povo, e desacreditando os seus Representantes.

Eu me vejo forçado a adoptar esta excepção pelas actuaes circumstancias; pois que ella repugna aos meus princípios de Economia Política. Quem prohibe os Generos Estrangeiros deixa de vender os seus; e, alem disto, os benefícios, que tira uma Nação, de conservar em alto preço as suas Mercadorias, são puramente imaginarios; pois que o dinheiro he uma Mercadoria como as outras; e daqui resulta que o Proprietario de Trigo, se vende caro o seu Genero, tambem compra caro tudo o mais, que precisa, e consome. Alem disto, o Trigo caro faz males muito grandes, porque põe os Artistas na necessidade de venderem os suas Manufacturas muito caras, e então as Estrangeiras achão melhor venda; de modo que viremos a gastar doa Estrangeiros tantos Manufacturas desnecessarias, como o valor dos Cereaes, que não lhe admittimos ao nosso Mercado.

Se a nossa Agricultura está decadente, não he este o meio de a melhorar; mas sim allivia-la dos immensos encargos, que sobre ella pezão: abrir canaes, e estradas, e domar a céga rotina pouco a pouco, até que os nossos Agricultores melhorem os máos methodos, que usão na cultura dos Campos, isto leva muito tempo; não he obra de um anno, nem de dous: no emtanto poeem he preciso não acabar com o que já temos, desalentando os poucos Agricultores deste malfadado Reino.

Portugal não tem Pão, que chegue para todo o anno; mas não tem tanta falta, como se imagina; apenas falta para vinte e cinco dias. Não se diga que em tempos remotos houve abundancias; pois que das Historias do Paiz se colhe o contrario. O Senhor D. Sancho II fez uma Lei para beneficiar a Agricultura; e era tão barbara, que impunha a pena de açoutes ao que queimasse a palha nos Campos; e, no caso de reincidencia, determinava que lhe cortassem as orelhas! Nenhum beneficio resultou, nem podia resultar desta Lei: e o Senhor D. Diniz fez a outra célebre Lei das Sesmarias, que tambem não teve resultado feliz, e cahio em desuso. Tudo isto mostra que nunca tivemos abundancia de Cereaes, e que se tem ignorado a verdadeira Agricultura, e ainda se ignora.

Alem destas causas ha outras muito nocivas, e vem a ser, o estarem as Terras de uma producção Egypcianna condemnadas á esterilidade, porque são dos altos Proprietarios da Nação, os quaes não cuidão nellas. Sirva de exemplo o grande Paul da Comporta, que só elle suppriria uma boa parte do deficit de Pão; e, apesar de ser facillima a sua cultura, anda de pastagem. Que Terrênos se não aproveitarião nas margens do projectado canal, que deve unir o Tejo com o Sado?

Quantos outros Terrênos estão perdidos, por serem vínculos, e seus descuidados Donos não os cultivarem, nem poderem aliena-los?

Se se abrissem Estradas, e Canaes, o consumo das Producções Agrícolas cresceria logo, e com este se augmentaria a cultura, alem de dar emprego a milhares, e milhares de Mendigos robustos, que atulhão esta Cidade, e todas as Povoações do Reino. Não se diga que não ha fundos para isto: a contribuição applicada para as Entradas do Douro tem produzido, desde a sua origem, mais de um milhão, e quatrocentos mil cruzados; e lá não ha Estradas nem para andar a pé; são precipícios, em que a vida anda arriscada: toda esta grande somma de dinheiro tem sido dada a varios afilhados da Companhia, e a meia duzia de mandriões, que de annos a annos apparecem por alli a fazer uns ligeiros concertos, que as primeiras aguas do inverno destroem logo. O Estado sustentará talvez mais de mil homens nas prizões, que devião ser empregados na abertura dos Canaes; e se muitos milhares, que tem ido morrer nas fervidas areas da Africa, tivessem o mesmo emprego, já estarião feitos. Mas entre nós, digo, em a Nação, só tem havido desleixo, e Comedores; então como pode haver Obras uteis, Estradas, Canaes, ou Agricultura florecente! Os homens de merito não se procurão para os Empregos, antes são perseguidos pela turba immensa dos Parazitas, e pelos bem conhecidos Verres, que por nossa desgraça regêrão o timão do Estado; daqui vem a causa infinda dos nossos males políticos. Esta materia me levaria muito longe; mas eu concluo como principiei, que voto contra o deposito muito a meu pezar, e muito contra minha vontade, attendendo somente ás actuaes circumstancias.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Os Portuguezes já passarão uma vez o Cabo de Boa Esperança, cuja passagem vedava um Gigante chamado Adamastor: agora tem de combater mais perto outro novo Gigante chamado Contrabando, que se acha aqui visinho no Tejo; entre tanto, quando este Gigante fôr despido das vestes, que lhe attribue a imaginação de alguns Senhores Deputados, e da força, que lhe attribue o Sr. Sarmento, ha de vêr-se, que o Gigante não he mais que um pigmêo, que a menor força derruba: Já disse muitas vezes que se tracta de melhorar as Leis, mas esta melhora, não he precisa porque haja falta de Leis, he precisa para as pôr em methodo e clareza; e para que, existindo melhor escolha de Guardas, seja melhor a execução; mas se hoje mesmo se quizer um remedio facil, que mate o Gigante eu o dou já; e he muito simples = basta que os Ladrões depois de prezos no Limoeiro continuem a ter o nome, e o destino dos Ladrões, e não ganhem depois de prezos o nome de = coitadinhos = isto he o remedio, por certo facillimo, muito legal;

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e nada dependente de novas Leis; mas, sem tractar deste remedio, escolhêrão os Contrabandistas um Quintal de Trigo para lucrarem, segundo o Projecto, 1600 reis, e não preferirão antes o Contrabando do Arroz, que paga 2280, quando não he do Brasil? Ou não gostarão mais de um Quintal de Manteiga, que paga 4800 reis, ou de Sedas de França, que pagão um monte de dinheiro de Direitos? Certamente que sim; e porque ha Leis para isto, não serão boas para o Trigo? Neste genero o maior Contrabando he o de uns miseraveis chamados = Tingueiros = que andão em pequenos botes vendendo nos Navios cousas do Paiz para terem mais barato um Alqueire de Trigo; o grande Contrabando não se faz, ou faz-se raras vezes; e quando se faça he antes, quando os Navios estão em Franquia, do que depois, e quando já he muito mais difficultoso.

O Sr. Galvão Palma fallou sobre o Artigo, como se elle fôra todo cousa nova; as Baldeações, e as Franquias já existem; e são de duas especies; umas são as de Direito das Gentes concedidas em todos os Paizes civilisados pouco ou muito, nos casos de perigo do Navio; estas concedem os inglezes mesmo nos rasos da mais terminante restricção; como he em Navios carregados de Chá; o qual he, por causa do Monopolio da Companhia, quasi o unico da Inglaterra, e que talvez não, dure muito tempo. Outras Franquias são chamadas de Especulação de Commercio, e durão dez dias; mas são capazes de renovação segundo as circumstancias; e de facto se renovão; estas são quasi geraes para todas as Mercadorias; e já existião: não são novas no Projecto; e para o Trigo estão na Lei dos Cereaes, nem podem deixar de estar; porque se não estivessem, quando viesse a falta de Trigo he que se havião passar tres mezes para mandar vir Navios? Isto era cousa bem extraordinaria, Sr. Presidente, e não tinha lugar nenhum; he com tudo nestas Franquias, que he impossível acabar, que se faz o Contrabando dos Tingueiros; todo o posterior he por força mais difficil; e então o argumento dos Contrabandos he de pura imaginação a respeito do Deposito, e do Despacho; e deve desapparecer de uma vez para sempre nesta Camara. Tambem o Sr. Galvão Palma tractou de cara a mão de obra de Portugal; e he verdade, mas a causa da carestia he a Lei dos Cereaes; quem trabalha precisa comer, e quem compra o pão caro, não pode viver com jornal barato; a carestia dos Jornaes não he o principio, he a consequencia da Lei dos Cereaes, e tambem demonstrada se acha esta these, que eu faria ultraje á Camara se não suppozesse, que ella tem luzes, mais que sufficientes, para a dar por demonstrada. Eu sou do Alemtejo; meus Pais tiverão Lavoura; e eu mesmo era Lavrador, antes de vir para a Alfandega, e ainda o fui algum tempo depois; vivi muitos annos sem Lei de Cereas, e vi matas, aonde não havia mais que Porcos Montezes, Lobos, e outras feras, chegarem a ser Campos de Trigo, e de Pastos; antes da Guerra e muito antes da Lei dos Cereaes vi fazer muitas roteadas; e na verdade: para ellas se fazerem he preciso que o pobre possa ganhar em certos dias, com que possa viver dos Jornaes, que vencêo nos dias, em que vai fazer a sua roteada; quando o pão está caro he que ellas se não fazem; porque o Jornal he a miseravel, e escaça subsistencia, Depois da Lei nunca deixou de entrar Trigo de fora; o calculo, que eu fiz para o rendimento, que attribuo ao Artigo, que são oitocentos contos de reis, não foi tomado na hypothese de dever entrar mais Trigo, nem na Epoca da sabida do tantos milhões, como disse o Sr, Bittencourt; foi tomado na supposição que só havia entrar o Trigo, como entra depois da Lei dos Cereaes; e isto basta para dar aquelle rendimento; e isto quando o Sr. Ministro da Fazenda pede dez milhões de Emprestimo, e accusa um deficit annual de seis milhões: neste caso, estando o mal do Trigo caro já feito na Lei, he de certo muito vantajoso crear sobre este mal o bem, que o faz mais toleravel; e o Imposto, que eu estabeleço, he igual á Lei dos Cereaes para o effeito de proteger a Lavoura. Porque: como será barato o Trigo Estrangeiro? Partindo mesmo do ponto de que ha de custar, preço commum, 210 o Alqueire; e julgando que nos Paizes de Trigo elle nasce nos Cães do Embarque, e que não faz despeza nelle, 240, e 300 reis de Direitos são 540; e o frete do Navio? E os Direitos do Porto em Lisboa, o risco, e a vendagem? E o aluguer de Trecenas, a despeza de descarga, os lucros do empate, e o da negociação? E será barato este Trigo Estrangeira? E não deixará á Lavoura essa protecção com que se argumenta? Poderá nunca ser vendido, se não quando dêr o preço regulador?

