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SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Julio Antonio Luna de Moura

SUMMARIO

Deu-se conta dos seguintes officios: do ministerio do reino, acompanhando o processo eleitoral relativo á eleição de um deputado pelo circulo de Mapuçá; do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, respondendo aos officios dirigidos áquelle ministerio pelo presidente desta camara em 21 de abril e 16 de maio ultimo; do presidente da assembléa de apuramento eleitoral do circulo de Horta, acompanhando a acta do apuramento a que se procedeu n'aquelle circulo na ultima eleição de deputados. Apresentado pelo sr. deputado João Cesario de Lacerda. - Os srs. Alfredo Brandão, Guerra Junqueiro, Paulo Cancella, marquez de Fontes Pereira de Mello, Gabriel de Freitas, Pinto Moreira e Agostinho Lucio mandaram declarações de como votariam, se estivessem presentes quando se votou a generalidade do bill de indemnidade. - Não foi admittida uma proposta que teve segunda leitura, e que foi apresentada pelo sr. Francisco José Machado na sessão anterior. - Prestaram juramento os srs. deputados Theophilo Ferreira e Francisco Severino de Avellar. - Apresenta-se o parecer sobre o diploma do sr. Fernando Mattozo Santos. Foi approvado, e seguidamente proclamado deputado o sr. Mattozo Santos. - O sr. Elias Garcia apresentou uma representação de Eduardo Maia e Magalhães Lima, protestando contra a violação do artigo 145.° § 3.º da carta constitucional praticada em Setubal, e fez algumas considerações justificando-a. - O sr. Alberto Pimentel referiu-se aos acontecimentos que se deram na Povoa de Varzim, pedindo o auxilio do governo para as viuvas e orphão a victimas dos referidos acontecimentos. - Respondeu-lhe o sr. presidente do conselho. - Os srs. Bandeira Coelho e Moraes Sarmento fizeram algumas considerações sobre a reforma do exercito, apresentando o sr. Moraes Sarmento uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 188-A, de 1885. - O sr. Francisco José Machado requereu que se abrisse uma discussão sobre a reforma do exercito. - Os srs. Casal Ribeiro e Eduardo Abreu requereram que a votação sobre a proposta do sr. Machado fosse nominal; sendo rejeitada a votação nominal e a proposta. - O sr. Jacinto Cândido manda para a mesa, e justificou, uma proposta, propondo que haja três sessões nocturnas por semana, em dias designados pelo sr. presidente. - Sobre esta proposta fallaram, alem do proponente, os srs. José Maria de Alpoim, Francisco Machado e Amorim Novaes. - O sr. Veiga Beirão propoz que ás sessões nocturnas só se effectuem depois do principio de julho, se o numero de pareceres distribuidos a esse tempo as justificar. - O sr. José de Azevedo Castello Branco combate a proposta do sr. Beirão. - O sr. Eduardo Abreu mandou para a mesa uma proposta, que ficou para segunda leitura. - O sr. barão de Paço Vieira queixou-se de ter sido arbitrariamente preso, estando a tomar cerveja com o digno par do reino o sr. Macario de Castro no café da Europa, por exorbitancia de um cabo da guarda municipal. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho.
Na ordem do dia, discussão na especialidade do projecto n.° 106 (bill de indemnidade). - Apresenta o sr. Alfredo Brandão uma proposta, que considera questão previa, assignada por mais quatro srs. deputados. E a proposta lida na mesa, e o sr. presidente declara que a mesa não podia classifical-a como questão previa; não obstante, o orador continuou, a usar da palavra, procurando justifical-a. - Responde-lhe, como relator, o sr. Pinheiro Chagas, dizendo, depois de outras considerações, que o sr. presidente se conservara dentro da letra e do espirito do regimento, classificando a proposta do sr. Alfredo Brandão como não sendo previa. - O sr. presidente consulta a camara sobre se approvava como bem feita a classificação da mesa á proposta do sr. Brandão. A camara decidiu affirmativamente. - Seguiu-se no uso da palavra (sobre a ordem), o sr. Dias Ferreira, que fallou até dar a hora. - Antes de se fechar a sessão, o sr. Veiga Beirão fez uma pergunta ao sr. ministro dos negócios estrangeiros sobre um boato que corria e que dizia respeito á commissão de serviço ultramarino, de que tinha sido encarregado o sr. Marianno de Carvalho. - Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Francisco Machado refere-se de novo ao facto de ter sido preso um official, por um acontecimento que se dera em Mafra. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho.- O sr. ministro dos negócios estrangeiros apresentou uma proposta de lei approvando, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção commercial entre Portugal e o Egypto, assignada no Cairo em 11 de maio de 1890.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 54 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Abilio Guerra Junqueiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pereira Pinheiro, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco José Machado, Francisco José do Medeiros, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jacinto Candido da Silva, João de Barros Mimoso, João Cesario de Lacerda, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Antonio do Almeida, José Domingos Ruivo Godinho, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Greenfield de Mello, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Antonio Luna do Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Thomas Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho e Visconde de Tondella.

Entraram, durante a sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Antonio de Azevedo Castello Branco, António Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Antonio Sergio da Silva e Castro, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Maria Fuschini, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Emygdio Julio Navarro, Estevão António de Oliveira Junior, Fidelio de Freitas Branco, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Severino de Avellar, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Latino Coelho, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto,

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Manuel Affonso Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Oliveira Aralla e Costa; Manuel Pinheiro Chagas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Victor da Costa Sequeira e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio Manuel da Costa Loreno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Ribeiro Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha; Bernardino Pacheco Alves Passos, Conde do Covo, Conde de Villa Real, Elvino José de Sousa e Brito, Eugênio Augusto Ribeiro de Castro, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues, dos Santos, José de Alphina de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria dos Santos, José de Vasconcellos Mascarehhas Pedroso, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel de Arriaga, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, acompanhando o processo eleitoral relativo á eleição do deputado pelo circulo de Mapuçá.
Para a commissão de verificação de poderes.

Do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, respondendo aos officios dirigidos áquelle ministerio pela presidencia desta camara, em 21 de abril e 16 de maio ultimo.
Para a secretaria.

Do presidente da assembléa de apuramento eleitoral do circulo da Horta, acompanhando á acta do apuramento a que se procedeu n'aquelle circulo, na ultima eleição de deputados.
Apresentado pelo sr. deputado João Cesario de Lacerda e enviado á commissão de verificação de poderes.

Segundas leituras

Requeiro que se nomeie uma commissão parlamentar que vá a Obidos inquirir dos factos que ali se têem praticado depois da eleição de deputados, devendo esta commissão conter deputados de todas às cores politicas. = F. J. Machado.
Não foi admittida.

REPRESENTAÇÃO

De Eduardo Maia e Sebastião de Magalhães Lima, protestando contra a violação do artigo 140.° § 3.° da carta constitucional, violação que os representantes dizem ter sido praticada pela auctoridade administrativa do concelho de Setubal, no comicio ali realisado no dia 25 de maio ultimo.
Apresentada pelo sr. deputado Elias Garcia, enviada á commissão de petições e mandada publicar no Diario do governo.

DECLARAÇÕES DE VOTO

Declaro que se estivesse presente na sessão de 7 do corrente, teria votado contra o bill de indemnidade e contra a moção de confiança ao governo. = Alfredo Cesar Brandão.

Declarâmos que se estivéssemos presentes á ultima sessão, votariamos contra a approvação da generalidade do bill e contra a moção de confiança. = Guerra Junqueiro = José Paulo Cancella.

Declaro que se tivesse assistido á sessão de sabbado, teria votado a favor da moção do sr. barão de Paço Vieira e em favor do projecto do bill. = João Pinto Moreira.

Declaro que se estivesse presente á sessão de sabbado, teria votado á moção de confiança ao governo e a generalidade do bill de indemnidade. = Marquez de Fontes Pereira de Mello.

Não tendo podido assistir á sessão de sabbado, declaro que, se estivesse presente, teria votado a favor da generalidade do bill e da moção de confiança ao governo. = Gabriel de Freitas.

Declaro que se estivesse presente á sessão de sabbado, teria votado a favor da proposta do bill de indemnidade, na sua generalidade. = O deputado, Agostinho Lucio.

Declaro que votaria, se estivesse presente na ultima sessão, com aquelle illustre deputado que relevara o governo da responsabilidade de ter praticado actos dictatoriaes. = Pedro Victor.
Para a secretaria.

O sr. Alfredo Brandão: - Declaro que se estivesse presente na ultima parte da sessão de sabbado, teria votado contra o bill de indemnidade e contra a moção de confiança.
O sr. Guerra Junqueiro: - Para fazer uma declaração idêntica á do sr. Alfredo Brandão.
O sr. Cancella: - É para declarar que se estivesse presente na ultima sessão teria votado contra o bill e moção de confiança.
O sr. Marquez de Fontes: - Para dizer a v. exa. que se estivesse presente a ultima sessão teria votado o bill de indemnidade e á moção de confiança.
O sr. Gabriel de Freitas: - Declaro que se estivesse presente á ultima parte da sessão de sabbado, teria votado o bill e a moção de confiança.
O sr. João Pinto Moreira: - Para declarar a v. exa. que faltei a algumas sessões por motivo de doença, e que se estivesse presente á ultima sessão, teria votado a favor do bill e da moção de confiança.
Foram introduzidos na sala, prestaram juramento e tomaram assento os srs. Severino de Avellar e Theophilo Ferreira.
O sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa o diploma do sr. Fernando Mattozo Santos, deputado eleito pelo circulo plurinominal da Horta.
Sr. presidente, antes de encerrar-se a ultima sessão, o Ilustre deputado o sr. Serpa Pinto dirigiu-se ao sr. ministro da guerra a propósito de um artigo do Diario de noticias, que se referia aos trabalhos da sub commissão superior de guerra sobre a reforma do exercito.

