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SESSÃO DE 22 DE FEVEREIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Um officio da presidencia do conselho de ministros participando a demissão concedida ao ministerio presidido pelo sr. conselheiro Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello e a nomeação do nove ministerio presidido pelo sr. conselheiro José Luciano de Castro Pereira Côrte Real. - Outro officio do ministerio dos negocios estrangeiros acompanhando exemplares de uma conta da gerencia do mesmo ministerio. - Diversas representações apresentadas pelo sr. presidente da camara e mandadas publicar no Diario do governo. - Requerimentos de interesse particular mandados para a mesa pelos srs. Elvino de Brito e Thomás Bastos. - Justificações de faltas dos srs. Sousa e Silva, Baima de Bastos, Fuschini, barão do Ramalho, A. de Castro Côrte Real, visconde de Balsemão, Martinho Montenegro, Fontes Ganhado, Miguel Tudella, Wenceslau de Lima, Ferreira Freire, Pinto de Mascarenhas, Antonio Gomes e Pereira dos Santos. - O sr. presidente do conselho, Luciano de Castro, usando da palavra, faz a a apresentação do ministerio e indica qual seja o seu pensamento politico e administrativo. - O sr. Pinheiro Chagas, commentando as declarações do orador precedente, indica qual a attitude da maioria em relação ao governo. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Segue-se o sr. Franco Castello Branco, que se declara opposição intransigente, censura as declarações do governo e insta por explicações categoricas com respeito á questão de Braga e Guimarães.- Respondem-lhe os srs. ministro das obras publicas e presidente do conselho. - De novo usa da palavra sobre o assumpto o sr. Franco Castello Branco, respondendo-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. José Borges declara qual a sua attitude politica. - O sr. Santos Viegas refere-se ás declarações do governo com respeito ao conflicto de Braga. - Faz diversas considerações o sr. Arroyo para accentuar a sua opposição ao governo. - Respondem-lhe os srs. ministro da marinha e presidente do conselho. - O sr. Arouca affirma a sua opposição ao governo e faz considerações sobre a necessidade de um inquerito agricola. - Respondo-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Lamare pergunta se governo mantem a ultima reforma do exercito. - Responde-lhe o sr. ministro da guerra. - São approvadas duas propostas que o sr. ministro da justiça mandou para a mesa. - O sr. Carrilho propõe e a camara approva que sejam aggregados ás commissões de fazenda e do orçamento os srs. Pinheiro Chagas e Manuel d'Assumpção. - Define a sua attitude politica perante o governo o sr. Marcai Pacheco, e levanta-se a sessão por ter dado a hora.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 113 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Carrilho, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Matoso, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Borges de Faria, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Fontes Ganhado, Jalles, Sousa Pavão, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Fuschini, Fernando Caldeira, Melicio, J. A. Neves, Joaquim de Sequeira, Pereira dos Santos, M. J. Vieira, Barbosa Centeno e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Antonio Ennes, Moraes Sarmento, Moraes Machado, Avelino Calixto, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Sousa Pinto Basto, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Mártens Ferrão, Wanzeller, Silveira da Mota, Ferrão de Castello Branco, José Maria Borges, Pinto de Mascarenhas, Luiz Jardim, D. Luiz da Camará, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Miguel Tudella e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Presidencia do conselho de ministros. - Illmo. e exmo. sr. - Tenho a honra de participar a v. exa., para conhecimento da camara dos senhores deputados da nação portugueza, que, tendo Sua Magestade El-Rei, em attenção ao que lhe representou o ministerio presidido pelo conselheiro d'estado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, exonerado por decretos da data de 20 do corrente mez o mesmo ministerio: houve por bem nomear-me para os cargos de presidente do conselho de ministros e de ministro e secretario d'estado dos negocios do reino; dignando-se outrosim nomear para o ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça Francisco Antonio da Veiga Beirão, deputado da nação; para o ministerio dos negocios da fazenda, Mariano Cyrillo de Carvalho, lente proprietario da escola polytechnica de Lisboa e deputado da nação; para o ministerio dos negocios da guerra, o coronel do corpo do estado maior, visconde de S. Januario, par do reino e ministro e secretario d'estado honorario, para o ministerio dos negocios da marinha e ultramar o par do reino e lente proprietario da escola polytechnica de Lisboa, Henrique de Macedo Pereira Coutinho; para o ministerio dos negocios estrangeires, o ministro e secretario d'estado honorario, Henrique de Barros Gomes, deputado da nação; e para o ministerio dos negocios das obras publicas, commercio e industria, Emygdio Julio Navarro, deputado da nação.
Deus guarde a v. exa. Presidência do conselho do mi-

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nistros, em 22 de fevereiro de 1886. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. - José Luciano de Castro.
Mandou-se archivar.

2.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 200 exemplares das contas de gerencia d'este ministerio, relativas ao anno economico de 1884-1885 e ao exercício de 1883-1884.
Mandaram-se distribuir.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da associação commercial de Lisboa, pedindo que não sejam approvadas as medidas de fazenda propostas na sessão de 6 do corrente mez.
Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão da fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Das direcções dos bancos commercial de Lisboa, lusitano, Lisboa & Açores, ultramarino e do povo, e das companhias e sociedades auonymas, agrícola e financeira de Portugal, de fiação e tecidos lisbonense; de seguros, bonança, fidelidade, mineira (Ciudad Real), alliança fabril, de fiação e tecidos de Torres Novas, de estamparia em Alcantara, do mercado da praça da Figueira, das minas de Huelva, de fiação de Thomar, mineira de Trevões, das minas da Tapada, de carruagens lisbonense, das lezírias do Tejo e Sado, lisbonense de estamparia e tinturaria de algodões, de seguros Tagus, das minas de Cala, das minas de cobre da Cabeça Alta, da portugueza industrial mineira, de papel de Alemquer, das minas de Gondomar, carbonífera e industrial do Pejão, de credito e industria, de lanifícios da Arrentella, nacional de tabacos, da fabrica de tabacos nas barreiras de Xabregas, da fabrica de papel do Prado, em Thomar, da fabrica de faianças das Caldas da Rainha e da empreza ceramica de Lisboa, contra algumas das disposições contidas na proposta de lei n.° 1, apresentada pelo sr. ministro da fazenda na sessão de 6 do corrente mez.
Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª De uma commissão nomeada no comício de Villa Real, pedindo a construcção do caminho de ferro do vallo do Corgo.
Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° 27 requerimentos de officiaes da arma de cngeuheria contra as disposições da reforma do serviço das obras publicas ultimamente decretada.
Apresentados pelo sr. deputado Elvino de Brito e enviados á commissão de obras publicas.

2.° 7 requerimentos de officiaes da arma de engenheria, no mesmo sentido.
Apresentados pelo sr. deputado Thomás Bastos e enviados á commissão de obras publicas.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que faltei às sessões de 19 e 20 do corrente por motivo justificado. = Sousa e Silva.

2.ª Declaro que por incommodo de saude tenho faltado a algumas sessões do mez corrente e que pelo mesmo motivo não poderei concorrer com regularidade aos trabalhos d'esta camara. = Baima de Bastos.

3.ª Estou auctorisado a declarar que o sr. deputado Augusto Fuschini tem faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Dantas Baracho.

4.ª Participo a v. exa. e á camara, que pelos motivos de doença, que comprovei em tempo, só pelo paquete chegado hoje, pude vir dos Açores, motivo pelo qual não pude comparecer ás sessões do corrente mez. = Barão do Ramalho.

5.º Declaro que tenho faltado ultimamente ás sessões d'esta camara por motivo justificado. = O deputado, Antonio de Castro P. Côrte Real.

6.ª Declaro que por motivo justificado tenho faltado ás ultimas sessões. = Visconde de Balsemão.

7.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Martinho Pinto de Miranda Montenegro.

8.ª Declaro que os meus exmos. amigos e collegas Fontes Ganhado, Miguel Tudella e Wenceslau Lima têem faltado a algumas sessões por motivos justificados. = O deputado, João Antonio Pinto.

9.ª Declaro que por motivo justo faltei a algumas sessões da camara. = Ferreira Freire.

10.ª Declaro que os meus collegas Pinto Mascarenhas e Antonio Gomes faltaram a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Antonio Candido.

11.ª Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado me não tem sido possível comparecer ás ultimas sessões. = Pereira dos Santos.
Para a acta.

O sr. Presidente: - Fui procurado por uma commissão da associação commercial do Lisboa, que mo entregou uma representação da mesma associação, dirigida a esta casa do parlamento, pedindo a não approvação das propostas de fazenda, apresentadas pelo sr. ministro da fazenda do governo transacto.
N'essa mesma occasião e a mesma commissão entregou-me tambem uma outra representação, contendo igual podido, assignada por differentes direcções de estabelecimentos bancarios d'esta cidade.
Tambem me foi apresentada pela commissão de um comicio ultimamente realisado em Villa Real uma representação, pedindo que se mande construir a linha ferrea do vallo do Corgo.
Os interessados significaram me o desejo de que estas representações sejam publicadas no Diario do governo, e eu, annuindo a este empenho, consulto a camara sobre se permitte a publicação, uma vez que ellas se achem redigidas em termos convenientes.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (José Luciano de Castro): - Tendo o sr. conselheiro d'estado Fontes Pereira de Mello pedido a exoneração do ministerio a que presidia, dignou-se Sua Magestade El-Rei encarregar-me de formar nova administração.
No desempenho desta elevada missão de confiança com que o Soberano me honrou, eu organisei o ministerio que tenho a honra de apresentar á camara.

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Como v. exa. vê, os novos ministros não são homens desconhecidos; todos elles saem do parlamento e todos têem, na sua longa carreira, dado exuberantes demonstrações da sua aptidão para o exercicio da vida publica.
Uns têem os seus nomes laureados por serviços relevantes feitos á causa publica; outros conquistaram em largos annos de trabalho, de lucta, de vigorosas manifestações do seu talento o direito de estarem sentados nestes logares. A mim, só me coube a tarefa de interpretando lealmente as indicações da opinião publica, designal-os á escolha da corôa.
Direi agora algumas palavras sobre o pensamento político o administrativo do gabinete.
O governo será tolerante com todas as opiniões e severo com todos os abusos. Defenderá vigorosamente os seus principios; procurará manter o respeito ás leis e á auctoridade; mas não descerá a praticar actos de intolerancia, que são indignos do nosso tempo e da elevada missão que tem a desempenhar. (Apoiados.)
O governo será justo na distribuição dos logares publicos e procurará manter a mais austera moralidade em todos os seus actos. Será esta a norma invariavel do seu procedimento.
Sr. presidente, a principal preoccupação do novo gabinete será o estudo e solução da questão de fazenda. Sem renunciar ás reformas politicas, cuja opportunidade o governo se reserva o direito de apreciar, entende que, no momento actual, é preciso, é de conveniencia applicar todos os seus cuidados a levantar o credito publico, e a preparar o equilibrio orçamental pela mais rigorosa e severa economia na administração do estado; pela reducção ou adiamento de todas as despezas, que não sejam absolutamente indispensáveis; pela melhor fiscalisação dos rendimentos do estado; pela pontual cobrança dos impostos; pela revisão prudente da pauta, e, finalmente, não admittindo nenhuma despeza nova, por mais util que seja, sem lhe crear logo a dotação correspondente.
Feitas estas economias; feitas estas reducções nas despezas publicas, o governo entende, que póde então, que deve, desde que tenha dado provas de não serem mal applicados os redditos do estado, appellar para a bolsa do contribuinte, exigindo-lhe novos sacrificios para honrar a firma nacional e sustentar o credito publico. Então e só então é que o governo recorrerá a esse extremo.
É ainda intenção do governo occupar-se de uma longa reforma da legislação administrativa; e por essa occasião, e ainda com o intuito de facilitar a solução da questão de fazenda, ha de fixar limites ás faculdades tributarias das corporações administrativas, no sentido de harmonisar as finanças locaes com as do estado. (Apoiados.)
Sr. presidente, de muitos outros assumptos se ha de occupar o ministerio. Não póde elle deixar de tratar tambem de dar maior desenvolvimento á instrucção, quer geral, quer especial e profissional, tendo sempre em attenção as difficeis condições do thesouro publico.
Também não se esquecerá de attender ás questões coloniaes, sobretudo no que respeita aos estudos de colonisação e emigração, sem comtudo perder de vista a situação em que se acha a fazenda publica.
Para acompanhar a evolução da sociedade e para occorrer a urgentes necessidades publicas, o governo ha de occupar-se tambem dos assumptos economicos, e sobretudo d'aquelles que dizem respeito ao melhoramento da sorte das classes operarias e menos abastadas, das questões de producção e circulação da riqueza, comprehendendo em primeiro logar o inquerito agricola, organisação da estatistica industrial e dos caminhos de ferro o de uma melhor organisação da circulação fiduciaria, no sentido de preparar a reducção do juro.
Para realisar todos estes melhoramentos, o governo tem a intenção de crear um ministerio de agricultura, commercio e industria, sem aggravamento da despeza publica.
Para responder ás urgentes e instantes necessidades publicas o governo vae occupar-se immediatamente da reforma do código commercial, principalmente na parte que diz respeito ás fallencias, e opportunamente apresentará á camara as necessarias propostas
Estes são os lineamentos geraes do programma que o gabinete se propõe a desempenhar.
Sobre os assumptos especiaes que respeitam aos outros ministerios, os meus collegas darão á camara quaesquer explicações que lhes sejam pedidas.
Sr. presidente, para realisar este largo programma o governo não conta nem espera obter o apoio da maioria desta camara. Representantes do um partido que estava em grande minoria nesta camara, bem sabemos que não podemos esperar o apoio dos nossos adversarios; todavia, são tão graves as circumstancias que de toda a parte nos rodeiam; tão difficil a conjunctura em que estamos, que talvez não fosse mal cabida e fóra de proposito pedir uma curta tregua ás paixões partidárias, reservando-se para mais tarde o exame dos nossos actos, e a apreciação das nossas responsabilidades. Para as questões partidarias e politicas haverá sempre espaço e tempo. Talvez assim perdesse a politica partidaria, mas lucraria o paiz.
Em todo o caso eu não posso dar conselhos á camara; limito-me a expor as nossas intenções e a aguardar a sua resolução. A camara procederá como entender na sua alta sabedoria. (Muitos apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Pinheiro Chagas: - Declarou que a attitude da maioria da camara, que apoiara franca e lealmente o governo demissionario, estava clara e categoricamente definida; era essa attitude a de opposição franca, aberta o decidida ao actual gabinete. Ainda que a maioria não estivesse separada do governo por um abysmo, o procedimento violento que o partido progressista adoptára para com o governo demissionario bastaria para justificar todas as hostilidades.
Não tinha direito a transigencias quem no combate empregara todas as armas, mesmo aquellas que a comprehensão dos deveres patrióticos obrigava a que fossem postas de lado.
Essas armas, porém, não as empregaria agora a maioria, porque só queria usar dos meios que fossem compativeis com o bem do paiz.
O governo regenerador demittíra-se porque julgava urgente a resolução do conflicto entre Braga e Guimarães, e porque entendeu que o não podia fazer debaixo da pressão do motim e do tumulto que a opposição não deixava de atear com phrases e interpellações apaixonadas.
Essa questão não deixava de ser urgente. Resolvesse-a o governo actual, que o podia fazer, porque não encontrava opposição que pregasse a revolta e creasse embaraços.
O que era preciso era que a solução fosse justa.
A questão de fazenda tambem se impunha á sua attenção, como se impozera á do governo transacto.
Resolvesse-a o governo.
O sr. presidente do conselho dissera que só depois de se terem feito economias se pediriam novos sacrificios ao paiz.
Não era tal declaração um plano financeiro, porque nenhum governo pedia sacrificios ao paiz sem ter feito as economias compatíveis com o progresso nacional.
Uma parte d'esse programma de economias já fora desvendada.
A primeira economia apresentada pelo governo era a creação de um ministerio do agricultura, commercio e industria!
Governassem os srs. ministros. Não lhes fazia perguntas, porque a maioria estava disposta a esperar serenamente os seus actos, para os julgar depois.
O ministerio era composto de homens de alto valor e

