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SESSÃO DE 26 DE FEVEREIRO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentaram-se participações, representações e requerimentos. — Na ontem do dia continuou a discussão na especialidade do projecto de lei sobre a reforma da cobrança do real de agua, sendo approvado o artigo 1.º em votação nominal.

Presentes â chamada 36 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Carrilho, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Custodio José Vieira, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Paula Medeiros, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Ferreira Freire, Moraes Rego, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Manuel d’Assumpção, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Forjaz de Sampaio, Guilherme de Abreu, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, José Luciano, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Freitas Branco, Pires de Lima, Mello e Simas, Pinheiro Chagas, Miguel Coutinho (D.), Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso, Visconde de Sieuve de Menezes.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Osorio de Vasconcellos, Arrobas, Neves Carneiro, Conde da Foz, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Palma, J. Perdigão, Jeronymo Pimentel, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Guilherme Pacheco, José de Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Pinto Basto, Luiz de Campos, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Participações

1.ª Participo que o nosso illustre collega o sr. Augusto Neves dos Santos Carneiro tem faltado ás ultimas sessões e não póde concorrer a mais algumas por motivo de doença. — O deputado secretario, Alfredo Peixoto.

2.ª Participo á camara que o sr. deputado Pinto Bessa não tem comparecido ás sessões por motivo de doença e que pela mesma rasão é, obrigado a saír de Lisboa. — Pereira de Miranda.

Declarações

1.ª Tenho a honra de declarar a v. ex.ª e á camara que se não tenho assistido a algumas sessões no corrente mez, incluindo as duas ultimas, foi porque o meu mau estado de saude não m'o consentiu. = Augusto de Sousa Lobo.

2.ª Declaro que por incommodo de saude não compareci a algumas sessões; e que se estivesse presente quando se votou a generalidade do projecto de lei que altera e aggrava o imposto denominado do «real de agua» teria votado contra. = O deputado, Antonio José Boavida.

3.ª Declaro que se estivesse presente na sessão de 23 do corrente teria votado contra o projecto n.º 7, que tem por fim alterar o imposto denominado real de agua. — O deputado por Abrantes, D. Miguel Pereira Coutinho.

4.ª Declaro que se estivesse presente na ultima sessão teria rejeitado a generalidade do projecto que modificou o imposto do real de agua. = Pereira de Miranda.

Mandaram-se lançar na acta.

Representações

1.ª Dos escrivães de fazenda do districto de Bragança, pedindo que lhes seja concedida a aposentação.

Apresentada pelo sr. deputado Manuel d'Assumpção e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Da camara municipal do concelho de Tondella, districto de Vizeu, pedindo a exoneração do escrivão d'aquella camara Alexandre de Castro Coelho.

Apresentada pelo sr. deputado Francisco de Albuquerque e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da corporação dos pilotos de numero da barra, do Porto, pedindo a approvação do projecto de regulamento apresentado pelo governo para o serviço da pilotagem dos portos e barras do reino com as modificações feitas pela associação commercial do Porto.

Apresentada pelo sr. deputado Carlos Testa e enviada á commissão de marinha.

4.ª Do conselho da faculdade de philosophia da universidade de Coimbra, pedindo que se addicione a uma proposta pendente da approvação da camara dos senhores deputados, que tem por fim ampliar o quadro dos empregados da escola polytechnica de Lisboa, a creação de logares analogos para os seus estabelecimentos.

Apresentada pelo sr. presidente e enviada á commissão de obras publicas ouvida, a de fazenda.

5.ª Da camara municipal de Montemór o Velho, pedindo que se inscreva na lei do caminho de ferro da Beira uma disposição que assegure a construcção de um ramal á Figueira.

Apresentada pelo sr. deputado Ferreira Freire e enviada ás commissões de obras publicas e fazenda.

Leu-se na mesa o seguinte

Officio

Illmo. e exmo. sr. — Tenho a honra de participara v. ex.ª que na conformidade do que praticaram os meus antecessores na occasião da morte dos Summos Pontifices, no dia 1 de março proximo futuro hei de celebrar exequias solemnes por alma do Papa Pio IX, de gloriosissima e santa memoria, na real basilica do Santissimo Coração de Jesus, começando o officio pelas nove horas da manhã, e a missa de pontifical, a que seguirão as absolvições, pelas onze e meia.

Estou certo que v. ex.ª e a camara dos senhores deputados da nação portugueza, de que v. ex.ª é dignissimo presidente, ao testemunho publico que ha pouco deram da sua profunda veneração pelo Pontifico que em tão longa e nunca vista serio de annos, e tão gloriosa e santamente regeu a santa igreja de Deus e edificou o mundo, bem como do seu sentimento pela sua dolorosa perda, hão de querer juntar o de tornar aquelle acto funebre mais solemne com a sua respeitavel presença.

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Por isso participo a v. ex.ª que haverá na dita igreja logar reservado para v. ex.ª e ex.mos membros da referida camara que queiram assistir aquelles actos.

Ratifico os protestos da mais alta consideração com que tenho a honra de me assignar de v. ex.ª — Nunciatura apostolica, 21 de fevereiro de 1878. — Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza — muito attento venerador, obsequiosissimo servo vosso = D. Arcebispo de Tarso, nuncio apostolico.

O sr. Presidente: — A camara fica inteirada.

Nomear-se-ha uma deputação para assistir ás exequias.

Leu-se na mesa e foi approvada a vitima redacção do projecto de lei sobre o caminho de ferro da Beira Alta, que foi expedido para a camara dos dignos pares.

O sr. Carlos Testa: — Está affecto ao julgamento da camara um projecto de lei tendente a regular o serviço de pilotagem nas differentes barras e portos do reino.

A este respeito representaram ha tempos os pilotos supranumerarios da barra do Porto, pedindo que o projecto fosse convertido em lei.

Agora os pilotos de numero da mesma barra pedem tambem que o mesmo projecto seja convertido em lei, mediante certas modificações.

É estas representação que remetto para a mesa, e peço a v. ex.ª que lhe dê o devido destino.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu tinha pedido hontem ao sr. ministro do reino o favor de comparecer hoje n'esta camara, se lhe fosse possivel, porque desejava expor a s. ex.ª o estado anarchico em que se acha a administração municipal do concelho de Tondella; e s. ex.ª teve a franqueza de logo me dizer que era provavel que não podesse vir hoje aqui.

Não o censurarei por isso; mas como acho tão urgente que o governo tome na devida consideração o estado em que se acha a administração municipal d'aquelle concelho, farei breves observações a este respeito, unicamente para chamar sobre tal assumpto a attenção do sr. ministro do reino e pedir a s. ex.ª que tome as providencias que a urgencia das circumstancias reclama.

Depois do celeberrimo accordão do conselho de districto de Vizeu, declarando que a eleição municipal de Tondella não tinha tido logar, apesar de terem entrado na urna 1:200 listas...

(Aparte que não se ouviu.)

Pois é verdade. O partido regenerador não foi á urna porque lhe faltaram os regedores.

A eleição não foi pois disputada; entraram na urna 1:200 listas, outros tantos votos para a camara progressista; como porém era necessario inutilisar esta camara por causa da eleição do procurador a junta geral, o conselho de districto, que é regenerador, deu como não existente a eleição no concelho de Tondella, e nomeou uma camara da sua parcialidade!!

Na historia politica nunca se viu uma torpeza igual! Causa tedio o relatal-a!

O supremo tribunal administrativo, para quem o governo recorreu d’aquelle tão tristemente celebre accordão, proferiu a justissima decisão de mandar que fosse suspenso immediatamente o accordão do conselho de districto.

Em virtude d'este accordão, é claro que a camara que estava nomeada pelo conselho de districto cessava as suas funcções immediatamente, devendo entrar na devida posse a camara eleita. (Apoiados)

Pois apesar do accordão, das ordens da auctoridade superior, das intimações feitas á camara intrusa, pela auctoridade competente, ella não cumpriu e continuou funccionando, e funcciona segundo sou informado!

N'esta missão tem sido acompanhada por o escrivão nomeado á sua feição, cuja nomeação está affecta ao ministerio do reino para ser confirmada, e contra cuja confirmação representa a camara legalmente eleita.

Vejam e admirem a maneira por que n'aquelle concelho se faz politica, e não receiam os ventos que semeiam!

A resistencia começou em se negar o presidente nomeado a dar posse á camara eleita. Foi necessario que lho fosse dada por o administrador do concelho.

Fecharam as portas da sala das sessões, que a camara eleita mandou arrombar.

O escrivão, apesar de intimado, recusou-se a entregar o livro das actas, dizendo que tinha instrucções do sr. governador civil, visconde do Serrado, para aguardar as suas ordens.

Sr. presidente, eu faço mais justiça a este funccionario, e posto que eu lhe conheça o seu facciosismo politico, não creio que elle fosse levado a tal ponto.

É certo que o escrivão desobedeceu, por cujo crime deverá responder nos tribunaes.

Mas tudo isto revela o estado anarchico e violento em que está aquelle concelho e, eu não sei se haverá prudencia que resista a tantas provocações, por isso é indispensavel que o sr. ministro do reino tome sem perda de tempo as providencias que o caso pede, e eu confio que s. ex.ª proverá de remedio a esta anarchia.

Como s. ex.ª não está presente não posso dizer mais sobre este assumpto, limitando-me a mandar para a mesa uma representação da camara de Tondella, na qual pede que não seja confirmada a nomeação do escrivão.

A representação diz o seguinte.

(Leu.)

Esta representação está perfeitamente fundamentada, o que me dispensa de dizer mais cousa alguma sobre tal assumpto.

Aguardarei a resolução do sr. ministro do reino ácerca d'ella e tudo confio na justiça da causa.