O Sr. Galvão Palma tambem levantou os Dizimos em fundamento para perpetuar a Lei dos Cereaes; mas os Dízimos são um Tributo; e os Ecclesiasticos vivião, e vivião bem, quando o não tinhão a seu favôr: os Dízimos, como Tributo, não podem ser causa da Lei, nem fazer argumento da sua bondade; os Tributos não são bens; são sempre males, a quem só a estreita necessidade pode justificar; eu bem sei que os grandes Proprietarios lucrão com a Lei, ou com o Artigo, e que os Dízimos rendem mais, porque em lugar de ser o Trigo a 480, he a 800 reis; elles não fazem despeza , este he o segredo da Lei ; he a guerra dos ricos contra os pobres; he a resolução do problema desejada no Poema do Hysope, quando o Poeta fallando dos Conegos d'Elvas disse =

"Outros cuidavão
"Que para te vender mais caro o Trigo
"Celeste arbítrio s'inventra."
Aqui está o milagre dos Cereaes.

O Sr. Girão argumentou com o desgosto dos Povos, se o Trigo for barato, e com os argumentos, que os Rebeldes hão de fazer contra o Systema por esta Causa; mas a que vem este susto? Se valessem os argumentos dos Rebeldes, estaríamos nós aqui? Elles não dizem aos Povos quanto querem? Segundo elles, o Senhor D. Pedro IV he um Estrangeiro; e elle nasceu em Lisboa: os Inglezes são Milicianos vestidos de vermelho para lhe causar susto; e os Inglezes estão em Coimbra: e outras cousas destas, e peiores dizem elles, cuja boa resposta he irmos nós fazendo o nossa obrigação; deixando a resposta aos dictos dos Rebeldes ás Baionetas dos nossos bravos.

A Agricultura está decahida porque não ha canaes, nem estradas, porque tem mil flagellos, e tributos, se tem dicto; e isto tambem eu digo; mas o remedio he melhorar as estradas, he abrir canaes, he levantar

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flagellos e tributos, e não fazer a Lei dos Cereaes; mas tendo respondido aos argumentos dos Senhores Deputados, que me precedêrão, e que estavão era grande parte debellados pelo Sr. Soares Franco, cumpre-me dar a minha opinião sobre o Artigo; e expor as razões, era que o fundou a Commissão.
A Lei, que protege um só ramo de industria he uma Lei essencialmente parcial, e injusta: se he cómmodo dos Proprietarios, e Ecclesiasticos que o Trigo lhe renda muito dinheiro, nem por isso deixa de ser cómmodo a toda a outra gente comprar Trigo barato. Ora: os Proprietarios, e Ecclesiasticos são o menor número; as outras classes juntas são o maior número; e então a Lei esmaga os interesses de muitos contrarios aos dos poucos, fazendo a estes de melhor sorte.

Por outra parte: quando a Lei fizesse crescer a Agricultura, cousa para mim bem duvidosa, esse augmento não he um bem quando he adquirido ácusta de sacrifícios das outras Classes do Estado. Se a Lei não augmenta o preço do Trigo, a Lei he nulla; se o augmenta, e isto na proporção de se não julgar o direito proposto para o Trigo Estrangeiro capaz de proteger do mesmo modo a Agricultura, e de augmentar igualmente o preço, então he a Lei dos Cereaes só um Tributo sobre os consumidores tão grande, ou maior, do que todos os outros Tributos unidos. Figure-se um homem podendo ter Trigo a menos de 500 reis, sendo agora condemnado a pagar o Trigo a 800; não paga este infeliz por anno uma capitação de 7500 reis suppondo que come 25 Alqueires? E 75O multiplicados por tres milhões não fazem uma somma maior infinitamente do que toda a Renda pública? De certo que sim.
Mas talvez se diga: esses homens em consequencia desse preço superior vendem mais caros os fructos dos seus trabalhos, e resgatão-se sobre os consumidores, e ficão no fim do anno na mesma, e o Reino cultivado; mas a isto respondo que temos circulo vicioso, ou quando muito os Proprietarios restituem ás outras Classes a superioridade da renda, que a Lei cria para elles: este não he com tudo o facto, antes o facto he, que sendo tudo caro em consequencia da carestia do Trigo, e havendo lá nesses Paizes, cujo Trigo devia vir barato diminuir o preço do nosso, muitas cousas alem de Trigo, essas cousas vem para Portugal em lugar do Trigo prohibido, por sua barateza affrontão o preço das nossas, e então a Industria decahe, a Povoação diminue, e em pouco a Lei faz pagar bem caro aos Proprietarios o bem efemero, que lhes busca actualmente.

He cousa sobre todas bem notavel que nós, quando tínhamos grandes riquezas, e grandes Colonias, tivessemos o trigo barato; e quando a nossa pobreza se pronuncia apparece o preço artificialmente caro na Lei dos Cereaes.

A Inglaterra, em outro tempo fundadora do systema das restricções, e hoje exterminadora desse systema, pode com a Lei dos Cereaes, porque no seu immenso Commercio, e na riqueza, e perfeição de seus artefactos pouco lhe pesava a carestia do trigo; mas nós pobres, e sem industria, para que a imitámos? E para que não quando opulentos, e sim quando pobres, e miseraveis?

Mas he a mesma Inglaterra quem quer voltar do seu erro, he nos seus grandes Homens, e Escriptos que eu aprendi que a Lei dos Cereaes era um grave mal público; e quando propuz o Artigo tinha em vista fazer já o que os Inglezes farão em pouco tempo; e isto era glorioso para esta Camara.

Observo em ultimo lugar que os Lavradores gostão da Lei dos Cereaes; porque mil cousas ha, nas quaes os homens são sempre crianças; e gostão, por exemplo, de receber duas peças para comprar uma cousa necessaria, em lugar de receberem dous vintens, e os gastarem na mesma cousa: para isto não ha razão, alem do bonito das duas peças; de resto he a mesma cousa.
Não ha dúvida alguma comtudo que o Lavrador recebe, e gasta o trigo em entrada por sahida, e que para elle he igual que o preço seja alto, ou baixo; a questão he puramente nominal: o mesmo acontece com os jornaes; o preço he puramente nome; o jornal he sempre o preço de uma subsistencia miseravel; a questão he a renda, que o Lavrador paga, quando tem ajustado a dinheiro; e em quanto não faz novo ajuste o trigo he barato; o Lavrador soffre, mas o Proprietario cede, e depois o equilíbrio vem: quando a renda he a trigo, o Lavrador poucas vezes vende trigo; no fim de 4 annos, se vende ás vezes, compra outras, e quando compra he bom para elle que seja barato, quando vende, o contrario; mas no fim fica sempre igual.

Mas recapitulando; se eu não estou louco e esquecido de quanto tenho lido, tenho visto na Historia mil revoltas por carestia, não conheci nunca alguma filha da barateza; e, pondo a questão como o Artigo, concluo, declarando que se não tracta de acabar com a Lei dos Cereaes, tracta-se de lhe manter o espirito, e de proteger a Lavoura, como dizem estes Senhores; mas por meio de um tributo, de que o Thesouro precisa: até agora o trigo era caro sem proveito, passando o Artigo será caro, ao menos, fazendo-se a melhora das Finanças.

O Sr. Serpa Machado: - Sr. Presidente: compararei este Artigo com a Legislação actual, e veremos qual delles he mais conveniente. Farei primeiro uma observação: parece-me que este Artigo está em verdadeira contradicção com o que acaba de expor o Sr. Mouzinho; elle estabelece um principio de que não he conveniente uma Lei restrictiva, qual a actual, que faz a fortuna de poucos com o prejuízo de muitos; isto he, que faz a fortuna dos Lavradores, que são menos, e o prejuízo dos Consumidores todos: he aqui que eu devo observar que a Lei, que este mesmo Sr. offerece, produz o mesmo inconveniente, segundo as suas idêas, porisso que, admititida ella, ia estabelecer um monopolio a favòr dos poucos, que o fizessem, e contra os muitos, que havião de ser prejudicados por este monopolio. Eis-aqui portanto uma contradicção com os seus mesmos princípios. Combinaremos agora o defeito desta Lei proposta com o da Lei antiga. A antiga na verdade tem inconvenientes, porque deixando ao arbitrio de uma pessoa só, qual he o Administrador do Terreiro, o remover a occasião da fome, admittindo Cereaes estrangeiros, os necessarios para consumo de cada anno, claro está que o Administrador pode abusar deste poder; e se não tem abusado pelo espaço de tres annos, que elle existe, he porque foi confiado este Emprego a um Homem

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tão capaz, e tão distincto pelas suas luzes, e probidade, que faz honra á sua Classe, e á Nação Portugueza: comtudo he indubitavel que, durante a época, em que tem vigorado esta Lei, tem produzido bom effeito; porque na verdade não se tem deixado entrar senão os Cereaes necessarios; e houve anno, era que, por a colheita ser maior, não foi preciso entrarem Cereaes estrangeiros. Se esta Lei tem sido proveitosa, para que a havemos substituir por outra, que se não sabe o que he? Ora: agora por esta nova Lei, que propõe o Sr. Mouzinho em nome da Commissão, vamos a vêr o que resulta. O Sr. Mansinho mesmo reconhece que, admittidos os Generos Cereaes a consumo, ou deposito, pode haver Contrabandos: he verdade que diz que isto mesmo pode existir, quando são admittidos a franquia: he preciso advirtir se os havia em franquia, muito mais pode haver, quando elles entrarem para deposito; e então devemos escolher do mal o menor.