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saber, mas o que succedêra fôra que, sendo a questão de fazenda a mais importante, elles haviam procurado adiar essa questão quanto possivel.
O governo não tinha direito de pedir treguas, mas acima de tudo estava o dever patriotico, e, por isso, a maioria não lhe crearia embaraços; julgaria opportunamente dos seus actos, como lhe cumpria.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Opposição franca, aberta, definida e clara nos annunciou o illustre deputado da maioria, que ainda ha poucos dias se sentava n'este logar; opposição franca, aberta, definida e clara a esperavamos nós de s. exa. e do caracter de todos os seus illustres correligionarios. Nunca nos passou pela idéa, porque seria fazer uma offensa á maioria d'esta camara, pedir-lhe a confiança politica; mas pensavamos, e pensamos, que sempre ha tempo para as luctas politicas e partidarias, e que no momento solemne e critico em que nos encontrâmos, é necessario o concurso unanime dos partidos para resolver as momentosas questões que sobre nós impendem.
Não faço retaliações, não quero ir á historia do passado, proxima ou remota, perguntar quem é que na opposição tem lançado mão de armas que o patriotismo porventura condemnaria; não é esse o meu papel. Recommendo apenas ao illustre deputado que nos julgue pelos actos que praticarmos o que em face d'esses actos trave a lucta perante a qual não recuâmos
Affirmou o illustre deputado que nós, ainda hontem nos bancos da opposição, recusámos o combate sobre as questões financeiras.
Os archivos parlamentares dizem que hoje, 22 de fevereiro, não ha um parecer da commissão de fazenda sobre as propostas do governo apresentado á camara. (Apoiados.)
Combater onde e como, se as propostas dos nossos illustres antecessores tarde chegaram á camara, por motivos que não critico, e ainda hoje não toem parecer da commissão de fazenda?
O illustre deputado achou que era conhecidissimo e banal o programma da reducção das despezas, e acrescentou que como primeira prova das nossas intenções economicas, o sr. presidente do conselho lembrou a creação do ministerio de agricultura, commercio e industria.
O programma das economias não é banal, é e deveria ser, não só o programma, mas a obrigação estricta de todos os governos. (Apoiados.)
Os governos não administram bens próprios, administram os haveres da nação e têem o mais restricto dever de serem severissimos na administração d'elles, de modo que não possam ser accusados de terem desviado um ceitil de uma applicação verdadeiramente util e necessaria.
A administração economica não consiste em reduzir o contribuinte ou o funcionário á miséria, não é fazer parar o paiz no caminho do progresso moral e material. Economia é ter poucos e bons empregados, porque mal vae a machina que não tem perfeitas e simples peças, e pagar-lhes bem, porque se o empregado lucta em sua casa com a miseria, desfallecem-lhe as forças para o trabalho e muitas vezes a penúria faz abandonar o caminho da virtude; economia é à moderação nas despezas publicas, de maneira que os caminhos de ferro, as estradas, os edificios publicos e os melhoramentos de portos e rios não nos custem quantias inverosimis. (Apoiados.)
Economia é fomentar as forças da producção, quanto as circumstancias do thesouro o permitiam, como faz o proprietário, quando administra a sua casa.
Para satisfazer este objectivo, virá em occasião opportuna a creação do ministerio da agricultura, commercio e industria.
Não sabe o illustre deputado que, quando se discute uma questão de caminhos de ferro, nunca se póde saber qual o rendimento provavel d'este melhoramento, porque não ha estatistica agricola, nem industrial, nem nenhum dos elementos indispensaveis que nos outros paizes se encontram, quando se quer entrar ou adiantar no caminho dos melhoramentos materiaes?
Entende o illustre deputado que é um desperdício a creação de um ministerio de agricultura, commercio e industria, que cuide dos interesses da agricultura e da industria portugueza, hoje profundamente ameaçadas pela concorrencia estrangeira, e zele os interesses do commercio!
Entende que vale pouco cuidar dos interesses do commercio na metropole, e nas suas relações com os vastissimos territorios que possuímos na Africa? Acha insignificante cuidar o governo era que Portugal não seja pois um paiz bárbaro em materia de circulação fiduciaria? Acha pouco ter um ministerio especial para se occupar de problemas graves, que importam aos interesses mais vitaes da nação! (Apoiados.)
Sr. presidente, é bom ser economico; é necessario, é indispensavel, é mesmo dever do governo sel-o, não só como eu disse ha pouco, porque administrámos bens alheios, mas ainda porque nenhum direito tem qualquer governo de pedir nem mais um ceitil ao paiz, emquanto não provar até á ultima evidencia que tudo quanto recebe é applicado á satisfação das justas necessidades nacionaes. Mas quando o governo puder reduzir consideravelmente a despeza publica, sem de modo nenhum prejudicar o progresso do paiz; se puder fazer com que o kilometro de estrada custe réis 4:000$000 em vez de 5:000$000 réis, e o kilometro de caminho de ferro custe 20:000$000 réis ou 30:000$000 réis em vez de 40:000$000 réis ou 50:000$000 réis; se o governo poder emfim satisfazer a todos os grandes emprehendimentos de que o paiz ainda carece, pela boa administração e pela austeridade no cumprimento de todos os seus deveres, não será abençoado esse pequeno augmento, os poucos reaes que póde custar mais um ministro, para haver quem se occupe especialmente dos assumptos mais importantes? (Apoiados.)
Pelo amor de Deus! Não era do sr. Pinheiro Chagas, tão largo em despendios que eu poderia esperar nunca ouvir uma increpação a este respeito.
Digo mais. Não é só d'estes assumptos que o ministerio da agricultura, commercio e industria tem de occupar-se. Ignora alguem o enorme movimento social, que desde annos se desenvolve na Europa; que preoccupa os principaes estadistas, desde Bismark até Gladstone; que hoje se manifesta em Inglaterra por convulsões politicas quasi desconhecidas na historia d'aquelle paiz, que sobresalta os animos na França, na Italia e na Hespanha, que por toda a parte, emfim, está chamando a attenção dos poderes publicos para que cuidem da sorte das classes menos favorecidas, para que velem pelo bem dos trabalhadores, pela sorte dos operarios, como se cuida e como se deve cuidar de qualquer outra classe social? (Apoiados.) Pois um ministro a mais, se tanto for preciso, e sem mais nenhum augmento de despeza, será demasiado para estudar estas gravissimas questões, que hoje se impõem a todos os povos da Europa!
Sr. presidente, creio ter respondido, sem de modo nenhum querer entrar no caminho das retaliações ou de considerações meramente politicas, ao illustre deputado que me precedeu e que eu muito respeito. Se mais alguma per-unta for feita a respeito da parte que me foi confiada, muito embora as minhas forças não fossem talhadas para tal missão, e em tal occasião, tomarei de novo a palavra para responder.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Franco Castello Branco: - Faz muito bem o illustre ministro da fazenda em não querer retaliações sobre politica retrospectiva!
Faz s. exa. muito bem, porque se o terreno era perigoso

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para qualquer dos membros do novo governo, para elle teria de ser fatal!
Não é esta a occasião propria para similhante ajuste de contas.
Mas não se illuda o nobre ministro, nem cuide que possam ser esquecidas tantas e tantas famosas diatribes, sempre vivas na memória de todos nós, e que de certo não saíram da penna, nem partiram da boca dos homens do meu partido. (Apoiados.)
Não é azado o momento para recriminações.
É cedo ainda.
Mas se os homens do governo, esquecidos das promessas que acabâmos de ouvir, quizerem, para desgraça sua e do paiz, renovar as tradições do 1879, fiquem desde já na certeza, que estreitas contas lhes serão tomadas, e que as retaliações hão de vir, quer isso lhes agrade eu não. (Apoiados.)
Não é de certo banal prometter economias. Bem ao contrario, esse é o dever, a primeira e principal obrigação do qualquer ministerio, e muito mais n'um paiz em que a questão de fazenda é a unica vital e assustadora.
Mas o que é banal é a simples enunciação de similhante promessa, logar commum estafado e velho de todos os programmas ministeriaes, apresentada como uma generalidade escusada, desde que se não fixam positivamente os ramos da administração publica em que ella poderá vir a realisar-se.
Ora a unica economia que o governo nos annuncia desde já, por uma fórma clara e definida, é a creação de mais um ministerio! (Apoiados.)
É novo, mas é bom. (Riso.)
Onde foi o governo inventar isso)
Quaes foram as discussões parlamentares ou as polemicas jornalisticas, que fizeram surgir na mente do governo esta urgente necessidade de crear um ministerio em que até hoje ninguem fallou? (Apoiados.) Eu tenho ouvido discutir mais de uma vez a necessidade e a conveniencia da creação de um ministerio de instrucção publica.
Não seria uma perfeita innovação, pois já existiu, já o tivemos na nossa epocha constitucional.
Mas a necessidade de um ministerio da agricultura e do commercio, separado do das obras publicas, demais a mais reconhecia e confessada por um partido que sempre nos tem accusado de exagerado amor pelos melhoramentos materiaes, é que eu não passo comprehender. (Apoiados.)
Para que fica então servido o sr. Emygdio Navarro, que não só é um dos mais bellos talentos do ministerio, mas um rude trabalhador, tão energico como experimentado? Para fazer caminhos de ferro?
Mas o partido progressista não os quer. Para abrir estradas? Mas o paiz tem quasi as que precisa. Para rasgar canaes e construir portos? Mas os homens que ali vejo sentados ainda o anno passado combateram o de Lisboa, e hoje se declararam inimigos d'esses grandes melhoramentos. (Apoiados.)
Sinto por mim, que sou amigo sincero do illustre ministro das obras publicas, e sinto pelo paiz, que tão mal queiram aproveitar uma das melhores e das mais bem fundadas esperanças do partido progressista. Mas não pensem illudir-nos, nem ludibriar o paiz. Ninguem acreditará na necessidade de um tal ministerio.
Sabe a camara, quer o paiz saber para que se pretende crear um tal ministerio? É para dar um premio de consolação a um corredor infeliz, que ficou desclassificado, não por lhe faltarem rijos musculos e sangue generoso, mas porque teve uma partida falsa (Riso. - Muitos apoiados.)
E para que a ninguem possam restar duvidas a similhantes respeito, um jornal da provincia, muito apreciado, e redigido por um publicista bem conhecido, foi que primeiro annunciou esta idéa salvadora do novo governo. E o promettido é devido.
Como pensa o governo em resolver o problema fazendario, que tanto preoccupa o paiz, ninguem ficará sabendo.
Agora como elle pretende resolver as suas difficuldades caseiras, é que já não fica sendo segredo para todos nos.
Mas será isso barato ao menos?
O ministerio de agricultura, segundo as declarações do sr. presidente do conselho, não castaria nada. Segundo o sr. Mariano de Carvalho já ha de custar um pouco.
na realidade ha de custar muito. (Apoiados.)
Eis a unica economia que o paiz póde já contar como certa. Outras virão, e no mesmo genero. Feito o que, e robustecido com a auctoridade e competencia moral que similhantes medidas não deixarão de lhe trazer, recorrerá, na phrase do sr. presidente do conselho, á bolsa dos contribuintes.
Animadora perspectiva!
Mas não é esta a unica penitencia do governo. A sua contricção vae muito mais longe.
Todos sabem que o partido progressista poz sempre a questão politica acima da questão de fazenda, ao contrario do partido regenerador, e que o sr. Luciano de Castro foi o principal collaborador, senão o verdadeiro auctor, do famoso programma da Granja, em que um tal credo ficou para sempre estatuido.
E como s. exa. não muda facilmente de opinião, a camara acaba de ouvir-lhe, que as reformas politicas ficarão para as kalongas gregas, isto é para um certo momento opportuno, que só o governo na sua alta sabedoria poderá determinar. Agrada ao menos uma franqueza assim. (Riso.)
Que justificação para o partido regenerador, e que condemnação formal e completa do seu proprio proceder! Para que haviam de desacreditar então as reformas politicas que nós fizemos? Pois não viam desde logo, que em tal caso a sua obrigação era fazerem outras? Se pelo contrario a reforma era boa, como agora se vê, a sua obrigação era tomar parte na discussão d'essa reforma, e envidar todos os esforços para n'ella ficarem igualmente traduzidos tanto quanto possivel as suas idéas. (Apoiados.) E elles que chamaram réles a essas reformas, quea final acceitam, indignam-se que o illustre deputado, o sr. Pinheiro Chagas, chame banal ao programma de moralidade e economica do sr. presidente do conselho.
Pois não é o sr. Pinheiro Chagas o unico que assim pensa. Essa é tambem a opinião do futuro ministro da agricultura. Porque emfim, apesar de ninguem ser completa na sua terra, eu permitto-me a vaidade de fazer uma prophecia. Eu vou dizer quem será o futuro ministro da agricultura. (Riso.)
É muita audacia, bem o sei, mas a fortuna espero que me protegerá.
Vou pois citar aos srs. ministros uma opinião do seu futuro collega, o sr. Oliveira Martins, (Riso.) referindo-se no seu Portugal comtemporaneo ao movimento conhecido pelo nome de janeirinha, e ao ministerio que d'elle saía, presidido pelo sr. duque d'Avila, que n'esta casa se apresentou com um programa tambem de moralidade e economia, encolhe desdenhosamente os hombros, e diz, se bem me recordo: «como se algum governo se houvesse apresentado a um parlamento affirmado a pravidade ou o esbanjamento». (Apoiados.)
Faço minhas as palavras do futuro ministro da agricultura.
Não queremos simplesmente que nos digam que hão de fazer economias. (Apoiados.) Visto que nos affirmam já uma nova despeza, digam-nos tambem quaes as economias que tencionam realisar.
Imagina o sr. ministro da fazenda que nos podemos contentar com a sua declaração, de que quando poder fazer lanços de estradas por 4:000$000 réis, não os fará por 5:000$000 réis, e que, podendo construir caminhos de ferro por 18:000$000 réis o hilometro, não irá construil-os por 20:000$000 réis?

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Isso não é programma d'este ou d'aquelle governo, mas obrigação de todos os homens que honradamente acceitam o encargo de gerir os negócios publicos. (Apoiados.)
Deixando, porém, estas considerações, a que me forçou a resposta do illustre ministro da fazenda, vou agora referir-me ao que principalmente motivou o meu pedido da palavra.
Desejo fazer ao sr. presidente do conselho e ministro do reino uma pergunta sobro assumpto a que ligo a maior importancia, e em que comprometti de ha muito todos os meus esforços. Refiro-me ao conflicto levantado entre Braga e Guimaraes, bem como a um projecto que tive a honra de apresentar a esta camara, suscitado por aquelle conflicto.
Não é com intuitos politicos, nem para animar a desordem e a agitação das ruas, que me dirijo ao governo n'este momento. Nunca lhe crearei difficuldades d'essa ordem, excepto se o visse comprometter a independência do paiz, ou a fórma de governo que actualmente nos rege.
Seriam estas as duas unicas questões que me levariam a appellar para todos os meios de o combater até o ver saír d'aquellas cadeiras. (Apoiados.)
A camara sabe que, ao discutir-se aqui ainda ha pouco, e por incidente, a questão de Braga e Guimarães, e apegar de se sentarem então nas cadeiras do governo cavalheiros pertencentes ao meu partido, a quem eu devia toda a consideração e lealdade, de quem era amigo e partidario dedicadissimo, não duvidei declarar aberta e terminantemente que n'esta questão eu havia de insistir fóra de toda a disciplina partidaria, e em obediencia apenas a um compromisso de honra tomado para com os meus eleitores.
Tanto basta, para que ninguém possa suspeitar ou inquinar de malevoloncia politica o acto que pratico.
Procedo para com estes ministros, da mesma forma que procederia para com quaesquer outros, que ali estivessem sentados.
Pergunto, pois, ao sr. ministro do reino qual é a opinião do governo ácerca do projecto que tive a honra de apresentar á camara. Quaes eram as opiniões do sr. presidente do conselho e do sr. ministro das obras publicas, como deputados, sei eu; ouvi-as pronunciar n'esta camara.
É certo, porém, que na passagem do logar de deputado para as cadeiras do poder, as circumstancias especiaes da Administração, as complexas obrigações que impendem sobre os ministros, podem leval-os, muitas vezes, a modificarem as suas opiniões em harmonia com o interesse geral e o bem publico.
Toda a gente sabe, que o conflicto se aggravou, e que desde o seu principio o partido progressista tratou de fazer d'esta questão a mortalha do governo. Aguardou pacientemente a apresentação das propostas de fazenda, e apenas apresentadas, aproveitou a agitação que soubera conservar no Minho, para de um pequeno fogo passar a grande incendio.
Foi para o dominar que o governo transacto entendeu dever pedir o adiamento das camaras, que lhe foi recusado. D'ahi a crise ministerial, e a situação regeneradora desappareceu para ser substituída pelo ministerio progressista.
A agitação em Guimarães continua, e penso não haver nada que seja capaz de a dominar.
O sr. presidente do conselho, quando teve a palavra n'esta questão, pediu ao governo demissionario, e intimou-o mesmo a que manifestasse uma opinião franca e decisiva sobre o assumpto. Eu, pedindo a s. exa. que tenha tambem uma opinião franca e decisiva, não faço mais que repetir as palavras que s. exa. dirigi aos seus antecessores. (Apoiados.)
Aguardo, pois, a sua resposta, e como ha muitos oradores inscriptos, eu espero da benevolencia da camara, que ella me conceda o fazer novamente uso da palavra logo em seguida ao sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Em duas ordens de considerações dividiu o illustre deputado o seu discurso. Umas, foram dirigidas ao sr. presidente do conselho; as outras, a mim. A estas, só, responderei.
Mas, antes d'isso, cumpre-me agradecer ao illustre deputado e meu amigo as palavras de sympathia, que me dirigiu.
O militarmos em campos contrarios não impediu que entre nós nascessem e em breve espaço se estreitassem relações de cordial amisade. E o mesmo me succede a respeito de muitos outros membros do partido, que eu ainda ha poucos dias combatia, e que acaba de sair do poder. (Apoiados.)
No desempenho d'este elevado cargo, que me foi confiado, hei de esforçar-me por manter essas boas e sinceras amisades, que mais de uma vez têem sido, aos meus proprios olhos, a melhor consolação e calmante para as asperezas da vida politica; e creiam os illustres deputados, que o maior desgosto, que a carreira de ministro póde dar-me, será o de sair do governo tendo perdido a estima e os affectos de alguns dos cavalheiros que se sentam n'esse lado da camara e que com elles me honram.
Esta cordialidade de relações, que aqui se dá entre individuos, que honradamente cumprem os seus deveres partidarios, sem faltarem na menor cousa ao que d'elles exige o brio politico, (Apoiados.) não vale unicamente como facto individual e restricto. E de justiça generalisal-o.
A verdade é que no nosso paiz não ha odios politicos; ha só paixões. Os odios são sempre ruins, e as paixões raro deixam de ser nobres. (Apoiados.)
Ás vezes as paixões chegam a ser tão vehementes, ou tão exaltadas as manifestações occasionaes d'ellas, que parecem confundir-se com os odios; mas em breve volta a serenidade, e o espaço de vinte e quatro horas é muitas vezes sufficiente para que a distincção se affirme de um modo indubitavel.
O governo não espera, nem podia esperar, da maioria d'esta camara benevolência para a sua politica; mas está certo de que ha de ter d'ella, para os seus actos, a benevolencia que as circumstancias do paiz inspiram a todos nós. Momentos ha, e a conjunctura afigura-se-me ser uma d'essas, em que os homens de todos os partidos podem e devem encontrar-se numa collaboração pacifica e patriotica, sem offensa para as necessárias distincções partidárias, que mais tarde poderão affirmar-se com mais desafogo para os partidos, e com maior proveito para o paiz.
As declarações, que fez o sr. presidente do conselho, em nome de todo o governo, obedecem a este pensamento.
E agora vou responder mais precisamente a alguns reparos do illustre deputado.
O illustre deputado vae de certo ficar admirado por eu lhe dizer que a idéa da creação do ministerio da agricultura, commercio e industria é originariamente minha. Pois é verdade. Fui eu quem a suggeri ao sr. presidente do conselho. E não é de hoje, não é de hontem, não é de ha quinze dias; é de alguns mezes que eu tenho essa idéa, quando eu não suppunha que estava já tão breve o advento do meu partido a estas cadeiras. Nasceu em mim, e nos meus amigos, que de prompto a acceitaram, como em 1852 nasceu a idéa da creação do ministerio das obras publicas, a que o illustre chefe do partido regenerador tantas vezes se tem referido como um dos seus títulos de gloria. O momento psychologico, se me é permittida a expressão, é perfeitamente analogo. O pensamento de desdobrar o ministerio das obras publicas provém do influxo imperioso das circumstancias, como d'ellas proveiu a creação d'este ministerio em 1852. (Apoiados.)