A representação é dirigida ao governo e não a esta camara; apresentando-a, porém, aqui tive em vista um duplicado fim, já o de dar conhecimento ao parlamento do que n'ella se pede, chamando assim mais a attenção do sr. ministro do reino, já para pedir a v. ex.ª, sr. presidente, que consulte a camara se consente que ella se publique no Diario do governo.

Quem pede justiça quer luz, quer a maxima publicidade. (Apoiados.)

Por ultimo, mudando de assumpto, desejava, se está presente algum dos membros da commissão eleitoral, que me desse algumas informações ácerca dos trabalhos d'aquella commissão.

V. ex.ª sabe o estado da sessão, que já vae muito adiantada, e sendo este um assumpto importante, que ha de ter aqui uma discussão muito demorada, e que em seguida ha de ir para a outra casa do parlamento, onde tambem sem duvida será demorada a sua discussão, parecia-me da maxima vantagem que quanto antes fosse apresentado o respectivo parecer.

Desejava saber se, por parte da commissão, no caso de estar presente algum dos seus membros, ou por parte do governo, se me póde dizer alguma cousa que me dê a esperança de que em breve possamos discutir este assumpto.

Foi approvada a publicação da representação.

O sr. Manuel d'Assumpção: — Mando para a mesa uma representação que a esta camara dirigem os escrivães de fazenda do districto de Bragança, pedindo para poderem ser aposentados com a quota que está fixada na lei de 6 de abril de 1874, ou, quando menos, que possam ser equiparados aos escrivães de direito, em harmonia com um projecto de lei apresentado aqui em 23 de fevereiro de 1876, pelos srs. Augusto Zeferino Rodrigues, Visconde de Sieuve de Menezes e Fortunato Vieira das Neves.

Abstenho-me agora de fazer quaesquer considerações a este respeito, porque a representação, que vem dirigida nos termos mais respeitosos, mostra bem a justiça que assiste aos requerentes.

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de a mandar enviar

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á commissão de fazenda, para que esta lhe dê andamento, e em outra occasião fallarei mais detidamente sobre este assumpto.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, em março de 1876 foi entregue a esta camara uma representação da sociedade pharmaceutica lusitana, pedindo para ser a respectiva classe isenta do pagamento do sêllo de licença, que injustamente se lhe impoz.

Esta representação, prompta e devidamente considerada pela commissão de saude publica, que deu no anno passado o seu parecer, foi remettida á illustre commissão de fazenda, a qual até hoje não se dignou emittir opinião. Ora estando a sessão tão adiantada, receio de que ainda este anno se não dê deferimento á petição a que me referi.

Eu bem sei que a commissão de fazenda tem muitos assumptos a estudar, mas, usando do dictado «de que mais faz quem quer do que quem pôde», parece-me que se a illustre commissão tivesse vontade de resolver este assumpto, já o tinha feito.

Entretanto, como o lembrar não prejudica, eu não só lembro, mas peço a v. ex.ª empregue junto da illustre commissão de fazenda todos os seus esforços para que se resolva o assumpto d'aquella representação, o que não me parece difficil.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei tendente a modificar o systema de cobrança do imposto do real de agua

O sr. Visconde de Moreira de Rey (Na sessão de 25 de fevereiro): — Votei a generalidade do projecto que se discute, e com este voto quiz significar duas cousas.

A primeira é que reconheço e acceito a necessidade urgente e indispensavel de augmentar as receitas publicas (Apoiados.) para determinar o equilibrio orçamental e para fazer face aos melhoramentos que os representantes da nação votam e a nação reclama (Apoiados.) cada vez com mais insistencia.

A segunda é affirmar que de todos os impostos possiveis, aquelle que me presto mais facilmente a augmentar, é o imposto do consumo; não lhe chamarei real de agua, porque com as modificações que tem soffrido e vae constantemente soffrendo, continuar a dar a este imposto a denominação de real de agua, é tornar-lhe applicavel o epitheto que o meu nobre amigo, o sr. Pinheiro Chagas, applicou ao projecto, é simplesmente uma hypocrisia.

O sr. Pinheiro Chagas: — Apoiado.

O Orador: — Sendo estas as minhas idéas hei de justificar principalmente a segunda, isto é, a disposição em que estou de mais facilmente acceitar o augmento do imposto do consumo do que a elevação de qualquer outro dos nossos impostos, principalmente dos impostos directos. (Apoiados.)

A explicação que darei á camara não póde talvez, ou não póde de certo, ser agradavel, nem ao governo actual, nem aos ministros passados, nem mesmo aos representantes dos diversos partidos que têem desenvolvido e praticado o systema financeiro que nós desfructâmos, ou antes toleramos, talvez para dar uma demonstração evidente da paciencia evangelica que tem este paiz, mas que, de certo, não serve para gloria nossa, nem para justificar os nossos conhecimentos scientificos, nem mesmo para produzir facilmente o indispensavel augmento da receita.

Para mim, escusado é dizel-o, e outros oradores o têem dito melhor do que eu, a questão que se trata não tem, não póde ter nada absolutamente de politica. (Apoiados.)

A questão politica do governo não póde ser outra, e creio fazer plena justiça á illustração e ás excellentes condições que reconheço no actual ministro da fazenda, assim como em todos os seus collegas do ministerio, a questão politica do governo não póde ser outra senão exigir o augmento da receita publica.

E se alguma cousa lhe fosse permittida, ou licita, alem d'isto, era exigir o augmento da receita publica por modo mais suave e mais equitativo, e com os menores vexames, abstraindo todavia ou dispensando as musicas e quaesquer demonstrações festivaes, que o illustre relator da commissão affirma serem do gosto ou das exigencias poeticas do sr. Pinheiro Chagas, o qual de certo se contenta tambem com que o pagamento dos impostos se faça com a menor repugnancia possivel e da maneira menos onerosa para os contribuintes.

Tendo eu votado o projecto na generalidade, tendo affirmado a urgencia de crear receita e a minha vontade de a crear pelo augmento do imposto de consumo, venho combater na especialidade o projecto que se discute.

Declaro francamente á camara e ao governo, que não posso votar os artigos pela maneira por que estão redigidos. Não me agrada em geral o systema de auctorisações ao governo, e não as admitto em materia tributaria. Esperei as respostas do illustre relator da commissão e do governo, para ver a maneira como justificavam a redacção do actual projecto de lei, e, se não com surpreza, ao menos com magua minha, não ouvi outros argumentos que não fossem a declaração de que os srs. Luciano de Castro e Anselmo Braamcamp tinham pedido ao parlamento auctorisações mais amplas e mais largas; ouvi que o sr. Luciano de Castro tinha votado e defendido em 1867 o imposto do consumo, noticia que nada tem de novidade, e que esse imposto era mais oneroso do que este, o que pouco me importa n'este momento.

Já se vê que eu estou reproduzindo apenas as respostas dadas pelo illustre relator da commissão, e escusado é declarar que não estou a fazer minhas as expressões de s. ex.ª

Ouvi finalmente que a proposta primitiva do anterior ministro da fazenda pedia tambem auctorisações ainda mais amplas e impunha maiores vexames.

Estes argumentos não me convencem, e creio bem que não podem convencer o paiz. A inconveniencia extrema de votar auctorisações em materia tributaria, os riscos e perigos d'este systema são de tal evidencia, que eu julgaria fazer injuria á illustração dos meus collegas se me cansasse em demonstrar o que é de primeira intuição.

Eu não quero defender as auctorisações pelos precedentes, sejam realidades ou tentativas, e ainda menos pelos limites mais ou menos extensos que no projecto de lei em si contenham ou finjam conter. Por este systema, se assim continuarmos, a camara não poderia estranhar, e eu, que tenho já onze annos de parlamento ou de presença n'esta constante e successiva decadencia parlamentar, confesso-me desde já preparado para assistir á leitura e discussão de um parecer da commissão de fazenda, que pura e simplesmente, a pretexto de confiança, auctorise o governo a augmentar 4:000, 5:000 ou 6:000 contos as receitas publicas. E se alguem for tão ousado, que se lembre de arguir aqui aos representantes do povo a sua excessiva confiança, tão excessiva que para mim é criminosa, porque representa a falta flagrante dos seus mais importantes deveres, ha de encontrar relatores ou ministeriaes dedicados que respondam: «O caso tem precedentes; outros fizeram o mesmo ou quizeram fazer peior; a auctorisação é limitada, e não se assustem, porque se o governo póde augmentar em 6:000 contos a receita, não póde augmental-a em 6:001, e aqui está o limite bem fixado e definido.»

Deixar apresentar estas idéas sem um protesto solemne, é cavar a ruina do systema representativo e chamar o descredito sobre os representantes do povo.

Para mim não ha considerações politicas ou de amisade pessoal, que possam abafar a minha voz perante uma tentativa d'esta ordem que eu condemno com toda a força e energia, e sinto não ter energia e força sufficientes para fazer desapparecer até os vestigios e a recordação de precedentes, que para mim são outros tantos attentados con-

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tra o systema parlamentar e contra todas as regras de boa governação publica. (Apoiados.)

Com grande magna minha vejo no projecto que se discute motivos mais que sufficientes para lamentar que a commissão de fazenda entre n'um caminho que, permitta-se-me a phrase, pois a minha intenção não é offender ninguem, eu não reputo nada proprio da dignidade do parlamento, (Apoiados.) e que julgo muito improprio para conquistar do paiz a satisfação dos sacrificios que nos é indispensavel exigir-lhe. (Apoiados.)