Portanto: quando esta providencia tivesse lugar, eu concordaria com as idêas do Sr. Soares Franco relativamente a evitar os Contrabandos.

Admittidos os Cereaes por franquia demorão-se 10 dias, findos estes 10 dias deve sahir; e então os extravios não são faceis; porem, se elles se conservarem por muito tempo, podem haver extravios de consequencia. A differença em todo o caso he, que da primeira forma o abuso he menor, e da segunda o abuso he maior. Em consequencia as providencias adoptadas por este Artigo, em quanto admitte os Generos Cereaes a baldeação, e consumo, e a deposito, dão mais azo ao Contrabando, do que a Lei actual; e porisso eu não a admittirei, sem que primeiro se organisem providencias collateraes. Agora: pelo que pertence aos principias geraes de Economia Política, eu reconheço que he um principio della a facilidade de admittir a concorrencia os Generos estrangeiros; mas eu não admitto este principio geral sem excepções. Se os grandes Economistas reparassem nas nossas circunstancias, o estado da nossa Agricultura, e a necessidade de um preço arteficial, que cubra as despezas da cultura, elles mesmos reconhecerião as limitações. Eu não quero que só se promova a Agricultura com prejuízo do Commercio, e dos mais ramos de industria, mas reconheço que he digna de muita contemplação a classe dos Lavradores, por ser a que influe mais nas outras. Quando os Lavradores não tem o necessario para fazer a despeza da Lavoura, deixão as suas terras por cultivar, d'onde se segue o prejuízo das mais Classes. Nós temos factos a este respeito passados diante dos nossos olhos. Vimos nos tempos, em que se permittia entrada dos Generos estrangeiros, a melancolia no semblante dos Lavradores, e seus dependentes, e de quasi todos: e se não he permittido em algum caso fazer o beneficio de mais, então he preciso repartir as terras por meio de uma Lei agraria, qual a de Gracho; os que tem muito, que cedão aos que tem pouco. Este absurdo aconteceria de certo, se não fosse promettido em alguns casos fazer o bem a poucos, ainda com algum prejuízo do muitos. He portanto a minha opinião, visto que a Lei antiga tem defeitos (porem menos do que a nova iria a ter, no caso de passar), que a antiga continue.

O Sr. Travassos: - Tem-se dicto, Sr. Presidente, quanto parece possível lembrar, tanto a favor, como contra a admissão dos Cereaes Estrangeiros a Deposito; e em resultado do que tenho ouvido não posso deixar de votar contra a sua admissão, em quanto se não estabelecerem meios efficazes de evitar, que fraudulentamente sejão convertidos para consumo. E não acho contradicção em votar pela admissão a Deposito de Mercadorias de muito mais preço, e menor volume; e em que por isso he mais facil o Contrabando, e ao mesmo tempo oppôr-me ao Deposito dos Cereaes. Do Contrabando das primeiras, que são de mero luxo, só resulta a perda dos Direitos; mas o Contrabando dos Cereaes, como generos de primeira necessidade, traz comsigo, alem da perda dos Direitos, um prejuiso directo á Nação, desanimando a Agricultura; do que resultará a successiva diminuição da sementeiras, e conseguintemente a progressiva diminuição de Cereaes proprios.

Quanto á segunda parte do Artigo, isto he, á admissão para consumo, não me parece sufficiente, como nelle se propõe, marcar direitos sempre os mesmos, e sem attenção á maior, ou menor abundancia dos Cereaes do Reino, a qual he sempre representada pelo seu menor, ou maior preço. Por esta maneira favorece-se em demasia em muitos casos o Lavrador com prejuiso do consumidor; e uma boa Lei de Cereaes deve conciliar os interesses oppostos destas duas classes; de sorte que, tirando o Lavrador um lucro honesto do seu trabalho, possa ao mesmo tempo o consumidor obtêr estes generos de primeira necessidade pelo menor preço possível. Com effeito, se o preço dos Cereaes do Paiz fôr excessivamente baixo, o que, denota superabundancia, penso que neste caso os Direitos impostos aos de fora devem sertão grandes, que equivalhão á sua prohibição: mas se pelo contrario elle for excessivamente alto, o que denota escacêz, então os Direitos impostos aos de fora deverão ser muito pequenos, e até nenhuns, quando a escacêz for excessiva. Entre estes limites pois, julgo que deve ser marcada uma escalla de Direitos relativos acertos preços reguladores, em lugar de um Direito constante em todas e quaesquer circumstancias.
Se, por exemplo, quando o preço regulador do Trigo no Terreiro for de 700 réis, parecer conveniente que o Trigo Estrangeiro pague, alem da vendagem, 300 réis de Direitos por Alqueire, o que equivale proximamente aos 400 réis por Arroba propostos no Projecto, então quando o preço regulador fôr de 800 réis, pague o Estrangeiro somente 300 réis de Direitos; pois neste caso o preço regulador indica menor quantidade de Trigo do Paiz, e por isso convem em beneficio do consumidor convidar mais que no primeiro caso a entrada do Estrangeiro pela diminuição de Direitos. Pela mesma razão, se fôr de 900 réis o preço regulador, seja o Direito somente de 100 réis: e finalmente chegando o preço regulador a 1:000 réis, ou dahi para cima, seja admittido o de fora, pagando unicamente á vendagem.

Por este modo se conservará aos Cereaes do Paiz um preço pouco variavel, e o mais baixo possivel a favor do consumidor sem prejuiso do Lavrador.
De tudo isto concluo que não sejão admittidos por agora a Deposito os Cereaes Estrangeiros: e que, em quanto não se reformar, como convem, a Lei dos Cereaes, seja a sua entrada para consumo regulada pelas Leis existentes.

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O Sr. Derramado: - Sr. Presidente: O Projecto que dá lugar a tão porfiado debate contem duas partes, cada uma dellas da maior importancia, em quanto estabelece regras mui diversas das que regulão actualmente o Commercio dos Grãos Estrangeiros em suas relações com a producção e Commercio destes generos do paiz. Na primeira parte são admittidos livremente a franquia; baldeação, deposito; e re-exportação os Generos Cereaes de todos os Paizes Estrangeiros, pagando um por cento nos casos de baldeação, ou re-exportação na segunda dá-se livre entrada aos mesmos generos, e despacho para consumo, pagando a Farinha de Direitos 700 rs. por arroba, o Trigo 400 rs. por arroba, o Milho 200 rs., e a Cevada, e outros Cereaes 100 rs. tambem por arroba. A doutrina do Projecto não me parece bem adaptada aos princípios geraes de Economia Política que contestão, 1.º que he essencial á felicidade da massa de uma Nação que os generos da primeira necessidade não subão a um preço excessivo; 2.º que o preço de taes generos seja o mais constante possível; 3.° que o modo de conseguir estas duas cousas he deixar ao Commercio uma plena liberdade, por isso que a actividade dos especuladores e a sua concorrencia faz que elles se apressem a aproveitar-se da menor baixa para comprar, e da menor alta para vender, resultando que uma e outra não possão durar nem tornar-se excessivas. Mas se a doutrina do Projecto não me parece, como disse, bem adaptada aos princípios geraes que tenho exposto, muito menos a julgo conforme a outros factos geraes e peculiares, que devem limitar a applicação daquelles princípios, conforme as circumstancias de cada Nação. Pelo que toca a Portugal no assumpto de que se tracta, os factos são: que os Portuguezes são Proprietarios de terras fertilissimas ou ferteis em sufficiente extensão para se fazerem produzir a subsistencia de um duplicado numero de habitantes; que em taes circumstancias nenhuma Nação bem governada confia a outras Nações o cuidado de a nutrir: que a nossa Agricultura de Cereaes está de tal modo atrazada que não produz o necessario Pão decada dia para a mingoada família Portugueza; que as emprezas agrícolas offerecem o mais vantajoso emprego dos capitães em relação aos Estados, ao mesmo tempo que são as mais penosas e menos productivas para os emprendedores, que merecem, por isso mesmo, a maior protecção dos Governos; que as nossas Manufacturas são pouco extensas, e em geral pouco aperfeiçoadas; o nosso Commercio externo quasi anniquillado, novos motivos para voltar para a Agricultura todos os nossos cuidados; porque he ella que nos ha de fornecer materia para progredir nestas ultimas industrias: estes e outros semelhantes factos geraes, e particulares da nossa terra, são outros tantos que devião entrar no calculo da composição dos princípios, ou regras legislativas do Projecto em questão; e eis-aqui quasi outros tantos, que o Artigo respectivo despresou como passo a evidenciar.