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Ao ver que a todo o momento, e em todos os espiritos, tanto da maioria regeneradora, como da maioria progressista, se manifestaram vivas preocupações para se tratar com especial cuidado da questão dos cereaes, da questão dos azeites, da questão dos vinhos, e de muitas outras atinentes á agricultura, á industria e ao commercio; ao ver que de todos os lados se pedia a attenção dos poderes publicos para estas importantissimas questões, e com tal instancia, que os laços da disciplina partidaria algumas vezes foram aqui insuficientes para conter energicas reclamações e queixumes; ao ver as numerosas e repetidas representações, que os srs. deputados e dignos pares de todas as cores politicas traziam por esse motivo ao parlamento, convenci-me da necessidade da creação de um ministerio de agricultura e da industria, por me parecer que era impossível que um homem só, por maior que fosse a sua vontade e a sua intelligencia, pudesse prestar attenção aos negocios das obras publicas, sem sacrificar os interesses da agricultura e do commercio e industria, ou dar a attenção devida a estes, sem sacrificar os das obras publicas, que tambem não podem ser desprezados. E impossivel que um só homem possa dar attenção simultanea a todos estes assumptos; e foi o desejo de satisfazer a uma necessidade tão grande, que me levou a apresentar esta idéa aos meus amigos politicos, como um artigo do nosso futuro programma de governo. Todos a perfilharam como propria n'estas condições, e as declarações de agora, feitas pelo sr. presidente do conselho, são apenas a traducção desta nossa concordancia anterior.
A objecção do augmento da despeza, embora elle tenha de ser pequeno, acudiu-nos logo. O illustre deputado e meu amigo devia ter em attenção que a idéa do governo, conforme o acaba de declarar o sr. presidente do conselho, é fazer essa creação só depois de se fazerem economias que dêem para a pequena despeza que do novo ministerio provenha. Antes disso, não. Essa despeza ha de sair das economias feitas no proprio ministerio das obras publicas, considerado na sua situação actual.
O sr. Franco Castello Branco: - Registo a declaração.
O Orador: - Póde o illustre deputado registai a como um compromisso solemne. E é elle tanto mais facil, quanto é certo que no pessoal do ministerio das obras publicas ha mais do que o sobejo para se attender ás necessidades immediatas d'aquella organisação. Pessoal não falta. Para o ministerio da agricultura, commercio e industria, a par da melhor distribuição dos serviços, o que é preciso é crear o ministro, a cabeça dirigente. Um só ministro, por maior trabalho que tivesse, não poderia satisfazer a tudo. O pessoal existente, convenientemente aproveitado, pode.
O illustre deputado ou algum dos seus collegas vae talvez accusar-me por eu ir satisfazer desde, já a uma das suas instancias. Disse s. exa. que o programma das economias ião póde ficar em affirmações vagas, e que o governo tinha obrigação de as traduzir em factos e de as precisar desde já, para justificar as suas declarações. Tenha o ilustre deputado paciência para aguardar os nossos actos. Por mim devo dizer, obtemperando a essa intimação, que antes de vir para esta casa, a primeira cousa que fiz ao entrar no ministerio das obras, publicas foi mandar suspender quaesquer actos de execução da classificação do pessoal de engenheria, ou a ella correlativos. Fiz isto com muita repugnância e com muita mágua, porque talvez se queira ter n'este meu procedimento menos consideração para com os cavalheiros que ainda ha pouco se sentavam n'estes logares, e que muito respeito.
Protesto que não houve o minimo proposito de desacatar ou nelindrar o meu illustre antecessor, e unicamente a sujeição ás rasões de ordem superior, que têem de inspirar a marcha do governo. A minha resolução não foi um acto de má politica, um desforço ou aggravo partidario; foi um acto de economia. Parece-me que, sendo o programma do governo a reducção nas despezas, eu não podia deixar de suspender desde já aquella classificação para todos os seus effeitos, a fim de não deixar consummar actos que podiam depois invocar-se como direitos adquiridos e que seriam talvez poderoso embaraço a uma reorganização dos respectivos serviços, como supponho poder fazer-se sem prejuizo para esses serviços e com proveito para o thesouro. (Apoiados.)
Por este motivo, e para poder considerar devidamente as reclamações, que começam de apparecer, mandei suspender quaesquer actos de execução d'aquella classificação. Repito que o fiz com mágua, sem o minimo proposito de melindrar o meu antecessor, e unicamente para obedecer á orientação governativa, que as circumstancias e a opinião publica imperiosamente impõem ao actual ministério. (Apoiados.)
Sei que não se podem fazer economias sem offender interesses. O dinheiro que se poupa para o thesouro, é claro que deixa de entrar no bolso de alguem. Mas o que importa é verificar se esses interesses são legitimos, e até que ponto o são. Augmentos de despeza, que em dadas circumstancias financeiras são desculpáveis, podem tornar-se absoluctamente insustentaveis, porque acima de todos está o direito e o interesso sacratíssimo de não se obrigar o paiz a pagar mais do que rasoavelmente o consentem as suas forças. (Apoiados.)
No ministerio das obras publicas ha ainda muitíssimo que fazer, e por isso, na execução do programma ministerial, cabe-me talvez a parte mais ingrata. Nada ha mais desagradavel para o ministro das obras publicas do que em vez de fazer estradas, caminhos de ferro, portos, e todas essas obras que tanto dão nas vistas, e criam adhesões e renome, ver-se obrigado a fazer reducções na despeza, que ferem interesses creados ou em espectativa, e provocam animosidades e queixas.
A camara sabe quaes são as condições em que se apresenta o orçamento rectificado, com um aggravamento nas despezas ordinarias de perto de 1.000:000$000 réis e um deficit proximamente de 10.000:000$000 réis, mas o que talvez não saiba, ou pelo menos não saibam os meus collegas que ainda não estudassem o assumpto por não ter entrado em discussão, é que sobre este orçamento rectificado não pesam ainda os encargos dos grandes melhoramentos votados nas ultimas sessões parlamentares, exceptuando uma pequena parte dos encargos com o porto de Leixões e com o cabo submarino, que já figura no mesmo orçamento.
Em compensação, reduz-se no mesmo orçamento a dotação para o caminho de ferro do Algarve, que tanto convem concluir. (Apoiados.)
Isto significa que, sendo pouco desafogado o dia do hoje, para o dia de amanhã, nos estão reservados encargos dos caminhos de ferro de Salamanca, de Mirandella, Vizeu, Beira Baixa, Torres-Alfarellos, sul e sueste, e Ambaca; obras do porto de Lisboa e muitas outras; (Apoiados.) e seria mais do que insensatez ir ainda mais longe n'este caminho. (Apoiados.)
Estou, portanto, fatalmente manietado no natural empenho de tambem vincular o meu nome a algum d'esses grandes melhoramentos, e forçado a restringir, quanto possivel, essa voragem. Por muito feliz me darei se os recursos do thesouro e as economias que o governo tenciona realisar mo permittirem levar por diante os melhoramentos materiaes votados, mas ainda não executados, e isto sem interrupções, nem adiamentos longos. Se o conseguir, não terei feito pouco, embora o meu trabalho fique no escuro, como o de todos aquelles que cavam e fundam os alicerces, sem os, quaes não poderiam aliás manter-se em pé os mais alterosos edificios.
Têem-se feito muitas estradas, têem-se construido muitos caminhos de ferro, e creio que não dou novidade a ninguem dizendo que só tem construido mal e caro, prin-

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cipalmente por falta de bons methodos e de um plano geral. (Apoiados.) São as consequencias de se construir a retalho, e por meros conveniencias occasionaes. A nossa rede de estradas e caminhos de ferro resente-se d'isso; e os additamentos, com que procurâmos corrigil-as, nem sempre fogem a esse vicio de origem.
N'este ponto hei de procurar introduzir algumas reformas, que habilitem o governo a poder satisfazer com menor despendio os encargos das construcções, e a subordinal-as a um plano geral, que por si será já uma grande economia. (Apoiados.)
Por muito feliz me darei se por estes esforços conseguir pelo menos deixar o campo desembaraçado para a actual opposição tomar depois de novo o caminho facilmente glorioso das concessões de estradas, caminhos de ferro, portos, etc., sem causar uma perturbação mortal nas bases em que assentam as finanças do estado e o credito publico.
O illustre deputado referiu-se ainda ás reformas politicas.
A esse respeito permitta-me s. exa. que lhe diga que as reformas politicas, de qualquer ordem que sejam, não podem considerar-se em tempo algum como objectivo principal de um programma de governo. (Apoiados.) Essas reformas pode, ser caminho, ou expediente, ou meio necessario para a realisação d'esse objectivo, mas não o constituem por si só. (Apoiados.)
Não se faz uma reforma eleitoral ou uma reforma da camara dos pares, para que a camara dos pares fique mais alindada nos lineamentos doutrinarios da sua estructura, ou para que a camara dos deputados seja eleita de uma certa maneira, mais em conformidade com certas theorias. Nunca por tal motivo, e em paiz algum, se pediram, e fizeram reformas politicas.
Essas reformas são determinadas pelas circunstancias do momento; essas reformas fazem-se pela necessidade de remover attrictos que se opponham á marcha constitucional dos negocios publicos. Quando não haja esses attrictos a remover, quando o machinismo constitucional funccione regularmente, a necessidade das reformas politicas não se faz sentir, ninguem se põe a reformar as instituições só pelo prurido de reformar, sejam quaes forem as bases da sua organização. Em taes condições, as instituições antigas são até as melhores. (Apoiados.)
O partido progressista pugnou energicamente pela realisação das reformas politicas, quando uma dura e amarga experiencia lhe mostrou que o machinismo constitucional estava viciado e alterado em algumas das suas mais importantes engrenagens, suffocando ou viciando os principios, que devem regular a rotação dos partidos , e que são a base fundamental do systema representativo. (Apoiados.) Escuso de recordar á camara os acontecimentos que comprovam a minha affirmativa, e que foram tão imperiosos que levaram os proprios que d'elles tinham a responsabilidade de tomarem a iniciativa das reformas, que deviam ser-lhes correctivo.
A necessidade das reformas politicas nasceu das circumstancias que se davam então, e que predominavam sobre quaesquer outras. Hoje, não se dá esse predominio, e nem mesmo se dão essas circumstancias. É uma differença essencial.
Não é com reformas politicas que o governo ha de resolver o conflicto entre Braga e Guimarães, não é com ellas que ha de acudir aos encargos urgentes do thesouro, reduzir as despezas publicas, cortar os võos á divida fluctuante, acudoir á baixa dos nossos fundos, etc. (Apoiados.)
Não quer isto dizer que as reformas politicas não possam tornar-se necessarias; que o governo julgue excellentes as que se fizeram; que renuncie ao direito que opportunamente o partido progressista se reservou, de propor e realisar o partido progressista se reservou, de propor e realisar pelo modo mais conveniente a modificação d'essas reformas. O que quer dizer sómente é que, no momento actual, o governo, não só não vê a necessidade de se metter n'esse emprehendimento, mas vê necessidade instantes de outra ordem, a que lhe cumpre acudir de preferencia. (Apoiados.)
A necessidade das reformas é sempre relativa. Se a marcha das cousas da governação publica segue sem attrictos derivados do machinismo constitucional, e sem embaraços que perturbem fundamentalmente o jogo regular do systema representativo, essa necessidade, ou não existe, ou deixa de existir, o, pelo menos, adia-se indefinidamente, o que vem a ser a mesma cousa.
No momento actual e dadas as circumstancias em que está o paiz, e em que se encontram os partidos, as reformas politicas não são necessarias porque não são opportunas (Apoiados.)
As circunstancias, porém, podem virar de um momento para o outro.
Se os illsutre deputados, que hoje se sentam na opposição, e o partido que reresentam, fossem fazer uma guerra facciosa, procurando perturbar por todas os modos o andamento regular e constitucional dos negocios publicos, e tornando impossivel a efficaz rotação dos partidos, com os beneficios que resultam d'esse equilibrio politico, prevalecendo-se para isso dos elementos de preponderancia, que tão fartamente dispozeram para si proprios por uma larga permanencia no poder, a necessidade de reformas politicas surgiria inesperadamente, mas immediatamente.
Essas reformas seriam desde logo opportunas, por serem necessarias.
Mas, não se dando esse facto, como o assegura a substancia das declarações, que a opposição parlamentar acaba de fazer, a inopportunidade das reformas é tão evidente, como a opportunidade o seria em caso contrario.
As reformas politicas podem ser hoje inopportunas e ámanhã opportuna, e isto independentemente da vontade do governo e do seu programa.
Póde hoje o governo entender que são inopportunas as reformas politicas, e póde o procedimento dos partidos tornar necessarias essas reformas. (Apoiados.)
Por isso, ainda mais do que ao governo, é á opposição que o illustre deputado deve perguntar, se elle se propõe rever e modificar as reformas politicas, no uso de direito, que o partido progressista para si reservou. Na situação presente, o governo julga inopportuna essas reformas, e dar-se-ha por contente em que possa saír d'estes logares sem que essa opportunidade appareça.
Cuido ter respondido ás observações do illustre deputado que não eram mais particularmente dirigidas ao sr. presidente do conselho e ministro do reino.
Com respeito a estas, só direi, que a pergunta do illustre deputado seria talvez escusada; e se o meu prezado amigo e honrado adversario politico não ficar contente com a substancia da resposta, ficará ao menos satisfeito com a precisão e nitidez d'ella.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Pedi a palavra para responder á pergunta que me dirigiu o illustre deputado o sr. Franco Castello Branco; mas antes de cumprir esse dever, declaro á camara quenão responderei a nenhuma das acusações, mais ou menos violentas que nos têem sido feitas, porque não julgo o momento opportuno para isso.
O meu espirito está sereno e o meu animo tranquillo, respeito por isso a paixão partidaria que poz na boca do illustre deputado palavras menos convenientes, e limito-me a responder unicamente ás perguntas que me foram dirigidas, declinando n'este momento todo que me cabia de dar resposta prompta, cabal e peremptoria ás insinuações e censurias que têem sido feitas a plitica seguida pelo meu partido, quando opposição. Não quero transformar este debate n'uma discussão ardente e apaixonada.
Nós estamos aqui, não para luctar braço a baço com

