SESSÃO DE 22 DE FEVEREIRO DE 1886 485
Ao ver que a todo o momento, e em todos os espiritos, tanto da maioria regeneradora, como da maioria progressista, se manifestaram vivas preocupações para se tratar com especial cuidado da questão dos cereaes, da questão dos azeites, da questão dos vinhos, e de muitas outras atinentes á agricultura, á industria e ao commercio; ao ver que de todos os lados se pedia a attenção dos poderes publicos para estas importantissimas questões, e com tal instancia, que os laços da disciplina partidaria algumas vezes foram aqui insuficientes para conter energicas reclamações e queixumes; ao ver as numerosas e repetidas representações, que os srs. deputados e dignos pares de todas as cores politicas traziam por esse motivo ao parlamento, convenci-me da necessidade da creação de um ministerio de agricultura e da industria, por me parecer que era impossível que um homem só, por maior que fosse a sua vontade e a sua intelligencia, pudesse prestar attenção aos negocios das obras publicas, sem sacrificar os interesses da agricultura e do commercio e industria, ou dar a attenção devida a estes, sem sacrificar os das obras publicas, que tambem não podem ser desprezados. E impossivel que um só homem possa dar attenção simultanea a todos estes assumptos; e foi o desejo de satisfazer a uma necessidade tão grande, que me levou a apresentar esta idéa aos meus amigos politicos, como um artigo do nosso futuro programma de governo. Todos a perfilharam como propria n'estas condições, e as declarações de agora, feitas pelo sr. presidente do conselho, são apenas a traducção desta nossa concordancia anterior.
A objecção do augmento da despeza, embora elle tenha de ser pequeno, acudiu-nos logo. O illustre deputado e meu amigo devia ter em attenção que a idéa do governo, conforme o acaba de declarar o sr. presidente do conselho, é fazer essa creação só depois de se fazerem economias que dêem para a pequena despeza que do novo ministerio provenha. Antes disso, não. Essa despeza ha de sair das economias feitas no proprio ministerio das obras publicas, considerado na sua situação actual.
O sr. Franco Castello Branco: - Registo a declaração.
O Orador: - Póde o illustre deputado registai a como um compromisso solemne. E é elle tanto mais facil, quanto é certo que no pessoal do ministerio das obras publicas ha mais do que o sobejo para se attender ás necessidades immediatas d'aquella organisação. Pessoal não falta. Para o ministerio da agricultura, commercio e industria, a par da melhor distribuição dos serviços, o que é preciso é crear o ministro, a cabeça dirigente. Um só ministro, por maior trabalho que tivesse, não poderia satisfazer a tudo. O pessoal existente, convenientemente aproveitado, pode.
O illustre deputado ou algum dos seus collegas vae talvez accusar-me por eu ir satisfazer desde, já a uma das suas instancias. Disse s. exa. que o programma das economias ião póde ficar em affirmações vagas, e que o governo tinha obrigação de as traduzir em factos e de as precisar desde já, para justificar as suas declarações. Tenha o ilustre deputado paciência para aguardar os nossos actos. Por mim devo dizer, obtemperando a essa intimação, que antes de vir para esta casa, a primeira cousa que fiz ao entrar no ministerio das obras, publicas foi mandar suspender quaesquer actos de execução da classificação do pessoal de engenheria, ou a ella correlativos. Fiz isto com muita repugnância e com muita mágua, porque talvez se queira ter n'este meu procedimento menos consideração para com os cavalheiros que ainda ha pouco se sentavam n'estes logares, e que muito respeito.
Protesto que não houve o minimo proposito de desacatar ou nelindrar o meu illustre antecessor, e unicamente a sujeição ás rasões de ordem superior, que têem de inspirar a marcha do governo. A minha resolução não foi um acto de má politica, um desforço ou aggravo partidario; foi um acto de economia. Parece-me que, sendo o programma do governo a reducção nas despezas, eu não podia deixar de suspender desde já aquella classificação para todos os seus effeitos, a fim de não deixar consummar actos que podiam depois invocar-se como direitos adquiridos e que seriam talvez poderoso embaraço a uma reorganização dos respectivos serviços, como supponho poder fazer-se sem prejuizo para esses serviços e com proveito para o thesouro. (Apoiados.)
Por este motivo, e para poder considerar devidamente as reclamações, que começam de apparecer, mandei suspender quaesquer actos de execução d'aquella classificação. Repito que o fiz com mágua, sem o minimo proposito de melindrar o meu antecessor, e unicamente para obedecer á orientação governativa, que as circumstancias e a opinião publica imperiosamente impõem ao actual ministério. (Apoiados.)
Sei que não se podem fazer economias sem offender interesses. O dinheiro que se poupa para o thesouro, é claro que deixa de entrar no bolso de alguem. Mas o que importa é verificar se esses interesses são legitimos, e até que ponto o são. Augmentos de despeza, que em dadas circumstancias financeiras são desculpáveis, podem tornar-se absoluctamente insustentaveis, porque acima de todos está o direito e o interesso sacratíssimo de não se obrigar o paiz a pagar mais do que rasoavelmente o consentem as suas forças. (Apoiados.)
No ministerio das obras publicas ha ainda muitíssimo que fazer, e por isso, na execução do programma ministerial, cabe-me talvez a parte mais ingrata. Nada ha mais desagradavel para o ministro das obras publicas do que em vez de fazer estradas, caminhos de ferro, portos, e todas essas obras que tanto dão nas vistas, e criam adhesões e renome, ver-se obrigado a fazer reducções na despeza, que ferem interesses creados ou em espectativa, e provocam animosidades e queixas.
A camara sabe quaes são as condições em que se apresenta o orçamento rectificado, com um aggravamento nas despezas ordinarias de perto de 1.000:000$000 réis e um deficit proximamente de 10.000:000$000 réis, mas o que talvez não saiba, ou pelo menos não saibam os meus collegas que ainda não estudassem o assumpto por não ter entrado em discussão, é que sobre este orçamento rectificado não pesam ainda os encargos dos grandes melhoramentos votados nas ultimas sessões parlamentares, exceptuando uma pequena parte dos encargos com o porto de Leixões e com o cabo submarino, que já figura no mesmo orçamento.
Em compensação, reduz-se no mesmo orçamento a dotação para o caminho de ferro do Algarve, que tanto convem concluir. (Apoiados.)
Isto significa que, sendo pouco desafogado o dia do hoje, para o dia de amanhã, nos estão reservados encargos dos caminhos de ferro de Salamanca, de Mirandella, Vizeu, Beira Baixa, Torres-Alfarellos, sul e sueste, e Ambaca; obras do porto de Lisboa e muitas outras; (Apoiados.) e seria mais do que insensatez ir ainda mais longe n'este caminho. (Apoiados.)
Estou, portanto, fatalmente manietado no natural empenho de tambem vincular o meu nome a algum d'esses grandes melhoramentos, e forçado a restringir, quanto possivel, essa voragem. Por muito feliz me darei se os recursos do thesouro e as economias que o governo tenciona realisar mo permittirem levar por diante os melhoramentos materiaes votados, mas ainda não executados, e isto sem interrupções, nem adiamentos longos. Se o conseguir, não terei feito pouco, embora o meu trabalho fique no escuro, como o de todos aquelles que cavam e fundam os alicerces, sem os, quaes não poderiam aliás manter-se em pé os mais alterosos edificios.
Têem-se feito muitas estradas, têem-se construido muitos caminhos de ferro, e creio que não dou novidade a ninguem dizendo que só tem construido mal e caro, prin-