Quanto á primeira parte do Artigo: as liberdades concedidas ao Commercio dos grãos nesta parte dó Artigo parecem á primeira vista inoffensivas á producção dos generos rivaes do Paiz, e por outro lado mui productivas para o Thesouro Nacional. Mas quando se considera que os Generos Cereaes Estrangeiros não podem, geralmente fadando, demandar o Porto de Lisboa (afora os casos de arribada por força maior) se não com o destino de serem despachados para o consumo desta Cidade; porque nenhuma transacção Commercial das Nações Estrangeiras e portadoras de grãos com as importadoras destes generos se pode considerar Vantajosa por Deposito nesta escalla; e quando se attende por outro lado que a disposição dá segunda parte do Artigo torna inutilmente dispendioso o Deposito dos Cereaes, que vierem destinados para o consumo, (com poucas excepções), he facil de concluir que os Commerciantes se não aproveitarão das liberdades, que lhes concede semelhante disposição mais do que para atulharem os nossos Mercados de Cereaes introduzidos por Contrabandos, produzindo por esta forma a total ruína dos Lavradores, sem alguma utilidade para o Thesouro. Os pezados Direitos impostos sobre os Cereaes Estrangeiros em combinação com a entraria livre destes generos, na presença dos vícios de Administração dos nossos Portos e Alfandegas, são estímulos e facilidades para o Contrabando, que não poderião achar-se mais opportunos, procurados de proposito. O argumento do Sr. Mouzinho derivado do Contrabando, que actualmente se faz com as franquias, nada mais conclue senão que he necessario regula-1as de modo que o não promovão; mas está bem longe de provar que lhe devâmos abrir mais algumas portas, por onde possa entrar este, que o honrado Membro reputou na fantasia dos que impugnão o Projecto um monstro como o Gigante Adamastor, e que eu confesso que he ainda mais formidavel; porque se o monstro do Cabo Tormentorio disse a Vasco da Gama - Eu sou quem puz travezes neste passo - Estes travezes forão transpostos pelo denodado Capitão; mas o monstro Contrabando dos Cereaes ha de dizer ao Lavrador: - não lances o Pão á terra senão perderás a semente e o trabalho - e o Lavrador ha de recuar. O argumento, que se adduzio, tirado da declaração que no seu Relatorio fez o Excellentissimo Senhor Ministro da Fazenda, he contra-producente; porque se a somma dos Direitos Impostos na exportação dos vinhos subio, abaixando a quota do imposto, he de esperar que a somma dos Direitos impostos aos Cereaes baixe, subindo os mesmos como sobem no Projecto. Continuou dizendo, que se as medidas relativas á Policia dos Portos, Barras e Alfandegas fosse entre nós modellada pelo Systema Francez (que descrevéo), tivera menos receio do Contrabando; mas que assim mesmo se requeria um local apropriado para o Deposito, com pena de ser abandonado pelo Commercio, que aliás se molestaria ao ponto em que o foi no Entreposto que se quiz estabelecer em França, anologo ao do Projecto. Concluio por tanto votando contra a primeira parte do Artigo.

Passou a fallar da segunda, que combatêo igualmente, referindo-se ás razões dos Sr. Serpa Machado é Travassos; e comparando a Legislação actual com as medidas do Projecto concluio a sua rejeição, porque teria o effeito de conservar a carestia dos grãos, de arriscar em muitos casos a subsistencia das grandes cidades, e isto sem as vantagens regulares para a lavoura, que offerecem as Leis actuaes, que por outra parte confessava carecerem de alguma alteração.

O Sr. João Elias: - Levanto-me para fallar na questão, em razão dos conhecimentos praticos, que adquiri na materia com a experiencia de dez para

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onze annos, em que sirvo os Lugares de Magistratura no Riba-Tejo, e ter sido testemunha ocular do quadro lastimoso, que alli se observou até 1820, pela invasão barbara dos Cereaes Estrangeiros. A doutrina do Artigo, considerada era these, e na sua generalidade, he verdadeira, approvo-a, e estou intimamente convencido della: tem a bondade absoluta, que os Publicistas exigem em todas as Leis fundadas nos princípios da Justiça Universal; mas quanto a mim falte-lhe a bondade relativa, que modifica aquella, accommodada aos usos, costumes, estado da Industria, e Agricultura da Nação, para quem se legisla. Melhoremos primeiro a nossa Agricultura com uma nova, e melhor Lei dos Cereaes; com a justa applicação dos Rendimentos do Cofre respectivo, em Obras agrarias, de Canaes, Estradas, e Pontes; abrindo novos, e desobstruindo os antigos; tirando os obstaculos, que se oppõem á circulação do Commercio interno em uma Villa, e outra Villa, um Termo, e outro; forme-se o novo Systema fiscal dos Contrabandos, tanto na Raia de Hespanha, como nos Portos de Mar, e então votarei a favor do Artigo, e de todos os Generos consignados na primeira colunaria da Tabella, porque então ficarão a coberto a nossa Industria, e Agricultura: entretanto, pelas mesmas razões, porque o Vinho, e mais Bebidas espirituosas ficão prohibidas, o devem ser os Cereaes, particularmente o Trigo. Se aquelles Generos são da primeira necessidade, e se abundão no Paiz, tambem estes; não abundão tanto, mas em annos de boa colheita, como a de 1825, e outras anteriores, já chegão para o consumo de todo o anno, e sobrão de maneira, que a entrada dos oito mil moios foi só devida á má colheita de 1826. Nem se diga que nos falta sempre Pão: he falso, e ainda mesmo nesses casos nunca houve perigo de falta do Estrangeiro, que concorre a ponto de haver sempre uma briga na sua admissão, aliás citem-me um exemplo contrario. De mais: se o Contrabando he nocivo em todos os Generos, muito mais nos de primeira necessidade: para isso evitemos todos os meios de se fazer; e, se he inevitavel o que se faz pela Raia de se Hespanha, evitemos o que se pode fazer nos Portos de Mar: sempre foi mais difficultoso entrar em uma casa peles trapeiras, do que pelas portas, e janellas. Lisonjeio-me de ter concorrido para as saudaveis medidas, que se tomarão no anno de 1319 no Riba-Tejo, sendo Presidente da Camara de Villa Franca, e da Junta das Fabricas dai Lizirias, de commum acordo com o meu Amigo, e Collega, o Desembargador Manoel sintonia Vellez Caldeira, então Corregedor do Riba-Tejo: voto por tanto contra o Artigo.

O Sr. F. A. de Campos: - Sr. Presidente, á vista da surpreza, que causou este Artigo no dia, em que foi apresentado, e dos esforços, que hoje mesmo se fizerão para evadir-se a sua discussão, eu esperava fortíssimos argumentos contra a sua doutrina; mas a minha expectação foi plenamente frustrada. Eu tenho seguido attentamente a discussão, porque tencionava fallar na materia; e, tendo apontado as mais importantes reflexões dos Srs. Deputados, eu não acho entre ellas nem um unico argumento. Acho observações mais, ou menos ajustadas sobre a matéria, mas nenhuma sobre o Projecto; sobre a admissão do Trigo Estrangeiro em geral, mas nenhuma strictamente sobre a sua admissão, na conformidade do Artigo.
Os Srs. Deputados demorárão-se muito em fazer elogios á Agricultura: convenho. A Agricultura he interessante, he necessaria, he muito honrosa, se assim o quizerem; nisto não ha duas opiniões: mas estender os elogios a mais do que isto; dizer com os Economistas que a Agricultura he a unica riqueza do Estado; que todos os Productos, e toda a riqueza vem da Terra, são idéas do Seculo passado, como sabiamente disse o Sr. Soares Franco, e devêmos pô-las a par dos turbilhões de Descartes, e dos Systemas desta natureza. A Pesca, as Minas são tão productivas, ou mais do que a Terra; o Commercio, a Industria contribuem incomparavelmente mais para a riqueza, do que ella; e nem uma, nem outra cousa são parte da Terra. He por tanto necessario rebaixar muito desses elogios exagerados.

O Contrabando he o lugar commum, sobre que todos tem insistido; mas o Sr. Mouzinho tem respondido plenamente. Com effeito, não se teme o Contrabando no Café, que paga 6$400 por quintal; no Chá, que paga 40$000 réis; nos Generos preciosos de França, de pequeno volume, e teme-se no Trigo? Não he isto uma prevenção bem singular? Mas o Sr. Mouzinho podia deixar de responder-lhes: o Contrabando não he um argumento; não he uma objecção, he uma dificuldade, e as difficuldades removem-se. Se o Legislador, quando tivesse de fazer uma Lei, se abstivesse pelas difficuldades da execução, ainda hoje viviriamos nos bosques, porque não ha Lei nenhuma, que não offereça embaraços. O que se deve attender he se a Lei he exequível; se ella o he, nada mais deve obstar.
O Sr. Deputado, que primeiro abrio a discussão, reconhecendo a verdade dos princípios, que servirão da base ao Artigo, disse que o estado de miseria, em que se acha Portugal, não permitte que elle se ponha em pratica; e que he justo que Lisboa faça o sacrifício de comer o Pão caro, porque para aqui vero grande parte do producto dos Dízimos. Mas quem não vê a contradicção destes princípios? Quando Portugal está miseravel he que se pertende que a subsistencia seja cara? Com que ha de o pobre compra-la, se o preço for alto? Elle descerá aos alimentos mais grosseiros, e os resultados serão as enfermidades, e a morte. E indedependente da justiça, ou injustiça de Lisboa comer o Pão caro, como pertende o Sr. Deputado, que nas Províncias, que o fornecem, o Pão seja barato? A exportação para a Capital, e o preço, que nella obtem, lhe elevarão lá o valor, e a miseria se estenderá até ás Classes inferiores.