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O sr. ministro da guerra respondeu como julgou conveniente.
A promulgaçãodo decreto com a reforma do exercito, quando tenha sancção parlamentar o bill de indemnidade; no que não ha duvida, e da completado inteira responsabilidade do governo. O sr. ministro da guerra encarregou a commissão superior de guerra de elaborar um projecto de reforma do exercito sujeito a um certo numero de bases por s. exa. enviadas á mesma commissão.
Foi nomeada uma sub-commissão composta de dois officiaes de cada arma para a confecção d'esse trabalho, e como na commissão superior de guerra não havia senão dois officiaes de artilheria, naturalmente eu fiz parte d'essa sub-commissão.
Foi recommendado o sigillo sobre os trabalhos da sub-commissão.
A camara comprehende o cuidado e cautela com que eu andaria na minha posição especial de adversario politico do governo e deputado do partido progressista; mas não fui, nem mais, nem menos; cauteloso que os meus nove collegas.
O trabalho foi concluido; como já aqui declarou o nobre ministro da guerra, e foi mandado ao seu destino, e só dias depois e que appareceu o alludido artigo. Não se deprehende, por fórma alguma, que a doutrina do artigo traduz os trabalhos da sub-commissão superior de guerra. Não me é licito discutir esse ponto; mas o que posso dizer é, que sendo-me muito commodo, pessoal e politicamente assignar com declarações ou vencido, não o fiz; as minhas divergencias para com os seus collegas foram tão secundarias que eu faltaria a um dever de lealdade se assim não procedesse; era isso improprio do meu caracter. A reforma do exercito de 1884; promulgada dictatorialmente pelo partido regenerador, sendo chefe da situação o fallecido estadista Fontes Pereira de Mello, tem já quasi seis annos de experiencia e os seus resultados são tão beneficos, que o mesmo partido, tendo como chefe de gabinete e ministro da guerra: o sr. Antonio de Serpa Pimentel; publicou um decreto auctorisando-se a reformar a mesma lei fundamentando-o aqui o nobre presidente do conselho; dizendo que deviamos estar preparados para um golpe de mão, e o sr. Pinheiro Chagas, como relator do bill que não podiamos pôr de parte a hypothese da guerra.
Mas, sr. presidente, os trabalhos da sub-commissão, de que faço parte, hão de apparecer a publico e então se verá quanto intempestiva e infundada é a suspeição de que os seus membros trataram sómente de elevar certas armas e amesquinhar outras. Espero que se fará justiça aqüulles que pondo as suas aptidões ao serviço do governo n'um trabalho sujeito a determinadas bases; só tiveram por fim ser uteis ao seu paiz.
Sr. presidente, eu nunca tratei de mim, nem mesmo na sub-commissão tratei da minha arma.
Vou dizer a v. exa. e á camara o motivo.
No relatorio que precede a proposta de lei apresentada ás cortes em 1884, escrevia o fallecido estadista Fontes Pereira de Mello: «A artilheria, mesmo depois do augmento proposto, e que fica muito abaixo do indispensavel, segundo a proporção moderna, etc. Seria preciso o dobrei; pelo menos, para que esta arma ficasse em boas condições. Não o permittem, comtudo, as nossas circumstancias financeiras desde já, etc., etc.
Era elle que o dizia, não sou eu; a arma de artilheria não precisa, pois, de advogados; tem aqui na lei de 1884 o que escrevia Fontes, como terá agora o seu substituto o sr. Serpa Pimentel.
A arma de artilheria nada tem a perder que a reforma seja ou não publicada, porque, ou o nosso paiz para ser autonomo precisa do exercito, e n'esse caso para estarmos preparados para um golpe de mão, quer por mar quer por terra, teremos necessidade de muita artilheria, ou não precisamos de exercito e dispensaveis são todas as armas. Por ultimo peço aos meus correligionarios, e amigos que suspendam o seu juizo sobre qualquer má impressão, que porventura lhes tenha causado o artigo do Diario de noticias ate que seja publicado o trabalho da sub-commissão, e então venha a critica, pois que em questões d'esta natureza não póde; nem deve haver solidariedade politica, nem tão pouco deferencia pessoal.
O sr. Elias Garcia: - Sr. presidente, mando para a mesa uma exposição dos factos occorridos em um comicio popular no dia 25 de maio, na cidade de Setubal.
(Leu a representação.)
Para corroborar o que dizem estes dois cidadãos, com respeito ao que se passou n'aquelle comicio, passo a ler o trecho de um artigo de um jornal d'aquella cidade que deve ser considerado insuspeito, porque não é republicano.
Diz assim:
«A sociedade portugueza já não se compõe de homens. Eduardo Maia e Magalhães Lima, aquelles dois arrogantes campeões da tribuna popular, tiveram apenas a permissão de dizer que estavam coactos, que a auctoridade lhes prescrevia a orbita do pensamento e da linguagem, que lhes não era permittido declarar senão a sua profissão de fé republicana, não podendo alias dizer por quê.
«Effectivamente, nem mais poderam avançar, nem um, nem outro, porque, a cada palavra tinham o administrador do concelho a interrompel-os, apenas segundo o seu criterio, podendo nos alias affirmar que nenhum dos oradores se excedeu em phrases nem apreciações que merecessem a mais leve repressão. Somos insuspeitos.»
Sr. presidente, estes, cidadãos recorreram a camara por que não tinham outro recurso. A auctoridade é escusado recorrer, porque ella procede d'este modo; ao governo tambem não, porque temos ouvido aqui alguns dos nossos collegas contar factos inauditos, extraordinarios, queixarem-se d'esses factos, e o governo prometter providencias, pois taes providencias não apparecem; recorreram por consequencia a camara, que; segundo a carta constitucional, e o ultimo recurso.
É preciso que a camara fique sabendo como as auctoridades entendem actualmente o direito de reunião; quando alguem usando da faculdade que esta estabelecida na nossa constituição, emprega a linguagem mais correcta e cordata, aquella emfim, que mais serve em uma nação livre para mostrar que ella e digna d'essa liberdade.
As nossas auctoridades estão procedendo de uma maneira inqualificavel e insolita. (Apoiados da esquerda.)
Nada mais direi por agora sobre este assumpto; terei occasião de fallar n'elle e por agora só digo que se taes factos se repetirem teremos de presenciar a natural reacção que elles provocam.
O sr. Alberto Pimentel: - Sr. presidente, recebi uma representação assignada por alguns cidadãos do circulo eleitoral da Povoa de Varzim, em que se fazem dois pedidos, que me parecem justos.
Para tratar d'este assumpto tinha já pedido a palavra na sessão anterior, mas a palavra não me chegou. Fui pois, obrigado a reservar para hoje as minhas considerações que passo a fazer.
Em primeiro logar pedem os signatarios da representação que sejam retirados d'aquella localidade, os soldados da guarda fiscal que tomaram, parte no conflicto do dia 31 de maio, porque a sua presença ali irrita os animos e póde originar novos desgostos, que todos queremos evitar. (Apoiados.)
Este pedido pareceu-me muito justo, e por isso particularmente me dirigi ao sr. ministro da fazenda, que me deu uma resposta satisfactoria.
Disse-me s. exa. que tinha mandado ordens para que os guardas fiscaes, que tomaram parte no conflicto, apenas permanecessem na Povoa emquanto se estivesse procedendo ao levantamento do auto de investigação mas que esse

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trabalho estava concluido, que o auto já tinha vindo, e que os guardas fiscaes seriam retirados immediatamente se já o não foram.
Em segundo logar, pedem os signatarios da representação que eu chame a attenção dos poderes publicos para as precarias circumstancias em que ficaram as viuvas e orphãos, e as familias das victimas d'aquelle lamentavel conflicto;
É justo, e justissimo este pedido.
Peço, pois, ao illustre presidente do conselho e ministro do reino, que, pela verba destinada a beneficencia publica, soccorra as viuvas e os orphãos das victimas do conflicto, auxiliando assim a subscripção que a digna commissão promove n'aquella localidade. Estou certo de que serei attendido. Todos nós temos a maior sympathia por essa raça de valentes pescadores, (Apoiados.) que lactam todos os dias com o perigo, confiando a sua vida ao capricho das vagas, e que n'uma fragil casca de noz passam heroicamente através das correntes da atmosphera, das correntes do oceano, as vezes tão revoltas umas como outras. (Apoiados.)
Um dos primeiros actos do actual governo foi abrir concurso para a construcção da doca que deve servir de porto de abrigo aos pescadores da Povoa de Varzim.
O estado que, deste modo, procurou salvaguardar a existencia d'aquelles pescadores, ha de de certo valer a miseria das familias das victimas do conflicto, as suas viuvas e aos seus orphãos.
Tenho dito.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Tenho a dizer ao illustre deputado que o governo, dentro da verba de que poder dispor, fará o que for possivel em favor de uma causa tão justa.
O sr. Moares Sarmento: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes sobre o diploma do sr. Mattozo dos Santos eleito pelo circulo da Horta.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para que este parecer possa entrar desde já em discussão.
Mando tambem para a mesa a seguinte declaração de renovação de iniciativa.
(Leu.)
Como estou com a palavra permitta-me v. exa. e a camara que eu faça breves declarações sobre o assumpto a que acaba de alludir o meu presado collega o sr. Bandeira Coelho.
Embora bastassem es palavras de s. exa. para o certificar, eu devo ratificar as palavras que o sr. Serpa Pinto aqui pronunciou na ultima sessão, quando affirmou que as bases que appareceram publicadas nos jornaes, e cuja authenticidade não conheço, com respeitosa organisação do exercito, tinham causado uma certa apprehensão na classe militar, especialmente nas armas de cavallaria e infanteria, por se entender que ellas são prejudicadas com esse plano de organisação.
Reconheço que a rectidão e elevação de caracter dos membros da commissão estão acima de toda a suspeita. (Apoiados.)
O sr. Bandeira Coelho sabe muito bem que, quando se tratou da organisação de 1884, nem todos os militares estiveram tambem inteiramente de accordo com o que foi resolvido pela commissão que elaborou aquelle trabalho sobre as bases propostas pelo sr. Fontes, e no emtanto ninguem suppoz, creio, que, quer no espirito daquelle eminente estadista, quer no animo dos membros da commissão, houvesse um qualquer espirito de parcialidade pró ou contra determinadas armas.
Os membros da commissão de 1884, como os da sub-commissão de 1890, podem ter errado, mas, e minha convicção que não procederam com animo acintoso ou movidos por qualquer intuito menos nobre. Com todo o desassombro devo dizer, julgando interpretar os sentimentos das pessoas que não concordam com as bases do projecto referido, que ellas entendem que os membros da actual sub-commissão erraram, sem que no seu espirito houvesse pensamento reservado de quererem prejudicar umas armas em relação as outras.
N'esse modo de apreciar as bases do projecto, que a imprensa publicou, os seus adversarios não são tambem inspirados por qualquer espirito de interesse proprio; mas por entenderem que taes bases não correspondem as necessidades da organisação militar, por forma que o paiz tenha direito a esperar do exercito o que este deve fazer em seu favor.
As duas grandes exigencias na paz e na guerra são: na paz, uma boa instrucção, e na guerra, uma mobilisação prompta. Ora, as bases que foram publicadas parece não corresponderem inteiramente a taes fins. Não satisfazem as necessidades de paz porque, a divisão dos corpos terá de ser maior, em rasão dos quarteis actuaes se não prestarem ao alojamento de regimentos de tres batalhões, ficando assim as diversas unidades com effectivos ainda mais fracos, com prejuizo da sua instrucção. Na guerra as difficuldades da mobilisação augmentarão de gravidade porque crescendo o numero de unidades tacticas, na actividade e reserva, relativamente a organisação de i884, será muito maior o numero de officiaes, sargentos e cabos necessarios para realisar a passagem do pé de paz para o pé de guerra.
Se já luctâmos com difficuldades para a mobilisação do exercito, com a organisação projectada essas difficuldades augmentarão, e, por consequencia, em vez de tratarmos de robustecer as forças defensivas do paiz, iremos enfraquecel-as.
O sr. Bandeira Coelho: - Eu não discuti a reforma do exercito, nem posso discutil-a.
O Orador: - Nem é esse tambem o meu intuito. O que eu desejava era fazer conhecer a camara os fundamentos principaes da impugnação que e feita as bases de organisação publicadas na imprensa, para que se não julgue que assentam em motivos menos patrioticos.
O sr. Bandeira Coelho: - V. exa. da licença?... Das minhas palavras não se deprehende nada d'isso; não discuti a reforma do exercito, nem a podia discutir.
O sr. Francisco Machado: - Eu requeiro que se abra discussão sobre este incidente.
Vozes: - Ordem, ordem.
O Orador: - Desejava fazer as declarações que acabei de expender, mas porque não esta em discussão o assumpto, por isso não digo por agora mais nada.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre o parecer que a commissão de poderes mandou para a mesa.
Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER N.° 124

(Circulo n.º 100)

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes examinando o diploma que lhe foi enviado, relativo ao cidadão Fernando Mattozo Santos, eleito pelo circulo n.° 100 (Horta) e encontrando-o em fórma legal, entende que o mesmo cidadão deve ser proclamado deputado.
Sala da commissão, 9 de junho de 1890. = L. Bandeira Coelho = Barão de Paço Vieira (Alfredo) = José Estevão de Moraes Sarmento = L. Monteiro.

O sr. Francisco Machado: - Eu peço que v. exa. consulte a camara sobre se quer que se abra inscripção sobre este incidente.
O sr. Presidente: - Qual incidente?
O sr. Francisco Machado: - Sobre a reforma do exercito.
O sr. Presidente: - Agora vae votar-se o parecer da ommissão.
Lido novamente na mesa, foi approvado.