Este projecto nem para regulamento serve, mas tem a celebridade de deixar unica e exclusivamente para o regulamento aquillo que precisava ser lei, aquillo que precisava ser votado, discutido e maduramente pensado pelos representantes da nação antes de ser convertido em lei. (Apoiados.)

lia ainda um motivo; que fortemente actua no meu espirito, para eu combater com mais energia o projecto actual.

Eu tive o anno passado, por mais de uma vez, de me referir á outra casa do parlamento, quando vi com uma insistencia que me parecia premeditada, devolver d'ali emendados os projectos que saíam d'esta casa, ficando nós collocados na situação de votar pura e simplesmente a confirmação d'essas emendas.

Não quero, pois; concorrer para justificar este procedimento; mas se a camara dos deputados continuar a discutir e a votar as, leis mais graves que hão do ter applicação immediata ao paiz com esta precipitação, não só terei de me conformar, mas de louvar que a outra casa do parlamento se não preste a confirmar o a consentir os effeitos deploraveis do systema, mais deploravel ainda, que eu estou actualmente combatendo com todas as minhas forças. (Apoiados.)

É facil, é facilimo tanto á illustração do illustre ministro, como á dos illustres membros que compõem a commissão de fazenda d'esta casa, converter em artigos expressos e claros, em disposições completas e indisputaveis, as providencias que é indispensavel adoptar para que o imposto de consumo dê a receita que deve dar; mas essas disposições que saíam daqui sem poderem dar pretexto a serem interpretadas diversamente para poderem ser applicadas com manifesta injustiça, e que não deixem ao arbitrio do governo o legislar soberana e absolutamente a respeito de impostos, attribuiçâo que pela lei fundamental do estado pertence exclusivamente ao poder legislativo, e só póde ler iniciativa n'esta casa do parlamento, que tão extraordinariamente a esquece ou abdica.

O artigo 1.º estabelece a taxa da contribuição, que continua inalteravel em relação á quota a pagar. Na segunda parte do artigo, porém, vejo que a quota inalteravel na essencia ou na somma, é já alteravel, e a pleno e não limitado arbitrio do regulamento, tanto na fórma como na occasião e no modo do pagamento. O imposto será cobrado nas lojas, casas e logares de venda, ou nas barreiras das povoações, podendo tambem ser em parte cobrado na circulação, conforme determinarem os regulamentos. De maneira que, não alterando a somma do imposto, a parte importante para o paiz, que é a cobrança, a parte essencial; que é saber cada contribuinte quando, onde, como, á quem e quanto ha de pagar, tudo isso fica para os regulamentos; não o dizemos aos contribuintes e nem mesmo o queremos saber! Eu pergunto simplesmente: isto é possivel?

É possivel que um projecto sobre materia tão importante sáia redigido d'esta casa por esta fórma, dizendo pura e simplesmente que o regulamento dirá o que a lei não diz nem indica? Será isto auctorisação limitada, ou será auctorisar sem limite a cobrança, isto é, a parte que mais importa ao paiz e ao contribuinte? Nos impostos a cobrança é tudo; o resto é nada, é perfeitamente inoffensivo. 0 imposto mais iniquo, que nunca se cobrasse, existiria eternamente sem reclamação e sem incommodo de ninguem; teria só o defeito do não dar receita. O que fazemos nós? O que quer o projecto em relação á cobrança? Entrega-a ao governo por auctorisação, plena e absolutamente, sem limite de qualidade alguma. É isto o que eu não quero nem posso fazer.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Pergunto a v. ex.ª se já deu a hora, ou a que, hora se devo fechar a sessão.

O sr. Presidente: — Se o sr. deputado quer, póde continuar a fallar, e se não quer, fecha-se a sessão, porque deu a hora.

O Orador: — Como tenho de dar ainda algum desenvolvimento ás minhas considerações, e não desejo fatigar a attenção da camara, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (Na sessão de 26 de fevereiro) — Demonstrei hontem que o projecto, como se acha redigido, é uma auctorisação ao governo para legislar, é uma perfeita transferencia, para os ministros, das attribuições legislativas que nós devemos exercer e não podemos abdicar.

Esta abdicação, esta transferencia das nossas attribuições para os membros do poder executivo, é a tal ponto estranha, e faz-se em condições taes, que nós não sabemos o que transferimos, nem o governo sabe ainda, nem póde saber, o que é que se lhe transfere. O proprio e digno relator da commissão declarou hontem que não existiam dados officiaes seguros para se poder avaliar o rendimento que deve dar este imposto, nem para apreciar as condições em que melhor póde vir a ser cobrado nas diversas localidades. Disse-nos que se espera a apresentação de um trabalho do que foi encarregado o sr. Delfim de Almeida, funccionario que não tenho a honra de conhecer pessoalmente, mas a cuja intelligencia e estudo tenho ouvido sempre fazer os maiores elogios, e eu mesmo tenho podido avaliar algumas provas, que muito o acreditam na minha opinião. É certo, porém, que o governo está esperando o relatorio que ha de apresentar este funccionario para poder avaliar, com segurança, não só qual deverá ser o rendimento d'este imposto, mas ainda as condições especiaes em que o imposto deverá ser diversa e desigualmente cobrado nas diversas localidades.

É n'estas condições, quando ainda esperamos um trabalho, para todos inteiramente desconhecido, que se nos propõe uma auctorisação plena e absoluta para usar-se, não em condições que o governo possa explicar, mas em condições que o governo ainda ignora e só ha de apreciar depois de conhecer um trabalho que ainda não existe!

Eu desejo ser o mais moderado possivel, mas creio que tenho o defeito de nem sempre o conseguir mesmo quando o desejo.

Se não tivesse este proposito de tratar esta questão com a maior moderação possivel, eu teria de declarar á, camara que este modo de argumentar, este modo de proceder poderá ser tudo, mas o que com certeza não póde ser é serio e digno de um parlamento que se preze e que queira legislar com verdadeiro conhecimento de causa.

Transferir as attribuições que nos são confiadas com o exclusivo de iniciativa pela carta constitucional, attribuições que creio que não nos é licito abandonar, ainda que o desejemos; transferirmol-as para o governo, dando-lhe auctorisação e arbitrio para cobrar um imposto diversamente na circulação, nas barreiras, sobre a venda a retalho, sem dizermos quaes os casos em que se póde cobrar, e sem o governo saber quaes são as terras em que se applicam desde já as barreiras, quaes as provincias em que se ha de estabelecer o imposto de circulação, e qual a taxa gradual que esse imposto deve ter conforme a diversidade das localidades; transferir tudo, em nós sabermos o que concedemos, sem o governo saber nem poder apreciar o que recebe, é a mais singular das transferencias, é a mais estranha das auctorisações, é o arbitrio imposto por lei.

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Pela minha parte não posso votar uma lei cujas disposições ignoro; e por maior que fosse a vontade que tivesse de ser agradavel ao governo, nunca poderia dispensar-me de conhecer a execução que se vae dar á lei votada pelo poder legislativo de que faço parte, e sem que podesse avaliar a maneira por que a lei ha de ser executada em relação a mim e em relação aos meus vizinhos e eleitores que me mandaram a esta casa.

N'estas condições tristes é que eu com certeza me não colloco. Votar uma lei sem poder apreciar como ella ha de ser executada, e sem poder responder aos meus eleitores, se elles me perguntarem quaes são os casos de diversa applicação a que a lei se presta, e qual o procedimento que devem adoptar para se eximirem ás multas ou ás apprehensões, não o faço eu, pois envergonhar-me-ía, e devéras, se tivesse do confessar a minha ignorancia, se tivesse de lhes responder que acceitei o mandato popular para votar uma lei que ignoro, que não posso explicar, que não entendo e que não sei como ha de ser applicada, nem a mim nem a elles. Responder simplesmente que votei porque quiz, e porque confiava no governo auctorisei o governo a legislar, é resposta que não admittiria o circulo que, eu tenho a honra de representar, e que sabendo eleger nunca elegeu para este fim.

Ali sabe-se que, adoptado este systema, com certeza é bem dispensavel, tanto o trabalho do nos elegerem, como o incommodo que nós temos em concorrer a esta casa.

Se legislar se reduz a auctorisar o governo, então basta que os circules mandem dizer pelo correio, que dão ou deixam de dar auctorisação ao governo para legislar sobre certo e determinado assumpto.

Eu chego a não comprehender como se acredita na possibilidade de duração, ou como se justifica a existencia do systema parlamentar, logo que se estabeleça por procedentes o se admitia como norma um systema que é o inverso de todas as praticas liberaes e a negação de todos os principios do systema parlamentar.

E quando digo estabelecer o precedente, elle já está estabelecido. Eu digo com mais insistencia — estabelecer o systema — porque, creia v. ex.ª e desengane-se a camara, que desde que se abrem e repetem estes exemplos, o systema estabelece-se por força, porque é muito mais facil ao governo pedir auctorisação de que apresentar disposições legislativas; é muito mais commodo para o parlamento dar auctorisações do que ter o trabalho de discutir e ter de habilitar-se tanto para conhecer as leis que vota, como para assumir perante o paiz a responsabilidade pelas inconveniências e pelos erros que possam produzir taes leis, auctorisadas precipitadamente. Este systema dá outro resultado, e vae mais longo; não só é a negação do systema parlamentar, mas produz necessariamente o abatimento do espirito publico; (Apoiados.) e longe de crear homens para os cargos publicos, longe de habilitar estadistas para o governo do paiz, inutilisa-os absolutamente. (Apoiados.) No systema representativo é preciso, é indispensavel que quem tem idéas e tem as melhores, as sujeite á apreciação do paiz, as discuta publicamente, as apresente n'esta casa, as sustente em todas as occasiões (Apoiados.), dando provas constantes das suas convicções, da sua firmeza e da sua coherencia (Apoiados.) de fórma que todo o paiz saiba, quando vê, levantar uma situação ou entrar no poder homens de novo chamados para os conselhos da corôa, quaes são as medidas com que póde contar, quaes são as obrigações que contrahiram aqui e que têem forçosamente de cumprir e desempenhar ali. (Apoiados.)