Outro Sr. fallou no luxo da Capital, e na renda dos Grandes, com que o sustentão; mas os Pobres he que hão de sustentar esse luxo? As carruagens, a dissipação, uma plebe de Criados serão pagos pelo Jornaleiro, que trabalhou todo o dia, e não tem á noite com que se alimente a si, e a seus Filhos? Srs., eu não poiso conceber semelhantes princípios, e muito menos outros, que se querem arrastar para esta questão. Diz o Sr. Girão que esta Lei dará armas aos Facciosos contra a Sagrada Causa da Liberdade; mas quem se lembrou jámais de argumentar com a calumnia? Os Facciosos dirão o que quizerem, e o dirão de toda a forma; mas esta Lei não lhes poderá nunca servir de pretexto, porque ella favorece o Povo, por ser o número dos Proprietarios o menor. A razão, que o mesmo Sr. Deputado allegou, de que el-

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la vai muito directamente ao seu fim, comprovando-o com a Lei das Sesmarias, não he applicavtl á doutrina do Artigo. Directamente ao seu fim vai a Lei actual dos Cereaes, que elle defende, porque faz um completo monopolio dostes Generos, cujo fim he tão directo, como a Lei do Senhor D. Pedro I, que mandava cortar as orelhas, e os narizes aos Lavradores de Riba-Tejo, que não empalheirassem a sua palha; mas o Artigo, longe de tomar este caminho, favorece indirectamente, gravando as importações Estrangeiras proporcionalmente aos gravames, e imperfeição da nossa Agricultura. Tambem não posso deixar passar outro principio do Sr. Derramado, quando diz que, não tendo nós nem Commercio, nem Industria, devemos começar por favorecer a Agricultura. Isto he o inverso: para termos Agricultura, devemos principiar por favorecer o Commercio, e a Industria. Só quando estes dous mananciaes da riqueza das Nações estão em prosperidade, he que tambem a Agricultura prospera. Quem he que ha de comprar-lhe os Productos, se as classes trabalhadoras forem indigentes? Se o Povo não trabalha, como há de consumir? Para comprar não basta ter a vontade, he preciso ter os meios; e se os braços não achão emprego, os Generos nunca yerão preço, por falta de consumidor.

O Sr. Serpa Machado diz que o preço elevado dos Cereaes reverte a beneficio de todos; e esta reflexão foi applaudida pelos Srs., que impugnão o Projecto; mas nem por isso he menos falsa. O altro preço dos Cereaes não reverte, nem a favor de todos, nem da mesma Agricultura; mas da renda, e dos Proprietarios, que a recebem. Que he o que constitue a renda? He a quantidade dos Generos, combinada com o preço, que elles obtem no Mercado. Ora: o Proprietario, logo que vê subir o Gnero, sobe igualmente a renda, do sorte que o Cultivador não percebe nenhuma utilidade desse augmento. Qual vem então a ser o effeito? Crescerem os jornaes do trabalho proporcionalmente á carestia do Pão; e em consequencia os que trabalhão nada lucrão, porque se mais ganhão, mais pagão; e, os que não trabalhão, morrem de fome, vindo sempre a pagar o pobre na razão inversa das suas faculdades, porque, não podendo chegar a outros alimentos, faz do Pão a base da sua subsistencia.

Finalmente, tendo a Commissão de apresentar por ordem da Camara um Artigo sobre Cereaes, direi os motivos, que teve pura redigir o que está em discussão.

A Commissão não podia deixar de o fazer, subsistindo a Lei dos Cereaes, porque ella não estabelece um preço regulador; e um preço regulador sabiamente estabelecido, fundado sobre o verdadeiro conhecimento do estado da nossa Agricultura, e calculado pobre o preço medio das rendas de um anno inteiro, seria a unica base, sobre que deve fundar-se uma boa Lei de Cereaes. Na presente a nada disso se attendêo, e deixou-se ao arbitrio de um unico indivíduo e admissão dos Cereaes Estrangeiros.

Confesso com alguns fios Srs. Deputados, que me tem procedido, que deste vicio da Lei nenhum máo resultado se tem seguido; mas se por fortuna a sua execução foi até agora comettida a um homem de probidade, quem nos assegura que aquelle, que só lhe seguir, ha de professar os mesmos sentimentos? As Instituições devem ser sabias, independentemente dos pessoas: estas ou mudão, ou passão; aquellas subsistem, e permanecem. Vê-se portanto que a Commissão não podia conservar a actual Lei dos Cereaes.

O segundo arbítrio, que a Commissão podia adoptar, era admitir os Cereaes a deposito, conservando no resto a mesma Lei. Mas alem de cahirmos nos inconvenientes já ponderados, e que a conservação da Lei perpetuava, accrescentavamos outros para o Commercio destes Generos, que he já um dos mais arriscados; porque, ou os Negociantes senão havião de querer expôr a trazerem Generos susceptíveis de corrupção a um Porto, aonde o seu consumo lhes em prohibido, e então de nada aproveitava a Lei, ou 4 trazendo-os, como a admissão he regulada pelo estado do Terreiro, ficavão sujeitos ao arbítrio do Inspector, que podia indifferentemente, e sem injustiça toma-los, ou do um, ou de outro, e aqui entrava o favor.

Não julgando por tanto a Commissão que nenhum destes arbítrios fosse adoptavel, pensou que ora do seu dever apresentar á Camara um Artigo redigido segundo o estado actual da Sciencia Economica, deixando á Sabedoria da mesma a sua adopção, ou rejeição. Isto he o que a Commissão teve em vista; e, seguindo os Escriptores mais illuminados, considerou os Cereaes como outra qualquer Mercadoria, sujeitos a uma Pauta, com Direitos protectores na nossa Agricultura, e que sustentavâo um preço igual ao que actualmente conservão. A qualidade de servirem para a subsistencia do Povo não he uma circumstancia, por que se não deva seguir com elles a mesma regra, que se segue com todos os mais Generos, e Mercadorias. A riqueza consiste em fazer mais obra com menos obreiros; e neste sentido ha muitos outros ramos de Industria mais productivos do que a Agricultura; e aquella Nação, que os possuir, não pode temer nunca que lhe faltem Cereaes. Basta-nos para exemplo a Hollanda. Mas no que eu julgo mais perigoso o favor decidido, que se quer dar á Agricultura, he em que Governo nenhum deve forçar os Capitães, mas deva deixa-los á sua natural tendencia, segundo a escala dos interesses. Se a Agricultura, em consequencia desta preferencia, der uma renda de 7, ou 8 porcento, qual será o resultado? Será necessariamente elevar o juro do dinheiro, o que he sempre um grande mal; e daqui virá que qualquer indivíduo, que quizer erigir uma Fabrica, ou um Estabelecimento de Industria não achará dinheiro senão ao juro de 10, ou de 12 por cento, o que vai directamente atacar a producção na sua origem.

Por tanto, não devendo dar-se a um ramo de Industria uma pretecção exclusiva com prejuízo dos outros, voto pelo Artigo.

O Sr. Magalhães: - O Sr. Derramado, depois do ter fallado com a sua costumada vastidão, disse, que ávista dos razões expostas pelo Sr. Serpa Machado, nada mais devia acrescentar-se sobre este objecto, julgando fora de toda a dúvida a sua opinião; eu porem não penso assim, e creio que depois dos discursos pronunciados pelos Srs. Soares Franco, Mouzinho da Silveira, e ultimamente pelo Sr. Francisco Antonio de Campos; depois da força dos sem argumentos, do facho da verdade que elles accendêrão, (pois ainda que por desgraça se perdesse a definição do que he

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verdade, ha com tudo um instincto, que no-la indica) não he possível á Camara subtrahir-se á formidavel evidencia, que sobre ella está pezando.
Que posso eu dizer depois de semelhantes discursos! Esta unica reflexão bastaria para me embargar as vozes, se eu não visse que a despeito de tão fortes razões ainda se insiste nos dous argumentos, com que desde o principio se tem constantemente atacado o Artigo: um deduzido das circumstancias, e outro do contrabando.

Quanto ao argumento deduzido das circumstancias, parece-me que elle não pode causar um movimento de impressão a esta Camara. Senhores, não he transigindo com as imposturas dos Rebeldes, que se destroem os effeitos moraes, que seus embustes podem causar nos Povos. Convem ir á fonte do mal, e secca-lo na sua origem. He punindo-os promptamente que se desabusão os que em boa fé se tiverem illudido, no ver desmascarado o crime, com que esses perversos tem enlutado uma das mais bellas épocas da nossa Monarchia. He limpando o Sólo Portuguez de semelhante peste, que nelle poderá prósperar a bella arvore das instituições protectoras do homem probo, protectoras das fontes da riqueza, e consideração Nacional.
Ainda que esta Assembléa se transformasse em u

Com toda a facilidade podem elles retorquir os argumentos, e fazer crer á massa bruta do Povo, á grande classe consumidora, que esta Camara, prohibindo a admissão dos Cercãos na forma indicaria no Artigo, decretou o principio da fome, que ha de em breve consumi-la; e o do monopolio a pro da mui pequena classe productora.

O principio de não commover um abuso popular, de transigir com os abusos, prende tambem com o de deixar as Nações estacionarias. Quando em uma reforma se tem contemplação a um abuso nocivo, então ene passa a ser um direito; ganha forças dessa morria consideração; e, quando se quizer atacar, será impossível, porque maior deve ser o alarme, em proporção da opinião que o cerca. Senhores, as reformas tem o seu momento, este perdido não volta. E será de humanidade, só para conservar o Povo n'um erro, embora lhe seja caro, deixa-lo despenhar no precipício?...
O Legislador, guiado pelo clarão da verdade, tendo por fim somente o bem da Sociedade, deve traçar o caminho, por onde convem chegar áquelle; e uma vez despedido o grande Carro político, convem que não seja embaraçado em sua marcha, embora fiquem esmagados debaixo das rodas todos os erros, todos os abusos. Praza aos Ceos, que tal seja o destino da minha Nação!
Depois: os Rebeldes nada tem de commum com os Cereaes: se tanto podem abusar de se decidir, que sejão, ou não sejão admittidos; senão convem protrahir os erros dos homens, que força pode ter o argumento tirado das circumstancias? Nenhuma: e eu creio que elle não será reproduzido.
Pelo que respeita ao argumento tirado do contrabando, eu penso da mesmn forma. Precisa, ou não Portugal de importar Cereaes? Precisa: então qual he melhor, te-los em deposito, para lhe dar despacho quando convier, ou no momento da precisão conceder exclusivos a certas Casas de negocio, a certos indivíduos, que, aproveitando-se dessa mesma precisão, sobrecarregão os preços com detrimento dos consumidores? Qual he melhor, ter os Cereaes em deposito, ou consentir que um homem, graduando a necessidade da admissão como por uma fieira, monopolise a occasião da introdução, e a quantidade dos generos, em igual, ou maior detrimento dos consumidores? Senhores, se hoje um homem probo preside ao estabelecimento do Terreiro, pode a desgraça tira-lo dahi, pode ser substituído por outros, que o não sejão; e que terríveis consequencias! Nunca será bom Governo áquelle, onde o homem poder mais do que a Lei.