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Em seguida foi proclamado deputado o sr. Fernando Mattozo Santos.
O sr. Francisco Machado: - Eu mando para a mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que seja consultada a camara sobre se permitte que se abra uma discussão sobre a reforma do exercito, a que se referiu o sr. Moraes Sarmento. = F. J. Machado.»
O sr. Ignacio Casal Ribeiro sobre o modo de votar) : - Requeiro votação nominal sobre a proposta do sr. Francisco Machado.
O sr. Eduardo Abreu (sobre o modo de votar): - Queria pedir o mesmo que pediu o sr. Casal Ribeiro, e creio que o exercito merece bem que a camara tenha por elle esta consideração.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se quer que haja votação nominal, coroo propõe o sr. Casal Ribeiro.
Não houve vencimento.
Em seguida, posto a votos o requerimento do sr. Machado, foi rejeitado.
O sr. Jacinto Candido: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta:

«Proponho que haja até tres sessões nocturnas por semana, nos dias designados pelo sr. presidente, devendo nestes dias terminar as sessões diurnas às seis horas da tarde, e começar as nocturnas às nove horas da noite, prolongando-se até á meia noite. = Jacinto Candido.»
Requeiro a urgencia da minha proposta e peço a v. exa. que a sujeite desde já á discussão da camara.
E antes de me assentar permitta-me v. exa. que diga duas palavras para fundamentar a minha proposta.
Á pouco se reduzem as minhas considerações.
O adiantado da sessão e os calores excessivos da estação, que extenuam em extremo as nossas faculdades de trabalho, levam-me a submetter á apreciação da camara a proposta que acabo de ler. E não menos me impulsiona a consciência, que tenho, da urgência de attender às imperiosas necessidades do paiz, que instantemente reclama de nós providencias e medidas promptas e breves. Mister é, pois, que a bem da nação façamos este pequeno sacrifício, e assim correspondamos á confiança com que nos honrou.
Eis, em resumo, os motivos da minha proposta.
Agora, aproveitando a palavra, não posso deixar de declarar, e creio que nisto interpreto o pensamento de toda a maioria, que a rasão que a levou a rejeitar a proposta do sr. Francisco José Machado, não foi a menor falta de consideração pelo exercito. (Apoiados.}
Á camara e o paiz sabem, e têem tido sobejas provas, de que o glorioso partido regenerador nunca descurou esta importante instituição social, que sempre lhe tem merecido o maior cuidado e a mais disvelada solicitude. A nossa organisação militar tem sempre sido uma das justas preoccupações dos governos regeneradores, e este facto bem demonstra a profunda consideração que o exercito lhe tem merecido. Hoje, como sempre, essa consideração persiste da mesma forma. (Apoiados.)
E a prova está em que se trabalha activamente numa organisação militar, e o partido regenerador, com quatro mezes de poder, vae brevemente fazer o que o partido pró grossista não logrou realisar em quatro annos.
Não se desvirtuem, pois, os factos, nem se malsinem as intenções.
A rejeição da proposta do sr. Machado pela maioria desta camara apenas significa a comprehensão que ella tem da inopportunidade de um tal debate neste momento.
Um illustre deputado da opposição, o sr. Luiz Bandeira Coelho, acaba de accentuar bem clara e expressamente essa inopporturnidade, dizendo que se não podia discutir a reforma militar, quando essa reforma era ainda desconhecida. (Apoiados.}
(Aparte do sr. Dias Costa, que não se ouviu.)
Eu o que estou a dizer é simplesmente que a inopportunidade desta discussão foi bem accentuada pelo illustre deputado o sr. Bandeira Coelho, e essa inopportunidade foi mais caracterisada ainda pela votação que acaba de ter logar. (Apoiados.}
Parece que as questões militares, que têem sido sempre tratadas pelo partido regenerador, no parlamento e fora d'elle, com o mais imparcial e alevantado critério, em attenção apenas aos legítimos interesses da classe, e às altas conveniencias publicas e necessidades do paiz, e sempre independentemente de quaesquer influencias políticas, (Apoiados.} servem agora á opposição parlamentar como e bandeirola para debates de política facciosamente partidária (Apoiados.}
Nesse campo, em. que a opposição parlamentar pretende collocar a questão, é que a maioria não póde nem deve entrar.
Com esses processos é que a maioria não póde concordar.
Nessas explanações é que a maioria não póde ser conivente. (Apoiados.}
Por isso creio que a maioria me acompanha toda na categórica declaração que faço, e que faço, porque o acaso da inscripção quiz que me seguisse a fallar depois deste incidente, de que nós apenas rejeitámos á discussão deste assumpo pela sua inopportunidade, e de que tal rejeição em cousa alguma póde affectar a profunda e alta consideração que todos temos e dispensámos às instituições militares e ao exercito. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que haja até tres sessões nocturnas por semana nos dias designados pelo sr. presidente, devendo nesses dias terminar as sessões diurnas às seis horas da tarde e começar as nocturnas às nove horas da noite, prolongando-se até á meia noite. = Jacinto Candido.
Declarada a proposta urgente, foi admittida e entrou em discussão.
O sr. José Maria de Alpoim: - Declarou que não queria estorvar a marcha dos trabalhos parlamentares, mas que entendia que não eram necessárias as sessões nocturnas, porque não ha ainda trabalhos preparados que as reclamem.
Era conveniente que ficasse assentado que quem levantara a questão da reforma do exercito não fora o partido progressista, mas sim o sr. Moraes Sarmento que pertencia á maioria.
(O discurso será publicado, em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Jacinto Candido: - Não me levanto para responder á parte final do discurso do illustre deputado e meu amigo particular o sr. Alpoim; direi a v. exa. que não discuto neste momento a questão militar.
Incidentalmente, e ainda antes de entrar em discussão a proposta sobre as sessões nocturnas, ainda antes disso, quando estava no uso da palavra, é que fiz uma declaração que me julgava no direito de fazer; agora, depois que entrou em discussão a proposta para as sessões nocturnas, discutir a questão militar, seria collocar-me fora da ordem, e isso não faço eu. (Apoiados.)
A urgência da minha proposta é determinada, como já disse, pelo adiantamento desta sessão e pelo atrazo dos trabalhos parlamentares.
O sr. José Maria de Alpoim: - Foi exactamente pelo adiantamento da sessão e pela importancia dos trabalhos parlamentares que estavam pendentes, que tambem pedíamos as sessões nocturnas, e s. exas. não as concede-

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ram senão depois de muita discussão e de muitas carteiras quebradas.
O Orador: - O que digo ao illustre deputado o sr. Alpoim é que, se s. exa. n'este momento faz opposição às sessões nocturnas, servindo-se para isso das rasões que foram apresentadas pela opposicão parlamentar de outra epocha, e da qual eu fazia parte, não deve estranhar tambem s. exa., que eu adopte e repita as observações que foram apresentadas pela maioria de então, de que fazia parte o sr. Alpoim, em abono da minha proposta. Se s. exa. me accusa de incoherencia, tenho tambem do accusar s. exa. de incoherente, porque ainda na sessão passada apresentava e sustentava os principios que hoje combate. (Apoiados.)
Diz s. exa. que as carteiras foram partidas, como, se tal facto fosse um bom argumento para s. exa.
Permitia-me s. exa. que lhe diga que esse fncto é apenas manifestação de temperamentos violentos e energicos, não tanto para censurar, como póde parecer á primeira vista. Temperamentos não se discutem, e muito menos aqui. Cada qual tem a sua organisacão propria o especial, e de harmonia com ella procede e se revela.
Uns são frios, fleugmaticos e impassiveis; outros são arrebatados, ardentes, irrequietos. Eis tudo.
O que é certo e incontestável é que. estamos com a sessão muito adiantada, aggravada ainda por este excessivo calor, que nos diminue extraordinariamente as nossas faculdades de trabalho. Todos sabemos as difficuldades com luctâmos agora para estudar as questões; e sabemos tambem que o paia está á espera, e tem justa rasão de esperar, pela decisão breve das importantes propostas, que estão submettidas á approvação desta camara.
O sr. Francisco José Machado: - Para tirarem a pelle ao povo.
O Orador: - O illustre deputado terá occasião de apresentar todas as suas observações; quando se discutirem as respectivas propostas, então desenvolverá a sua argumentação contra ellas; e creia s. exa. que a maioria e o governo hão de defender essas propostas. (Apoiados.)
Não noss arreceiâmos da lucta, nem tememos a discussão, antes a desejamos, e o mais cedo possivel.
Aguardâmos serenamente os ímpetos de ataque da illustre opposicão, creia s. exa.
Mas a seu tempo fallaremos a tal respeito, e não agora, que não é occasião propria. Não antecipemos, nem confundamos.
Não se discutem hoje as propostas de fazenda, e sim as sessões nocturnas. (Apoiados.)
O sr. Francisco José Machado: - Não teremos tempo para estudar.
O Orador: - As propostas e os relatorios estão publicados e s. exa. póde estudar as questões tão bem como a maioria parlamentar. Alem disso alguns projectos já estão relatados e distribuidos.
Aqui tenho eu sobre a minha carteira o do orçamento rectificado. É para pasmar, na verdade, que a illustre opposição nos pretenda accusar de lhe roubarmos o tempo para o seu estudo, ou de lhe não concedermos ampla discussão, quando na do bill, que está pendente, a tem tido o mais larga possivel, e de como não ha memoria nos fastos parlamentares.
Nós não queremos evitar nem restringir discussões, queremos apenas corresponder pelo nosso trabalho às necessidades do paiz.
O sacrificio das sessões nocturnas, tanto é, se existe, para a oppotição, como para a maioria. Se nós podemos estudar as questões, porque o não podem fazer os illustres deputados desse lado da camara? (Apoiados.)
(Aparte do sr. Reasmo Garcia, que não se ouviu.)
Não devo, nem posso, discutir agora a dictadura; mas, sempre direi ao illustre deputado, que acaba de me interromper, que só as medidas dictatoriaes foram muitas e excepcionaes, excepcionaes eram tambem as circumstancias do paiz que as reclamaram.
O governo não fez dictadura pelo prurido de ser dictador, nem para attender a conveniências partidarias; inspirou-se unicamente no interesse publico e bem geral da nação, e providenciou com a rapidez que o caso exigia, promulgando as medidas que a opinião publica pedia e as circumstancias aconselhavam. Esta é que é a verdade. (Apoiados.)
E quanto as sessões nocturnas, nada mais direi, porque bastante é o que tenho dito.
O sr. Francisco Machado: - Pedi a palavra para lavrar, aqui na camara, em meu nome, e creio que em nome dos meus collegas, o mais solemne protesto contra a invasão dos nossos direitos.
O governo quer esmagar-nos com trabalhos, depois de ter feito a mais inqualificável das dictaduras, de que ha memória, quer arrancar-nos as propostas que trouxer á camara sem o conveniente estudo e som a esclarecida discussão.
Eu e os meus amigos desejámos habilitar-nos para estudar os projectos e para discutir conscienciosamente, e o governo quer sessões até às sete horas da tarde, dando apenas hora e meia para podermos jantar e voltarmos outra vez a discutir as suas medidas, sem as podermos estudar cuidadosamente.
Em nome da opposicão progressista protesto contra este processo e não faço mais do que ser coherente.
Nós, quando nos sentávamos desse lado da camara, propozemos sessões nocturnas, é verdade, para adiantar os trabalhos, mas isso foi depois de cinco mezcs de sessão. O governo apresentava as propostas, com toda a antecedência, desde os primeiros dias da sessão de janeiro, e podiam ser convenientemente estudadas e discutidas. E depois de uns poucos de mezes de trabalhos, é que se pediu o sacrifício das sessões nocturnas para se votarem propostas já muito estudadas e conhecidas, e para se poder fechar a camara, que funccionava havia muito. Ha, portanto, uma differença manifesta entre o procedimento do governo progressista e o procedimento do governo actual.
Mas, o governo dissolve a camara, ser necessidade absolutamente nenhuma, convoca o parlamento quando muito bem lhe apraz, para ser unicamente uma chancella dos seus actos, e quer dar-nos agora sessões nocturnas, para que não possamos estudar os projectos e sejam aqui votados de affogadilho, sem nos habilitarmos a dar voto consciencioso aos projectos que se discutem.
Todos se lembram do procedimento dos illustres deputados regeneradores, quando estavam d'este lado, e dos protestos que elles levantaram contra uma proposta análoga a esta, apresentada por um deputado progressista em 1887, 1888 e 1889.
Levantaram-se contra essa proposta, discutiram durante duas ou tres sessões, gritaram, insultaram, vociferaram, e primeiro que se conseguisse a sua approvação teve a sessão de ser interrompida varias vezes.
As carteiras deste lado da camara foram feitas em estilhas; nem uma só ficou inteira!
A proposta que, mais irritou os nervos dos illustres deputados regeneradores foi uma análoga a esta.
Diziam s. exas. que a sua saúdo perigava por terem de trabalhar sem a digestão estar ainda feita, que o governo era um bárbaro por querer attentar contra a vida dos deputados da opposição.
Agora renegam os seus actos, apresentando-se em contradicção com o seu passado! (Apoiados.)
Triste partido que nem um só dos seus actos tem sustentado! O que hontem diziam é hoje contradicto.
E isto que têem feito constantemente os illustres ministros o os illustres deputados do partido regenerador. Nem uma só das suas theorias, nem uma só das suas palavras,