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os adversarios; não para atear as paixões politicas; estamos nestas cadeiras para trabalhar, para remediar os erros commettidos, para levantar o credito publico abatido, para restaurar as nossas finanças, e para accudir com providencias promptas e saudaveis a todos esses erros e a todas as faltas impensadamente commettidas pelos homens que nos precederam. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, eu dão quero entrar n'esse terreno, não só pelo logar que aqui occupo, mas tambem no interesse da camara, e vou responder ao illustre deputado, franca, expressa e categoricamente com referencia ao conflicto levantado entre as cidades de Braga e Guimarães, pergunta que s. exa. fez, pensando collocar-me em graves embaraços.
Enganou-se s. exa.
Aqui, n'estas cadeiras, ha um governo com pensamento claro e definido. Aqui não se hesita diante das responsabilidades. Aqui não se recua diante do uma idéa, nem se pensa em especulações entre duas cidades importantes. (Apoiados.) Aqui, diz-se claramente o que se pensa e o que se quer.
O pensamento dos actuaes ministros é exactamente o mesmo que tinham quando estavam na opposição. Digo-o sem hesitações.
O governo está resolvido a manter o statu que e a não dar o seu apoio ao projecto tendente a alterar a actual circumscripção do districto de Braga.
Os illustres deputados pensam em poder aproveitar esta declaração categórica em proveito dos seus interesses partidarios? Usem do seu direito.
O governo, firme no seu posto, está resolvido a acceitar as consequencias das declarações que faz; o governo está resolvido a empenhar todos os meios e a empregar todas as diligencias para mostrar á cidade de Guimarães que tem para ella, como cidade rica e laboriosa, que é, todas as contemplações. Ha de nomear para governador do districto de Braga um magistrado digno, que saberá comprehender todas as responsabilidades do cargo que lhe é confiado, e empenhar toda a sua diligencia, todos os recursos da sua capacidade, para dar todas as satisfações possiveis á cidade de Guimarães e para lhe mostrar que o governo, longe de ter a menor idéa de hostilidade para com ella, tem pelo contrario a maior consideração pelos seus habitantes.
O governo lamenta que as cousas chegassem ao ponto em que se acham, por effeito da tibieza e indecisão dos nossos antecessores; mas entende, que no momento actual não póde tomar outra deliberação que não seja esta: - manter com firmeza, e coherente com as suas opiniões já manifestadas, as leis actuaes e a integridade do districto de Braga.
Sinto muito, que esta declaração possa desagradar aos defensores da desannexação da cidade de Guimarães do districto de Braga; mas não posso trahir as minhas convicções, nem por qualquer sentimento de conveniência ou especulação política, faltar ao que devo a mim proprio e ao decoro do governo. (Apoiados.)
Creio que esta declaração, demasiadamente franca, deve deixar satisfeito o illustre deputado. S. exa. pensou que podia com a sua pergunta collocar o governo em difficuldades; mas enganou-se. Eu não comparecia perante a camara, sem trazer formulado o meu pensamento e assentada a minha opinião sobre este assumpto.
Pois o illustre deputado imaginava que eu podia suppor, que por parte da antiga maioria da camara não se fariam perguntas ao governo sobre a questão de Braga, tendo ella sido das que mais influiu na queda do gabinete transacto? É evidente que eu já esperava que s. exa. ou qualquer dos seus collegas viesse fazer essa pergunta, e por isso não podia deixar de vir preparado, como o estava todo o governo, para dar resposta prompta.
Sr. presidente, eu já disse e repito que não respondo n'este momento a retaliações politicas; não quero levantar um debate n'esse terreno. Todavia, acabo de ouvir uma phrase que não posso deixar de lamentar, por ser proferida por um homem que acaba de ter logar nos conselhos da corôa! A phrase é a seguinte: «que deviamos a um acaso a nossa ascenção ao poder!»
Mas o sr. Fontes declarou que o ministério, a que presidia, caiu por lhe faltar a confiança da corôa!
É então acaso a confiança da corôa? (Apoiados.)
Ao acaso é que s. exas. devem a sua queda; esse acaso é o estado a que levaram o paiz. (Apoiados.)
Não digo mais nada.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Franco Castello Branco: - Começo por agradecer á camara a benevolencia com que me trata. Não desejo de fórma alguma abusar da sua paciencia, e muito menos prejudicar os muitos oradores que se inscreveram para este debate.
Mas v. exa. e toda a camara comprehendem bem, que, sendo eu o auctor de um projecto de lei sobre o qual se levantou a questão politica mais grave dos ultimos mezes, e tão grave, que deu em terra com o ministerio regenerador, não podia deixar de interrogar o governo pela forma por que o fiz, precisando igualmente criticar a resposta que me fosse dada, em acto immediato e seguido.
Mas agora que ouvi a resposta tão imprudente do governo, uma dupla obrigação impende sobre mim.
A camara via que eu fui o mais franco, categorico e leal na maneira como me dirigi ao sr. presidente do conselho.
Declarei, e novamente repito, que não visava a fins políticos, nem a crear embaraços de ordem publica ao ministerio.
Procedia com progressistas como procederia com os ministros regeneradores.
É que para mim a questão de Guimarães nunca foi nem ha de ser politica.
Pois bem, a esta franqueza e a similhante sinceridade respondeu o sr. Luciano de Castro, accusando-me de pretender apanhar de surpreza o novo ministerio, creando-lhe uma posição embaraçosa e difficil!
Julgue entre nós a camara, e admire a nobreza de similhante proceder. (Apoiados.)
Quero crer que sou muito ingenuo, o que aliás me não afflige profundamente, pois a ingenuidade é attributo dos bons.
Mas a minha ingenuidade não vae até ao ponto de acreditar, que o ministerio não houvesse prevenido a pergunta que lhe dirigi, e que em questão tão melindrosa e irritante, que foi causa de uma mudança politica, o governo podesse ser apanhado de surpreza.
Depois d'onde me viria fidutia tanta? (Riso.)
Surprehender estes previdentissimos ministros!
De mais conheço a minha pequenez e a minha insufficiencia para ousar defrontar-me com esses invenciveis gigantes, que vemos sentados n'aquellas cadeiras! (Riso.)
Collocar em embaraços um ministerio progressista?! Quem sou eu, para tão arrojado commettimento?!
Sei o quanto s. exas. são versados em todas as questões da publica administração, e promptos para romper lanças com todos os adversários, que ousem defrontar-se com elles. Mas o que s. exas. não são é prudentes; um desafia-nos, outro ameaça-nos. (Apoiados.)
O sr. Emygdio Navarro ameaça-nos com as reformas politicas, se pretendermos por uma opposição facciosa impedir a rotação constitucional dos partidos.
Pois fique desde já s. exa. entendendo, que havemos de fazer a opposição que em nossa consciência julgarmos conveniente para os interesses legitimos do paiz.
Pela sua parte, façam tambem o que entenderem melhor para si.

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Sejam intolerantes, se isso lhes aprouver, que não os tememos, nem imploraremos misericordia (Apoiados.)
Fiquem, porém, na certeza de que se lhes pedirão estreitas contas por todos os seus actos. (Apoiados.)
E visto que o sr. Emygdio Navarro, meu prezado amigo, acceita tão resignadamente a exautoração que lhe querem impor os seus collegas, permitia me que eu mo revolte contra similhante loucura, que ha de não só custar carissima ao thesouro e ao paiz, mas annullar irremediavelmente o seu futuro tão esperançoso e promettedor.
O sr. Emygdio Navarro reduzido a um ministro para o expediente!?
Mas não sabe o paiz, não sabemos todos, que elle é ha quinze annos, na imprensa como no parlamento um obreiro energico e infantigavel, um athleta em demolir velhos preconceitos e abusivas praticas de administração?
Chega agora o momento de se affirmar tambem por actos de administração e de governo, e querem condemnal-o a uma inactividade forçada e cheia de desdouro.
S. exa. mostra-se excessivamente modesto, só acceita um tal papel.
Não ignora o illustre ministro que no ramo da agricultura, commercio e industria ha uma mina abundantissima por explorar, capaz, como nenhuma outra, de fazer a gloria de um homem de estado.
E elle, o audaz, o infatigavel, o ambicioso, mas de legitima ambição, encarrega dessa tarefa um outro, e vae descansar á sombra dos louros colhidos em pugnas muito gloriosas, mas até hoje estereis para o seu paiz?!
Lamento sinceramente, sangra-me o coração, ao ver que as conveniencias politicas obrigam um homem de tanto valor a sacrificar o seu talento e o seu futuro a pequeninas ambições e a ridículas questões de bastidores.
Ser ministro não vale nada. Ser um bom administrador, era uma ligitima ambição que s. exa. podia e devia ter. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho, José Luciano de Castro, não quer retaliações, porque não julga que este momento seja o mais azado para ellas.
Mas s. exa., para as evitar, desafia-nos! (Apoiados.)
Altivo e forte, provoca-nos a tirarmos qualquer partido da questão de Guimarães.
Ousem, se podem, diz sobranceiro.
A opposição sabe cumprir com os seus deveres, e eu, que alem de membro da opposição, sou representante) do circulo de Guimarães, posso affirmar a s. exa., que não viria a esta casa fazer da questão de Guimarães o uso que o ministerio actual fez, quando estava nos bancos da opposição.
Não pretendemos explorar com uma questão de ordem publica. Ainda n'isso nos apartâmos dos nossos adversarios.
Havemos de sustentar o bom direito e os princípios da justiça, mas nunca trabalharemos na sombra, nem faremos das paixões de uma cidade instrumento para escalar o poder.
O ministerio é grato a Braga, e assim devia ser.
Não podia renegar os seus cumplices da vespera.
Mas engana-se, suppondo que Guimarães se satisfará com as contemplações, que o sr. presidente do conselho já annunciou.
A cidade de Guimarães não está em almoeda, nem mercandeja com as suas pretensões! (Apoiados.)
Não ha contemplações que a satisfaçam, porque a questão para ella não é de interesses, a questão é de brio e de honra. (Apoiados.)
Contemplações d'essa ordem poderiam tel-as com Braga. Esta não se levantou senão pelos interesses do districto, e os interesses perdidos compensam-se com interesses novos.
Mas Guimarães não se levanta em nome dos seus interesses. A rasão unica da sua agitação, dos seus protestos, está na grande afronta que soffreram alguns homens distinctos d'aquella terra, investidos do uma magistratura respeitabilissima, conferida pelos povos do concelho. (Apoiados.)
Não julgue o governo que dá uma grande prova de firmeza, nem que resolve a questão pela fórma mais conveniente, senão para o governo, o que pouco me importaria, mas para o paiz, o que me importa muitissimo.
A questão de Guimarães, para cada um dos nobres filhos d'aquelle concelho, é hoje uma questão de honra individual e pessoal. E todos sabem, que as paixões e os sentimentos das collectividades obedecem á mesma psycologia que os dos individuos. Houve uma afronta gravissima. Sobro os offendidos choveram es chascos e quiçá as injurias, e não é mandando para Guimarães dois regimentos, como dizem que o governo vae fazer, que se hão do callar tão justificados resentimentos. (Apoiados.)
E a situação mais se aggrava, quando se sente que a justiça e o direito estão pelo lado de Guimarães.
Nada me espanta que outra seja a opinião dos srs. ministros do reino e das obras publicas, cujos principios auctoritarios são bem conhecidos. Mas surprehende-me vêl-a compartilhada por outros membros do gabinete, que iniciaram a sua vida politica á sombra de uma bandeira, onde se inscrevia um lemma bem mais liberal. Refiro-me aos srs. ministros da justiça, da fazenda e dos estrangeiros, que fizeram as suas primeiras armas às ordens do ministerio Sá-Vizeu. Na reforma administrativa então apresentada, e por s. exas. defendida, fazia-se repousar a divisão administrativa do territorio em bases tão democraticas como racionaes. Os interesses e as commodidades dos povos; a manifestação expressa das suas vontades, e até os prejuizos locaes, quando enraizados e vivazes, como factos importantes da sentimentalidade das populações, eis o criterio aconselhado para uma boa circumscripção administrativa.
Tudo isso vejo renegado.
Preferem os districtos symetricos e arredondados, traçados a régua e a compasso, uma bella theoria de cabelleira e de rabicho, muito em voga ahi por 1820.
Não querem ver que a actual divisão administrativa, feita artificialmente em 1834, não teve outro fim senão matar a antiga tradição provincial, que se julgou menos conveniente e favorável á implantação do constitucionalismo.
Nem liberaes, nem avisados, e o futuro se encarregará de lho demonstrar.
Os sentimentos e as paixões podem ser suffocadas num momento dado, mas para surgirem mais fortes no dia seguinte. E o ministerio, que acaba de confessar que as questões de administração se impõem a todos nós, resolvendo por esta fórma o conflicto de Braga e de Guimarães, deixa apenas levedando um terrivel fermento, que não só lhe ha de torturar a vida inteira, mas que o ha de vir a matar também. (Apoiados.)
D'ali partirá o rebate, chegada a hora da punição, quando voltarmos ás eleições com os tres rufos, as inscripções baixarem a menos de 40, e o paiz se enfadar das contradicções constantes de um ministerio, que, logo ao primeiro dia, renega as suas tradições liberaes de 1869, e as velidades revolucionarias da Granja, e que, se não veiu ao poder pelo acaso, na phrase do sr. Pinheiro Chagas, que tanto incommodou o sr. Luciano de Castro, chegou lá pela agitação das ruas...
(Interrupção do sr. Luiz José Dias).
Eu lembro apenas ao nobre deputado que em 1881 houve uma votação na camara dos pares, que determinou constitucionalmente a queda do governo. (Apoiados.)
Mas se o governo não veiu do acaso, como tanto lhe custa a ouvir, e deve a sua existencia a um acto do poder moderador, não é menos certo que esse acto foi provocado incontestavelmente pelo acaso.
A questão de Braga e Guimarães foi perfeitamente uma questão do acaso.

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No dia 27 de novembro ninguem poderia presumir que tal questão ía apparecer, e tão viva e apaixonada. Foi d'ella que a opposição se aproveitou para nos derrubar, impedindo todos os dias aqui, no parlamento, os esforços leaes e sinceros do governo para a resolver.
Todos nos lembrâmos que hontem, como ante-hontem, como todos os dias, os deputados de Braga pediam constantemente ao governo que resolvesse immediatamente aquelle conflicto.
Ora, toda a gente sabe, que o governo queria resolvel-o por um modo justo e pacifico, não esmagando Guimarães em prol de Braga, não sendo pelo mais forte contra o mais fraco, mas pondo acima de tudo a representação da vontade dos povos.
A opinião do governo transacto era mais conforme com os principios de justiça e até com os principios em outro tempo defendidos por alguns dos actuaes ministros. Essa questão não póde ser resolvida com o parlamento aberto, porque os nossos adversarios, acima de tudo, o que queriam era a posição que hoje occupam. (Apoiados.) Pois tenham-a muito embora. Vivam felizes e contentes, e oxalá que a opposição actual seja mais alevantada e patriotica, e nunca faça de uma lamentavel questão entre duas cidades do reino a sua arma de combate mais perigosa e envenenada. -(Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Sr. presidente, temos agora uma nova theoria constitucional, uma nova theoria governativa.
Essa nova theoria governativa é de que a questão entre Braga e Guimarães foi um acaso.
Pois eu tinha aprendido no estudo das sciencias mathematicas que o acaso é cousa que não existe, que no mundo dos phenomenos cosmicos, como no mundo dos phenomenos sociaes, tudo está sujeito a leis immutaveis e inalteraveis, e não obedece cousa nenhuma a qualquer divindade cega, que se chama acaso.
O acaso é a desculpa dos fracos e dos imprevidentes, dos que não souberam prevenir conflictos nem depois d'elles cumprir com os seus deveres. (Apoiados.)
O acaso! O acaso era o conflicto que nascia, que augmentava, sem que o governo tomasse providencias para pôr termo a essa situação!
Seria tambem por acaso que, se os deputados da opposição, usando do seu direito, como s. exa. hoje usa, pediam ao governo explicações claras, terminantes e positivas, o governo não as dava, antes tergiversava e fugia.
Com o mesmo direito com que hoje o illustre deputado fez a sua pergunta, faziamos igual interrogação; mas a differença era que nós perguntavamos e não achavamos quem respondesse, e o illustre deputado perguntou e teve quem lhe respondesse.
A sua pergunta teve resposta franca, clara, leal e definida do governo. (Apoiados.)
Os governos que não têem opinião formada, decisiva, sobre qualquer questão, esses governos é que cáem por acaso! (Vozes: - Muito bem.)
Não quero abusar da vantagem que involuntariamente o illustre deputado me deu, apesar do seu grandissimo talento, a que prestei homenagem n'aquelles logares e presto d'aqui.
Não quero; quando não, com quanto proveito não poderia aproveitar as comparações hypicas, e não fallaria das pistas, das metas, de quem as toca ou não toca, os premios de consolação.
Não entro n'esse caminho; não quero saber se o logar de deputado vale mais do que outro qualquer e tambem póde ser meta...
O sr. Franco Castello Branco: - Isso é para mim?
O Orador: - V. exa. julga de certo que o logar de deputado é honroso.
O sr. Franco Castello Branco: - Eu nunca protestei não acceitar.
O Orador: - Nunca protestou não acceitar o logar de deputado; fez muito bem em não protestar, porque senão havia de arrepender-se. (Apoiados.)
Todos sabem que eu protestei não acceitar logares que dependessem da acção do governo; nunca acceitei nenhum em proveito meu. (Apoiados.) Quanto ao mais, eu comprehendo a mágua do illustre deputado; é a um sentimento generoso e nobre a que s. exa. obedece levantando a sua voz; mas é essa mágua que lho faz esquecer que nós não estamos aqui a ameaçar ninguem, estamos para trabalhar pelo bem publico e para isso invocâmos a benevolencia da camara. Ameaçarmos Guimarães com regimentos é phantasia de imaginação exaltada. Nem por um momento só nos passou pela idéa comprar a cidade de Guimarães ou outra qualquer. A quem o pensar se dirigem as censuras do illustre deputado. Nem n'este logar nem n'aquelles nenhum de nós ousaria proferir uma phrase que trahisse similhante pensamento. Eu não sou filho do Guimarães; mal conheço aquella cidade, mas devo-lhe favores e consideração, e seria o ultimo dos meus collegas por cuja mente perpassaria a idéa de seduzir uma cidade d'aquellas. Esse pensamento villão não occorreu, nem podia occorrer aos meus collegas.
A questão é de honra e de brio. Será, mas as questões de brio e de honra resolvem-se por processos conhecidos, e não devem servir de pretexto á desordem da administração, nem á anarchia. Haja por Guimarães como por Braga todas as considerações devidas a duas cidades importantes e illustradas, mas não se sustente que a confusão e a desordem são meios de vingar affrontas, quando affrontas tenham existido. Pelos processos administrativos se resolvem as questões de administração; outros hão de empregar-se para decidir contestações de decoro.
Fallou o illustre deputado da cotação dos fundos.
Eu não sei por que preço estarão as inscripções quando eu saír d'aqui, mas sentiria a maior mágua se, tendo-as encontrado a 53, as deixasse em menos de 4õ. (Apoiados.)
O sr. José Borges de Faria: - Pedi a palavra, sr. presidente, logo ao principiar esta sessão, porque, sr. presidente, desejo ser coherente em todos os meus actos, tanto quanto posso e tanto quanto sei.
Tendo perguntado todos os dias, nos ultimos tempos, ao governo presidido pelo sr. Fontes qual era a sua opinião a respeito do conflicto levantado entre Braga e Guimarães, creio que daria provas de parcialidade se hoje não fizesse igual pergunta ao novo governo.
Foi esta uma das intenções com que pedi a palavra a v. exa. Não necessito, porém, fazer esta pergunta ao governo porque o nobre presidente do conselho de ministros, respondendo ao meu collega e amigo Franco Castello Branco, fez tão claras e categoricas declarações a favor da integridade do districto de Braga, que eu não tenho senão motivo para applaudir e elogiar quem inicia com actos de justiça, como este, os primeiros tempos do seu governo.
S. exa. pronunciára-se clara e terminantemente a favor da integridade do districto de Braga no governo, como o fizera quando opposição; foi coherente e fez justiça a Braga e praticou um acto que o nobilita. Nos conselhos da corôa não poda haver hesitações, não se admitte outra orientação que não seja a da justiça, e n'esta questão só Braga a tem.
Não quero irritar este incidente, mas como protesto a algumas phrases ditas pelo meu amigo Franco Castello Branco, illustrado deputado por Guimarães, mais uma vez em nome da cidade de Braga, que não só represento como presidente da camara municipal, mas como deputado, declaro que ella tem a mesma consideração pela cidade de Guimarães, que nunca teve a intenção de a offender ou insultar, e de que nunca quiz assumir a responsabilidade dos actos praticados no dia 26 por uma turba anonyma contra indi-