Não duvido que o contrabando he possível; porem a possibilidade já existe na admissão á baldeação; e o deposito, longe de augmenta-lo, ha de cerceá-lo, visto que no deposito hão de estar, e hão de sahir os mesmos moios, que entrarem: visto que a fiscalização he mais immediata; e ella ha de ser melhorada. Pelo menos aqui haverá só o contrabando, e não se admittindo haverá de mais o terrível monopolio. Não he em objectos tão volumosos, que o contrabando he facil, quando sujeitos a uma Estação regular. Este monopolio refluiria em proveito de alguns poucos indivíduos: e que direito tem, suponhâmos, dous mil productores, para esgotarem o sangue de tres milhões de consumidores?

Um Paiz bordado por uma tão extensa cinta de terra, muito mal pode evitar o contrabando das raias sêccas: ora, não tendo o Pão, que entra de Hespanha, concorrente, o contrabando daquelle será constante, uma vez que o preço esteja dez réis menos, que o preço regulador; ou, se chegar ao preço regulador, então virão os exclusivos. Nem se diga que, se o Productor não vender bem o seu genero, o Consumidor, o Fabricador não poderá ser entretido; e que, não tendo este em que possa ganhar a subsistencia, será igual o mal para as duas classes, Productora, e Consumidora. Não se falla da justa proporção que deve estabelecer-se entre o Productor, e Consumidor. Esta convem have-la, aliás o circulo industrial pereceria, e a Sociedade tambem; porem falla-se do excesso da parte do Productor, o qual, tendo apenas precisão de poucos braços, em razão da massa fabricadora, e subindo os preços dos seus generos, ha de por força obrigar esta a verter nos seus cofres o ultimo real que possuir, até se lhe vender, ou dar em escravidão.

Tal he o quadro d'uma Sociedade mal governada. Então resulta a grande acumulação de Capitães nas mãos de poucos, a grande miseria entre os muitos: daqui o grande luxo d'uns, a objecção dos outros, e de todos por diversas causas se segue o mesmo resultado, que he a desmoralisação, he levantar altares ao crime.

Se pois o contrabando, pela admissão dos Cereaes a deposito, não augmenta, antes diminue: se corta d'uma vez o monopolio, se facilita a concorrencia, sem aviltar o preço, he fora de dúvida que o argumento contra a admissão, deduzido do contrabando, tambem não pode vigorar.
O mesmo digo a respeito da admissão para consumo, quando os direitos não consentem o rebaixo do preço dos Cereaes indígenas. E termino dizendo que a grande Sciencia da Economia Política consiste em

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alliviar as fontes da riqueza de todo o genero de torpeço; dar franca liberdade á exportação, e sobrecarregar de impostos a importação.

O Sr. Van-Zeller: - Que a actual Lei dos Cereaes he má, isso he evidente; basta dizer que he fundada na supposição que podemos conhecer ao justo quanto he a nossa producção de Cereaes, e quanto o consumo; difficil cousa de asseverar, e muito mais para nós, que ainda não temos os dados necessarios para obtêr esses resultados; acho muito impolitico estar a fazer subir a um tal ponto o preço do Pão: he necessario que nos desenganemos, já não temos o exclusivo do Brasil para as nossas ainda restantes manufacturas, devemos concorrer no mercado Brasileiro com as das outras Nações. O preço do Pão influe no preço de tudo, e sustentando esse preço demasiado alto, em pouco perderemos todas as nossas manufacturas. Uma nova Lei de Cereaes he indispensavel, porem como a Sessão está tão adiantada, não temos tempo para isso, façâmos pois o que ainda he possível fazer, tiremos partido da occasião que se nos apresenta: as Nações mais illustradas ainda hoje debatem a Lei dos Cereaes, umas querem a admissão franca, outras com restricções, e outras com um direito protector, porem no que nenhuma dellas duvida he em permittir os depositos. Limitarei pois as minhas reflexões sobre este ponto.

Já em outro tempo insisti muito sobre isso, mas não o pude conseguir; e grandes sommas tem perdido Portugal por não admittir alguns dos Navios do Baltico, que vierão a Lisboa, e que por se lhes não permittir o deposito, for ao esperar a Galliza que os Portos de Lisboa se abrissem ao consumo, e estiverão ás minhas ordens; todos, ou quasi todos, a final vierão descarregar a Lisboa, porem deixarão na Galliza sommas consideraveis, que eu mandei pagar, por despegas alli feitas, que podião ter ficado em Portugal.

As objecções, que tenho ouvido contra os depositos, de modo algum me convencem.

Uns dizem: fazer-se-ha grande contrabando; outros, não ha Armazens proprios para os donos os depositarem; outros, influe nos preços do Nacional: aos primeiros responderei, que nada he mais facil de fiscalizar, do que o contrabando em Trigo, porque he genero que tem pezo, conta, e medida; de mais, nunca ha que temer o Contrabando em generos de muito volume, e porco valor; mas sim nos de muito valor, e pouco volume.
Quanto ao não haverem Armazens, todos sabem que os ha sufficientes: quanto a influir no preço, isso só pode influir do mesmo modo, que influem esses Navios que estão constantemente no Tejo a titulo de franquia, e baldeação.

As vantagens, pelo contrario, que se seguem dos depositos, são grandes; não será exageração dizer que 10 por cento do valor depositado fica no Paiz em Direitos, Commissões, aluguer de Armazens, e mais gastos, sem entrar em linha de conta os gastos, que fazem esses Navios em muita gente, que empregarião; e as Producções do Paiz, que d'aqui levão, como Sal, Vinho, Fructa, e Generos chamados Coloniaes, que não levarião, se lhes não fosse permittido descarregar aqui os seus Navios. Seria sem dúvida cousa bem estranha que, fazendo todas as mais Nações, ainda mesmo aquellas, que exportão Cereais, tudo quanto podem para que os Cereaes Estrangeiros venhão depositar-se em seus Portos, nós pelo contrario, que não temos sufficiente para nosso consumo, seguíssemos um systema opposto. Srs., admittir para deposito não he admittir para consumo; he necessario distinguir: a minha opinião he pois que a actual Lei dos Cereaes fique em pleno vigôr em tudo o mais, mas que se admittão a deposito os Cereaes; ficando este deposito em Lisboa debaixo da Inspecção do Terreiro Publico, e no Porto debaixo da Inspecção da Alfandega.

O Sr. Galvão Palma: - Vou a responder aos argumentos dos Srs. Mouzinho da Silveira, e Soares Franco: admirárão-se elles de eu dizer que, admittido o Artigo, seria um alarme na Província. He verdade, Sr. Presidente, pois alem das razões, que produzio o Sr. Gírão, addicciono as deduzidas da experiencia. Quando em 1830 baixou a previdente Lei, que obstava á importação dos Cereaes estrangeiros, tal foi o regosijo dos meus Compatriotas, que abençoárão a mão paterna, que lhes liberalisou esta graça: agora mesmo tenho fallado com alguns Agricultores, que apresentão um aspecto bem inquieto, na incerteza se passará o Artigo; com razão pois disse que haveria alarme; disse mais o Sr. Soares Franco que não erão 8, mas 10$ moios, que se tinhão mandado importar; a differença he de tão pouca monta, e muito mais comparada com os 90 e tantos mil, que por espaço de 20 annos entrarão nos nossos Portos, que não merece que eu dê outra resposta; accrescendo que o Aviso, que eu li, expedido pela Secretaria dos Negocios do Reino, se me não engano, era de 8$ mais. O que bem me admira he dizer o Sr. Soares Franco em o seu Discurso (para mostrar que seria de pouco vulto a entrada do Grão estrangeiro) que era uma quasi prohibição, que marcava o Artigo, para a introducção dos Cereaes; e pouco depois (para fazer vêr que interessava o Thesouro naquella medida) que lhe provirião della 200 a 300 contos: não sei como tão pouco Grão podesse montar o seu Direito a tão alta somma. Disse o Sr. Mouzinho da Silveira que eu excluía o Artigo com o fundamento que, prosperando a Agricultura, aconteceria outro tanto aos Dízimos, persuadido que eu por este meio promoveria o meu interesse individual.