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nem um só dos seus actos, quando opposição, está hoje de pé.
Passaram para esses logares, e esqueceram-se de tudo quanto diziam quando aqui se sentaram.
Que confiança ha de ter o paiz em s. exas.? Como os ha de acreditar, se têem umas ideas quando estão deste lado e mudam quando passam para aquelle?
A proposta para as sessões nocturnas, apresentada pelo partido progressista, era perfeitamente justificada porque a sessão nessa epocha ia já muito adiantada e o governo progressista tinha parados muitos trabalhos devido ao enorme obstruccionismo feito pela opposição regeneradora.
Havia o projecto dos tabacos para discutir e muitos outros cuja discussão levaria muitíssimo tempo. N'estas condições tendo o governo progressista une poucos do projectos para serem approvados e distribuídos havia muito tempo, recorreu às sessões nocturnas. Quaes são as propostas que o governo nos apresenta e de que necessita immediata approvação?
Quaes são os pareceres, que estão distribuídos que justifiquem a urgencia das sessões nocturnas? O projecto do bill já teve uma discussão na generalidade e vae entrar na discussão da especialidade. Não percebo, pois, qual a urgencia que a camara tenha das sessões nocturnas.
A commissão de guerra foi eleita ha pouco, com quinze membros e ainda não lhe foi distribuido um unico projecto.
A maior parte das commissões não têem trabalhos distribuidos, nada têem que fazer. Portanto, repito, para que são as sessões nocturnas? Toda a gente sabe. São para que tudo passe aqui de afogadilho, para que se não descubra as cabalas do governo.
V. exa. comprehende que os deputados, principalmente os da opposição, têem de fazer um estudo mais desenvolvido sobre os diversos projectos, e não têem tempo bastante para desempenharem este encargo. Se e este o desejo do governo, se deseja fazer passar os projectos de afogadilho, se quer levar de assalto as suas medidas entào era melhor mandar-nos embora, porque de nada serve estarmos aqui, porque a maior parte das medidas mais importantes já foram decretadas em dictadura. (Apoiados.)
Pela minha parte protesto com todas as minhas forças contra essa violencia que s. exa. nos querem fazer, obrigando-nos a discutir em sessões nocturnas muitos projectos de importância sem termos o tempo necessario para os podermos examinar (Apoiados.)
Agora, referindo-me ao sr. Moraes Sarmento, declaro que não foi a opposição progressista que levantou a questão da reforma do exercito. A opposição ter-se abstido cautelosamente de discutir o assumpto; tem-se abstido com o maior cuidado de levantar esta questão. Entendeu que o governo devia trazer ao parlamento a reforma do exercito, ou, pelo menos as bases em que ella assenta para podermos todos discutil-as aqui; mas não o trouxe e nós, deputados da opposição não temos dito até agora uma palavra para manifestar a nossa opinião a tal respeito porque com o exercito não se deve fazer politica. (Apoiados.)
Na ultima cessão um deputado da maioria, o sr. Serpa Pinto, fez uma pergunta muito justificada ao governo. S. exa. viu em um jornal apresentadas as bases para a reforma do exercito e ficou sobresaltado, como toda a gente e principalmente como os militares.
Vozes: - Vamos ao assumpto.
O Orador: - Se da parte da maioria não se tivessem referido a este assumpto, tambem eu não me referiria a elle neste momento.
Vozes: - Já estava fechado.
O sr. Jacinto Candido: - V. exa. dá-me licença?
O Orador: - Pois não.
O sr. Jacinto Candido: - Eu tinha a palavra antes da ordem do dia, quando a minha proposta ainda não eslava em discussão; por consequência tinha o direito amplo de fallar sobre o assumpto referi-me incidentalmente á questão militar.
Depois da minha proposta entrar em discussão eu não disse uma unica palavra referente a esse assumpto.
Fallou depois o sr. Alpoim e eu comecei por declarar que não me referia a esse assumpto para não sair da ordem. Já s. exa. vê que eu não saio da ordem e depois que a proposta está era discussão não me referi mais a este assumpto.
O Orador: - Desde que s. exa. apresentando a proposta para as sessões nocturnas se referiu á reforma do exercito eu, usando da palavra, não posso deixar de dizer, que não foi a opposição progressista que levantou esta questão.
O sr. Presidente: - V. exa. ha de attender às observações da presidencia. O que está em discussão é a proposta para as sessões nocturnas. Não se podo tratar de outro assumpto.
O Orador: - Como naturalmente as sessões nocturnas são tambem para discutir a reforma do exercito, eu posso referir-me a este assumpto. (Apoiados.)
(Interrupção.)
Então as sessões nocturnas para que são? Nós não sabemos nada.
Ora eu pergunto: o governo traz ou não traz á camara as bases da reforma do exercito?
(Interrupção do sr. Jacinto Candido.)
V. exa. quer que a camara dê um voto ao governo para fazer dictadura no futuro? Eu comprehendo um para um acto praticado pelo governo. Porém é cousa nova vir pedir a esta camara que absolva o governo de um crime que ainda ha de praticar.
O sr. Presidente: - O illustre deputado tem a palavra sobre a proposta das sessões nocturnas; não póde discutir o bill nem a reforma do exercito. (Apoiados.)
O Orador: - O que vejo é que s. exas. não querem que me refira aos actos do governo. E dahi talvez tenham rasão, porque esses são tão attentatorios dos direitos constitucionaes que s. exas. não querem que o paiz saiba o que o governo faz.
Pela minha parte não acho necessidade das sessões nocturnas, por isso que não tomos projectos para discutir. O que vejo é que se quer causar-nos com trabalho a que o nosso pnysico não póde resistir. V. exa. sabe que as sessões terminam às seis horas e meia de tarde.
O sr. Presidente: - Eu tenho a dar uma explicação ao illustre deputado. A proposta para as sessões nocturnas estabelece que nos dias em que houver sessão nocturna a sessão diurna ha de acabar às seis horas.
O Orador: - Ainda que a sessão diurna acabe às seis horas é impossivel aqui estar às nove horas. A maior parte dos illustres deputados saem da camara às seis e meia, chegam a casa às sete; acabam de jantar às oito e meia, vêem para a camara às nove, não têem um minuto de descanso; não têem tempo para estudar os assumptos e para os poderem discutir.
(Interrupção.)
Os filhos do povo jantam em meia hora, jantam.
Era bom que os illustres deputados se lembrassem que os filhos do povo estão com os olhos em nós, e vêem os grandes sacrifícios com que o governo os quer sobrecarregar, vêem que as sessões nocturnas são para lhes arrancar a pelle.
É sempre inconveniente recorrer às forças do contribuinte alem dos justos limites e sem attenção pelos sacrifícios que já fazem.
Os illustres deputados da maioria têem pressa de arrancar a pelle ao povo, que não póde pagar mais, e nós, deputados da opposição, queremos demorar o mais possivel esse acto, porque, como o outro que diz, emquanto o pau vae e vem folgam as costas, e dahi quem sabe, póde do um momento para o outro sobrevir um acontecimento que

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faça desappareeer este governo e o projecto dos impostos leve a mesma volta que levou o celebrado plano de Canecas do sr. Hintze Ribeiro, e o povo possa conservar intacta a sua pelle, que o governo e a maioria lhe querem arrancar. Se isto tiver de acontecer, nada se perde em que seja o mais tarde possivel.
Se os srs. deputados da maioria viessem á hora, se as sessões em vez de começarem às duas e meia ou às três horas, como começam todos os dias, começassem ao meio dia, já não havia necessidade de sessões nocturnas.
As sessões nocturnas constituem uma violência extraordinária, demais a mais com a temperatura que vamos atravessando.
Tenha, portanto, v. exa. compaixão de nós e do paiz, que é a final de contas quem paga todas as differenças.
O meu protesto ahi fica lavrado; o meu dever está comprido; s. exas. têem a rasão suprema dos votos pelo seu lado; mas fiquem certos que não têem as sympathias do paiz.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. José Novaes: - Mal pensava eu que ao apresentar-se a proposta do meu illustre collega o sr. Jacinto Cândido, havia de levantar-se da esquerda da camara tanta discussão.
Não me auctorisavam a formar este juizo nem Os tempos, nem as circumstancias em que nos encontramos.
Nós vimos a opposição de hoje, quando era maioria, votar desde 1887 sessões nocturnas não três vezes por semana, mas todas as noites, como as tivemos em 1887.
Dizem s. exas. que nós queremos prostrar a opposição pelo trabalho.
Mal sabiamos nós, quando s. exas. eram maioria, e em nome do governo apresentavam propostas para sessões nocturnas, que queriam prostar-nos pelo trabalho.
Propozeram as sessões em 1887, em que de dia se discutiam projectos de fazenda, á noite o bill, e íamos jantar, mal havendo tempo para os deputados da opposição estudarem as questões, e agora que apenas ha propostas de fazenda para discutir, levantam-se s. exa. a protestar contra as sessões nocturnas!
Demais, para fallar aqui dentro é necessario estudar, porque não se diz aqui o que se diz n'aquelles corredores, que a camara não póde ir alem de 19 de julho. Pois se a camara não póde ir alem dessa epocha, as medidas de fazenda estão já publicadas, devem já ter formado o seu juizo sobre ellas, e então não obstem a que ellas possam passar.
Eu sei perfeitamente que não é agradável a ninguém votar impostos, como a ninguum é agradável pagal-os; mas o illustre deputado, que vem agora fallar-nos nas grandes despezas que o governo tem feito, devia lembrar-se dos 45.000:000$000 réis que o partido progressista gastou em quatro annos. (Muitos apoiados.)
O sr. Francisco Machado: - Foi para pagar os encargos que s. exas. nos deixaram. (Muitas vozes na direita: - Ora! ora!)
O illustre deputado pretende, com os seus apartes, levar-me para onde eu não quero ir. O illustre deputado parece esquecer que o partido progressista achou um conjuncto de medidas, que elevaram as receitas em cerca de 6.000:000£000 réis, que foram gastos em despezas ordinarias. (Apoiados.)
Mas deixemos essas questões. As sessões nocturnas deviam ser agradaveis principalmente para o illustre deputado, que é quem mais tem fallado nesta casa, e que até já disse que uma sessão legislativa inteira não seria de mais só para s. exa. fallar. Portanto, que receio tem de ficar prostrado pelo trabalho?
Vou concluir, sr. presidente, archivando gostosamente a declaração do illustre deputado, de que a opposição, pelo menos por este anno, não está resolvida a quebrar carteiras. Louvo-a por isso; faz ella muito bem. Isso não prova
senão que a illustre opposição, compenetrada como está da gravidade das circumstancias, quer assim mostrar o quanto se interessa pelas necessidades do paiz. Tudo isso era de esperar da sensatez e illustração dos illustres deputados d'aquelle lado da camara.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Francisco Beirão (sobre a ordem): - Eu quero circumscrever-me precisamente ao assumpto que está em discussão, isto é, á proposta para que haja sessões nocturnas. Pela minha parte, e creio que por parte de todos os meus collegas da opposição, nós temos dado todas as provas de que não temos o mínimo propósito de difficultar ou embaraçar a acção do governo.
Eu appello em boa paz para o testemunho de todos os meus collegas da maioria, que podem dizer francamente que por parte da opposição não se tem feito o que, em linguagem parlamentar, se chama obstruccionismo, e que temos estado sempre promptos a discutir, conforme as nossas forças, as duas propostas que têern sido sujeitas á discussão da camara.
Ora, se eu lembro isto, é com o intuito de ver se chegamos a um accordo com o illustre auctor da proposta. Creio que não está ainda distribuído senão o projecto do orçamento rectificado, e esse mesmo só hoje é que foi distribuído. Não ha, pois, em ordem do dia senão a discussão da especialidade do bill; e parece-me, portanto, que não ha ainda urgência para que desde já comecem as sessões nocturnas. Alem disso, v. exa. sabe que o governo tem nas suas faculdades a de propor ao poder moderador quantas prorogações julgar necessárias para que se discutam todas as propostas de que careça para governar. Logo, se não ha por emquanto urgência de sessões nocturnas, eu não me opponho, e creio que nisto traduzo o pensamento dos meus collegas da opposição, (Apoiados.) não me opponho a que as haja quando as urgências da discussão assim o exigam; e se a maioria acceitasse este additamento á proposta do sr. Jacinto Candido, eu creio que poderíamos em boa paz chegar todos a um perfeito accordo.
(Leu.)
A minha proposta tem duas partes. Em primeiro logar creio que já demonstrei que por emquanto não ha urgência, porque não ha ainda projectos distribuídos. Pôde havel-a para julho e póde não a haver. Como são propostas importantes póde ser que a commissão não dê pareceres até então.
Eu tenho absoluta confiança em v. exa.; não se traduz em sentimentos pessoaes, porque esses póde v. exa. contar com elles, visto ser seu amigo de ha muitos annos, mas creia que traduz a expressão dos sentimentos da opposição progressista. (Apoiados.) A minha proposta tem uma segunda parte e vem a ser se v. exa. entender que no principio ha necessidade de dar sessões nocturnas, fique ao seu arbítrio determinal-as para a boa marcha dos negocios.
Mando, pois, para a mesa a minha proposta.
(O sr. conselheiro não revia as notas tachygraphicas.}
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que as sessões nocturnas só se effectuem depois do principio do mez de julho, se o numero dos pareceres distribuidos a esse tempo justificar, na opinião da presidência, tal alvitre. = Veiga Beirão.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Antes de responder precisamente ao assumpto a que se referiu o sr. Veiga Beirão, devo dizer que por parte do governo e da maioria não ha desejo algum em fazer violências aos srs. deputados da opposição. (Apoiados.} Quem tem longa pratica das discussões parlamentares sabe que ha um certo numero de figuras de rethorica, de effeitos parlamentares, que passam como bagagem de opposição