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viduos particulares de Guimarães, que primeiro provocaram essa turba.
Se outra fôra a sua maneira de pensar a respeito de Guimarães, não estariam consignados nas actas da sua camara e junta geral do districto votos de sentimento por aquelle acontecimento que todos lastimaram profundamente e que podiam evitar-se se a auctoridade superior do districto não fosse inepta ou connivente.
A declaração do governo vae fazer terminar a agitação de Guimarães pondo termo á especulação. Assim que fallarem a linguagem da verdade aquelle povo, assim que os convencerem dos erros com que os toem desnorteado, serão elles os primeiros a agradecer ao governo a sua attitude. Aquelle povo anda illudido pelos magnates.
Disse o sr. Franco Castello Branco «que o concelho de Guimarães se não vende». Sei isso perfeitamente, e faço-lhe inteira justiça, mas devo dizer igualmente a s. exa. que Braga se não vende tambem, nem se deixa comprar, (Apoiados.) e dou do que affirmo solemnes provas n'esta questão. Se tivesse querido vender-se tinha-se vendido por muito bom preço. Era pedir. (Apoiados.) Todos sabemos como o governo do sr. Fontes estava compromettido n'esta questão com Guimarães e com o sr. Franco Castello Branco. (Apoiados.)
Aproveito esta occasião para de passagem dizer que lastimo que a situação presidida pelo sr. Fontes tivesse desapparecido sem que eu podesse dizer nesta camara, como tinha promettido, os motivos porque deixei de fazer parte da maioria.
Felizmente a queda do governo foi provocada pelos erros que commetteu, praticando actos que lhe reprovei, e em virtude dos quaes me separei da situação. (Muitos apoiados.) N'isto está a completa justificação do meu correcto procedimento. (Apoiados.)
Devo tambem declarar a minha situação politica em presença do novo governo.
Estou ainda completamente separado de todos os grupos politicos, como affirmei á camara quando me declarei opposição ao governo regenerador, e fico por isso para com o novo governo n'uma espectativa toda benevola, e todos os meus desejos são que elle satisfaça ás justas aspirações do meu paiz, que muito necessita de politica economica e moral. Se for este o seu programma e o cumprir, terá o meu dedicado e leal apoio.
O sr. Santos Viegas: - Sr. presidente, não sabendo eu que algum sr. deputado havia de tomar a palavra para dirigir uma pergunta ao governo a respeito do conflicto travado entre as cidades de Braga e Guimarães, julguei do meu dever pedir a palavra a v. exa. para fazer essa pergunta, e esperar da parte do governo uma resposta, apresentando-lhe os meus agradecimentos se essa resposta me satisfizesse, e no caso contrario expondo os motivos que me levavam a declarar que seria mais uma vez contradictorio o partido que no poder não tinha cumprido o que havia promettido na opposição.
Felizmente tenho a felicitar-me como deputado pelo districto de Braga, de ver mantido um pensamento tão sympathico para aquelle districto, como é o da conservação da sua integridade. (Apoiados.) Graças a Deus, que já da parte do partido progressista se responde de uma fórma clara e positiva a uma affirmativa que se havia feito dos bancos da opposição, quando se sentaram nas cadeiras do governo os cavalheiros que representavam o partido regenerador. Naturalmente cumpriu-se o que se promettia, porque tal compromisso não estava inscripto no programma o esse partido, pois que se estivesse, o paiz havia de encontral-os na mesma contradicção, em que já os encontrára n'outro tempo. (Apoiados.)
Dito isto, congratulo-me com o governo pela sua declaração, de que mantem a integridade do districto de Braga, declaração que eu applaudo na qualidade de deputado por aquelle districto, e que para todos os effeitos ficará registada.
Devo tambem declarar a v. exa. e á camara, que serei opposição franca, leal e aberta ao actual gabinete. Caíu a situação que eu apoiava mas continua a minha lealdade partidaria. (Apoiados.)
Tenho concluido.
O sr. Arroyo: - Approvando inteira e completamente o procedimento do ministerio demissionario, e considerando que esse ministerio cumpriu para com o paiz, e mais particularmente para com o partido que tão nobremente representava, todos os deveres que se havia imposto, defendendo até á ultima estacada a sua existencia ministerial, devo, antes de tudo, definir em termos claros e categoricos a minha posição, tanto pelo que respeita ao partido que me honro de apoiar, como pelo que respeita ao partido que actualmente occupa as cadeiras do poder.
Relativamente ao partido era que me acho filiado, continuarei a ser firme, leal e decididamente um correligionario dedicado; relativamente ao partido progressista e ao actual governo, serei, sem abuso de palavra, e sem menoscabo das qualidades distinctissimas que ornamentam os membros do novo ministerio, adversario cortez mas intransigente. (Apoiados.) A minha attitude, firmemente accentuada, como pertencendo á maioria regeneradora, permanece intacta e identica, por isso que me colloco agora, sem tergiversações nem duvidas, na opposição regeneradora d'esta casa.
Dito isto, sr. presidente, estimo saber que a nota predominante da conducta politica do actual gabinete será, como o acaba de declarar o illustre presidente do conselho de ministros, a da tolerancia e transigencia. No gabinete, consinta o governo que lho diga, só vejo dois fiadores da execução d'esse pensamento, só vejo dois politicos mansos. (Riso.) Os outros conselheiros da corôa parecem-me facciosos, descaroaveis e jacobinos. (Riso.)
Oxalá que s. exas. vão buscar ao seu amor pelo paiz e á sua dedicação pela patria serenidade e placidez que suffoque os assomos e os impetos arrebatados do seu temperamento politico! (Apoiados.)
Quanto á questão essencialmente politica, teve o nobre presidente do conselho especial cuidado em nos advertir do que o governo julga inopportuna por emquanto qualquer reforma da nossa lei fundamental.
Não bastava ao partido progressista haver rompido, quando opposição, o accordo que celebrara com o partido regenerador; fez mais: renegou nas cadeiras de ministro as declarações formão 3 que fizera, não ha muitos mezes, quando, pela voz dos seus mais illustres caudilhos, affirmava ao parlamento e á nação que não seria respeitado por elle a promessa feita pelo sr. Henrique de Macedo na camara tios pares - a de acatar a ultima reforma constitucional como experiencia séria e duradoura! (Apoiados.)
Dizia-nos o partido progressista, quando opposição, que á reforma da carta ultimamente effectuada outra se seguiria de iniciativa do primeiro gabinete progressista que se constituisse, e acrescentava que, se fosse preciso, a faria em dictadura!
Tudo isso se põe agora de parte, tudo isso se esquece, recusando-se mais uma vez o partido progressista a cumprir as formaes declarações que fizera nas duas casas do parlamento portuguez! (Apoiados.)
Isto não é serio nem digno, sr. presidente! (Apoiados.) A opposição regeneradora, cuja attitude expectante tão categoricamente foi affirmada pelo sr. Pinheiro Chagas, não póde deixar passar sem reparo e critica severa tão estranha declaração governamental! (Apoiados.)
Observou o sr. Emygdio Navarro que as reformas constitucionaes não se fazem para alindar uma das camaras. Tem s. exa. rasão. O que posso affirmar-lhe é que a pintura d'esta casa e o tapete novo que pisamos não os in-

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screveu partido algum em acto addicional á carta constitucional da monarchia. (Riso.)
Fizemos uma reforma constitucional, que nem mereceu de s. exas. as honras da discussão. Arredaram-se d'ella, julgaram o projecto indigno de exame e de critica. Porque motivo não são agora coherentes no seu proceder?
De duas uma: ou a reforma realisada no anno anterior satisfazia ás necessidades da occasião e, em tal caso, o partido progressista não disse a verdade ao paiz; ou essa reforma é pessima, acanhada, insufficiente, ridicula, e s. exas. têem obrigação estricta de a alargar e aperfeiçoar. (Apoiados.) D'este dilemma não ha fugir.
Igualmente me admirei de ouvir declarar ao sr. conselheiro José Luciano de Castro o proposito de dividir o ministerio das obras publicas, commercio e industria em dois, reservando para um d'elles os serviços de obras publicas, e para o outro os serviços relativos á agricultura, commercio e industria.
Essa declaração foi repetida pelo sr. Emygdio Navarro, cavalheiro por cujo talento, por cujo caracter e actividade indefessa eu tenho sempre demonstrado uma particular admiração o respeito; parlamentar que occupa justamente uma cadeira ministerial, depois de haver dado exuberantes provas da competencia e aptidão nas pugnas da palavra o nas luctas da imprensa. (Apoiados.)
Disse s. exa. que a gravidade dos assumptos respeitantes á agricultura, ao commercio e á industria tornam indispensavel e inadiavel a formação da nova secretaria d'estado, e que, quanto a obras publicas, s. exa. procederá com toda a economia e parcimonia, sustando todos os melhoramentos que se não impozerem como de uma urgencia innegavel e do uma productividade manifesta.
Pois quê? A intelligencia brilhante, o trabalho incessante de s. exa. vão ficar por tal fórma desaproveitados e inutilisados? Que fica s. exa. a fazer no ministerio das obras publicas, se de lá lhe tiram todos os serviços que necessitam de uma actividade grande, e de uma larga iniciativa? Em vez de sustentar a divisão do ministério, não seria mais racional que s. exa. nos houvesse declarado que os serviços da agricultura, do commercio e da industria chamariam mais cuidadosamente a sua dedicada attenção, que os das obras publicas? (Muitos apoiados.)
A verdade, sr. presidente, é que a creação do ministerio da agricultura, commercio e industria representa de valvula de segurança por onde expluem o rebentam as ambições da vida nova..., o nada mais. Observarei comtudo ao actual gabinete que não basta crear esse ministerio para contentar este grupo partidario; é preciso mais um ministerio pelo menos, e, em tal caso, lembro-lhe a fundação do ministerio dos recenseamentos eleitoraes... (Riso.)
Estamos na epocha messianica, meus senhores, e o annuncio do Messias tinha forçosamente de entrar na declaração ministerial... (Riso e apoiados.)
Venha, pois, s. exa., para contentamento do partido progressista; mas recorde-se esse partido como é perigosa, injustificavel e custosissima a creação de novas secretarias d'estado, unicamente para satisfazer os desejos de magnates politicos, que se imponham ás opiniões dos governos pela força do numero dos votos de que dispõem! (Apoiados.)
Está a acabar o período da propaganda messianica, e não estamos longe talvez da assumpção do novo rodemptor, descripta na phrase fulgurante do jornalismo progressista.
Reparem todavia os membros do gabinete que entre as scenas da propaganda do Christo e a da sua enthronisação celeste, ha a scena intermedia da Paixão; que o partido progressista ha de subir o Calvário da política, suppliciado pelas suas incoherencias, pelo seu facciosisino perseguidor, pelos seus processos políticos e administrativos pela leviandade dos seus actos, e que a opposição regeneradora lhe saberá pregar tão funda e merecidamente os cravos da critica, que o actual gabinete não clamará no ultimo suspiro: «Perdoa-lhes, pae, que elles não sabem o que fazem!» mas «Perdoa-lhes, que elles não sabem o que isto doe!» (Riso. - Apoiados.)
Antes de terminar, desejo fazer uma pergunta ao governo, que vae buscar rasão de ser a certos boatos que correm insistentemente, o sobretudo a algumas phrases ambíguas do discurso do nobre ministro das obras publicas, quando se referiu ás consequências de uma opposição parlamentar que impedisse a natural rotação dos partidos politicos...
Correm effectivamente boatos aterradores no paiz: affirma-se que o gabinete julga necessario, em face das actuaes circumstancias políticas, assumir a dictadura para decretar uma reforma de serviços públicos, a suspensão dos seis decretos alfandegarios de 17 de setembro de 1835 e a reforma administrativa de iniciativa do sr. conselheiro José Luciano de Castro.
Tenho o singular presentimento de que tão estranhas intenções visam, não á satisfação de verdadeiros interesses nacionaes, mas de conveniências exclusivas do partido progressista... (Apoiados.)
Isto é importantíssimo; isto é muito grave, e a opinião publica acha-se justamente excitada. E necessario elucidal-a é necessario tranquillisal a. (Apoiados.)
Peço, portanto, ao sr. presidente do conselho ou a qualquer dos seus collegas no governo que se digne de dar-nos uma resposta clara e formal sobre este assumpto, que tão de perto interessa ás garantias individuaes do cidadão portuguez.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Não teria pedido a palavra a v. exa., se no discurso do illustre deputado que me antecedeu, não houvesse uma referencia directamente pessoal. Deixaria o encargo de responder a considerações, que não dizem principalmente respeito á pasta que me foi confiada, ao sr. presidente do conselho ou a algum dos outros meus collegas mais auctorisados do que eu. Essa referencia obrigou-me, porém, a tomar a palavra.
Precisava de protestar mais uma vez, e energicamente, contra a falsa lenda que se espalhou entre alguns homens políticos, e creio que não entre todos, de que eu alguma vez na camara em que tenho a honra de ter assento, fiz a declaração de que havia de respeitar as reformas politicas como uma obra digna de experiencia seria e duradoura...
Sr. presidente, preciso contar, para desmentir esta falsa lenda, uma longa historia. Perdôe-me o illustre deputado, perdôe-me a camara, se tenho de abusar da sua paciencia que me parece não ser muita n'esta occasião.
Fazia eu parte da commissão especial que foi eleita pela camara dos pares, para apreciar a proposta do governo, que tinha por fim auctorisar a convocação das côrtes destinadas a realisar as reformas constitucionaes.
No seio d'essa commissão declarei, a pedido do sr. conde do Casal Ribeiro, tambem membro d'ella, que não tinha duvida alguma em affirmar, auctorisado pelo então chefe do partido progressista o sr. Anselmo José Braamcamp, que, se o governo se compromettia a apresentar reformas políticas que tivessem o cunho de verdadeiras reformas, isto é, que podessem satisfazer ás aspirações de todos os partidos, o partido progressista havia de consideral as como uma obra digna de experiencia seria e duradoura.
Mais tarde, e a convite de diversos membros da mesma commissão, o sr. presidente do conselho, Fontes Pereira de Mello, expoz, perante ella, e fallo perante testemunhas do facto, qual era o plano das reformas políticas do governo, isto é, explicou até onde podia ir, ou qual era o limite que entendia não dever ultrapassar.
Desde esse momento entendi dever declarar no seio da commissão que julgava o seu relator, o sr. Thomás Ribei-