Sr. Presidente, o meu beneficio não recebe Dízimos dos Cereaes no Celeiro do mesmo; e, quando assim acontecesse, toda a Camara conhece que eu sou imparcial nos meus sentimentos, e que interesses particulares jámais forão o regulador da minha opinião. Talvez com mais justiça eu podesse dizer que o Sr. Mouzinho, porisso que á testa de uma Repartição, em que se recebem os Direitos da Corôa, promoveria mais estes; mas não penso assim, pois conheço, e a Nação o quanto o dicto Senhor he amante da Patria, e que só (e nada mais) dá impulso aos seus sentimentos sobre maneira patrioticos. Admirou-se que se désse tanto valôr ao Gigante = Contrabando =, na verdade um Monstro, que affecta tão vivamente os costumes, a moral, e o interesse público, merece que se tema, e que se derrube da elevação, a que está montado. Não respondo ás graciosidades, com que o Sr. Mouzinho ornou o seu bem tecido Discurso, pois alem de as não achar proprias de um lugar, como este, tão magestoso, he arma, que não sei jogar, e sempre nella serei vencido. A Camara decidirá quem canta o triumpho nesta lucta, se o vencido, se o vencedor. Em

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quanto ás franquias, com que tambem me argumentou o Sr. Mouzinho, sei muito bem, e todos sabem que os Vasos Marítimos, em consequencia de arribadas, devem ter entrada sobre todas as aguas: assim o exige o Direito das Gentes, assim o demanda a humanidade) eu faltei porem nos dez dias; que a Lei concede para essa franquia, e que o ultrapassa-los, o que quasi sempre acontece com chicanas Commerdiaes, neste intervalo podem verificar-se os Contrabandos. Concluo pois votando contra o Projecto, e combinando com as idêas de todos os Srs. Preopinantes, que fallárão no mesmo sentido, sem que me limite a dizer a favôr de uns mais do que de outros; pois que, alem que eu me não reputo Censor de meus Illustres Collegas, julgo me tornaria odioso, e com razão, para aquelles, cujas exposições eu menoscabasse.

O Sr. F. J. Maya: - Depois de uma tão longa e subia discussão, o mais prudente seria calar-me: porém já que pedi a palavra sempre direi alguma cousa para acabar com alguns argumentos (se merecem este nome) que se tem produzido contra a admissão a consumo, ou Deposito. Eu nunca esperei que nesta Camara se faltasse tanto de Contrabando, e que alguns Illustres Deputados, aliás das melhores intenções, e de grandes conhecimentos requeressem que o Projecto, a que tive a honra de dar o primeiro impulso, não tivesse execução, sem ser acompanhado de Regulamentos competentes para o evitar, pois a Carta Constitucional incumbe expressamente ao Poder Executivo o expedir Decretos, Instrucções, etc., adequados para a boa execução das Leis; como se lê no § 12 do Artigo 75, e por isso não competem ao Poder Legislativo, sendo certo que taes Decretos e Instrucções só podem e devem ser feitas depois da Lei a que sé referem, o que he bem palpavel; rogo por tanto aos Illustres Deputados que não reproduzão tal idéa, a que eu não chamarei Gigante Adamastor, mas sim um Fantasma, porque este he o nome mais proprio a abjectos de imaginação. Tenho tido grande satisfação ao ouvir no Relatorio do Excellentissimo Ministro da Fazenda, que a Sciencia da Economia Política contava já mui poucos oppositores, e eu penso que em pouco tempo não terá nenhum. A razão que faz vêr uma apparente divergencia de princípios nos differentes Escriptores, he porque sendo estabelecida em factos, cada um os encara a seu modo, segundo as suas idéas, ou preoccupações; o que se comprova com o que se acaba de ouvir a alguns dos Illustres Deputados, que attribuem á Lei dos Cereaes a prosperidade da nossa Agricultura. A experiencia mostra diariamente que a protecção artificial dada a qualquer ramo de Industria he pouco doradoura, e a final muito prejudicial; isto mesmo agouro da alta do preço, a que se pertende elevar os Cereaes, por meio da prohibição absoluta. Os princípios de Economia Politico não são cerebrinos, senão olhemos para Inglaterra, que a ella deve a sua grande riqueza, e a elevação em que a vemos. Foi lá que nascêo, e escrevêo o celebre Adams Smith, creador de tão util e proveitosa Sciencia; e foi a Inglaterra a primeira que applicou os seus princípios aos differentes e importantes ramos da sua Administração Economica e Política; e fundados nella, os seus actuaes Financeiros tem alterado o Commercio do Mundo inteiro, destruindo o systema de restricções e impostos excessivos, substituindo-o pela franqueza do Commercio, e moderação de Direitos, sem recearem o desfalque das rendas do Thesouro, certos de que na Arithmetica Política 2 é 2 não fazem quatro, o que se demonstra sensivelmente á vista do augmento que tiverão os rendimentos das Alfandegas Inglezas no anno, que se seguio áquella extraordinaria innovação de Direitos, e liberdade da Commercio, que fez com que áquella Nação continuasse a attrahir ao seu paiz as transacções commerciaes de todas as partes do Mundo, as quaes crescèrão, e crescerão progressivamente.

A exactidão de taes princípios applicados devidamente, tambem se demonstrárão n'um facto referido no Relatorio do Excellentissimo Ministro da Fazenda quando disse, que o rendimento da Alfandega das Sete Casas rendêra dobrado do que no anno passado, e isto porque os Direitos da sahida se tinhâo redusido a metade.

Os argumentos do Sr. Moraes Sarmento são contraproducentes: este Illustre Deputado disse, que o Contrabando pela raia de Tras-os-Montes tem alguma utilidade, fundando-se em se trocarem generos Manufacturados por Trigo; pois devia lembrar-se que isso mesmo acontece com os Contrabandos pelos Portos do Mar, ou pelas Costas; porque tanto valem is generos como o ouro, ou prata, os quaes, ou embarra ou em moeda são sempre uma Mercadoria no Commercio, gozando unicamente pelas suas qualidades particulares, que facilitão a permutação, o servirem de intermedio ou equivalente geral. Desenganemo-nos, Senhores, por uma vez, que a riqueza Nacional não consiste só no ouro e na prata, e que a um tal erro se devem grandes prejuisos. Lembremo-nos, que todas as Mercadorias tem um valôr; e que, se estão em nosso poder, he porque damos outras quaesquer por ellas.

Ninguem traz a um Paiz producção alguma, se não para ser trocada por outra, que se repute de igual utilidade para quem a leva. A Lei dos Cereaes he defeituosissima, assim como tambem o era a que lhe tinha precedido, e de ambas eu agourei muitos males a Portugal, quando vi que se tractava de legislar sobre um objecto, em que não havia Legislação até ao anno de 1819; e não me enganei.

O alto preço dos Cereaes não he devido à Lei, mas sim a outras circumstancias, como a estada no Reino de um Exercito grande Estrangeiro, que fez affluir a elle muito dinheiro, e desta abundancia seguio-se o menor valôr da moeda, e o maior valôr das Mercadorias.

Termino pois, que a Agricultura não he a unica fonte da riqueza, mas que se lhe deve dar toda a protecção. Ha algumas Provincial na Polonia e na Russia, em que as colheitas se amontôão e apodrecem, sem ter valôr algum, o qual só podem receber por via do Commercio e Navegação; e o mesmo acontece ás producções preciosas do Amazonas, que morrem aonde nascem: por tanto concordo no Artigo que a Commissão de Fazenda tem apresentado, menos em parte dos Direitos, porque os julgo ainda excessivos, admittindo os Cereaes para consumo; porque do Deposito, e da re-exportação, estou persuadido que ninguem os excluirá sem atacar o bom senso, a razão, e a pratica de todas as Nações civilizadas.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Antes de dizer o que tencionava dizer, quando pedi a palavra, devo

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declarar que eu, quando respondi ao argumento do Sr. Galvão Palma tirado dos Dizimos, não sabia se elle tinha, ou não tinha Dizimos, nem isso me importa; nunca tracto de pessoas, tracto unicamente de cousas: agora direi o que pertendia.

O Sr. Serpa Machado me accusou de contradictorio, quando por uma parte mostrava tanta indisposição contra a Lei dos Cereaes, e contra as restricções em geral, e ao mesmo tempo estabelecia um Direito crescido sobre os Cereaes: creio que o Sr. Serpa Machado não entendêo o que eu disse, ao mesmo tempo que eu em voz muito clara, e pronunciada declarei que a Lei dos Cereaes era um gravissimo onus á Nação; mas que devendo eu capitular em parte com os prejuizos recebidos, e em parte ceder á necessidade de fazer frente ás despezas públicas, e reconhecendo que todo o Tributo he um mal, e achado na Lei dos Cereaes todo o mal feito, e não o bem do Tributo, pertendia fazer reversivel a monstruosa invenção desta Lei a favor do Thesouro, que se acha tão falto. Ora: isto não he contradicção, Sr. Presidente, e de uma vez para sempre observo que eu não desejo alguma restricção, nem a approvo; antes estou profundamente convencido que todas tão outros tantos flagellos, e que o Pais seria sobre maneira rico se podessemos passar sem Alfandegas, e tudo entrasse, e tudo sahisse á vontade; neste caso havião ser em Portugal consumidos os fructos dos trabalhos de muita gente, e o Paiz havia tornar-se um Jardim do Eden. Tambem disse o Sr. Serpa Machado que eu reconhecia a existencia de contrabandos nas Franquias; e que fazia outra contradicção em querer dilatar as maneiras de se fazerem maiores no deposito, e admissão: igualmente respondo que o Sr. Serpa Machado me não entendêo; por quanto existindo Franquias, como agora, e podendo, e devendo ser renovado o prazo, he durante ellas que mais contrabando se faz; quando, passando o Artigo, não ha mais para que sejão renovadas; por quanto chega o Navio, e ou he obrigado a retirar-se no primeiro termo, ou a depositar; e quando uma vez deposita pode vender para consumo; se traz 200 moios, logo se lhe abre conta do despacho de 200 moios, e leva-os para onde quizer; mas no fim do prazo, que o Regulamento estabelecer, ou ha de ter re-exportado, e mostrado a reexportação para ser descarregada a conta, ou a ha de pagar para o mesmo fim: e será esta a maneira de augmentar os contrabandos? E isto será contradicção?
Actualmente muito Trigo entra pela Raia sêcca, e não se tracta desse contrabando, nem se pode tractar: quando se tractou muito desse ponto no Alemtejo, eu mesmo fui testemunha ocular de que os Soldados realisavão a seu favor o projecto conteudo no Artigo, e intervindo certo premio deixavão passar o Trigo; e he de notar que todos os Lavradores do Alemtejo observão a entrada deste Trigo, e nenhum denuncia os introductores! E porque? Porque a Lei não he conforme ao espirito público, se elles não querem chamar sobre si o odioso das denuncias.