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para opposição, e eu quando estava a ouvir ao sr. capitão Machado as theorias das urgências, lembrava-me de uma situação identica em que os meus correligionários respondiam ao governo com argumentos phantasiosos aos inconvenientes de haver sessões, nocturnas na sessão de 1887.
O governo e a sua maioria passou com a sua votação por cima da opposicão, e nós nem por isso ficámos mal dispostos nem com o governo nem com a maioria, porque essa votação representava a expressão de uma conveniencia, e o juiz d'esse conveniência era o governo com a sua maioria e, pelo contrario, não representava uma desconsideração nem uma violencia aos deputados quê então se sentavam d'esse lado.
Dada esta explicação e destruídos os effeitos parlamentares que o sr. capitão Machado com muito vigor foi desempoeirar dos archivos das sessões para vir empregar os argumentos que aqui adduziu, vou propriamente responder ao sr. Veiga Beirão. A proposta do sr. Veiga Beirão tem por intuito ver se conciliava-o desejo que o governo tem de adiantar os trabalhos parlamentares, por isso que a sessão legislativa, vae quasi extincta. O tempo urge e nós temos necessidade de ainda n'este mez, discutirmos o orçamento, porque está, a terminar o anno económico, ou de supprir com qualquer medida essa deficiência; Entendeu portanto, o governo que não podia dispensar as sessões nocturnas até três vezes por semana, a fim de adiantar os seus trabalhos. Nós comprehendemos que effectivamente o illustre deputado e os seus amigos políticos não têem querido difficultar a marcha do governo, e por outro lado para corresponder a essa isenção nós não queremos fazer violencias. (Apoiados.)
Mas, só nada queremos fazer, temos apenas o intuito de caminhar pensada e socegadamente, discutindo as propostas de fazenda e aquellas que o governo reputa necessárias para marchar, e não podemos acceitar a proposta apresentada pelo sr. Veiga Beirão por dois motivos: o primeiro por que ella falseia, talvez, o intuito de s. exa., o em segundo logar, porque ella não corresponde á veracidade dos factos nem, as necessidades de momento.
O augmento principal aduzido pelo sr. Beirão, para propor que as sessões nocturnas comecem só em princípios do mez de julho, e não haver trabalhos já apresentados para se discutir.
Sr. presidente, a proposta do sr. Jacinto Candido não é para que comecem já as sessões nocturnas amanhã ou hoje, (Apoiados.) evidentemente é uma proposta tendente a armar a presidencia com a faculdade de poder marcar sessões nocturnas se porventura, a exigência dos negócios a tratar as demandar (Apoiados.)
Por consequência é uma auctorisação dada á presidência para regular os trabalhos parlamentares.
(Interrupção.)
A proposta diz, para que haja sessões nocturnas.
Quem é que marca as sessões nocturnas? E a presidencia. Quem é o juiz, o fiscal das sessões nocturnas?
Uma voz: - A proposta prescreve que haja três sessões nocturnas por semana.
O Orador: - V. exa. dá-me licença? Para ver a inanidade d'essa observação basta notar o seguinte. Em primeiro logar a proposta diz: até três sessões nocturnas, (Apoiados) G em segundo Jogar diz que haja sessões nocturnas. Mas se não houver projectos, urgentes a discutir para que ha de haver sessões nocturnas?
Quando os houver, é para, que a presidência esteja armada da faculdade de marcar sessões nocturnas para a sua discussão, ser tratada em sessões nocturnas. (Apoiados)
Mas alem d'isto o sr. capitão Machado que, desde Obidos para cá está todo preoccupado com a pelle do contribuinte, deve estar n'este ponto de accordo commigo, porque realmente deve ser mais agradável ao contribuinte que trabalhemos de dia e de noite, do que protelar em discussões espantosas as sessões parlamentares, com grande detrimento para, o thesouro publico. (Apoiados.)
Uma voz: - Mas devemos trabalhar conscientemente.
O Orador: - Eu confio, tanto nos illustres deputados da opposição que, desde que haja uma distribuição de trabalho, estou certo de que todos os oradores hão de fallar conscientemente; mas se quizerem protelar as discussões, o onde se devam inscrever tres oradores se inscrevam trinta, é possivel que alguém possa fallar menos conscientemente por falta de tempo para estudar. (Apoiados).
Dito isto, limito-me a pedir aos meus collegas da opposicão que tenham em attenção o intuito dá proposta, e não imaginem que ella queira representar uma violência desnecessária e mesmo offensiva, attendendo às circumstancias das discussões parlamentares, e que se louvem, como nós nos louvamos na capacidade do presidente d'esta camara, para que marque as sessões nocturnas quando as conveniencias do serviço assim o indiquem. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Eduardo Abreu: - Poucas palavras, simples e mansas para ver se posso entrar na discussão da especialidade do bill ,em que espero ser o mais desagradável que for possível.
Quem apresentou aqui a proposta para haver sessão nocturna na sessão passada foi este creado de v. exa.
Eu não posso descrever agora o tumulto, verdadeiro tumulto, que houve nesta casa do parlamento, as imprecações que se proferiram contra mim, e contra a maioria d'aquella epocha, por eu ter apresentado a proposta para às sessões nocturnas. Partiram-se carteiras, accenderam-se charutos, pozeram-se chapéus na cabeça, foi desauctorisada a mesa, o regimento, tudo, mas a proposta foi votada. Eu sou de opinião de que, quando a opposicão quizer partir alguma cousa, ha de ser fora d'esta casa e não aqui.
Uma voz: - Havemos de ver isso.
O Orador: - Se for preciso cooperar para um movimentoserio que tenha por fim derrubar o governo, declaro a v. exa. que hei de tomar parte n'elle. Veremos então quem sabe esgrimir melhor, s. exa., ou nós.
Eu fiz acompanhar então essa proposta, para haver sessões nocturnas, de uma outra que ficou depositada nos archivos d'esta casa e foi até recebida, a rir pela camara. Para mim é completamente indifferente que esta camara proceda como ã outra, rindo e mandando archivar a proposta que eu faço e que me parece a maioria póde acceitar, visto, que estamos agora, como dizem, n'um regimen de economia, de moralidade o de trabalho.
(Leu.)
A proposta identica, que eu já aqui apresentei, desagradou á maioria e, muito mais á minoria d'essa epocha, mas produziu bom effeito for a d'esta casa, e a mim importa-me mais a opinião lá fora, do que a opinião que possa formar-se cá dentro a meu respeito, seja ella qual for.
Eu vim sempre às sessões. Sou secretario de uma commissão, e desde que ella se constituiu vou para aquella minha secretaria às oito horas da manhã, saio às duas, venho para a camara e às seis horas e meia vou jantar. Tenho sempre trabalho até á uma ou duas horas da madrugada.
Isso não nos ha de privar de comparecer constantemente às sessões diurnas e nocturnas. Para que me podesse ser agradável a proposta das sessões nocturnas, seria necessario que ella fosse approvada com o additamento que mando para á mesa.
Leu-se na mesa a proposta.
E a seguinte:

Proposta

1.° Aos deputados que não estiverem presentes á abertura da sessão será imposta uma multa equivalente á metade do subsidio diário.
2.° Os deputados que faltarem a toda a sessão e que

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não justificarem a falta por documento, perdem o direito ao subsidio desse dia. = E. Abreu.