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ro, obrigado a supprimir do relatorio a referencia ás phrases que eu tinha proferido, em condições inteiramente differentes d'aquellas que se davam depois das declarações do sr. presidente do conselho.
Mais tarde, quando se discutiu o projecto na camara dos pares, fiz uma narração, que não foi desmentida, nem o podia ser, inteiramente idêntica áquella que faço agora.
N'estas circumstancias causou-me estranheza que um homem político tão importante, tão illustrado e tão naturalmente sabedor das cousas que interessam á política portugueza, como o illustre deputado, o sr. Arroyo, se referisse a estes factos, mostrando não conhecer a historia que é tão facilmente apreciavel nos annaes parlamentares; tão facilmente apreciavel, e apreciavel com tanta mais justiça, quanto do discurso em que fiz as declarações a que acabo de me referir agora, nem sequer revi as notas tachygraphicas.
Deixei publicar esse discurso tal qual veiu das mãos dos srs. tachygraphos, e muito de proposito exigi que no boletim parlamentar se fizesse essa declaração.
Isto, pelo que diz respeito á referencia pessoal. Sr. presidente, hei de abusar pouco da paciencia da camara. Não quero dizer muitas palavras; por temperamento, por um natural espirito de economia, e ainda por outra ordem de rasões, não quero ser muito extenso.
Eu vejo que os ânimos dos illustres deputados que fallaram, e que naturalmente corresponde ao estado dos animos de toda a maioria, de que provavelmente elles todos, ou pelo menos alguns, são os directores, estão dispostos a apreciar qualquer palavra proferida pelos ministros como significando um intuito de aggressão, de ataque de repto.
Para que essa falsa apreciação não recaia sobre as minhas palavras, serei o mais breve possível. Só direi aquillo que me foi preciso dizer.
Fomos accusados tambem pelo sr. Arroyo de ter renegado completamente das declarações feitas pelo nosso fallecido chefe, o sr. Anselmo Braamcamp, com relação ás reformas politicas.
Onde e quando foi que nós renegâmos d'essas declarações?
Não consistiram ellas essencialmente em dizer que nos deixávamos reservado o direito de renovar perante as côrtes a nossa instancia de reformas políticas em momento que nos parecesse opportuno?
Não declarou o sr. Anselmo Braamcamp, em nome do partido progressista, que não considerava constitucional a doutrina do artigo 10.° do projecto que dizia respeito a essas reformas e reservava, portanto, para o partido progressista o direito de as modificar quando fosse poder, mas, se assim e quando o julgasse opportuno e conveniente?
Dentro do periodo indicado de quatro annos se o partido progressista o julgasse necessario e o julgasse opportuno, havia de renovar essa instancia e procurar remodelar as reformas políticas feitas pelos seus antecessores.
Sabe-o toda a camara, e, portanto, não sei porque fórma se quer estabelecer que as declarações do sr. presidente do conselho actual, que estão em harmonia com o espirito das declarações do sr. Anselmo Braamcamp, impliquem uma contradicção de qualquer ordem.
Por o partido progressista julgar conveniente que nessa occasião se fizessem outras reformas e não aquellas que a camara estava elaborando, póde hoje, sem nenhuma especie de contradicção com o facto de não ter sequer entrado na discussão d'ellas por as julgar acanhadas e insignificantes, póde hoje desistir de emprehender immediatamente a modificação dessa reforma. As circumstancias em que nos achamos, e que são um legado dos nossos adversários, são hoje muito mais graves do que eram então.
A camara não ignora que o deficit alcança a réis 10.000:000$000; a divida fluctuante sobe a mais de réis 12.000:000$000; o orçamento rectificado attinge a somma de 42.000:000$000 réis.
São estas circumstancias as que se deram quando foi feita a declaração do sr. Anselmo Braamcamp? Não são.
Portanto, não existe contradicção e não podemos ser accusados de contradictorios.
Creio ter respondido á parte do discurso do illustre deputado, que carecia de uma resposta immediata, mas parece-me que ha ainda uma parte importante no que respeita á pergunta directa que s. exa. fez ao governo, sobre qual a sua intenção de praticar actos dictatoriaes.
A pergunta categorica do illustre deputado devo responder...
(Interrupção que não foi ouvida.)
Eu não devo dizer senão o seguinte: as dictaduras não se affirmam nem se negam a priori, não se preconizam nem se renegam antecipadamente. Se são necessarias, se as circumstancias as aconselham, e se a opinião as acompanha e indica, realisam-se na occasião opportuna.
(Interrupção.)
Disse o illustre deputado que saiu ha pouco dos bancos do poder, que n'este recinto não se deve fallar em dictadura; mas, quem fallou aqui em dictadura? Não fui eu o primeiro que pronunciei essa palavra, antes fui obrigado a responder a uma pergunta categorica directamente feita ao governo, pergunta em que tal palavra se continha e que a essa ordem de factos se referia. (Apoiados.)
O sr. Arroyo: - Desejava unicamente saber, se no espirito do governo existe a opinião de que é necessaria uma dictadura.
O Orador: - A prova de que o governo não tem, n'este momento, no seu espirito a intenção de pedir ao poder moderador qualquer acto de dictadura, é que appellou se não para a confiança politica da camara, ao menos para a sua benevolencia; e essa resposta já estava dada antecipadamente, e o illustre deputado, ouvindo a exposição do sr. presidente do conselho, devia tel-o comprehendido.
Sr. presidente, cuido ter respondido a tudo quanto o illustre deputado exigiu do governo. Como prometti á camara ser conciso, não dizer uma unica palavra que podesse melindrar os espíritos, e como não desejo aquecer mais ainda a temperatura, já um pouco elevada, em que vejo o estado dos animos da maioria da camara, termino aqui.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Não podia dispensar-me de usar da palavra n'este momento. Já tinha mesmo tenção de dizer algumas palavras, antes de se encerrar o debate, para agradecer ao illustre deputado por Braga, o sr. José Borges, as palavras benevolas que proferiu e a posição espectante que prometteu ao governo. Creia s. exa. que reconheço e aprecio devidamente a independência do seu caracter e o modo brioso como tem procedido n'esta questão.
Agora, e já que estou com a palavra, não posso deixar de responder á pergunta, que directamente me foi feita, confirmando as declarações do sr. ministro da marinha, ás quaes me associo completamente.
As dictaduras não se improvisam, não se promettem; não se faz programma d'ellas.
Quem julga possível que no parlamento portuguez se levante um ministro para declarar, que ha de fazer dictadura?!
As dictaduras nascem de imperiosas e indeclinaveis necessidades publicas, que se impõem aos poderes publicos. (Apoiados.)
Não se explicam pela legalidade; justificam-se pelos seus resultados.
Quer o illustre deputado saber, se o governo tem intenção de usar d'esta faculdade, ou de proceder em conformidade com a constituição?
O governo não póde adivinhar, não póde prevenir as circumstancias que podem occorrer; não póde, portanto,

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prometter se ha de fazer ou não fazer a dictadura; isso excede a sua previsto. O governo o que podo dizer, é que o seu pensamento ë fazer manter as leis.
Mas o que me admira é que o illustre deputado, cavalheiro illustrado, um dos mais robustos talentos do partido regenerador, viesse a esta camara cheio de santo horror pelas dictaduras, perguntar ao governo, se estava resolvido a recorrer a este extremo violento, dizendo que o paiz já estava aterrado, só com a idéa e com o rumor de uma dictadura!
A que partido pertence o illustre deputado?! (Apoiados.)
Oh! sr. presidente, o sr. Arroyo, membro valoroso da maioria, um dos principaes advogados da doutrina o da política regeneradora; elle que admira os feitos do illustre ex-presideate do conselho de ministros, o sr. Fontes Pereira do Mello, que publicou a reforma do exercito em dictadura, vinte e quatro horas depois de encerrado o parlamento; que um anno antes havia publicado uma lei de meios em dictadura, a lei de meios, que só se justifica em circumstancias excepcionaes; é este illustre deputado que vem a esta camara, ardendo em santo horror, perguntar ao governo, se está resolvido a fazer dictadura!! (Apoiados.)
D'onde vem ao illustre deputado a auctoridade para fazer esta pergunta?! (Apoiados.)
O sr. João Arroyo: - Vem do pleno direito em que estou de interrogar o governo sobre pontos tão graves como este.
O Orador: - Não pergunto ao illustre deputado pela sua auctoridade legal; pergunto-lhe pela sua auctoridade moral. (Muitos apoiadas.)
Pois o illustre deputado não vê que o estão esmagando as tradições do seu partido?! Pois a historia recente do seu partido, os precedentes do partido que s. exa. sustentou no poder, não lhe estão respondendo mais eloquentemente, do que todos os argumentos e do que todas as phrases de que eu podesse usar n'este momento, para responder ao illustre deputado?! (Apoiados.)
Tenha s. exa. mais prudencia; nós estamos quietos, socegados, tranquillos, dispostos a ter todas as contemplações com os vencidos, inclinados a respeitar a liberdade das lamentações e as saudades que possam ter pelo poder; mas quando s. exas. chegarem a umas certas provocações, hão de permittir-me que, abrindo-lhes o livro do passado, lhes apontemos para os seus precedentes e digamos, que não têem direito a fazer perguntas como aquellas que o illustre deputado nos dirigiu. (Apoiados.)
Sejam mais prudentes e mais cautelosos, porque nós, pela nossa parte, não temos desejos de travar polemicas partidarias, nem de fazer recriminações políticas.
Qualquer espectador das galerias, que observar imparcialmente esta discussão, e vir que no primeiro dia em que se apresenta um ministerio n'esta camara, cheio de palavras serenas e benevolas para com todos, é recebido por esta fórma pelos illustres deputados, não deixará de se admirar e exclamar: - o que será d'aqui a algum tempo, quando o ministerio tiver alguns mezes de vida!
Pois nós, que nascemos hqntern para o paiz e hoje para o parlamento, que ainda não podemos praticar um unico acto, já estamos sendo accusados, censurados, vilipendiados, como se tivéssemos uma longa vida?!
Oh sr. presidente, a paixão é cega e nem sempre é a melhor conselheira.
E que ha de dizer o paiz, ouvindo as injurias, logo no primeiro dia atiradas ás nossas faces, vendo o modo violento com que se procede contra nós, presenceando este furor de aggredir?!
Não sei se a apreciação imparcial do paiz será favoravel ao illustre deputado.
Sobre nós é que pesa a responsabilidade do governo, e não podemos por isso consumir o tempo em polemicas estereis, sem com tudo nos esquivarmos a dar as explicações que nos pedirem.
Perguntou ainda o illustre deputado qual a intenção do governo a respeito das reformas políticas.
A opinião dos homens que hoje se sentam nas cadeiras do poder, com respeito ás reformas políticas, é a mesma que tinham quando estavam na opposição; mas só nós é que somos os juizes da opportunidade d'ellas, como somos os responsaveis perante o paiz pela gerencia dos negocios publicos. (Apoiados.)
Não sei se devo mais explicações ao illustre deputado ou a qualquer outro.
Estou prompto a dar as explicações que me pedirem, mas parece-me que esta discussão se torna inutil e que não tirámos d'ella vantagem alguma. As paixões políticas podem lucrar alguma satisfação, mas o paiz de certo não tem interesse na continuação d'este debate. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu, as notas tachygraphicas.)
O sr. Frederico Arouca: - Não pedi a palavra para declarar a minha situação politica perante o governo. Sou soldado do partido regenerador, e a attitude do meu partido foi definida pelo meu illustre amigo o sr. Pinheiro Chagas.
Como soldado do partido regenerador sou opposição franca e clara ao actual ministerio; aguardo os seus actos, discutirei as suas propostas e votarei conforme mo indicarem a minha intelligencia e a minha consciencia, tendo em vista as conveniencias do meu paiz.
Pedi a palavra na occasião em que ouvi o sr. presidenta do conselho apresentar o seu programma politico, e entendi que devia pedir a palavra, porque, tendo sido eu um dos poucos deputados que nesta camara se têem occupado da questão agrícola, não podia ficar silencioso quando s. exa. se referiu á creação de um ministerio de agricultura, commercio e industria.
A declaração do sr. presidente do conselho foi clara e categorica. Disse s. exa. que se creava o ministerio de agricultura, sem augmento de despeza, e que se procederia a um inquerito agrícola.
As declarações do sr. ministro da fazenda já diferiram um pouco das que fez o sr. presidente do conselho, porque disse s. exa. que se creava o ministerio de agricultura, mas fazendo-se alguma despeza.
Finalmente, as declarações do sr. ministro das obras publicas, e meu amigo, o sr. Emygdio Navarro, foram ainda differentes das do sr. ministro da fazenda. Disse s. exa. que a creação do ministerio de agricultura ha de trazer despeza, mas essa creação não terá logar senão depois de se fazerem economias. E s. exa. fez notar já que uma das economias a realisar era produzida pela suspensão da reforma de engenheria, despeza que aliás ainda não pesava sobre o thesouro.
Ora, tendo eu defendido, por mais de uma vez, n'este parlamento, os interesses agrícolas do paiz; tendo eu instado com o ex-ministro das obras publicas, o sr. Thomás Ribeiro, para que me concedesse alguns momentos do conversação parlamentar sobre assumptos que dizem respeito á agricultura portugueza, entendi que devia tambem n'este momento dizer o que penso, em poucas palavras, sobre tal objecto.
Eu sou, em principio, favoravel á creação do ministerio de agricultura; mas o facto de eu ser em principio favoravel a essa creação, não quer dizer que eu possa applaudir n'este momento a creação d'esse ministerio, muito mais quando essa creação vem formulada no programma ministerial, ao lado de uma outra proposta que, por si só, é a manifestação evidente de quanto é inopportuna essa creação.
É necessario fazer o inquérito agrícola, disse o governo; é necessario saber se são fundadas as queixas dos agricultores; é necessario inquirir dos males que a affligem e dos remedios a applicar.

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Mas então para que é o ministerio da agricultura? (Apoiados.)
Eu preferiria antes que se fizesse o inquerito agrícola, que se conhecessem os males da agricultura, e que depois se creasse o ministerio de agricultura, se por acaso as circumstancias do thesouro fossem compatíveis com essa creação.
Eu sinto, e não podia deixar de sentir, que a idéa da creação desse ministerio partisse do meu illustre amigo o sr. Emygdio Navarro.
Pois não é s. exa. um dos vultos mais importantes do partido progressista?
Não tem s. exa. affirmado a sua extraordinaria intelligencia, quer nas luctas da imprensa, quer nas luctas do parlamento? (Apoiados.)
Não é s. exa. um luctador infatigavel, um homem de trabalho?
Receia, porventura, das suas forças ou da sua intelligencia para gerir os negocios das duas repartições, e precisa declinar em outro ministro os negocios da agricultura?
Eu comprehendo que em circumstancías regulares, quando as forças do thesouro estivessem desafogadas, se creasse esse ministerio; mas o governo calculou já quanto está no orçamento para despezas de agricultura e quanto seria necessario descrever n'elle quando esse ministerio se creasse? (Apoiados.)
Porventura o governo já calculou os milhares de contos que será preciso gastar para dessalgar as terras do Ribatejo, para fazer os canaes de irrigação, para transformar a cultura cerealífera em abundantes pastagens, para submergir as vinhas, um dos processos indicados para combater a phyllaxera?
Tudo isto são largos emprehendimentos para que o thesouro não está preparado.
Mas entre os males, que affligem a agricultura, eu aponto ao governo alguns, que não dependem, de augmento de despeza para serem evitados; dependem de medidas legislativas. E visto que o partido regenerador, pela boca do sr. Pinheiro Chagas, aguarda com serenidade os actos do governo e os discutirá, e votará conforme a sua consciencia e os interesses do paiz, é possível que, se o partido progressista entendesse que a agricultura precisava de prompto remedio para algum dos seus males, é possível que, numa questão como esta, que não é partidaria, a camara estivesse ao lado do governo. (Apoiados.)
Mas, ao passo que o sr. presidente do conselho invocava a benevolencia da camara, não politicamente, mas no interesse do paiz, fallava tambem na creação do ministerio de agricultura como facto indispensável para poder governar. Isso é que eu contesto.
S. exa. sabe que a questão agrícola resume-se hoje principalmente em dois pontos importantes. O lavrador vê depreciar o seu género, porque o trigo vale menos 25 por cento do que valia ha quinze annos, ao passo que a farinha teve uma diminuição de 20 por cento e o pão de 10 por cento; e a desharmonia em que se encontra o preço do pão e do trigo constituo a desgraça do lavrador, sem proveito do consumidor, porque o consumidor não paga o pão pelo preço por que o deve pagar e o lavrador vende o trigo mais barato do que o devia vender. Este mal remedeia-se, ou por elevação dos direitos sobre o trigo estrangeiro, ou pela diminuição do direito sobre as farinhas. Portanto este mal remedeia-se com medidas legislativas que podem engrossar o rendimento do thesouro, modificando-se num ou noutro sentido a pauta.
O nosso paiz tem hoje uma região florescente, a região vitícola, as plantações succedem-se por todos os lados; ha uma crise de braços por toda a parte, porque as plantações são muitas.
A França tem procurado o nosso mercado para se abastecer de vinho em consequencia da falta que ha d'elle n'aquella nação, falta devida á phylloccera, que tem arruinado os seus vinhedos; mas no dia em que as circumstancias da França mudem, ella não ha de vir buscar aqui tanto vinho como agora; porque a França é incansavel na lucta.
Por consequencia, é preciso abrir novos mercados, e com uma verba que está no orçamento, ligeiramente augmentada, nós podemos estabelecer exposições que, tornando conhecidos os nossos vinhos, facilitem a abertura de novos mercados.
O nosso paiz produz vinhos brancos finíssimos, que não podem ir aos mercados estrangeiros, porque são muito elevados os direitos de exportação; diminuídos os direitos de exportação e diminuídos os direitos da importação da aguardente de cereaes, tanto bastava para melhorar esta industria, e não havia augmento de despeza, mas sim de receita. Para que é então necessario crear o ministerio de agricultura?
Outras providencias ha ainda a empregar, uma d'ellas diz respeito principalmente ao ministerio da guerra, e talvez a camara se admire de me dirigir directamente ao sr. ministro da guerra.
Consta-me que os fornecimentos das padarias militares eram feitos com trigo nacional e estrangeiro, e que ultimamamente, attendendo-se á barateza dos generos, se têem feito só com trigos estrangeiros.
Porque não põe o sr. ministro da guerra desde já em execução, como fez a França, uma providencia para que os fornecimentos da padaria para o exercito sejam feitos com generos nacionaes?
Aqui está um modo de remediar muitos males da agricultura, fazendo subir o preço do cereal.
Eu não quero prolongar, o debate. As minhas observações eram tendentes a demonstrar que as declarações do sr. presidente do conselho me alegraram ao principio mas entristeceram-me depois, porque vi que o programma do ministerio era immediatamente falseado pela declaração do augmento da despeza, que eu julgo desnecessario, em vista das difficuldades do thesouro.
Faça-se um inquerito agrícola e depois de feito, se as circumstancias do paiz o permittirem, crie-se um ministerio de agricultura.
Faça-se o inquerito, mas antes de o fazer tome o governo as medidas indispensaveis para remediar os males que affligem a agricultura e para os quaes não ha augmento de despeza.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Responderei em poucas palavras ás observações do illustre deputado; mas, antes de dar algumas explicações sobre a maneira como o governo considera a questão agricola, convém dizer que a s. exa. parece ver uma contradição onde ella não existe.
O sr. presidente do conselho disse que era tal o interesse do governo pelos progressos agrícolas, commerciaes e industriaes do reino, que julgava muito util separar a agricultura, o commercio e a industria das obras publicas, para com estes elementos crear um novo ministério; mas não disse que era isso a primeira e a mais inadiavel necessidade da situação presente.
O illustre deputado não ouviu bem, faço esta justiça á sua lealdade, e tem sempre imaginado que o governo o que julga indispensavel fazer sem demora é crear um ministerio da agricultura, commercio e industria. Não. O governo está sinceramente empenhado em crear este ministerio, que julga utilíssimo para o paiz; mas ha de escolher para isso o momento opportuno, assim como na questão das reformas políticas; e ha de fazel-o quando d'ahi não resulte transtorno para o thesouro.
O illustre deputado chamou a attenção do governo para a questão agricola. Não ha para mim questão mais grave do que essa. Nasci entre lavradores, entre elles me creei e até quiz a sorte que eu quasi sempre tenha sido eleito por