O systema actual é o contrario de tudo isto. Temos politica de segredos, de mysterios, de disfarces, de enganos, de illusões, (Apoiados.) e é por isso que se justifica completamente a descrença do paiz nos seus homens publicos; é por isso que nós - vemos muitas vezes caírem ministerios e organisarem-se outros, sem que o parlamento tenha para isso influido em cousa alguma. (Apoiados.)

A culpa é unica o exclusivamente do parlamento. (Apoiados.)

Eu estimo e aprecio muito os apoiados dos illustres deputados, mas talvez logo não os consiga igualmente sobre este mesmo ponto e n'esta mesma ordem de idéas.

Ora, sr. presidente, se nós não sabemos o que é a lei; se nem o governo nem a illustre commissão podem calcular o seu alcance e os diversos casos da sua applicação, por que motivo votaremos nós este projecto, ou em que fundamento poderemos firmar-nos para votarmos uma auctorisação tão larga e tão absoluta?

Responde o illustre relator da commissão: é uma questão de confiança; approva quem confia, rejeita quem não tem confiança.

Eu pergunto a mim mesmo e á camara: que confiança é esta? Em que é que se confia?

Para mim a questão de confiança é uma questão unica e exclusivamente pessoal e politica. A confiança politica está completamente ligada a uma certa e determinada situação politica.

A quem concedemos nós este voto de confiança? Ao governo actual?

Pergunto eu, portanto, tem esta lei alguma restricção em virtude da qual fique declarado que esta lei póde ser executada por este governo, e que fica recusada a qualquer outro? Eu creio que não.

Que certeza tem a camara e a illustre commissão de que, apenas esta lei seja votada pelo parlamento, ha de ser este ministerio e não outro qualquer que a ha de executar?

O illustre relator da commissão, votando e defendendo este projecto unicamente por confiança politica, não póde arriscar-se a votar uma auctorisação d'esta natureza a um ministerio diametralmente opposto á sua confiança politica?

Já se vê, pois, que a rasão da confiança é uma rasão completamente inadmissivel.

Eu não posso suppor que a camara possa affirmar o seu voto de confiança em todos os ministerios possiveis.

Não ha garantia alguma de que a lei ha de ser executada pelo ministerio a quem se vota.

Fica votada para ser executada pelo ministerio que estiver, seja elle quem for; e nos termos vagos em que está redigida a lei, creio que este governo fica auctorisado a executal-a de um modo, e qualquer governo que lhe succeda fica auctorisado igualmente a alterar essa execução, e por novos regulamentos a executal-a de um modo inteiramente diverso.

Votar leis por esta fórma, vejam os illustres deputados onde isto nos conduz, e quaes são os perigos tanto para o paiz, como principalmente para o systema parlamentar, que todos nós temos verdadeiro empenho o interesse em manter na devida altura.

A questão é de confiança!

Se a questão fosse ou podesse ser de confiança, de certo nenhum dos deputados, e d'aquelles que mais confiam no governo actual, confia mais do que eu confio.

E referindo-me a este ponto, justo é que passe muito ligeiramente sobre as condições em que foi organisado o gabinete actual.

O illustre deputado, por quem tenho a maior consideração, o sr. Luciano de Castro, no perfeito uso do seu direito, veio varrer a sua testada.

Combateu conforme quiz o projecto que se discute, e negou o direito que o governo actual tem de pedir o augmento das receitas publicas. Para isso apreciou a organisação do actual governo, a seu modo, com a perfeita liberdade de voto o de opinião, que sou o primeiro a reconhecer e a respeitar.

Acho muito justo que s. ex.ª varresse a sua testada, e a isso não me opponho.

Como porém s. ex.ª na operação de varrer a sua testada, a varreu sebre a testada alheia, obriga-me tambem a apreciar de um modo diverso, posto que muito respeitoso

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para com a opinião de s. ex.ª, os factos que s. ex.ª apreciou conforme quiz.

No direito publico que estudei e aprendi, e que me regula em todos os meus actos, no systema parlamentar, a indicação das maiorias é sempre a primeira regra para a formação dos governos. (Apoiados.) Embora este principio não se ache inscripto em constituição alguma, está todavia nos principios que determinam e que são a origem d'essas constituições: é um axioma de tal ordem que ninguem o nega.

Póde alguem duvidar que o ministerio actual foi organisado em virtude de uma manifestação parlamentar, que affirmou a favor do partido, que elle representa no poder, uma maioria enorme, que o acompanhou desde que subiu ás cadeiras do governo, mas que se affirmou ainda antes de se organisar o ministerio actual?

Creio que isto é um facto a tal ponto evidente, que ninguem o contesta. Foi isto o que se viu; é isto o que estamos vendo.

Mas eu vou mais longe. Declaro que desde que tive a honra de entrar, pela primeira vez n'esta casa, e na vida politica, para mim é o actual ministerio o unico verdadeiramente parlamentar. (Apoiados.) E o unico dos muitos que têem passado por diante de mim, que foi chamado ao poder em virtude de uma indicação parlamentar verdadeiramente manifestada.

Dizem os illustres deputados que se oppõem á actual organisação, que o ministerio é o mesmo que tinha caído no anno passado, e que se apoiava n'uma maioria que se tinha demonstrado impossibilitada para o sustentar, e que, a organisação anterior de um ministerio da minoria tinha desauctorisado a ponto de a impossibilitar para formar nova situação.

Este argumento é a tal ponto subtil que eu não chego a comprehendel-o, e não chego a comprehendel-o, sr. presidente, da parte de alguns dos illustres deputados se não pela sua excessiva cohereacia n'um erro que applaudiram, n'uma infracção que apoiaram! Para estes mesmos deputados, cujos escrupulos constitucionaes tanto se sobresaltaram, ao ver nomear um ministerio com maioria inquestionavel, para estes mesmos deputados foi não só motivo de perfeita tranquillidade, de perfeita indiferença, mas até de verdadeiro prazer, ver apresentar-se n'esta casa um ministerio tirado de uma minoria infima, de uma minoria imperceptível, quasi invisivel!

E comtudo, esse ministerio que não podia contar n'esta casa senão tres ou quatro votos, foi bem recebido quasi pela unanimidade dos deputados da nação, achando-se então muito curial, muito parlamentar, muito constitucional, que se apresentasse á camara dos deputados, onde havia uma maioria pronunciadissima n'um certo sentido politico, um ministerio que representava tres ou quatro, votos apenas!

Não posso estranhar que quem professa taes principios, theoria que aliás aproveitaria mais ao meu partido do que a theoria de dar preferencia á maioria legalmente manifestada, não posso estranhar que quem professa taes theorias, estranhe ou censure a organisação de um ministerio formado de uma verdadeira e indisputável maioria. Não estou disposto, porém, por interesse proprio ou alheio, a perfilhar doutrinas que são a suprema affronta, o maximo insulto, a negação formal de todo o systema representativo.

A faculdade liberrima de organisar ministerios, que parece tão importante a alguns illustres deputados, e que talvez o seja no nosso paiz, é uma questão que não tem nem póde ter grande importancia num paiz verdadeiramente livre, habilitado para exercer, segundo lh'os confere a lei fundamental do estado, os diversos direitos e as diversas attribuições, a suprema influencia que o paiz tem sempre no regimen liberal. O inconveniente de se apresentar aqui um ministerio tirado da minoria, ou mesmo sem representação n'esta casa, é muito pequeno logo que o parlamento saiba e queira cumprir o seu dever.

Agora, desde que as camaras se habituam a receber bem, a receber excellentemente, a exaltar e a admirar todo e qualquer ministerio que lhes appareça, venha elle d'onde vier, e seja qual for a surpreza que do seu apparecimonto resulta, (Apoiados.) desde que se adora todo o sol quando se levanta, reservando-se o direito de o apedrejar ou preparando-se logo as pedras que se lhe hão de arremessar no occaso; desde que todo o ministerio serve, desde que a condição de ter ou não maioria, de representar ou de negar as indicações parlamentares, é uma condição absoluta e soberanamente indiferente, a questão então tem importancia porque lh'a dá, não a lei fundamental do estado, nem o poder que livremente nomeia e deve nomear os seus ministros, mas porque lh'a dá a fraqueza, não lhe quererei dar outro nome, a decadencia do poder legislativo, a falta de politica e de crenças nos homens que têem por obrigação pugnar sempre pelas suas idéas, apresental-as, lutar e fazel-as triumphar, ou morrer abraçados a ellas. (Apoiados.)

Temos, portanto, um governo verdadeiramente parlamentar, nomeado depois de uma manifestação do parlamento, em que se affirmou uma maioria extraordinaria; temos inquestionavelmente o primeiro ministerio desde que estou na vida publica, o unico, verdadeiramente nomeado, depois das indicações parlamentares.

Mas sejamos justos; eu não posso ser suspeito quando me referir com louvor ao ministerio anterior; sejamos justos; a quem se deve principalmente este caso novo, este acontecimento unico, este verdadeiro respeito, não só pela lei fundamental do estado, mas pelas boas praticas parlamentares, que constituiu novidade n'este paiz?!

Esse resultado, alem de se dever á camara, que tomou e affirmou dignamente a sua posição, deve-se principalmente ao illustre estadista que presidiu á situação anterior, que n'áquella idade renovou o vigor da juventude, e lutando até ao fim, soube caír verdadeiramente como devo caír um ministerio no regimen representativo. (Apoiados.)