Eu tambem, que sou interessado na Lei a ponto de valer para mim muitas moedas a votação contraria á minha Proposição, e que tenho duplicado interesse, não só como Proprietario de terras, mas tambem como Dono de uma Herdade pegada com Hespanha, que vale o dobro da renda em razão do contrabando, que por ella se pode fazer, nem por isso me atrevia a perseguir os introductores do Trigo Hespanhol, porque já observei que apenas uma decima parte da Povoação Portugueza se emprega na Agricultura, não digo de Trigo, mas sim de todos os ramos conjunctamente, comprehendidas laranjas, feijões, vinho, etc.

A Lei dos Cereaes foi uma Lei de circumstancias, e explicarei quaes ellas forão. Quando apparecêo a Guerra passada muito grande preço tomarão todas as subsistencias , os Lavradores vendião o Trigo pelo preço, que querião, e o mesmo acontecia ao gado, e eu mesmo vendi uma vez dez moios de Centeio a 1800 réis por alqueire; durante a Guerra, os Lavradores deixarão os seus antigos habitos de moderação, trabalho, e parcimonia, e começarão um tractamento, que mais parecia de Condes do que de Lavradores, porque para tudo lhe chegava o immenso ouro, que recebião, e ao mesmo tempo tinhão feito os maiores esforços para augmentar as producções, que apezar dos seus esforços nunca chegavão. Quando veio a Paz apparecêrão duas circumstancias, que fizerão descer de repente o preço de todas as cousas; uma foi a diminuição da povoação por causa da Guerra, e a outra foi a dos habitos de privação, a que estavão reduzidas as classes indigentes: os Lavradores sem calculo continuavão com os mesmos esforços, e ainda que elles correspondião em objectos, não correspondião era preço, de forma que o Lavrador, que tinha este anno, por exemplo, vinte Bois, ou Vaccas valendo a dez moedas, dentro era pouco tempo tinha quarenta, mas essas quarenta já não valião a cinco moedas, e então o Lavrador se via abysmado em uma perda, a que as circumstancias o forçavão, e clamava por um remedio, que ninguem lhe podia dar: o seu erro foi não distinguir o época da Guerra da época da Paz, e em não conhecer que, um estado de cousas, no qual se chegou a matar no Açougue da Ferrugenta uma junta de Bois, que custou 600:000 réis, era essencialmente efemero: então apparecêo o Congresso passado, o qual cedêo aos clamores da Lavoura, e formou, a titulo de a sustentar, com as melhores intenções o mais monstruoso de todos os estabelecimentos humanos, a Lei dos Cereaes. Porque? Antes da Lei não se cultivava? Não havia Lavradores? Não havia roteadas? Não se converterão em campos tantos matos? E não se alegrava o Povo quando a Providencia produzia a abundancia, e o Pão estava barato? Não anniquila aquella Lei horrivel os favores da Providencia, e as bençãos do Ceo? Em quanto o monopolio guarda o Trigo de uns annos para os outros na certeza do colher o fructo da Lei dos Cereaes, e de nunca haver Trigo barato, poderá esta Lei ser compativel com o augmento da povoação sempre dependente da abundancia, e da barateza? E não he a mesma abundancia, e barateza quem abaixa os jornaes, quem nutre o Lavrador, e quem fornece o typo do preço de todas as Mercadorias?

Eu explicarei agora como o sophisma de causa pro causa illude todos os espiritos, e faz com que se diga = o Trigo deve ser caro para pagar jornaes caros = quando o Trigo barato he a causa dos jornaes baratos: primeiro come o homem que lavre, antes do trigo vir á cira he preciso soffrer a barateza de uma

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época para depois se estabelecer o equilibrio. O Digesto, e a Ordenação dizem que cousa he Dominio, e Propriedade, e depois desta creada nas Leis he facil explicar, porque um homem tem o direito exclusivo de plantar em uma terra uma couve, e uma alface, e de dispor della á sua vontade; mas o que ainda não estava explicado era o phenomeno de vir um homem a casa de um Proprietario, que não trabalha, trazer-lhe dinheiro, a cujo dinheiro se chama renda: ora: esta renda não se pode conceber no berço da Sociedade, quando os homens são poucos, e a terra muita; então cultivão-se os melhores bocados de terra necessariamente; e, em quanto se não passa da cultura das terras da primeira ordem, não se pode conceber aquelle phenomeno; mas quando cresce a povoação, e se passa por consequencia a cultivar as terras da segunda, terceira, e quarta ordem, então os da ordem melhor vencem uma renda na razão directa da sua melhoria, e vencem uma renda, porque mettidas em cultura terras peiores, e absorvendo estas trabalhos, taes, que o fructo chega só para os pagar com os avanços do Capitalista, os outros, cujos Jornaleiros vencem o mesmo, e cujos Capitalistas empregão o mesmo, deixão o excesso sobre os meios, ao qual se chama renda.

Está visto que os jornaes são sempre iguaes áquelles, que vence o Cultivador da peior terra, c neste sentido tem a Lei dos Cereaes o effeito de fazer metter em cultura terras pessimas, condemnando os consumidores a viverem todos como se o Paiz fosse esteril, e não tivesse boas terras: e isto para que? Para engrossar os Proprietarios, que á proporção que observão a cultura das terras más vão levantando o preço da renda das boas; o Lavrador fica sempre na mesma; tira sempre um mesquinho interesse, porque gasta necessariamente quasi tudo, ou na renda, ou nos jornaes, que paga.

Ao mesmo tempo a carestia do Trigo obsta ao desenvolvimento de todos os outros ramos, e o Proprietario vai pagar ao Estrangeiro, que tem Trigo barato, esses objectos, que podia ter no Paiz, se o Trigo não fosse caro. Disse o Sr. Bettencourt que muitos milhões tinhão sabido para compras de Trigo: isto he verdade; mas agora sabem muitos milhões para comprar cousas, que nós haviamos crear, se o Trigo fosse barato. Á sabida do dinheiro he sempre a mesma, quero dizer, he sempre igual ao dinheiro, que tem a Nação de renda annualmente; he indifferente que saia para Trigo, ou para Filós, ou para Pannos. Não me pareço boa politica estimular o que naturalmente se acha estimulado: dizia Buonaparte á Assembléa Legislativa de França = He necessario estimular os homens ao Casamento, as mulheres estão estimuladas, porque a mulher quando casa conquista a sua liberdade, e o homem perde-a = ora pois: não he uma observação constante desde o principio do mundo que as subsistencias encarecem, e os artefactos se fazem baratos? Não sabe toda a gente que o homem, que ha um seculo gastava, por exemplo, cem mil réis em comer, e outro tanto em vestir, hoje gastará cento e quarenta em comer, e sessenta em vestir? Isto he exacto exteris paribus, e he cousa, que tem facil explicação, por quanto as experiencias, e máchinas de um Paiz não se levão facilmente para outro; quando se tracta de Agricultura, nem o commercio dos productos depende somente da industria humana, mas sim dessa industria subordinada ás causas naturaes do solo, e do clima; ao mesmo tempo que nas Artes a máchina inventada n'um Paiz facilmente se transplanta para o outro, onde, com pouca differença, he a mesma cousa. Alem disto, os progressos das Artes são incomparavelmente mais rapidos, porque nas Artes a ultima máchina inventada he sempre a melhor; e na Agricultura, sendo sempre a qualidade da terra, e clima a primeira das máchinas, e a que maior influencia exercita nas producções, sempre se começa pelas melhores máchinas, e crescendo a povoação se passa para as peiores successivamente; por isso muito boa devia ser a terra, que pela primeira vez cultivou o nosso primeiro Pai.

Resumindo as minhas idéas, digo que sou capital inimigo de todas as restricções; que desejava no fundo da minha alma que não existisse a infernal Lei dos Cereaes, mas tendo que ceder a prejuizos, e estando condemnado a fazer frente ás finanças, acho que no mal feito se pode buscar o bem, e o converter a favor do Thesouro - o Povo não quer pagar o Trigo caro, mas pagando-o seja ao menos a favor do Publico, e fique por esta razão imperiosa mantido o espirito da Lei dos Cereaes, com o qual se compadesse o Artigo: entretanto, como o Sr. Derramado observou que erão muito fortes os Direitos, eu convido o mesmo Sr. para que os diminua, ou anniquile, protestando desde já subscrever a toda a diminuição, ou a todo o acabamento.

E, por ser chegada a hora de findar a Sessão, dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia a continuação doa objectos já para isso determinados.
E, sendo 2 horas e 10 minutos, disse que estava fechada a Sessão.

OFFICIO.

Para o Ministro da Justiça.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza resolvido em Sessão de 5 do corrente que se pedissem ao Governo Executivo esclarecimentos sobre os inconvenientes, que tem embaraçado a devida execução do determinado no Artigo 126 da Carta, na forma da Indicação do Sr. Visconde de Fonte Arcada, que junto por cópia conforme ( Vide pag. 252), o partiticipo a V. Exca., para que possa remetter á mesma Camara aquelles esclarecimentos, de que carece. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 15 de Fevereiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Luiz Manoel de Moura Cabral - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DE 16 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas, e 40 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa se acharão presentes 85 Srs. Deputados, faltando, alem das que ainda se não apresentarão, 19; a saber: os Srs. Xavier da Fonseca- Marciano de Azevedo - Tovar - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Leite Pereira- Araujo e Castro

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