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círculos ruraes. Conheço por consequência as necessidades da agricultura, como as podesse conhecer qualquer homem que se desse ao estudo d'essas questões; mas ninguem póde ter a louca pretensão de as querer resolver sem as ter estudado. (Apoiados.) É uma questão grave e difficil, e tanto assim, que o partido regenerador, tendo estado da primeira vez sete annos no poder, e da segunda quatro, não a resolveu. Se cavalheiros cuja illustração, talento e patriotismo s. exa. admira não resolveram essa questão em onze annos que estiveram no poder, é porque ella é difficil. (Apoiados.)
Diz o illustre deputado que ha dois males na agricultura a questão dos cereaes e a questão dos vinhos. Não suo só esses, mas muitos mais.
Pois não será um mal para a agricultura uma organisação judiciaria que, a despeito da integridade e da intelligencia dos magistrados portuguezes, que não os ha melhores no mundo, arruina os litigantes, não por defeito dos julgadores, mas por defeito da lei? (Apoiados.)
Pois não será um mal para a agricultura, que, no dia em que morre um agricultor longe da cabeça da comarca, os orphãos, se os deixa, têem a certeza do ficarem arruinados por defeito da lei? (Apoiados.)
Pois não será um mal para a agricultura, mal que carece de prompto remedio, que, se um desgraçado que por miséria ou por simples esquecimento não pagou os impostos, seja pela execução fiscal obrigado a pagar vinte vezes mais do que o imposto? (Apoiados.)
Pois não será um mal para a agricultura que nem sempre os caminhos de ferro e as estradas sejam traçadas de modo a satisfazer os verdadeiros interesses agrícolas, mas antes obedecendo a mesquinhas considerações políticas? (Apoiados.)
E não será o peior de todos os males a carestia dos capitães, posto que o thesouro tudo absorvo pela divida fluctuante? (Apoiados.)
As questões dos cereaes e dos vinhos são de certo questões culminantes da agricultura portugueza, mas não são as unicas que carecem de solução.
Não ha uma só das questões agrícolas que não seja uma questão difficil, e que não exija estudo consciencioso.
Não esperamos que se faça esse estudo pelo ministerio da agricultura, vae já começar, e posso affirmar ao illustre deputado que, para fazer esse estudo, assim como para a organisação do ministerio de agricultura, não é preciso augmentar a despeza: basta só que os ministros se compenetrem, e compenetradissimos estão elles já, da gravidade e urgencia da resolução d'esse problema, e de que devem lançar mão de todos os elementos de trabalho, que têem nos seus ministerios, que são muitos, para aproveital-os em beneficio dos interesses agrícolas. (Apoiados.)
A economia não está, disse-o já, em despedir quem não tenha commettido culpas, nem em reduzir á miséria os funccionarios; a economia está em aproveitar o trabalho de modo que elle seja proveitoso.
Póde estar tranquillo o illustre deputado por essa parto, e eu não poderia permanecer n'um gabinete que não desse ás questões agrícolas a importancia que ellas têem.
Agora o que se não póde e pedir a ninguém, qualquer que seja a sua opinião, que sem estudo e sem inquerito resolva questões destas, que levam em outros paizes muito tempo a resolver.
Lembre-se o illustre deputado dos inquéritos agrícolas feitos em Inglaterra e na Franca e dos trabalhos que hoje se fazem na Allemanha ácerca da constituição da propriedade, porque tão prejudicial é á agricultara que a terra se agglomere na mão de poucos, como se subdivida por um numero infinito de pequenos proprietarios.
Ácerca de tudo isto se deve inquirir e estudar, antes do governo poder tomar uma resolução definitiva.
Parece-me que estas explicações devem satisfazer o illustre deputado e mostrar que são exagerados os seus receios sobro a creação do ministerio da agricultura.
O sr. Lamare: - Não serei eu seguramente que vá soltar n'este debate a mais pequena nota discordante. O que desejo, o que eu preciso, é definir bem claramente a minha posição ante o gabinete que se nos apresenta, para que ella possa ser conhecida, não só aqui, mas tambem aos que me honraram com o seu mandato.
Declaro portanto que sou opposicão clara, franca, leal e espectante. Aguardando os actos do novo gabinete, estou resolvido a vir pedir-lhe estreitas contas, quando entenda que o seu caminho é pouco conforme ás necessidades da publica administração, e menos adequado ás exigencias políticas do meu paiz.
Sr. presidente. Quando pedi a palavra no intuito de affirmar a minha posição n'esta camara, o de fazer algumas perguntas ao governo, a fim de melhor conhecer qual era a sua nova orientação política, affirmada num terceiro programma, que nada tem de especial, e que póde bem servir a todos os governos, estava muito longe de suppôr que estes desejos, já manifestados por alguns dos meus illustres collegas, apesar de perfeitamente lícitos, seriam tomados á má parte pelo sr. presidente do conselho, que, nervoso e irrequieto, chegou a ameaçar-nos com a força do gabinete e a suppor que poderíamos descer aos desgraçados manejos dos nossos adversarios, á política intransigente e facciosa, que sempre repellimos com energia, e que ainda hoje combatemos. E isto, quando nos pedia treguas, e quando nos aconselhava prudência! Podem especular como Braga e Guimarães, que este governo é forte dizia-nos s. exa. E esta phrase, que não fora provocada, nem pelo procedimento da maioria, nem pelo governo demissionario, era, como outras igualmente acerbas e injustas, o ramo de oliveira que s. exa. nos trazia. Não o acompanharemos nessas discussões irritantes, porque uma outra linha de conducta nos está traçada e 6 exigida pela situação especial em que se encontra o paiz.
Dissemos que a nossa política era espectante, que queriamos deixal-os governar livremente e nada póde, alterar o nosso firme propósito, que é sensato, ordeira e conveniente aos interesses geraes da nação.
Governem, pois, e se as normas da vossa, conducta futura forem incorrectas como as do passado, aqui estaremos a pedir-lhes contas e a coagil-os com todas as nossas forças ao cumprimento exacto dos seus deveres, porque não desejamos ser cumplices dos seus erros e porque nos corre a imperiosa obrigação de defender os interesses do paiz que representamos.
Não diga o sr. presidente do conselho que nos levantâmos a pedir explicações ao governo, tornando-lhe contas do seu passado, porque não é essa a nossa intenção, nem a occasião é a mais própria para um procedimento dessa natureza. Não faltará nunca o tempo para esse assumpto, que é vasto na verdade.
Convém todavia affirmar por um modo bem claro e terminante, que não recuamos diante das ameaças do governo, nem temos sombras de medo. Á força do governo opporemos as forças das nossas convições, que são sinceras, e o proposito firme e inabalavel em que estamos de cumprir com pontualidade e sem hesitações os nossos deveres. (Apoiados.)
O outro motivo que me levou a tomar parte n'este debate foi o desejo de fazer algumas perguntas ao governo. Preciso que o sr. ministro da guerra declare se tenciona, trazer ao parlamento alguma proposta de lei no sentido de alterar a nossa legislação com respeito a materia de recrutamento, e se, de accordo com as antigas idéas sustentadas pelo partido progressista, continua a julgar conveniente aos interesses do exercito a instituição do serviço pessoal obrigatorio.
E é tão pouco facciosa a minha política, que declaro desde já a v. exa. e á camara que o governo póde contar n'es-

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te assumpto com o meu voto e com a minha palavra (apesar do meu pouco valor) se se compromette a adoptar essa medida, que é de incontestavel utilidade para o exercito e para o paiz.
Se a sociedade concede a todos as mesmas vantagens e igual protecção, ella tem o direito incontestavel de exigir a todos as mesmas obrigações.
Só por qualquer circumstancia o governo renega o seu antigo programma e condemna essa medida, eu pergunto ainda se está disposto a propor alguma reforma da lei de 27 de julho de 1855, alterada em 9 de setembro de 1868 o ampliada em 30 de outubro de 1884, com relação ao tempo de serviço effectivo e do reserva, ou se concorda com as diferentes disposições vigentes, que asseguram a renovação periodica e constante dos effectivos do exercito, assim como a sua escolha.
Não estranha de certo o governo que eu lhe faca estas perguntas, desde que o sr. presidente do conselho se dispensou de fallar no exercito. Eu tenho na frente a primeira edição do programma do partido progressista, que não foi cumprido em 1879, e que muito menos o será em 1886, epocha em que nos apparece a terceira edição d'essa obra, e digo terceira, porque a segunda pouco correcta foi publicada ainda este anno na cidade do Porto; n'estas circumstancias não posso deixar de exigir explicações ao governo para saber qual é a sua orientação n'este ramo especial de serviço publico.
Desejo ainda saber se o governo mantém sem restricções e em todos os seus pontos a reforma do exercito decretada em 30 de outubro de 1884, e no caso contrario, quaes são os lineamentos geraes da nova reforma, ou as alterações que se pretendem introduzir na existente, na hypothese de se adoptarem as mesmas bases.
Se eu visse n'aquellas cadeiras apenas o sr. visconde de S. Januario, não faria nenhuma pergunta a este respeito. Estava certo de que elle, conscio do valor da obra em que tão activamente e com tão subida illustração e competencia collaborára, havia de mantel-a; mas, como aos lados do nobre visconde eu vejo nas cadeiras do governo os antigos deputados opposicionistas, que tão crua guerra moveram a essa reforma, promettendo destruil a logo que o seu partido se collocasse a frente dos negocios publicos, comprehendo a gravidade da situação, e preciso conhecer a resultante das forças desiguaes e contrarias que no actual gabinete actuam sobre essa reforma, que é incontestavelmente um grande melhoramento auferido pelo exercito a que tenho a honra de pertencer.
Á opposição perfeitamente acintosa feita n'esta casa pelo partido progressista quando se discutia a reforma do exercito vae seguramente responder por parte do governo o sr. ministro da guerra. E eu desejo ouvil-o sobre este ponto.
Pretendo saber se elle consente seja destruido um trabalho em que elle se empenhava, collaborando digna e nobremente, e affirmando mais uma vez ao paiz e ao exercito a sua aptidão e os seus profundos conhecimentos nos assumptos que prendem directamente com a parte que lhe está confiada. (Apoiados.)
E eu aguardo com viva impaciencia os actos do governo com respeito ao aperfeiçoamento das nossas instituições militares, e digo como Decken, que ellas retratam o adiantamento, a prosperidade e a civilisação de um povo.
Ao governo regenerador não cabia fazer tudo. Fez quanto póde em harmonia com as forças do paiz (Apoiados.), e se mais poderosas ellas fossem, mais longe elle iria por certo nos seus largos emprehendimentos que tinham por fim a resolução do grande problema da defeza nacional.
O nobre chefe do partido regenerador, o sr. conselheiro d'estado Fontes Pereira de Mello, deu durante o tempo em que geria a pasta da guerra inconcussas provas do apreço em que tinha o exercito, e não se poupou na tarefa que tomara de o collocar tanto quanto possivel na situação desafogada de poder cumprir a nobre missão que lhe é imposta. (Apoiados.)
Desejo tambem saber se o sr. ministro das obras publicas, ainda antes da creação d'esse novo ministerio que vae formar-se em nome dos principios economicos do governo (ministerio de agricultura, sem agravamento de despeza e antes com reducção da mesma, ao qual chamarei ministerio do milagre), tenciona trazer ao parlamento algumas medidas que tendam ao desenvolvimento da industria cavallar no paiz e possam assegurar uma remonta tão facil e tão prompta quanto convem ao exercito.
Lembro tambem a s. exa. a conveniencia de augmentar o numero dos postos hippicos, e pergunto, se, de accordo com os seus collegas, deseja organisar no paiz as circumscripções da remonta, proceder aos arrolamentos das eguas fantis e dos poldros, e animar por todos os meios ao seu alcance uma industria que póde ser duplamente productiva, e com a qual ganhará a remonta do exercito, que difficilmente se poderá realisar como convém ás exigencias do uma rapida mobilisação.
Não é agora a occasião mais propria para apresentar as minhas idéas a tal respeito, e dispensava me mesmo do o fazer o conhecimento especial das questões militares que tem o nobre ministro, e as suas tendencias naturaes para taes estudos.
Quem lê Von der Goltz, quem aprecia Von der Decken, quem estuda Lenval e denuncia taes estudos nas luctas parlamentares tem a imperiosa obrigação de traduzir em factos, logo que occupa essas cadeiras, a doutrina que perfilhara nos bancos da opposição.
Não quero fazer retaliações, não desejo passar revista n'este momento ao passado do ministerio; quero acreditar, ainda que com sacrifício das minhas opiniões, n'esta força herculea que o gabinete assegura possuir á nascença e que na verdade lhe póde ser prejudicial ao seu desenvolvimento; mas essa crença não desfaz nem por um momento as apprehensões graves que eu tenho ácerca do conflicto entre Braga e Guimarães, que determinou unica e exclusivamente a quéda do gabinete transacto.
Apesar das declarações feitas ha pouco pelo sr. presidente do conselho, eu receio hoje muito mais d'esse conflicto, do que receiava hontem, e do que receiava ha quinze dias.
E receio, porque estas questões resolvem-se mais pela prudencia do que pela força. Vejo que o governo mantem já a integridade do districto de Braga, e está disposto a usar da força para com a outra localidade.
Receio que falte essa força e que a precipitação na resolução de um assumpto grave dê origem a sérias complicações, que aliás poderiam evitar-se. E receio que falte essa força do que tanto se falia, porque conheço a historia política do meu paiz.
Recordo-me que em 19 de maio de 1870 estava no poder o partido historico, e que a revolta feita n'essa occasião teve as desastrosas consequencias que todos conhecemos precisamente pela falta de força do governo, pela sua imprevidencia e pela sua fraqueza.
Então faltou-lho a força para manter a ordem publica, para conter os revoltosos, e para salvar um principio em que todos devemos estar empenhados, e agora receio a repetição de taes scenas, e a representação de processos que possam trazer ao paiz graves e desastrosas consequencias.
Bom será que o sr. presidente do conselho possa de futuro dizer que lhe não faltou a força prudencia!, que é a primeira condição de um homem d'estado e aquella que deve preceder a força repressiva, para assegurar a manutenção da ordem e tranquilidade publica em todos os pontos do paiz.
Em tal caso estarei ao lado do governo, porque a minha unica conveniencia e a do partido a que me honro de pertencer é a que resulta do bem estar da nação.
O partido regenerador quer apenas a felicidade e a