O sr. Adolpho Pimentel (para um requerimento): - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a matéria sufficientemente discutida.
O sr. Presidente: - A inscripção está extincta.
A proposta mandada para a mesa pelo sr. Veiga Beirão classifico-a como substituição á proposta do sr. Jacinto Candido.
Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. Eduardo Abreu, que a mesa classifica, não como additamento á proposta em discussão, mas como uma nova proposta sobre assumpto differente. Se a camara não a julgar urgente, fica para segunda leitura. No caso contrario, vae á commissão de fazenda.
(Leu-se.)
O sr. Francisco Machado (sobre o modo de votar): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que sobre essa proposta haja votação nominal.
Não foi concedida a votação nominal.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que admittem a urgência da proposta do sr. Eduardo Abreu, tenham a bondade de se levantar. Foi rejeitada a urgência.
A proposta fica para segunda leitura.
Vae votar-se a proposta apresentada pelo sr. Jacinto Candido.
Foi approvada.
A proposta do sr. Francisco Beirão ficou prejudicada.
O sr. Barão de Paço Vieira (Alfredo): - Sr., presidente, é com a máxima repugnância que eu uso da palavra, porque o motivo que me obrigou a pedil-a é verdadeiramente lamentável e tristíssimo.
Nada mais nem nada menos que a prisão arbitraria e illegal de um digno par do reino e de um deputado, realisada hontem pela guarda municipal desta cidade!
(Sensação.)
Vozes: - Quem eram, quem eram?
O Orador: - O digno par era o sr. Macario de Castro, o deputado era eu.
Não farei considerações, sr. presidente.
O facto é de tal natureza e foi praticado por uma forma tão iniqua e tão brutal, que contal-o é sufficiente.
Estou certo de que o sr. ministro do reino ha de dar immediatas e enérgicas providencias, porque conheço bem os seus elevados sentimentos de justiça, e por isso nada mais lhe peço do que a sua attenção para o que vou referir.
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - Sr. presidente, hontem, ao sair do theatro, entrei no café da Europa, onde costumo ir todas as noites e onde ainda na véspera tinha estado com os meus amigos o digno par sr. José Maria Rodrigues de Carvalho e o deputado sr. Guerra Junqueiro, e pedi uma cerveja.
N'uma das mesas próximas áquella a que mo sentei estava o sr. Macario de Castro com diversos amigos seus. Comprimentou-me e começámos a conversar, por signal que sobre o brilhantíssimo discurso que o sr. dr. António Cândido proferira essa manhã na academia real das sciencias, a que eu tinha assistido e que s. exa. não tinha ouvido.
N'isto trava-se uma desordem na rua da Prata, ouvem-se apitos, gritos de soccorro, um grande barulho era fim, e um dos creados, que sae a ver o que era, entra acto continuo no estabelecimento com a cabeça rachada, completamente coberto de sangue.
Immediatamente, com medo que os desordeiros entrassem no café, o dono manda fechar as portas.
Continuam a ouvir-se fóra os toques de apito, gritos de «aqui d'El-Rei» e o enorme ruido de muita gente que corre, e ao mesmo tempo sentem-se coronhadas nas portas e vozes ameaçando arrombal-as, caso não sejam immediatamente abertas. Dirijo-me ao dono do café, e digo-lhe que é melhor abrir as portas do que vel-as arrombadas; e peço-lhe que o faça, porque quero sair.
Elle põe difficuldades; pergunta-me se me responsabiliso por qualquer prejuízo que possa haver, se os desordeiros entrarem e partirem qualquer cousa. Eu respondo-lho que não me responsabiliso por nada, mas que o que quero é ir para casa.
N'este entretanto a porta abre-se e entram de tropel, não os desordeiros, mas uma companhia inteira da guarda municipal e uma esquadra completa da policia civil.
O café parecia um acampamento militar.
Dirigiu-se então a mim delicadamente o de bonet na ruão um policia civil, e pediu-me se eu lhe fazia o favor de lhe contar o que se tinha passado.
Eu disse-lhe que estava ali completamente só na minha mesa, tomando cerveja, donde nem sequer me levantara, e que por isso nada tinha visto, e nada podia saber da desordem que tinha havido no meio da rua, mas que o melhor era tomar declarações ao creado ferido o ao dono do restaurant.
O guarda acceitou o meu conselho, agradcceu-me attenciosamente e eu ia já a retirar-mo, quando o cabo n.° 66 da segunda companhia da guarda municipal se dirige a mim com os modos mais atrevidos que é possível imaginar-se, e me diz o seguinte: «Que está o senhor ahi a cantar? O senhor vae mas é preso».
Está enganado, respondi-lhe eu; mas não admira, porque não sabe com quem está fallando. Eu não posso ser preso porque sou deputado. Mas quando mesmo não fosse deputado, tambem não podia ser preso, porque não fiz nada, não vi cousa alguma do que se passou na rua, nem sei sequer com quem foi a desordem.
«Não quero saber, d'isso, o senhor está preso».
Veja lá o que faz, e depois não se queixe, disse-lhe eu, porque o previno de que, se o senhor me prendei, o metto num processo que lhe ha de ser muito serio. Já lhe disse, e todos estes senhores, dos quaes não conheço a maior parte, lhe disseram tambem que eu nada tive com a desordem, e que, alem disso, sou deputado. E, portanto, o senhor o mais que póde é pedir-me que eu vá á esquadro como testemunha, mas nunca prender-me.
Ora quer v. exa. saber, sr. presidente, o que é que elle me respondeu, o que é que elle fez? Simplesmente o seguinte :
«Não tenho nada com isso. Está preso já lhe disse n; sem mais nem menos, agarrou-me brutalmente pelos hombros, metteu-me entre dois policias e assim me fez marchar a pé para a Boa Hora, acompanhado por toda a gente que estava no café, porque toda a gente foi igualmente presa, seguido do uma multidão enorme que enchia completamente as ruas.
Chegámos á Boa Hora e eu disse immediatamente a um dos guardas que lá estava que desejava fallar pelo telephone ao sr. presidente do conselho para protestar contra a minha prisão, que era uma arbitrariedade.
Responderam-me que não havia telephone. Pedi então para me chamarem o sr. commissario de policia Pedroso de Lima e escrevi para isso um bilhete. Foi o mesmo que nada.
Invoquei por ultimo a minha qualidade de juiz de direito e pedi, que já que me tinham prendido, me fizessem ao menos perguntas, porque queria que nesse auto se lavrasse um protesto contra a minha prisão.
A isto respondeu o tal cabo, que, pela brutalidade, mais parecia um cabo de forcados, habituado a lidar com animaes do que um cabo do exercito habituado ,a tratar com gente civilisada, que me calasse, e floreando com uma bengala acrescentou: aqui tenho eu a lenha com que lhe hei de coser o grão para o seu almoço. Se mo demittirem por

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o prender é o mesmo; se não for soldado, irei apunbar trapos».
Isto, sr. presidente, é rigorosamente textual. Tive o cuidado de o escrever na minha carteira para lhe não alterar nem uma só palavra.
Foi com esta delicadeza, foi com esta legalidade que a guarda municipal procedeu para commigo! (Apoiados.)
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O Orador: - Quanto eu mais protestava, peior.
Passado, porém, algum tempo, e como eu insistisse para fallar a um official superior fosse elle quem fosse, resolvesse o cabo a mandar-me para o Carmo.
Cheguei lá; e esperei na parada do quartel que fossem acordar o capitão de serviço, e de ahi a uma hora, pouco mais ou menos, appareceu s. exa., que me recebeu com toda a amabilidade, tomou o meu nome e mandou por sua vez acordar o tenente coronel. Passada outra hora, veiu o sr. tenente coronel, cavalheiro tambem amabilissimo e em extremo delicado que ouvida a minha exposição, as declarações dos queixosos e do cabo, me soltou immediatamente acompanhando-me até á porta do quartel, penhorando-me deveras com os suas finíssimas attenções. Um verdadeiro contraste o correcto procedimento de s. exa. com o do seu subordinado devo dizel-o.

Mas de tudo isto resultou que tendo eu entrado n'este café pouco depois da meia noite para tomar pacatamente um refresco, só às cinco horas, da manha é que recolhi a casa, tendo passado umas poucas de horas preso. E portanto o que é indiscutível é que eu fui e estive preso, arbitraria e illegalmente. (Muitos apoiados.)
Eis os factos sr. presidente, simplesmente narrados, mas creio que apesar d'isso a injustiça d'elles sobresae bem, e dispensa commentarios. (Muitos apoiados.)
Agora, vou dizer á camara quaes os crimes que commetteu o cabo que assim procedeu, e são elles nada menos que quatro.
Primeiro: o crime-previsto no artigo 294.º do código penal, porque entrou, contra vontade do dono, em casa de habitação fora dos casos e sem as formalidades que as leis prescrevem. (Apoiados.)
Segundo: o do artigo 291.° § 2.° porque me prendessem o poder fazer. (Apoiados.)
Terceiro: o do artigo 291.° § 3.° porque me reteve preso, devendo soltar-me. (Apoiados.)
Quarto: o do artigo 293.°, porque usou para commigo de rigor illegitimo e desnecessário. (Apoiados.}
Sr. presidente, é preciso que fique bem claramente expresso e bem assente que eu fui preso sem ter praticado crime algum, (Apoiados.) e que portanto fui victima de uma arbitrariedade; (Apoiados.) mas não é menos necessario consignar que um deputado foi preso com as camaras abertas, apesar da expressa disposição do artigo 26.° da carta constitucional e do artigo 3.° da lei de 24 de julho de 1885, que o prohibem, porque essa prisão representa, não só uma arbitrariedade, mas tambem uma gravíssima offensa às leis fundamentaes do paiz, às nossas immunidades, ao parlamento inteiro, (Muitos apoiados.) offensa que não póde passar sem severo correctivo, (Muitos apoiados.) offensa que, se foi um grande desgosto para mim, foi um grandíssimo insulto a esta camara. (Muitos apoiados.)
Relativamente á arbitrariedade que a guarda municipal praticou para commigo, como homem, prendendo-me, nada peço ao governo. Tenho, como qualquer outro cidadão, o direito de proceder criminalmente contra ella, e assim o farei. E declaro desde já á camara que hoje mesmo vou ao tribunal dar a minha queixa.
Mas o que não posso é deixar de pedir ao sr. ministro do reino uma satisfação condigna á injuria que soffri como deputado; o que não devo é consentir que fique sem reparação immediata a offensa praticada para com esta camara na pessoa de um dos seus membros. (Muitos apoiados.)
É isso o que eu peço. E peço-o, quando tenho o direito de o exigir. (Muitos apoiados.) Porque, se como homem, como simples particular, valho pouquíssimo, e portanto nada posso pedir, nem ao governo, nem á camara; como representante da nação, como deputado, como membro do parlamento, o governo tem obrigação de respeitar e fazer respeitar as minhas immunidades e os meus direitos, porque valemos .todos aqui a mesma cousa e aqui temos todos as mesmas regalias. (Apoiados.)
Peço, pois, ao nobre ministro do reino a sua attenção para este gravíssimo assumpto e que traga á camara o mais breve possível a resolução desta questão. (Apoiados.) E creia s. exa. que, por maior que seja a satisfação que o governo me dê, ella nunca será tão grande como o desgosto que eu sofFri. (Muitos apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente dó Conselho de Ministros (António de Serpa): - Tenho a dizer ao illustre deputado que ouvi com a maior attenção as suas reclamações, e que póde S. exa. ter a certeza de que lhe ha de ser feita completa justiça; devo, porém, acrescentar que a nossa guarda municipal é um bom corpo, o que não quer dizer que todos os soldados e cabos d'essa guarda cumpram igualmente os seus deveres.
Em todos os corpos, sobretudo em um corpo que tem mil praças, ha quem deixe de cumprir os seus deveres, e na guarda municipal algumas faltas têem havido, mas têem sido punidas.
Este corpo é hoje commandado por um brioso official, (Muitos apoiados.) que é ao mesmo tempo um severo disciplinador, e ainda não. ha duas horas, antes de vir pára a camara, eu tive uma prova d'isso.
Tenha o illustre deputado a certeza de que a justiça lhe ha de ser feita.
Governo e camara, estamos profundamente maguados pela forma como foram tratados o illustre deputado e o digno par o sr. Macario de Castro, e posso assegurar que hei de tomar immediatamente as providencias que o caso requer. (Muitos apoiados.)
O sr. Elias Garcia: - Peço a palavra sobre este incidente.
O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada; vae passai-se á ordem do dia.
O sr. Elias Garcia: - Peço a v. exa. que se digne avisar o sr. presidente do conselho a fim de s. exa. comparecer á sessão de amanhã, porque desejo usar da palavra sobre este assumpto.

ORDEM no DIA

Especialidade do projecto n.° 109 (bill de indomnidade).
O sr. Alfredo Brandão: - Peço a palavra para uma questão previa.
Mando para a mesa a seguinte moção de ordem, em que está consignada a questão previa, que submetto á apreciação da camara, e que é apoiada pelos srs. deputados José Maria de Alpoiro, Fernando Palha, capitão Machado e Eduardo Abreu:
«A camara, considerando que no bill de indemnidade, votado na sessão de 7 do corrente, se affirma que continuarão em vigor, emquanto não forem alteradas ou revogadas, as providencias de natureza legislativa, promulgadas pelo governo desde 10 de fevereiro inclusive até õ de abril este anno, incluindo tambem as promulgadas n'esta data;
«Considerando que estas providencias continuam em vigor, por virtude da approvação do referido bill;
«Considerando que nenhum projecto ou parecer, tendente a revogar ou a alterar as providencias de natureza legislativa promulgadas pelo governo foi submettido á approvação da camara;

