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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sando todos os annos de lançar novos titulos no mercado, precisando recorrer á emissão constante de titulos de divida publica, não podiam, sem loucura, depreciar os titulos que têem de emittir, porque, se o fizessem, teriam de os vender mais baratos, e por consequencia soffreriam um prejuizo muito superior á receita que pretendiam usufruir.
Mas este mal não tem remedio? Ha de ser systema de governo, permanente o indispensavel no paiz, a fabricação constante de novos titulos de divida publica, e a sua emissão constante no mercado? Este systema seguido até hoje, nunca abandonado, nunca interrompido, terá de durar eternamente?
Se tal systema tem de durar por muito tempo, então a conclusão fatal é a ruina da nação.
Se o systema do governo pede mudar, como deve mudar, o governo tem de preparar se para pedir ao paiz os recursos indispensaveis para fazer face ás despezas ordinarias, e desde que pare com a emissão de novos titulos, póde tributar os existentes; e desde o momento em que a emissão não continue, os titulos emittidos e tributados hão do subir no mercado, como subiram em outros paizes que recorreram a este meio.
Portanto, para poder lançar-se mão d'este recurso, não só é necessario, mas é indispensavel, usar-se de outro que nos assegure o equilibrio orçamental, e temos de procurar entre os impostos existentes, aquelles que mais produzam e que mais suavemente possam ser cobrados, e para mim, nenhum imposto reune essas condições, como o imposto de consumo, que estou disposto a votar, mas com disposições precisas, claras e terminantes, que não estejam sujeitas á interpretação nem ao arbitrio dos diversos empregados de fazenda que hão de applicar esta lei no paiz.
Antes da votação do imposto de consumo, indispensavel me parece que o governo attenda, não tanto ao rendimento collectavel actual, como principalmente ao desenvolvimento da materia collectavel, de fórma que o impostopossa produzir muito mais, sem ser aggravado em relação a cada contribuinte.
Estas são as questões economicas, não ignoradas, mas esquecidas absolutamente n'este paiz e de que ninguem falla, de que ninguem trata, e mais triste é dizer, de que ninguem póde fallar no parlamento, sem desviar logo a attenção de todos os seus collegas (Apoiados.)
O producto sobre que principalmente recae este imposto, e que maior resultados ha de produzir, é inquestionavelmente o vinho.
Parecia-me justo que ao mesmo tempo que se tributa o vinho, o governo e o parlamento tratassem de examinar quaes são as condições em que o vinho é produzido no paiz, e ver se podemos e devemos facilmente produzir mais o melhor, e por consequencia obter melhores preços e maior riqueza nacional.
Se nós examinassemos o estado actual da vinicultura perante a sciencia e perante os preços que o productor deve obter, quaes as condições, não só da exportação possivel, como da venda no proprio paiz, n'esta questão realmente importante encontrariamos logo na mesma materia collectavel um rendimento prodigiosamente superior ao que podemos obter hoje.
Mas as questões economicas parece terem fugido espavoridas d'este paiz, e quando alguem se refere a ellas responde-se-lhe com um unico argumento, é o desenvolvimento da viação publica.
Sem negar que a viação incontestavelmente desenvolve a riqueza publica, é certo que a viação ordinaria ou accelerada não póde por si só substituir as diversas condições economicas que são indispensaveis para desenvolver a riqueza de um paiz. (Apoiados.)
O que acontece com a producção do nosso vinho? Se prescindirmos de que são vinhos finos, ou generosos e especialmente dos vinhos do Porto, temos de reconhecer que a maior parte dos vinhos produzidos n'este paiz, sendo de
grande variedade o devendo ser de qualidade superior nos seus diversos e innumeros generos, não têem as necessarias condições de producção nem do fabrico, e reunem grandes difficuldades para consumo no proprio paiz, apresentando muitas vezes absoluta impossibilidade para a exportação.
Aproveito esta occasião para recordar á camara dois factos, tendo sido um d'elles referido pelo illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, cuja ausencia constante dos trabalhos parlamentares n'esta occasião muito especialmente lamento.
O sr. Barros e Cunha, na qualidade de vinicultor, desejando applicar á fabricação dos seus vinhos os processos melhores e mais perfeitos, realisou n'um anno todos os melhoramentos que podia introduzir, e empregou todos os meios para fabricar os seus vinhos como de primeira ordem e de primeira qualidade.
Sabe v. ex.ª qual foi o resultado? É que os comprado-os, que disputavam a acquisição d'estes vinhos, em todos os annos em que era mal feito e mal fabricado, e representava principalmente um liquido escuro e grosso, recusaram-no absolutamente n'aquelle anno, e querendo indagar o sr. Barros o Cunha qual o motivo por que recusavam agora o seu vinho aquelles que d´antes disputavam entre si a sua acquisição, obteve em resposta que o vinho para ser vendido em Lisboa, onde pagava grandes direitos, convinha que fosse fabricado imperfeitamente como era e de fórma que a cada pipa se podessem addicionar duas de agua para vender tres pipas de vinho dentro da cidade com o desembolso do imposto bue só uma tinha pago nas barreiras.
A lição foi de tal ordem que aquelle illustre deputado disse que se tinha curado de todas as idéas e tentativas do fabricar bom vinho, e que tinha do sujeitar todos os processos de vinicultura e de fabricação aos habitos e ao gosto do paiz.
Com o vinho do Minho, cuja producção é extraordinaria, acontece, e eu já aqui o disse, cousa mais singular ainda. Aquelle vinho que devia ter grande consumo não só em Lisboa, mas em todo o sul do reino, está absolutamente impossibilitado de vir para Lisboa pelo imposto absurdo que aqui paga.
É preciso que a camara e o paiz saibam qual é a legislação á sombra da qual nós vivemos e pretendemos desenvolver a nossa riqueza publica. Uma pipa de vinho verde, que valeria, e que se vende no local da producção a 8$500 ou 9$000 réis, paga, e eu muitos vezes paguei nas barreiras de Lisboa, só de direitos 19$000 e tantos réis Note v. ex.ª que emquanto na barreira de Lisboa um vinho puro, um vinho fraco, paga um direito tão escandaloso, tão absurdo, que eu prescindo de procurar termos para o apreciar devidamente, o mesmo direito, o mesmo imposto, a mesma quantia, espera nas barreiras de Lisboa uma pipa do vinho mais generoso e mais fino que seja possivel introduzir aqui; por exemplo, uma pipa de vinho do Porto da instituição da companhia, cujo valor seria de tal ordem que um direito, escandaloso para o vinho fraco e de pouco valor, seria ridiculo, insignificante, incrivel mesmo, em relação ao preço do vinho superior. Pois esta é a nossa legislação, de que todos gostam, que todos amam, legislação que todos respeitam até ao ponto de que ninguem se atreve a tocar-lhe, ninguem pede a sua alteração, ninguem pertende nem appetece a sua modificação.
Em vez d'isso que se pede? O que se tem pedido muitas vezes? A modificação da escala alcoolica em Inglaterra, que é o systema inverso d’este systema absurdo que nós aqui sustentâmos na barreira de Lisboa.
Eu disse aqui uma vez á camara que seria melhor desistir de quaesquer tentativas para fazer adoptar em Inglaterra o nosso systema e guardal-o como raridade só para nós, escondendo-o tanto quanto possivel, occultando-o até como uma vergonha (Apoiados.)