Pergunto aos ministerios passados, e perguntarei aos aspirantes a ministerios futuros, se por acaso teriam a mesma coragem, se porventura teriam o mesmo respeito pelos principios, e se esperariam a votação final e o resultado da luta, ou sé apenas se levantassem os primeiros annuncios da tempestade, esses homens tão respeitadores das diversas praxes parlamentares, quando estas lhes aproveitam, não seriam os primeiros a correr ao paço a pedir ou a sua demissão ou um remedio que impozesse silencio ás manifestações e á vontade do parlamento?

Antes do ministerio anterior eu tinha visto constantemente caírem os ministerios, ou sem explicação possivel, ou sem motivo parlamentar; uns por capricho, outros por cansaço, outros finalmente, porque queriam caír de todas e quaesquer maneiras, menos diante de uma manifestação do parlamento. (Apoiados.)

Esses ministerios todos têem seguramente perante o paiz a responsabilidade de terem contribuido para a falsificação do systema representativo, para o descredito do regimen parlamentar. (Apoiados.)

Como querem que o poder moderador attenda ás indicações parlamentares, se ellas não existem, e não existem principalmente, porque os governos as falsificam ou as não deixam apparecer, retirando-se a maior parte das vezes sem motivo nem explicação plausivel, deixando o poder moderador sem indicação alguma para poder escolher a nova situação? (Apoiados.)

Sr. presidente, nos paizes livres os novos ministerios não se tiram á sorte. E indispensavel que èlles se organisem em harmonia com as indicações do parlamento, e para isso a primeira condição é que o parlamento tenha a coragem de dar essas indicações, (Apoiados.) e que os ministros responsaveis tenham tambem a coragem de cumprir o seu de-

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ver, que é esperar pelas votações d'esta casa, de fórma que se possam apresentar ao poder moderador, não, dizendo que tire ministerio á sorte, ou indicando-lhe o successor mais conveniente, mas dizendo que os representantes do paiz se manifestaram em tal ou tal sentido, ou deixando-o dizer aos presidentes das duas casas do parlamento. (Apoiados.)

Sr. presidentes, estes são os principios do systema parlamentar em todos os paizes livres. (Apoiados.)

Entre nós parece que são novidade, e não sei até se a muitos poderão parecer blasphemia.

Deixando porém estas divagações, eu venho reconhecer e affirmar perante a camara, a necessidade que nós temos de crear receita e de equilibrar o orçamento.

Eu venho reconhecer que o governo firmado n'uma verdadeira maioria parlamentar, não só tom o direito, mas tem a imperiosa obrigação de procurar quanto antes que o orçamento do estado não seja uma illusão, e que o saldo das diversas contas ou o fim dos exercicios não represente a necessidade impreterivel do um novo emprestimo consolidado, deixando logo outro a crear-se e a medrar pela divida fluctuante e pelo deficit, para se pedir tambem a sua conversão n'um periodo mais ou menos breve.

Sr. presidente, eu não partilho das idéas do sr. Luciano de Castro quando exige para a votação do imposto... quando exige a este governo, entenda-se bem (Riso), antes de pedir o imposto a apresentação de todas a reducções de despeza que seja possivel fazer-se.

Eu não tenho essa exigencia, e não a tenho porque ainda novo na vida publica tenho todavia a experiencia já dos diversos ministerios, e dos diversos systemas que normalmente podem ser experimentados e applicados a este paiz.

Eu não quero este systema, porque não quero concorrer para termos a cotação dos nossos titulos de divida publica a 28 ou a 29.

Eu não quero a continuação d'este systema, porque não quero emprestimos ou supprimentos com multas, commissões e juros, cujo preço o illustre deputado o sr. Luciano de Castro sabe melhor do que ninguem, por ter feito parte de uma situação que teve de pagar a multa em que tinha incorrido a situação anterior.

Se esta perspectiva, se este futuro póde agradar a alguem, eu digo que não me agrada a mim, que não quero concorrer para tal situação, e que com o meu voto hei de oppor-me terminantemente a que se inspirem ao paiz esperanças absolutamente irrealisaveis que representam um sacrificio carissimo e que não só impossibilitam por largo tempo o desenvolvimento de todos os progressos da civilisação, mas até precisara de bastante demora para cicatrizar as feridas que deixam.

Portanto, para mim é questão necessaria e urgente tratar de crear receita para que se salde o orçamento.

É indispensavel que se façam todas as economias que forem compativeis com os serviços publicos e com a boa administração, é indispensavel que se façam todas as reducções e todos os córtes de despezas inuteis e perfeitamente dispensaveis e desnecessarias; mas é indispensavel tambem que uma cousa acompanho a outra, isto é, que ao mesmo tempo se trate de procurar o equilibrio orçamental pelos dois meios que nos devem conduzir a esse resultado; tanto o corte de despezas inuteis como a creação de receitas novas.

Não nos desenganemos nós, porque nós já estamos desenganados; mas não pretendamos enganar o paiz não lhe pondo bem patente que o meio de saldar o orçamento ha de ser principalmente o imposto.

Nós temos obrigação de procurar quaes são os melhores impostos; nós temos de indagar quaes são os impostos que podem dar o resultado que precisamos obter, que é indispensavel e que todos desejâmos. Eu direi, que voto de preferencia a todos os impostos o imposto sobre o consumo.

Já disse isto; repito-o agora a v. ex.ª e á camara terminantemente, e direi a rasão do meu voto.

Voto o imposto sobre o consumo de preferencia a todos os impostos, porque para mim o imposto do consumo, alem de ser o mais suave na cobrança, é aquelle que vae recaír, que vae incidir sobre um maior numero de pessoas, e portanto aquelle que, pela divisão, se torna mais igual e menos sensivel.

Não me impressionam os receios do meu illustre amigo e collega o sr. Arrobas, que se assustou pela existencia do mendigo, que era obrigado a concorrer tambem para o equilibrio orçamental e para as despezas publicas.

Eu creio que estas declamações, a que nem poeticas posso chamar, são perfeitamente inuteis, e estes receios completamente infundados.

Não sei que outra definição se possa dar de mendigo, senão a de pessoa que vive á custa d'aquelles a cuja caridade recorre. Ora, se essa pessoa come á custa d’aquelles a quem recorre, é claro que o imposto não é pago por ella, é pago por quem lhe dá de comer.

Se ao imposto indirecto, e especialmente ao imposto de consumo estão habituados outros paizes, que não podem dispensar este imposto, muito menos o podemos dispensar nós, que, pela pratica de largos annos, estamos habituados a crear no paiz classes distinctas, mais ou menos privilegiadas, mas divididas e separadas entre si; situação esta em que os poderes publicos não têem pensado devidamente, mas que já vae produzindo as suas consequencias, e que se em tempo não attendermos a este mal, póde em breve dar resultados muito parecidos com as celebres castas da India.

V. ex.ª e a camara sabem perfeitamente que n'este paiz ha uma classe, e uma classe numerosa, que não contribue com cousa alguma, pelo imposto directo, para as despezas publicas.

Esta classe que vive á custa dos rendimentos do orçamento, refiro-me aos possuidores dos titulos da divida publica; (Apoiados.) essa classe, repito, que vive á custados rendimentos do orçamento do estado, que lhes paga religiosamente os juros (Apoiados.) não contribue com cousa alguma nem para a receita nem para a despeza publica, (Apoiados.) e todavia a sociedade portugueza garante a elles, como aos outros, a sua vida, a, sua fortuna, e emfim, todos os direitos de que gosam os cidadãos portuguezes. (Apoiados.)

Nós pagamos de juro da divida publica mais de réis 13.000:000$000 annuaes.

Todos os governos e todos os parlamentos encontrariam á mão um largo meio de receita, tributando os juros da divida publica (Apoiados.) na mesma proporção em que estão tributados os dividendos dos diversos bancos e companhias, (Apoiados.) e assim com um simples traço de penna o governo teria assumido uma receita, proximamente, de 1.800:000$000 réis. (Apoiados.)

Qual é a rasão porque nenhum governo nem nenhum parlamento lança mão d'esta medida? Será porque o capital invertido em emprestimos ao estado possa adquirir perante a sociedade um caracter novo e uma natureza especial que o isente de todos os impostos que pesam sobre todos os outros capitães tão legitimamente adquiridos e sustentados como aquelles?

Não é, de certo; e não é, porque nações mais adiantadas, nações roais cultas e nações igualmente respeitadoras do seu credito e da boa fé dos contratos, tendo dispensado esses titulos primeiramente de todos os impostos, recorreram depois ao meio de os tributar com grande vantagem não só para o estado, mas até para os proprios possuidores dos fundos publicos assim tributados. Porque será que se não lança mão entre nós deste recurso? Porque será que eu mesmo que o aconselho, que o lembro d'este logar, se estivesse actualmente no logar do ministro da fazenda, nem o lembraria, nem o proporia, e havia de recusal-o logo que m'o propozessem? Porque será isto?

Isto é unica e simplesmente porque os governos, preci-

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sando todos os annos de lançar novos titulos no mercado, precisando recorrer á emissão constante de titulos de divida publica, não podiam, sem loucura, depreciar os titulos que têem de emittir, porque, se o fizessem, teriam de os vender mais baratos, e por consequencia soffreriam um prejuizo muito superior á receita que pretendiam usufruir.

Mas este mal não tem remedio? Ha de ser systema de governo, permanente o indispensavel no paiz, a fabricação constante de novos titulos de divida publica, e a sua emissão constante no mercado? Este systema seguido até hoje, nunca abandonado, nunca interrompido, terá de durar eternamente?

Se tal systema tem de durar por muito tempo, então a conclusão fatal é a ruina da nação.