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«Attendendo a que o § unico do projecto de lei que relevou o governo da responsabilidade em que incorreu por exercer funcções legislativas seria uma inutilidade e um contrasenso, se permittisse a discussão ou alteração de providencias que declarava em vigor;
«Considerando que estas providencias, e principalmente as que dizem respeito á defeza nacional, estão em harmonia com os motivos e sentimentos que as inspiravam, e tambem com a discussão e approvação do bill de indemnidade:
«Resolve que não póde deliberar sobre as providencias legislativas promulgadas pelo governo, e declaradas em vigor pela votação do bill de indemnidade, e que e inútil e contradictoria a discussão sobre taes providencias. = Alfredo Brandão.»
O sr. Presidente: - A mesa é que compete classificar as propostas, e pela audição dessa parece-me que não deve ser classificada como questão previa.
O sr. Alfredo Brandão: - Faça v. exa. o favor de mandar ler a minha moção e ver a sua conclusão, onde, em conformidade com o artigo 145.° do regimento, se acha consignada a questão previa, nos precisos termos da lei.
O sr. Presidente: - A proposta que v. exa. mandou para a mesa não póde ser considerada como questão previa, mas se v. exa. não concorda com a classificação da presidência póde reclamar, e eu então consulto a camara, e ella decidirá.
O sr. Alfredo Brandão: - Eu tenho muito respeito, muita consideração por. v. exa., mas permitta-me que dê a primazia á lei.
Eu não quero senão o que a lei me garante, porque favores não os peço nem os espero.
O sr. Presidente: - A camara resolveu que houvesse duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade, e não se pôde, nesta altura do debate, fazer o contrario com uma questão previa.
O sr. Alfredo Brandão: - Peço perdão a v. exa., mas eu não digo na minha proposta que não quero que se discuta a especialidade do bill; eu o que digo é que não deve discutir-se a especialidade que se pretende discutir. A apresentação da minha proposta não significa o menor resentimento seja contra quem for; é apenas o uso de um direito de que eu entendo, devo e posso usar.
Se v. exa. me dá licença, eu explico a minha moção e v. exa. depois verá se ella é ou não uma questão previa, e se póde ter o sentido que v. exa. lhe attribue.
Eu não quero proferir uma única palavra que possa ser desagradavel para v. exa., a quem muito respeito, e se fallo alto é por exigências de temperamento, e o mal é para mim porque me canso.
A minha moção é toda pacifica, e tão ordeira como singela, e para que não se supponha que continuando a fallar estou a abusar, eu peço, licença a v. exa. para continuar a usar da palavra a fim de poder explicar a minha moção. Aproveito o silencio de v. exa. para suppor que não me levará a mal que eu continue no uso da palavra.
A camara resolveu que haveria uma discussão na generalidade e outra na especialidade. No sabbado votou-se a generalidade, hoje deve começar a discussão na especialidade.
A camara votou que o governo ficara relevado da responsabilidade em que incorreu, absorvendo funcções do poder legislativo. Quer dizer, o governo, tendo praticado actos dictatoriaes durante o intervallo parlamentar, veio dizer á camara que tinha praticado esses actos em virtude de circumstancias extraordinárias, de momentoso interesse publico e de inadiavel resolução, e pediu á camara que o relevasse da responsabilidade em que incorreu por ter exercido funcções legislativas, e a camara, apreciando a opportunidade e a conveniência da dictadura, absolveu o governo votando a generalidade do projecto do bill.
N'este projecto pedia-se que o governo fosse relevado da responsabilidade de todos os actos dictatoriaes desde o primeiro momento da sua existência até que foi apresentado á camara o parecer da commissão do bill.
E é verdade que a camara votou que houvesse na questão do bill discussão na generalidade e na especialidade.
Mas qual e a especialidade do projecto discutido e approvado na discussão de sabbado? Eu, quando apresentei a minha questão previa, suppunha, por ouvir dizer lá fora, que se iam discutir as providencias de caracter, legislativo promulgadas pelo governo durante o interregno parlamentar, isto é, a forma especial como o governo exerceu a dictadura.
Dizia-se tambem que seriam discutidos todos os decretos ou providencias que constituíram o exercício da dictadura, e por isso eu apresentei a minha questão previa.
A especialidade do bill é a especialidade das circumstancias extraordinárias que determinaram o governo a fazer a dictadura, e não a forma por que ella se fez, e pela leitura do artigo 1.° do bill e do respectivo paragrapho comprchender-se que este era o pensamento do governo e da commissão do bill.
Quer v. exa. ver:
«Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, assumindo o exercício das funcções legislativas.
«§ único. Continuam em vigor, emquanto não forem por lei alteradas ou revogadas, as providencias de natureza legislativa promulgadas pelo governo desde 10 de fevereiro inclusive até 5 de abril do corrente anno, incluindo tambem as promulgadas nesta data.
«Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.»
Quer dizer, o governo vem pedir a absolvição das suas culpas dictatoriaes, mas logo com a declaração de que ficavam em vigor, emquanto não fossem alteradas ou revogadas, as providencias de natureza legislativa que promulgou desde 10 de fevereiro a 5 de abril. É o que diz o § único do artigo 1.°, que é tambem unico.
Já v. exa. vê que não é grande a descoberta a idéa de propor em questão previa, que a camara não resolva sobre as providencias de caracter legislativo que o próprio governo e a própria commissão do bill não querem que sejam alteradas ou modificadas, e que ficavam em vigor desde que fosse concedido ao governo o bill de indemnidade pedido no artigo 1.°
V. exa. comprehende perfeitamente que seria um contra-senso discutir as providencias que constituíram o exercício da dictadura, desde que no decreto se diz que essas providencias continuam em vigor emquanto não forem revogadas ou alteradas, nem o artigo 1.° do bill teria sentido por outra forma. Seria um perfeita inutilidade.
O governo limitou-se a pedir no projecto do biil, que o relevassem da responsabilidade em que incorreu como dictador, desde que é governo, declarando logo que ficavam em vigor as providencias decretadas durante um praso de tempo determinado.
Uma cousa é ser dictador, outra é ser bom ou mau dictador. Pôde ser-se dictador muito constitucionalmente, e todavia ser-se um péssimo dictador, um dictador de poeira, um dictador de burla.
A especialidade do bill não é nem póde ser a especialidade das providencias, que o próprio bill declara em vigor.
Já v. exa. vê que eu tinha rasão para apresentar a minha questão previa formulada nos termos do regimento, que em nada prejudica a resolução da camara, com respeito á discussão da especialidade! A questão está em determinar qual seja a especialidade a discutir, sendo minha opinião, em face da redacção do bill que a especialidade a discutir não póde comprehender as providencias dictatoriaes, que o mesmo bill declarou em vigor, e que ficaram em vigor, desde que a camara o votou na ultima sessão, e mesmo para, não sermos contradictorios discutindo e pretendendo revogar ou alterar hoje o que consideramos

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em vigor no sabbado, dispensando qualquer parecer ou proposta para essa alteração ou revogação.
Eu, sr. presidente, não quero tomar muito tempo á camara, más não posso deixar de explicar a minha moção - Não imagine v. exa. que eu por fallar. muito em dieta dura quero discutir os decretos dictatoriaes, ou na generalidade, ou na especialidade, nada disso; quero limitar me a, explicar a minha moção.
Os motivos que inspiraram a, dictadura e a que me refiro num dos considerandos da minha moção, foram inquestionavelmente as reclamações da opinião publica, ia spiradas no patriotismo. Parece-me que não posso fazer asseveração que deva ser mais agradável ao governo e á maioria.
A estas reclamações se referem quasi todos os relatorios dos decretos dictatoriaes, e ainda o illustre presidente do conselho, quando nos affirmou que tinha força para manter a ordem, mas que precisava mostrarque tinha força moral, fazendo a dictadura, e conformando-se com as reclamações da opinião publica. E com respeito ao patriotismo, que inspirou a opinião publica, com cujas reclamações o governo se conformou, reprimindo-as ao mesmo tempo com a lei das rolhas, peço licença para invocar a auctoridade da illustre commissão do bill. que define claramente qual foi o patriotismo inspirador- da opinião publica.
Este patriotismo era o patriotismo admiravel provocado por um successo desgraçado, que nos fez derramar lagrimas de sangue, e que no meio da nossa immensa mágua nos enchia de jubilo, tornando-se em patriotismo anarchico, que nos desvairava, que provocava e suscitava manifestações contradictorias, que nos apresentava como um povo em delirio, correndo em todas as direcções, que tornava impossivel a defeza, que desconhecia a disciplina e a obediência, que rios levava a discutir tumultuariamente, e que apodava de traidores os homens de ordem e prudentes.
Foi este patriotismo desvairado e anarchico, que inspirou a opinião publica, e foram as reclamações da opinião inspiradas neste patriotismo, que inspiraram a dictadura. É de tal natureza eram estas reclamações, que o governo,
conformando-se com ellas para fazer dictadura, as cohibiu logo, applicando-lhe a lei das rolhas em todas as suas variadas manifestações.
Já vê v. exa., que eu definindo, a opinião publica e o patriotismo, como os define o governo e a commissão do bill sou forçado a concluir, que nem a opinião publica nem o patriotismo, em que o governo se inspirou para ser dictador, eram verdadeiras.
Mas a verdade é que a estas falsas inspirações correspondeu tambem o governo com uma dictadura falsa, e como não quero discutir os decretos dictatoriaes,
basta-me lembrar, muito por alto, as providencias dictatoriaes da defeza nacional, para se ver que a um patriotismo falso, e a uma opinião publica tambem falsa, correspondeu uma dictadura de poeira.
O illustre deputado o sr. Fuschini, que tem competencia especial no assumpto, avaliou as despezas da dictadura da defeza nacional em 20.000:000$OOO réis, e disse-nos que havia quem as avaliasse em 60.000:000$000 réis.
E assim succederia, se o governo usasse das auctorisações com que se armou para satisfazer às reclamações da opinião publica bellicosa e guerreira, fortificando o porto de Lisboa, reformando pela base o exercito e a marinha, e adquirindo os cruzadores e as canhoneiras necessários para nos defendermos dos attentados contra a nossa nacionalidade, e das affrontas ao nosso brio.
Mas felizmente, nem usou de taes auctorisações, nem o póde fazer, simplesmente porque lhe faltam meios, e as receitas que creou ou que se propõe crear com as providencias para a defeza nacional são perfeitamente irrisorias, e ainda bem, para não ficarmos em bancarota e sem defeza nacional.
Para todas as despezas da defeza nacional creou o governo um fundo permanente com receitas militares, em que sobresaem deducções e sobras que nunca suppozemos existirem, e de receitas não militares, em que avultam receitas honorificas, avulsas e eventuaes, e até descuidos e esquecimentos.
E é com este fundo e com um empréstimo nacional, em que vae pedir aos patriotas o que hão de pagar os contribuintes, que o governo pretende fazer despezas calculadas em 20.000:000$000 réis!
Por isso dissemos, que se o patriotismo e a opinião publica eram como as definira e considerou o governo, a dictadura com que o governo nos mimoseou está em harmonia com os motivos que as inspiraram.
O verdadeiro, patriotismo não pedia, nem podia pedir providencias, que no sentido da defeza nacional seriam insensatas, nem despezas que nos arruinassem.
O que pedia o verdadeiro patriotismo era juízo, seriedade, economia e moralidade na administração dos negócios públicos. Mas este pedido não foi attendido, mesmo porque fazer pedidos desta natureza aos governos do nosso paiz e clamar no deserto.
Sr. presidente, eu não desejo abusar da paciência da camara, porque sei por experiência larga, o que custa aturar massadores, e por isso peço licença para consubstanciar em dois considerandos, que vou acrescentar á minha moção, tudo o que eu desejava ainda dizer para esplanar bem o meu pensamento.
Estes considerandos são os seguintes:
A camara, considerando que a discussão do bill tem servido para os dictadcres, descansarem das fadigas da dictadura, para as opposições desabafarem as saudades do poder, o para o paiz sustentar um torneio de aspirantes, a 500$000 por dia;
Considerando, que os processos convencionaes e estéreis dos parlamentos nas nações da raça latina, aggravados entre, nós com a brandura dps nossos costumes, são a principal origem das dictaduras:
Protesta contra o império da verborrea, que está sendo a mais cara e á mais nefasta das dictaduras.
Tenho dito.
O sr. Pinheiro Chagas (relator): - Tomo a palavra para dar breves explicações ao illustre deputado que acaba de fallar.
Antes de tudo tomo o conselho que me deu, que eu acho perfeitamente justificado, de que não fazemos beneficio ao paiz prolongando demasiadamente estes torneios parlamentares, e por consequência, vindo dar explicações a s. exa. na qualidade de relator, não serei eu que incorra na sua censura, contribuindo para que continuemos nesta lucta, talvez sem grande proveito para o paiz.
O procedimento de s. exa., que foi apoiado, pela camara, é simplesmente correcto. Direi comtudo ao illustre deputado que a presidência estava perfeitamente dentro do estrito e da letra do regimento, procedendo como procedeu.
O sr. presidente classificou como entendeu a moção mandada para a mesa pelo sr. Alfredo Brandão. S. exa. teve largo ensejo de sustentar a sua doutrina e mostrar qual era o motivo por que tinha classificado a sua moção como questão previa.
Eu sou da opinião do illustre presidente da camara. Parece-me que effectivamente se. não podia considerar este assumpto como questão previa, apesar do illustre deputado e ter cingido às regras marcadas pelo regimento, porque propõe que a camara não póde deliberar sobre a matéria que se discute, mas sim sobre o assumpto a que s. exa. se referiu.
O illustre deputado sabe que em geral a discussão na especialidade do artigo 1.° não é mais do que a discussão na generalidade. E o que acontece em todos os projectos que ao discutidos, pela rasão muita simples de que o artigo 1.°