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prosperidade do paiz, e pouco lhe importa o estar affastado das cadeiras do poder, quando o procedimento de qualquer governo seja correcto e satisfaça as suas generosas aspirações e que são o engrandecimento do estado e a sua autonomia. (Apoiados.)
Não é um bando de ambiciosos que disputem constantemente esses Jogares para satisfação de interesses proprios, e governo bem o novo gabinete, penitenciando-se do passado, adoptando processos novos de tolerancia e de boa e salutar administração, e poderá então convencer-se do quanto affirmo.
Não quero de modo algum fatigar a attenção da camara.
Aguardo as respostas que tive a honra de pedir aos srs. ministros, sem espirito partidario, sem aquelles enthusiasmos que muitas vezes prejudicam, sem seguir os exemplos de s. exas. quando estavam nos bancos da opposição.
Desejo-lhes mostrar que a minha de linha conducta é inteiramente diversa da sua.
Sou incontestavelmente opposição franca, aberta e decidida, mas opposição sensata, opposição sem violencia, opposição sem odios, sem vinganças, sem faciosismo e sem a paixão que prejudica e que desvaira. (Apoiados.)
Aguardo serenamente os actos do governo e reservo o direito de mais tarde lhe pedir estreitas contas, se elle entender dever saír do caminho que foi traçado, do caminho da ordem, da legalidade e da justiça. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Usa da palavra para dar as explicações que lhe foram pedidas pelo orador precedente, aproveitando ao mesmo tempo este ensejo para manifestar á camara e ao paiz a sua opinião e a maneira por que entende dever proceder na administração da pasta que lhe foi confiada.
Será breve, porque não quer entrar no campo das apreciações politicas, dando assim o exemplo, como lhe cumpre, de afastar e banir a politica da administração do exercito.
N'este proposito, quando tenha de tratar de quaesquer assumptos que respeitem ao seu ministerio, limitar-se-ha a discutil-os simplesmente e precisamente sob o ponto de vista do interesse e conveniencias para essa administração.
É seu intento, ao assumir a responsabilidade dos negocios da guerra, manter e affirmar cada vez mais, por todos os meios ao seu alcance, a disciplina no exercito.
É seu intento promover e desenvolver o mais possivel, dentro dos limites que se impõem no orçamento, a instrucção do exercito.
Sem disciplina e sem instrucção não ha exercito valido. Só com estas duas bases é que o exercito portuguez poderá continuar as suas tradições gloriosas.
O orador expõe em seguida a sua opinião no tocante ás despezas com o exercito e declara que é seu proposito e de todos os seus collegas no gabinete não exceder as verbas orçamentaes fixadas para cada ministerio. Forçam no a isso as circumstancias melindrosas do thesouro.
Bem sabe, e por vezes o tem dito na outra casa do parlamento, que a verba inscripta no nosso orçamento para os serviços do ministerio da guerra é pequena em relação á receita geral do paiz, comparada, proporcionalmente, com a verba que n'outras nações militares é applicada para o mesmo fim.
Com o serviço do nosso exercito gasta-se quasi sómente a setima parte da receita publica; ao passo que n'algumas nações é destinada para essa despeza a quinta, a quarta, a terça parte e até metade da receita geral; mas as nossas circumstancias financeiras, repete o orador, não permittem, por em quanto, alargar a dotação do ministerio da guerra, nem ainda até á quinta parte da receita, o que já nos habilitaria a grandes melhoramentos no exercito. Teremos por isso de manter a verba actual, aguardando tempos mais felizes.
Não deixará, comtudo, de emprehender, dentro do limite orçamental, o possivel melhoramento de alguns serviços, para o que, depois de reflectido estudo, apresentará ao parlamento as propostas de lei que tiver por convenientes, sem augmento de despeza, porque julga possivel transferir de uns para outros capitulos algumas verbas do orçamento.
Feitas estas declarações, passa o orador a responder ás perguntas que lhe dirigiu o sr. deputado Lobo Lamare.
Com respeito á lei do recrumento diz que d'ella provinham os principaes defeitos que se attribuem á ultima reorganisação do exercito, feita pela commissão a que se honra de ter pertencido, dentro das bases que haviam sido decretadas.
Defendeu, é certo, essa reforma com todas as suas forças na outra camara; mas é tambem certo que censurou por inconvenientes e defeituosos dois pontos principaes das respectivas bases. Esses dois pontos procedem da lei do recrutamento e um d'elles é o principio das remissões.
Havia condemnado, como condemna ainda hoje, esse principio e ao mesmo tempo havia censurado, com todos os seus amigos da opposição, a falta de uma disposição sobre recrutamento regional, que considerava e considerava ainda altamente proveitoso para o serviço do exercito e para a agricultura.
Não pretendo o orador entrar agora em largo desenvolvimento das suas idéas sobre os dois defeitos apontados, porque não o julga necessario, e limita se por isso a responder ao sr. Lamare, declarando que o governo, para obviar aos inconvenientes d'esses defeitos da reforma do exercito, apresentará ao parlamento, mas opportunamente, medidas que a modifiquem n'essa parte; e da opportunidade só elle é o juiz.
No resto, a reforma será mantida como facto consummado e como lei do paiz que está executada, se não em todas as suas partes, pelo menos na maioria d'ellas. E quando mesmo ella tivesse grandes defeitos, que realmente não tem, não conviria no momento actual reformal-a.
As reformas successivas das leis, especialmente as que respeitam ao exercito, têem gravissimos inconvenientes. Fazer uma organisação n'um anno o reformal-a no seguinte é tirar toda a auctoridade á reforma, por falta do confiança na sua execução.
Todavia, o governo reservou-se o direito de procurar remediar, por meio de propostas fundamentadas, quaesquer defeitos que for reconhecendo na applicação d'essa lei.
A outra pergunta do sr. Lamare referia-se á mobilisação do exercito.
Responde o orador, que para haver mobilisação é necessario, como ninguem ignora, que haja para ella meios e instrumentos, que esses meios e instrumentos são altamente despendiosos e nós só possuímos pequenos elementos d'elles.
É indispensavel o complemento do serviço de administração, alargando-o muito alem do que está hoje; são do mesmo modo elementos indispensaveis da mobilisação os serviços de trens e equipagens, que precisam de um material muito importante; e ainda o são outros. serviços que carecem de pessoal e material volante; mas tudo isto nos custaria muitas centenas de contos de réis, de que na actualidade não dispomos, mesmo em relação ao nosso pequeno exercito permanente, não augmentado com a reserva e que poderá ter, approximadamente, 50:000 homens.
Sendo porém este assumpto, como realmente é, de alto interesse para o exercito e para o paiz, assegura o orador que tenciona applicar para estas despezas todos os meios, que possa deixar de applicar a outros serviços, por serem de somenos importancia.
D'este modo, attenderá ao que seja mais necessario e indispensavel, sem aggravar as despezas publicas.
Não aspira, porque para isso escaceiam-lhe os meios, a mobilisar o exercito em conformidade com a ultima re-

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fórma decretada; mantém porém a esperança, de que caminharemos pouco a pouco, á proporção que nos formos livrando do peso das difficuldades financeiras em que nos encontrâmos e que conseguiremos mais tarde essa mobilisação, sem aggravar extraordinariamente as circumstancias do thesouro.
Feitas estas declarações e dadas estas respostas ás perguntas que lhe foram dirigidas, termina o orador dizendo, que na gerencia da pasta de que está encarregado, não póde deixar de limitar-se, por falta de recursos extraordinarios, simplesmente a administrar e a governar, e isso procurará fazer com acerto, equidade e economia.
Não póde nem deseja de modo algum sobresaltar o exercito com a idéa de novas reformas, ou seja a da organisação do exercito, ou sejam quaesquer outras.
Nas circumstancias financeiras em que nos encontramos limitar-se-ha, como já disse, a administrar com prudencia equidade e economia, mantendo a disciplina e desenvolvendo quanto possível a instrucção, dentro dos estreitos limites de que póde dispor; e não pense a camara que isto é pouco, porque administrar com equidade, economia, zêlo e acerto é justamente aquillo de que mais se carece n'este paiz.
(S. exa. foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Como a hora está muito adiantada e eu desejava que a camara tomasse uma deliberação ácerca de duas propostas que vou mandar para a mesa, peço licença aos illustres oradores que ainda se acham inscriptos, para interromper o debate, rogando a v. exa. que tenha a bondade de submetter desde já á votação da camara as propostas a que me refiro, e que toem por fim poderem accumular os logares de deputados com as funcções que exercem no ministerio da justiça os srs. Manuel d'Assumpção e Germano de Sequeira.
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos senhores deputados da nação a necessaria permissão para que possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do seu logar de director geral dos negocios da justiça, o sr. deputado Manuel d'Assumpção.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 22 de fevereiro de 1886. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Approvada.

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos senhores deputados a necessaria permissão para que possa accumular, querendo, as funcções legislativas com a do seu logar de juiz de direito da segunda vara da comarca de Lisboa, o sr. deputado Joaquim Germano de Sequeira. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Approvada.

O sr. Carrilho: - Por parte das commissões de orçamento e de fazenda, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que sejam aggregados ás mesmas commissões os srs. deputados Manuel dAssumpção e Pinheiro Chagas.
Assim se resolveu.
O sr. Marçal Pacheco: - Chego tarde o a más horas a este debate, mas ainda assim creio que hei de conseguir, em brevissimas palavras, definir a minha situação perante o novo gabinete.
Brevissimas palavras, como a solemnidade do momento e os melindres da conjunctura reclamam.
Declaro que sou opposição ao novo gabinete, não ás suas idéas, que tenho a ingenuidade pueril de acreditar que hão de ser as mesmas da situação transacta, mas opposição intransigente, franca e accentuada aos seus processos governativos, ás suas maneiras administrativas. (Apoiados.)
Se, na minha critica da nova situação, eu me determinasse pelo alto conceito que formo das capacidades e talentos dos novos ministros, quasi me sentiria inclinado a ser ministerial.
O partido progressista deu o melhor que podia dar; o gabinete tom ali a fina flor do seu partido, e, para que nada lhe faltasse, até foi convidado para fazer parte d'elle o meu honrado amigo, o sr. Antonio Candido, o que quer dizer que tambem ali está em espirito a mais bella, a mais brilhante, a mais prestigiosa palavra d'esta casa. (Apoiados.)
Mas a minha base de apreciação não póde ser esta.
Eu olho para aquelles homens cheios de formosas esperanças, de ridentissimo futuro, de grandes faculdades, e estou antevendo que elles hão de morrer apertados, suffocados, asphyxiados, ás mãos do espirito estreito, mesquinho e pharisaico do partido do onde saíram. São essas as suas tradições, é essa a sua indole. (Apoiados.) Nos partidos, como nas familias, ha qualidades hereditarias que não se perdem e difficilmente se apagam. (Apoiados.)
A estas horas estou em crer que, por esse paiz fora mais de uma tribuneca, mais de uma barraquinha, mais de um centriculo se terão armado para condemnarem o governo que está ali, porque não levantou já no caes do Tejo um patibulo para uso e consolo dos seus adversarios. (Apoiados. - Riso.)
Estão ainda na memoria de todos os processos de hontem. (Apoiados.)
Os annos de 1879 e 1881 não vão longe. (Muitos apoiados.)
É possivel que eu me engane. É possivel que o dia de hoje não seja o dia de hontem. Se assim for, tanto melhor para o paiz. Nós já ouvimos caír da bôca do nobre presidente do conselho palavras de paz e de tolerancia. Mas essas palavras de paz e de tolerancia foram incluidas no programma do novo gabinete, e todos sabem já o que valem os prograramas do partido progressista. (Apoiados.) Se s. exa. as não tivesse pronunciado, eu inclinaria o meu espirito a acreditar em paz e em tolerancia, como normas do novo governo, mas desde que as vi incluidas no programma ministerial, já estou a tremer. (Apoiados.) Temos os mesmos processos em acção! (Apoiados.)
Tambem ouvi fallar, como primeiro acto do programma governamental, na instituição de um ministerio de agricultura. Coherente com a minha ordem de idéas, eu quasi que não teria receio do cumprimento d'essa promessa, visto vir articulada no programma... mas d'esta vez abro uma excepção. E a excepção justifica-se, porque aquella creação do novo ministerio não é propriamente um artigo do programma, antes representa, segundo se diz, um artigo de necessidade da organisação ministerial, (Apoiados.) foi uma necessidade de compensação... (Apoiados.)
Diz-se e presume-se com bom fundamento que este, e não outro, foi o motivo da creação d'este novo ministerio da agricultura. Mas o meu espirito cede de presumpções em presença dos motivos reaes apresentados pelo sr. ministro das obras publicas.
Com effeito, ninguem dirá que o ministerio das obras publicas não está sobrecarregado de serviços; effectivamente, essa affluencia de serviços, os graves problemas de agricultura, commercio e industria, inherentes aquella pasta, obrigam ao desdobramento do ministério. Mas então occorrem outras observações.
Pois o ministerio progressista lembrou-se de ter dó de um homem infatigavel, activo, de larguissimas faculdades

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de trabalho, como é o sr. Emygdio Navarro, e deixou o pobre sr. ministro da marinha com uma pasta onde se accumullam todos quantos serviços constituem os ministerios todos?! (Apoiados.) Eu sei que o meu illustre amigo, o sr. Henrique de Macedo, é tudo quanto ha de mais activo e diligente. (Riso.) Sabe-o toda a gente. (Riso.) Se até alguma cousa o tem prejudicado é a lenda, mais que justificada, da sua actividade extraordinaria, do seu trabalho infatigavel, do seu desejo de correr á pressa a tratar de todos os assumptos. (Riso prolongado.)
Mas a fallar a verdade, quando se olha para o sr. Emygdio Navarro, para o seu passado, para o seu presente, para a sua vida jornalistica e parlamentar, para os labores infatigaveis da sua actividade prodigiosa; (Apoiados.) quando Be considera tudo isto e se vê que é elle o que vae ser alliviado de trabalho, ao passo que assim é tratado o sr. Henrique de Macedo, percebe-se, sente-se que ha uma flagrante desigualdade! (Apoiados. - Riso.) Eu reclamo com todo o direito igual favor para o sr. ministro da marinha. (Riso.) A camara vê quanto s. exa. tem que fazer! Elle é o trabalho da saúde publica no ultramar; elle é as obras publicas no ultramar; elle é a fazenda do ultramar; elle é a nomeação dos bispos, conegos e parochos do ultramar; elle é a nomeação dos juizes, delegados e escrivães para o ultramar; elle é a policia do ultramar; elle é os governadores, secretarios do governo e residentes do ultramar; elle é a construcção dos navios para o ultramar; elle é a nomeação de todos os empregados de marinha desde o contra-almirante até ao grumete; elle é tambem a agricultura do ultramar; elle é o correio e as estações telegraphicas e submarinas; elle emfim, é todo o serviço do estado! (Risos prolongados.)
Isto, realmente, é assombroso!
Admiro, francamente, a pouca caridade que tiveram com o sr. Henrique de Macedo!
Parece que o fizeram ministro, de proposito, para que elle seja a victima expiatoria da situação. (Riso.)
Isto não póde ser.
Desdobra-se a pasta do ministerio das obras publicas e não se desdobra a pasta do ministerio da marinha!?
Então não se dá um cyreneu ao sr. Henrique de Macedo?
Não é justo.
Pois não ha ahi algum irmão syamez para ir para a pasta da marinha? (Riso.)
Vamos! Busquem bem e acabemos logo de contentar a todos. Dar esperanças a um, deixando o outro de fora é cruellissimo... (Riso.)
Sr. presidente, ou sei que este momento é o da apresentação de cumprimentos ao governo. Já lhe fiz os meus. (Riso.)
Não quero nem devo alongar-me mais.
Resta-me só acrescentar uma declaração, e é que por mais accentuada, convicta e sincera que seja a minha opposição ao gabinete, ella nunca será facciosa.
Nunca será facciosa porque na minha maneira de sentir julgo agora, e sempre assim o tenho julgado, que ser-se faccioso e ser se inferior.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: - Deu a hora. Ámanhã ha trabalhos em commissões e a proxima sessão é na quarta feira, á hora do costume.

Eram seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. presidente na sessão de 20 do corrente, e que, por ter saído com algumas inexactidões, novamente se publica

O sr. Presidente (Pedro Augusto de Carvalho): - Dou conhecimento á camara de que, mediante a minha intervenção como presidente supplente em exercicio, se acha pacifica e honrosamente terminada uma pendencia que se havia suscitado entre dois illustres membros d'esta casa, os srs. deputados Elvino de Brito e Franco Castello Branco, por occasião do incidente occorrido na sessão de quarta feira ultima.
Tendo-me constado que o primeiro d'estes cavalheiros se considerava offendido por algumas expressões que o segundo proferira como desforço de um aggravo que suppozera haver á sua pessoa n'um ponto do discurso que o sr. Elvino de Brito estava pronunciando, e tendo adquirido a convicção de que, explicadas lealmente as intenções por ambas as partes e apurada devidamente a verdade dos factos, nenhum motivo serio podia haver para proseguir similhante pendencia, dirigi-me separadamente a cada um d'estes cavalheiros, convidando-os a exporem-me os motivos do seu aggravo e as intenções com que haviam procedido.
A esta minha intervenção adheriram de boa mente os interessados, declarando-me formalmente o sr. deputado Elvino de Brito que de modo algum tivera em vista aggravar directa ou indirectamente o sr. deputado Castello Branco, na passagem do seu discurso sobre que se levantou o incidente parlamentar, e declarando-me não menos formalmente por sua parte o sr. deputado Franco Castello Branco que as expressões por elle proferidas tinham sido unica e exclusivamente determinadas pelo intuito de se desforçar do que suppozera ser aggravo á sua pessoa no discurso do sr. Elvino de Brito.
A pendencia não tinha rasão de ser, desde que mutuamente se reconhecia e confessava o falso presupposto que lhe dera origem; e eu folgo de poder declarar á camara que os dois interessados, annuindo ao meu convite e acceitando as explicações reciprocas trocadas por meu intermedio, houveram por finda e dirimida, como se não tivera existido, a mesma pendencia.
(A camara apoiou vivamente as palavras do sr. presidente.)

Rectificação

Na sessão de 19 do corrente, a pag. 475, na designação doe secretarios da mesa apparece repetido o nome do segundo secretario, o sr. Henrique da Cunha Matos de Mendia, faltando o do primeiro secretario que é o sr. João José de Antas Souto Rodrigues.

Redactor = S. Rego.

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