Se o systema do governo pede mudar, como deve mudar, o governo tem de preparar se para pedir ao paiz os recursos indispensaveis para fazer face ás despezas ordinarias, e desde que pare com a emissão de novos titulos, póde tributar os existentes; e desde o momento em que a emissão não continue, os titulos emittidos e tributados hão do subir no mercado, como subiram em outros paizes que recorreram a este meio.

Portanto, para poder lançar-se mão d'este recurso, não só é necessario, mas é indispensavel, usar-se de outro que nos assegure o equilibrio orçamental, e temos de procurar entre os impostos existentes, aquelles que mais produzam e que mais suavemente possam ser cobrados, e para mim, nenhum imposto reune essas condições, como o imposto de consumo, que estou disposto a votar, mas com disposições precisas, claras e terminantes, que não estejam sujeitas á interpretação nem ao arbitrio dos diversos empregados de fazenda que hão de applicar esta lei no paiz.

Antes da votação do imposto de consumo, indispensavel me parece que o governo attenda, não tanto ao rendimento collectavel actual, como principalmente ao desenvolvimento da materia collectavel, de fórma que o impostopossa produzir muito mais, sem ser aggravado em relação a cada contribuinte.

Estas são as questões economicas, não ignoradas, mas esquecidas absolutamente n'este paiz e de que ninguem falla, de que ninguem trata, e mais triste é dizer, de que ninguem póde fallar no parlamento, sem desviar logo a attenção de todos os seus collegas (Apoiados.)

O producto sobre que principalmente recae este imposto, e que maior resultados ha de produzir, é inquestionavelmente o vinho.

Parecia-me justo que ao mesmo tempo que se tributa o vinho, o governo e o parlamento tratassem de examinar quaes são as condições em que o vinho é produzido no paiz, e ver se podemos e devemos facilmente produzir mais o melhor, e por consequencia obter melhores preços e maior riqueza nacional.

Se nós examinassemos o estado actual da vinicultura perante a sciencia e perante os preços que o productor deve obter, quaes as condições, não só da exportação possivel, como da venda no proprio paiz, n'esta questão realmente importante encontrariamos logo na mesma materia collectavel um rendimento prodigiosamente superior ao que podemos obter hoje.

Mas as questões economicas parece terem fugido espavoridas d'este paiz, e quando alguem se refere a ellas responde-se-lhe com um unico argumento, é o desenvolvimento da viação publica.

Sem negar que a viação incontestavelmente desenvolve a riqueza publica, é certo que a viação ordinaria ou accelerada não póde por si só substituir as diversas condições economicas que são indispensaveis para desenvolver a riqueza de um paiz. (Apoiados.)

O que acontece com a producção do nosso vinho? Se prescindirmos de que são vinhos finos, ou generosos e especialmente dos vinhos do Porto, temos de reconhecer que a maior parte dos vinhos produzidos n'este paiz, sendo de

grande variedade o devendo ser de qualidade superior nos seus diversos e innumeros generos, não têem as necessarias condições de producção nem do fabrico, e reunem grandes difficuldades para consumo no proprio paiz, apresentando muitas vezes absoluta impossibilidade para a exportação.

Aproveito esta occasião para recordar á camara dois factos, tendo sido um d'elles referido pelo illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, cuja ausencia constante dos trabalhos parlamentares n'esta occasião muito especialmente lamento.

O sr. Barros e Cunha, na qualidade de vinicultor, desejando applicar á fabricação dos seus vinhos os processos melhores e mais perfeitos, realisou n'um anno todos os melhoramentos que podia introduzir, e empregou todos os meios para fabricar os seus vinhos como de primeira ordem e de primeira qualidade.

Sabe v. ex.ª qual foi o resultado? É que os comprado-os, que disputavam a acquisição d'estes vinhos, em todos os annos em que era mal feito e mal fabricado, e representava principalmente um liquido escuro e grosso, recusaram-no absolutamente n'aquelle anno, e querendo indagar o sr. Barros o Cunha qual o motivo por que recusavam agora o seu vinho aquelles que d´antes disputavam entre si a sua acquisição, obteve em resposta que o vinho para ser vendido em Lisboa, onde pagava grandes direitos, convinha que fosse fabricado imperfeitamente como era e de fórma que a cada pipa se podessem addicionar duas de agua para vender tres pipas de vinho dentro da cidade com o desembolso do imposto bue só uma tinha pago nas barreiras.

A lição foi de tal ordem que aquelle illustre deputado disse que se tinha curado de todas as idéas e tentativas do fabricar bom vinho, e que tinha do sujeitar todos os processos de vinicultura e de fabricação aos habitos e ao gosto do paiz.

Com o vinho do Minho, cuja producção é extraordinaria, acontece, e eu já aqui o disse, cousa mais singular ainda. Aquelle vinho que devia ter grande consumo não só em Lisboa, mas em todo o sul do reino, está absolutamente impossibilitado de vir para Lisboa pelo imposto absurdo que aqui paga.

É preciso que a camara e o paiz saibam qual é a legislação á sombra da qual nós vivemos e pretendemos desenvolver a nossa riqueza publica. Uma pipa de vinho verde, que valeria, e que se vende no local da producção a 8$500 ou 9$000 réis, paga, e eu muitos vezes paguei nas barreiras de Lisboa, só de direitos 19$000 e tantos réis Note v. ex.ª que emquanto na barreira de Lisboa um vinho puro, um vinho fraco, paga um direito tão escandaloso, tão absurdo, que eu prescindo de procurar termos para o apreciar devidamente, o mesmo direito, o mesmo imposto, a mesma quantia, espera nas barreiras de Lisboa uma pipa do vinho mais generoso e mais fino que seja possivel introduzir aqui; por exemplo, uma pipa de vinho do Porto da instituição da companhia, cujo valor seria de tal ordem que um direito, escandaloso para o vinho fraco e de pouco valor, seria ridiculo, insignificante, incrivel mesmo, em relação ao preço do vinho superior. Pois esta é a nossa legislação, de que todos gostam, que todos amam, legislação que todos respeitam até ao ponto de que ninguem se atreve a tocar-lhe, ninguem pede a sua alteração, ninguem pertende nem appetece a sua modificação.

Em vez d'isso que se pede? O que se tem pedido muitas vezes? A modificação da escala alcoolica em Inglaterra, que é o systema inverso d’este systema absurdo que nós aqui sustentâmos na barreira de Lisboa.

Eu disse aqui uma vez á camara que seria melhor desistir de quaesquer tentativas para fazer adoptar em Inglaterra o nosso systema e guardal-o como raridade só para nós, escondendo-o tanto quanto possivel, occultando-o até como uma vergonha (Apoiados.)

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Referir-me-hei ainda a outras questões igualmente economicas.

Parece-me indispensavel que o governo attenda á organisação da propriedade em Portugal e ás leis de successão. A legislação actual a este respeito é obsoleta e absurda, (Apoiados.) injustificavel perante os principios de liberdade e os preceitos da sciencia.

Temos uma legislação que esmaga e embaraça todo o desenvolvimento da riqueza publica, e eu não conheço outras fontes de riqueza que não sejam a agricultura, o commercio e a industria. (Apoiados.)

As leis organicas de propriedade são absurdas e impossiveis, e folhem o desenvolvimento não só do valor, mas da fabricação e dos processos de boa cultura, o a creação dos productos, que constituem a principal riqueza do paiz. (Apoiados.)

As leis de successão com o systema de inventarios e de partilhas forçadas que inventámos e conservâmos, estabelecem quasi sempre, em seguida á morte do proprietario, ou do dono do estabelecimento commercial, industrial ou agricola, que deixa filhos, uma liquidação forçada, absurda e vexatoria, a que não resistiria o proprio banco do França ou o de Inglaterra.

É isto que mantemos e sustentâmos, liquidando ou reduzindo todas as fortunas particulares, e impedindo os meios legitimos de producção, obstando assim ao augmento e á creação de estabelecimentos, tanto industriaes como commerciaes, que na Inglaterra e na America do norte constituem a principal riqueza d'estes paizes e são a origem da sua grande importancia. (Apoiados.) É isso o que não queremos entre nós.

As disposições que tinhamos no nosso direito antigo, e que nos approximavam do fim a que podiamos e deviamos chegar, ou que pelo menos obstavam a grande parte d'estes inconvenientes, revogâmol-as com enthusiasmo igual ao prejuizo que voluntariamente procurâmos. (Apoiados.)

Não quero dar grande desenvolvimento a este ponto, e não imagine a camara que eu, referindo-me a estas disposições, sou por alguma fórma partidario ou enthusiasta dos vinculos ou dos antigos prazos. Não o sou.

O systema que sigo é o da America do norte, e as minhas idéas a este respeito constam dos registos parlamentares.

N’este paiz todos somos em theoria excessivamente liberaes, prodigiosamente descentralisadores; mas na pratica temos ainda o codigo commercial, o codigo administrativo, o outras bellezas que melhor é não referir n'este momento.

Não temos o credito predial e falta-nos o registo predial. Temos os dois nomes a fingir que temos as duas cousas, mas nenhuma d'ellas existe.

Do registo predial depressa me desenganei, depois de ser illudido por algum tempo, que se quiz apenas crear os logares e despachar os conservadores. Feito isto, poz-se perpetuo silencio sobre este negocio.

Temos empregados de registo predial, temos a apparencia de credito predial, mas procurâmos a realidade de qualquer d'estas instituições, e não a encontrâmos.

É o que temos cousa muito differente do que a theoria ensina, e do que existe nos paizes onde estas instituições desenvolvem a riqueza publica, e protegem uma das fontes mais importantes da riqueza nacional. (Apoiados.)

Assim vamos cada vez peior.

Podemos chegar a querer tributar, e não encontrar em que o imposto possa recaír, se não tratarmos desde já de attender ao desenvolvimento da riqueza.

Vou terminar as minhas observações.

Eu entendo que o imposto de consumo a que se refere a proposta que estamos discutindo, sempre que seja considerado ou applicado. como imposto geral do estado, nunca poderá dar o resultado que ha de dar quando seja considerado como imposto municipal.

O meu voto, o meu desejo seria deixar o imposto do consumo devidamente regulado por lei, devidamente fixados todos os casos a que tem de ser applicado, e cntregal-o unica e exclusivamente aos municipios, cobrando d'elles ou uma receita fixa e superior áquella que o estado recebe actualmente, ou por um systema de avença a parte proporcional que se combinasse.

De resto, como imposto geral, eu posso dizer á camara e digo-o ao governo, mas com grande magua minha porque reputo o sr. ministro da fazenda absolutamente innocente do projecto que se discute, digo-o principalmente á commissão de fazenda, os senhores estudam a historia, recebem a lição dos factos, apresentam esses factos, documentam essas lições, o que aproveitam? Exactamente o contrario da demonstração que os factos produzem.

O imposto de consumo administrado municipalmente rende muito mais de que administrado pelo estado.

É o que diz o relatorio da proposta do governo transacto. É o que os factos demonstram.

Que conclusão tiram d'aqui? Que o estado deve augmentar o imposto já grande administrado por elle, que produz menos do que um imposto pequenissimo da mesma natureza applicado pelos municipios.

A logica mudou. Se os municipios têem todos os meios o condições para applicar e cobrar este imposto sem vexames, ou com os menores vexames possiveis, se o imposto pequeno administrado pior elles rende mais que o imposto grande administrado pelo governo, a consequencia logica, necessaria, indispensavel parecia que era entregar o lançamento e a cobrança do imposto de consumo aos municipios, recebendo d'elles ou a quota determinada que se lhes applicasse, ou a parte proporciona! por que se avençassem, conforme o systema que parecesse preferivel.

Note v. ex.ª, sr. presidente, que este projecto veiu surprehender-me; eu não esperava tão cedo a sua discussão; por consequencia não estou, nem posso estar preparado com indicações praticas que poderiam lançar muita luz sobre este assumpto.

É certo que os municipios se queixam que desde que o estado principiou a cobrar o real de agua, não só não encontrou o rendimento que devia encontrar, mas concorreu muito para fazer diminuir o rendimento municipal que até ali existia, (Apoiados.) São estes os factos, e por mais que os illustres deputados leiam o meditem, por mais que traduzam e commentem a legislação franceza, desenganem-se, que temos que viver em Portugal com os habitos e costumes portuguezes, (Apoiados.) e que não lucrâmos nada em applicar a este paiz precipitadamente, traducções mais ou monos acertadas, peior ou melhor feitas, (Apoiados.) quasi sempre incompativeis com os habitos, com os costumes e com a vontade do paiz; e que á força não poderão ser-lhe impostas, só porque são traduzidas ou imitadas da legislação franceza.

Sr. presidente, todos nós que temos alguma pratica da vida local, especialmente nas provincias, sabemos que as camaras municipaes têem recursos proprios e meios suaves para conseguir o que o governo nunca póde conseguir sem lazer despezas enormes com empregados novos e sem levantar contra si resistencias no paiz.

Sr. presidente, terminando digo, que oppondo-me a este projecto creio fazer ao governo, mesmo contra sua vontade, o maior serviço politico que se lhe póde fazer; e se eu poder evitar a votação da lei como está redigida, tenho a consciencia de ter concorrido para um grande beneficio ao paiz.

Em todo o caso as minhas explicações foram dadas e a minha posição fica definida.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A grande deputação que deve assistir na quarta feira 27, ás duas horas da tarde na sé cathedral, a um solemne Te Deum pela exaltação do Summo

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Pontifice Leão XIII, á cadeira de S. Pedro, será composta dos seguintes srs.:

Anselmo José Braamcamp.

Antonio José de Seixas.

Manuel Antonio da Cunha Belem.

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Augusto Zeferino Rodrigues.

Filippe Augusto de Sousa Carvalho.

Jayme Constantino de Freitas Moniz.

José Frederico Pereira da Costa.

José Maria de Moraes Rego.

Luiz Adriano Magalhães Menezes de Lencastre.

Manuel Maria de Mello Simas.

D. Miguel Pereira Coutinho.

E a deputação que deve assistir ás exequias do Summo Pontifice Pio IX, de gloriosissima e santa memoria, na real basilica do Coração de Jesus, ás nove horas da manhã no dia 1 de março, é a seguinte:

Carlos Testa.

Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima.

Antonio José Boavida.

José Luiz Ferreira Freire.

Visconde de Guedes Teixeira.

Visconde da Azarujinha.

José Joaquim Figueiredo de Faria.

Jacinto Antonio Perdigão.

Barão de Ferreira dos Santos.

Augusto Maria de Mello Gouveia.

Pedro Augusto Franco.

Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

Luiz de Freitas Branco.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Não é minha intenção seguir o illustre deputado, que acaba de fallar, nas suas reflexões aliás muito proficientes, porque alguns dos pontos principalmente tocados por s. ex.ª não têem toda a ligação com o projecto que se discute, e limito-me á materia do projecto.

O illustre deputado pareceu-me demasiadamente preoccupado com a idéa de que a auctorisação que se concede n'este projecto é uma auctorisação ampla, e de tal fórma que não conviria ser votada por uma camara, e que auctorisações em materia tributaria são auctorisações que as camaras não devem votar. Esta phrase «auctorisações em materia tributavel», esta phrase é uma phrase que aterra; mas parece-me que se se examinar bem o projecto que se discute, ha de se ver que se não encontram auctorisações extraordinarias e que não tenham sido votadas pelo parlamento. Auctorisações amplas em materia tributavel, disposições que auctorisem o governo a cobrar o imposto sem fixar o quantitativo, sem se fixar o genero que deve ser tributado, são auctorisações que se não devem conceder a governo algum; mas n'este projecto está fixada a taxa que se deve pagar; o genero que deve ser tributado, e está marcada até a occasião em que se deve pagar.

Por este projecto o governo fica auctorisado a cobrar o imposto, segundo a legislação vigente, nos casos de venda, nas barreiras, o uma parte d'elle na circulação. A unica cousa que não está limitada e que o póde ser por qualquer proposta que se apresente, é a parte que poderá ser cobrado na circulação, mas sempre com a condição de que a somma total não póde exceder a taxa marcada na lei. Pelo que respeita ás barreiras está tudo fixado.

Diz-se que não se sabe quaes são as terras onde se hão de estabelecer as barreiras.

Todos sabem que são as cidades e as terras de mais de quatro mil habitantes; não vem nomeadamente determinadas, não se diz que é a cidade de Coimbra, a de Beja, a de Evora, são todas as cidades, praças e todas as povoações de mais de quatro mil habitantes.

Este projecto não contém auctorisação nenhuma que não esteja nos termos de ser votada pela camara.

E direi mais, na actual legislação sobre o real de agua está a mesma auctorisação.

Eu não gosto de fazer excavações retrospectivas, não tenho tempo de estar a indagar quem votou tal projecto em tal anno; mas se o fizesse, talvez encontrasse no numero dos cavalheiros que votaram a actual legislação alguns que hoje se insurgem contra esta auctorisação que se pede.

Na nossa legislação actual do real de agua estão as barreiras; está o governo auctorisado a collocar barreiras; sómente ha ali uma condição que é completamente independente da vontade do legislador, que é a condição das camaras municipaes rsquererem.

Na lei de 1871 diz-se que este imposto póde ser cobrado na entrada das povoações quando as camaras municipaes o requerem. Por consequencia, aqui está a mesma auctorisação ampla.

Somente não vem na lei a palavra «auctorisação», nem a palavra «barreiras».

E a este respeito direi ao illustre deputado, que disse que este projecto não era mais do que uma hypocrisia, que aqui tanto não ha hypocrisia, que se dizem as cousas como são.

Na lei vigente não se falla em auctorisação nem se falla em barreiras, mas diz-se que o imposto póde ser cobrado á entrada das povoações.

Que quer dizer isto? Quer dizer que o governo fica auctorisado a collocar barreiras?

Não ha nada mais facil, mais agradavel do que combater o imposto; e uma prova d'isso é que não ha parlamento nenhum onde se trate de um imposto que não seja muito combatido.

É natural, é agradavel estar da parte do contribuinte contra o fisco!

E qual é o imposto que se não póde combater, qual é o imposto que na pratica não é injusto e desigual, quer seja directo ou indirecto, qual é o imposto, sendo indirecto, que nãop traz vexames?

É muito facil provar que o imposto traz vexames e que na pratica é injusto e desigual.

Mas a questão não é essa, a questão é saber, admittido que o imposto é necessario, que é necessario o augmento de receita, se por outro meio menos vexatorio, menos desigual e menos injusto se póde cobrar a mesma receita. Esta é que é a questão.

Disse-se aqui na sessão passada que a França detesta o imposto sobre bebidas, que é o imposto que corresponde ao real de agua, que em França ninguem quer o imposto sobre bebidas. Eu nego; eu digo que a França quer o imposto sobre bebidas, porque a França é um paiz livre, e se quizesse abolir este imposto, já o tinha abolido. Não o tem feito, apesar de ter abolido outros instituições mais radicadas, muito mais solidas, muito mais antigas, mais respeitaveis do que o imposto sobre bebidas.

Não o extingue porque não quer. E porque não o quer extinguir? Será porque estes impostos não têem inconvenientes nem desigualdades, porque na pratica não têem vexames? Não, é porque entende que a somma importantissima que tira d'este imposto, não póde ser cobrada por outra fórma, com menos vexame, com menos desigualdade, menos injustiça. Este é o nosso caso.

Sejamos praticos. Quem são os illustres deputados que combatem o projecto? E em primeiro logar a opposição politica; em segundo logar alguns illustres deputados que pelas suas idéas economicas, pela sua predilecção ou certa repugnancia a certo systema economico, entendem que elle não é conveniente. Isto não é tambem negar aos illustres deputados da opposição as convicções sobre materia economica que podem ter.

A opposição combate em toda a parte o imposto proposto pelo governo; isso é natural, é logico. Hontem, o sr. deputado Arrobas combateu o imposto de que se trata, porque é desfavoravel a todos os impostos de consumo; por

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que entendia que era melhor recorrer aos impostos directos.

Se as matrizes fossem perfeitas, completamente de accordo; se as matrizes fossem perfeitas, a simples quota de 6 por cento seria sufficiente para que o imposto rendesse 800, 900 ou 1:000 contos; mas podemos nós dizer que as matrizes estão perfeitas?

A França, apesar de ter gasto milhões no seu cadastro, não pôde ainda conseguir que o imposto directo predial não fosse injustissimo; porque ahi diz-se, que em termo medio, nas differentes circumscripções, a desigualdade do imposto é na rasão de 2 para 7; o que será se formos a cada um dos contribuintes!

N'esses dovem dar-se maiores desigualdades. Se nós tivessemos as nossas matrizes perfeitas, podiamos cobrar 800, 900 ou 1:000 contos ou mais de impostos directos do que hoje cobramos, e sem grandes vexames.

Isto é muito bom de dizer, mas não é pratico, porque não póde conseguir-se tão cedo.

Outro illustre deputado, pela sua opinião favoravel á liberdade do commercio, entende que este projecto por uma das suas disposições é um embaraço, um certo obstaculo, á plena liberdade do commercio.

Estou de accordo com o illustre deputado na sua protecção pela liberdade commercial.

Eu tambem sou livre cambista; sou partidario da liberdade commercial. Mas devo sujeitar esta minha opinião ás circumstancias em que nos encontramos. Tomara eu poder abolir ámanhã das pautas das alfandegas os direitos protectores.

Podemos nós fazel-o, podemos ir destruir os interesses importantissimos creados no paiz á sombra da lei?

É por isso que eu digo, que apesar d'este imposto ter inconvenientes, elles são menores do que os que resultariam se se cobrasse esta somma por impostos directos ou por outro imposto mesmo indirecto sobre outro genero de consumo.

O illustre deputado, nas considerações com que concluiu o seu discurso, referindo-se mais especialmente ao objecto que se discute, quiz mostrar, com o exemplo citado por um cavalheiro que se senta n'esta casa, que a rasão por que os nossos vinhos não podem ser convenientemente preparados é a da grandeza do imposto que pagam em Lisboa.

Dizia aquelle cavalheiro: «Quando eu preparava bem os meus vinhos, ninguem m'os comprava; quando eu os preparava mal, todos m'os compravam».

Isto porque? Era porque, por causa do grande imposto que pagavam em Lisboa, era necessario que uma pipa de vinho podesse pela addição de alguns almudes de agua dar para duas ou tres, e assim indemnisasse do imposto.

Eu não posso admittir esta rasão, porque o vendedor a retalho que baptisa o seu vinho, que o mistura com agua, dizendo que é para se indemnisar até certo ponto do imposto estabelecido, se não houvesse este imposto fazia o mesmo, como em toda a parte, não para se indemnisar do imposto, já se vê, mas para lucrar, em vez de 5 por cento, 10, 20 ou 30 por cento. (Apoiados.)

A falsificação dos vinhos, como em geral a de todos os generos que podem falsificar-se, pratica-se em toda a parte, não para uma indemnisação do imposto, mas para um augmento de lucros; porque quem paga o imposto dos vinhos não é o vendedor a retalho, é o consumidor, que paga o vinho como se elles não fossem falsificados, como se elles fossem genuinos. (Apoiados.)

Por consequencia, este argumento quanto a mim não prova nada.

Disse o illustre deputado que os municipios cobram mais do tque o estado pelo imposto sobre os vinhos.

É verdade, mas eu já disse n'uma das sessões passadas que este imposto nos municipios é principalmente cobrado pelo systema de arrematação, e que sou completamente adverso ao systema de arrematação, porque, se tem vantagens que dão mais ao fisco, tem tambem graves inconvenientes que não se podem admittir. (Áparte.)

Diz o illustre deputado que o municipio tem meios mais suaves do que o estado, tem meios que não levantam difficuldades.

Quer s. ex.ª saber a rasão por que se diz que o municipio tem meios mais suaves?

Os meios são os mesmos; os queixumes, os soffrimentos são os mesmos, mas não se fazem ouvir; e não se fazem ouvir, porque a ninguem convem especular com elles contra o municipio.

Ninguém tem vantagem em especular com isso contra o municipio; mas contra o governo ouvem-se os clamores, porque servem para a especulação politica.

(Áparte.)

O que concluo? Concluo que as camaras municipaes não têem meios mais suaves do que o governo para cobrarem o imposto.

(Aparte.)

Não se queixam?! E que os queixumes não são ouvidos. Queixam-se da mesma maneira, mas os queixumes não chegam aqui; porque aqui só chegam os queixumes quando são contra as auctoridades do governo.

Nos alvitres e nos argumentos apresentados a respeito d'este imposto, não vejo a conclusão de que é possivel cobrar esta renda, de que precisâmos absolutamente, por meio que seja mais economico ou menos vexatorio.

O illustre deputado que acaba de fallar, lembrou um meio de que se póde usar para obter uma receita que s. ex.ª elevou a 1.400:000$000 réis, creio eu; e era tributar os titulos de divida publica. Mas s. ex.ª, com a sua natural perspicacia, logo disse que, se o governo precisa levantar por meio do credito sommas importantes, quando tivesse de fazer operações para levantar as sommas de que carece, haviam de lhe levar em conta o imposto que deviam pagar, e por consequencia pedia com uma das mãos o que recebia com a outra, e era por esse motivo que o governo não viera propor a esta camara imposto sobre os titulos de divida publica; mas, disse s. ex.ª, se o orçamento estivesse equilibrado, não havia esse perigo, e então poder-se-íam tributar os rendimentos dos titulos de divida publica sem inconveniente para o estado.

Eu direi que nem assim. Nas nossas circumstancias, estamos n'um periodo que, ainda que o nosso orçamento ordinario esteja equilibrado, não podemos deixar de recorrer ao credito para levar a effeito os grandes melhoramentos de que o paiz carece e que não se podem realisar pelos recursos ordinarios do thesouro; precisamos de levantar sommas importantes para fazer as grandes obras, os grandes melhoramentos; e por consequencia ainda mesmo n'esse caso não podemos recorrer ao imposto sobre os titulos de divida publica.

Não encontro nem no imposto directo, nem n'este, nem era outro imposto indirecto, maneira de obter com menos vexame os recursos que se obtêem pelo projecto em discussão.

Os srs. deputados podem mandar para a mesa as propostas que julgarem convenientes, e a commissão as examinará e apreciará como entender. O desejo da commissão e do governo é que esta lei sáia o mais perfeita possivel. (Apoiados.) O governo não carece, nem pede auctorisações vagas, o que pretende é que esta lei produz á o effeito que todos desejãmos, que é augmentar a receita publica de que o paiz carece absolutamente. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n´este logar.)

O sr. Dias Ferreira: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

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O sr. Presidente: — Vae ler-se o artigo para se votar, visto estar finda a inscripção.

Leu-se na mesa o artigo 1.º, assim como uma proposta do sr. Albuquerque.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Pedia a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.

Consultada a camara decidiu afirmativamente.

O sr. Pedro Franco: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer votação nominal sobre o artigo 1.°

Consultiala a camara decidiu afirmativamente.

O sr. Pinheiro Chagas: — Pergunto a v. ex.ª se a votação do artigo é salva as emendas?

O sr. Presidente: — As emendas vão á commissão independentemente da votação do artigo.

Feita á chamada

Disseram approvo os srs.:

Cardoso Avelino, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Carrilho, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Zeferino Rodrigues, Vieira da Mota, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Fonseca Osorio, Guilherme de Abreu, Illidio do Valle, Perdigão, Jayme Moniz, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Matos Correia, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Figueiredo do Faria, Namorado, Pereira

Rodrigues, J. M. dos Santos, Julio do Vilhena, Lopo Vaz Luiz de Menezes, Bivar, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Jacome, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Sieuve de Menezes, Gonçalves Mamede, Rocha Peixoto (Alfredo), Mouta e Vasconcellos.

Disseram, rejeito os srs.:

Braamcamp, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. Boavida, Sousa Lobo, Carlos Testa, Francisco de Albuquerque, José Luciano, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Pedro Franco, Visconde de Moreira de Rey.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões, independente da abertura da camara; e para depois de ámanhã a continuação da que estava dada, e mais o orçamento da despeza do estado.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Rectificação

Na sessão de 22 do corrente, pag. 438, columna 2.ª onde se lê: — O sr. Avila, fixo apenas o encargo = deve ler-se = O sr. Avila, fixa apenas o encargo =; e no discurso do mesmo sr. deputado, no § 2.º, linha 1.ª, onde se lê = no parecer que a discute = deve ler-se = no parecer que se discute; linha 3.ª do mesmo paragrapho, onde se lê = direi aos srs. ministros = deve ler-se = dizem os srs. ministros = linha 9.ª, onde se lê = quero dizer = deve ler-se = quer dizer =.

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