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de uma lei não faz mais do que resumir e reproduzir de um modo indefinido o pensamento geral da lei.
Como este projecto não tinha senão dois artigos, um dos quaes atiça revogada a legislação em contrario, não podia ter senão uma discussão única, segundo os preceitos do regimento, mas por proposta apresentada peio sr. Marianno de Carvalho, com a qual todos concordámos, delimitou-se por um modo claro e definido o que era a discussão na especialidade.
Não era como habitualmente a discussão do artigo 1.° em que a especialidade não é mais do que o prolongamento da generalidade, mas sim a discussão na especialidade, com fui definido pela camara, na proposta que se votou no começo da discussão.
O sr. Marianno de Carvalho queria que a discussão fosse mais adiante, dividindo em grupos os diversos decretos que constituem a dictadura, por forma que cada grupo se discutisse separadamente e que a especialidade se subdividisse ainda; mas desde que essa proposta não foi acceite e apenas se resolveu que a discussão do projecto fosse uma só na especialidade, ficou muito claramente definido que a discussão da generalidade era a discussão política da dictadura, e da especialidade a discussão de todos os decretos, discussão perfeitamente larga, onde os srs. deputados podiam apresentar quaesquer emendas, que seriam ou não acceitas pela commissão.
Já vê o illustre deputado que a sua argumentação é perfeitamente justificada quando se referia em geral a qualquer projecto que se discuta; mas não é applicavel a este projecto porque para elle a camara por uma votação especial, determinou o que era a discussão na generalidade e na especialidade.
Diz s. exa. mas como é que nós, depois de se ter votado na generalidade que ficavam em vigor todos os decretos promulgados pelo governo no intervallo das sessões, podemos ir modificar estes decretos, que estavam em vigor?
Isto é que o acontece com todos os projectos. (Apoiados.) Pois os projectos não se votam completos, e não se votam depois emendas que vem modificar a lei? (Apoiados.)
Pois não acontece que, discutindo-se e votando-se um projecto na generalidade e na especialidade se discutem e approvam depois emendas que o modificam radicalmente?
É o mesmo que succede com este parecer.
Discutiu-se e votou-se na generalidade, e agora discute-se na especialidade, e é então occasião de poder ser apresentadas quaesquer emendas, que hão de ser approvadas ou rejeitadas. (Apoiados.)
Por consequência, parece-me que não tem muita rasão a estranheza do illustre deputado.
S. exa. permitia-me que eu limite a estas observações a minha resposta, porque se eu fosse mais adiante, se acudisse em defeza do meu relatório e respondesse às considerações do illustre deputado, sobre patriotismo e inspirações patrióticas, eu não faria senão reconstituir na especialidade a discussão da generalidade, e por consequência eu que comecei por dizer que folgava com a censura de s. exa. contra os torneios parlamentares, iria incorrer nessa censura, de que quero ficar isento.
(O sr. relator não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se approva a classificação dada pela mesa á moção do sr. Alfredo Brandão.
A camara resolveu que a classificação tinha tão bem feita.
O sr. Dias Ferreira: - (O discurso do sr. deputado será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Francisco Beirão: - Visto estar presente o sr. ministro dos negócios estrangeiros, pedia a s. exa. que desse explicações relativamente a uma noticia que divulgada, sem correctivo trazia sobresaltada a opinião publica.
O governo encarregou ha pouco tempo um cavalheiro muito conhecido, que era uma das nossas primeiras individualidades políticas, o sr. Marianno de Carvalho, de uma importante commissão ultramarina. E a camara dos deputados, de que s. exa. é digno membro, concedeu a necessária auctorisação para elle ir desde já desempenhar tal commissão. Nós temos pois, no caso, só um acto isolado do executivo, senão tambem uma auctorisação do parlamento.
Isto posto, parece que se tem dito na imprensa que por parte de uma grande potência, a Inglaterra, se tinham feito algumas observações, e eu do propósito me sirvo desta palavra, ao governo portuguez, sobre a commissão de que tinha sido encarregado o sr. Marianno de Carvalho.
A opposição progressista, e eu pela minha parte, continuo a manter a reserva pedida pelo governo com respeito a quaesquer negociações internacionaes, no intuito de lhe não crear difficuldades; mas eu, creio não violar essas reservas, nem levantar o minimo embaraço, pedindo explicações ao governo a este respeito, e preparando-lhe ensejo de desmentir similhante noticia, em que eu não posso acreditar.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Eu respeito muito o direito que tem o illustre deputado de me fazer qualquer pergunta sobre este assumpto, mas no seu caso não a faria, tão extraordinária poderia considerar-se uma observação sobre este assumpto. (Apoiados.)
Não houve pergunta nem observação alguma do governo inglez ácerca do sr. Marianno de Carvalho, nem a podia haver, porque estando o sr. Marianno de Carvalho incumbido de uma missão de estudo acerca da administração das colónias, era evidente o direito que Portugal tinha de mandar aquella alta capacidade para um estudo de tal magnitude.
Folgo, e assim é necessário, de fazer esta declaração na camara; mas o que me parecia era que se este boato podia correr na imprensa, e mau é que corra, não devia ter echo no parlamento. (Apoiados.)
Portanto, declaro que não póde haver fundamento para uma noticia tão absurda. (Apoiados.)
Aproveito a occaaião para mandar para a mesa uma proposta de lei, approvando para ser rectificada convenção commercial entre Portugal e o Egypto.
O sr. Pedro Victor: - Mando para a mesa a seguinte declaração de voto.
O sr. Francisco José Machado: - Sr. presidente, na ultima sessão perguntei ao sr. presidente do conselho se tinha conhecimento dos factos succedidos em Mafra com um official que está em serviço na escola pratica de infanteria, e s. exa. disse-me que não tinha conhecimento do facto, mas que se ia informar e em breve viria dar noticia á camara do que soubesse.
Eu disse então, que uns poucos de officiaes tinham sido chamados para lavrarem e assignarem um protesto contra um artigo, que vinha publicado num jornal em que se apreciava os actos praticados pelo commandante da escola exigindo-se alem disso de cada um dos officiaes que declarasse sobre palavra de honra, se tinha ou não escripto o artigo, ou dado informações para que elle se escrevesse.
O tenente José da Silva, Bandeira do regimento de caçadores n.° 1 declarou sobre palavra de honra não ter escripto o artigo, mas que não conhecia nos regulamentos militares cousa alguma que o levasse a protestar contra os artigos dos jornaes. (Apoiados.)
Por este facto o official foi suspenso das suas funcçõos de serviço, está preso, o que é um acto attentatorio da disciplina militar. (Apoiados.)
Pergunto pois, ao sr. presidente do conselho se tem conhecimento d'este facto e se está disposto a intervir para que cesse este abuso castigando os que o praticaram.
O sr. José da Silva Bandeira, andou bem e merecia ser louvado por isso; os que assignaram o protesto é que an-

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daram mal, porque fizeram uma manifestação collectiva, prohibida por todos os regulamentos militares e punível pelo n.° 36 do artigo 1.° do regulamento disciplinar do exercito, que diz assim: Todo o militar deve cumprir os seguintes deveres especiaes: Não emittir em reuniões parciaes ou totaes de corporação, conceitos que importem apreciação lisonjeira ou desfavorável, pessoal ou collectiva dos méritos, virtudes ou actos dês seus superiores.
Pois sr. presidente, emquanto que o tenente Bandeira que cumpriu o seu dever está suspenso das funcções de serviço, os que fizeram uma manifestação collectiva, parece que foram elogiados e gosam das boas graças do commandante da escola.
Desejava, pois, que o sr. António de Serpa me informasse do que ha á tal respeito, e procedesse em harmonia com os regulamentos militares, e não consinta na injustiça que se está praticando com um official que cumpriu o seu dever.
Já que estou com a palavra desejo fazer uma declaração, o que aliás é desnecessário, mas é para que fique consignada na acta.
Eu sou deputado da nação e não deputado de uma arma.
Nenhum de nós representa aqui nem a arma de infanteria, nem a de cavallaria, nem a de engenheria, nem a do estado maior, representa o paiz inteiro, e por consequência advoga os interesses de todo o exercito (Apoiados) e não desta ou d'aquella arma.
Não faço política com o exercito, e por isso não venho advogar os interesses de nenhuma arma em especial, mas sim do exercito em geral.
Desejava que ficasse consignada esta minha declaração, que é uma resposta ao que, com surpreza minha, ouvi sustentar n'esta casa, e reservo-me para noutra occasião me explanar em mais largas considerações a este respeito.
O sr. Ministro da Guerra (Serpa Pimentel): - É unicamente para dizer que nenhuma informação tenho sobre o facto de que se trata. Parece-me que o illustre deputado disse que esse official estava preso. Tratarei de informar-me.
O sr. Francisco Machado: - Pedia ao sr. ministro a fineza de se informar se com effeito o official está preso, porque um facto d'esta natureza é grave.
O Orador: - É impossível que o facto seja verdadeiro. É esta a minha opinião. Não era natural que deixassem de informar-me se o facto se tivesse dado. Infelizmente tenho dois ministérios, a meu cargo, onde tenho de ir quasi todos os dias.
Hoje fui ao do reino e ao da guerra, e é natural que se se tivesse dado um facto um pouco notável eu tivesse sido d'elle informado.
O sr. Francisco Machado: - Posso affirmar a v. exa. que tenho informações particulares e que o facto, é verdadeiro.
O sr. Francisco Beirão: - Pedia a v. exa. que permittisse que eu dissesse duas palavras em resposta ao sr. ministro dos negócios estrangeiros.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem o sr. deputado a palavra.
O sr. Francisco Beirão: - Mais uma vez se verificou o provérbio «por bem fazer, mal haver». Propunha-me proporcionar ao governo ensejo de desmentir um boato que corria no publico, e estranha-se-me esse facto!
Agradeço a lição que me quiz dar o sr. ministro dos negócios estrangeiros, mas declaro que não a acceito. Hei de exercer o meu direito de representante da nação, como em minha consciência entender. O governo tem obrigação de dar explicações, que servem não só ao parlamento, mas tambem para todo o paiz.
Isto dito, ainda que todos os membros d'esta casa estivessem convencidos de que não havia fundamento para a noticia que se propagou pela imprensa; desde o momento em que ella corria no paiz e que podesse haver alguém ainda fora daqui que a acreditasse, (Apoiados.) era conveniente que o governo a desmentisse. A demais acrescentarei, em replica ao sr. ministro, que não é a primeira vez que qualquer potência viola direitos da soberania de outra.
Eu procurava, repito, ensejo para o governo desmentir a noticia, declarando logo_ que pela minha parte não acreditava n'ella. E concluo repetindo que agradeço a lição, mas que não a acceito. Hei de continuar a proceder da mesma forma que tenho procedido até aqui.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Eu não contesto a s. exa. o direito de fazer quaesquer perguntas ao governo, assim como tambem se não póde contestar o meu direito de responder, e tanto que respondi. Simplesmente no caso de s. exa. não teria perguntado uma cousa, que no meu entender não tinha, nem podia ter fundamento. É uma questão de apreciação.
Continue s. exa., se quizer, a dirigir-me quaesquer perguntas, que eu estou sempre prompto a responder...
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e três quartos da tarde.
Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros

Proposta de lei n. 124-A

Senhores.- Ao vosso esclarecido exame tenho a honra de submetter a convenção assignada entre Portugal e o Egypto, no Cairo, em 11 do mez próximo findo, em resultado de negociações entabuladas durante a gerencia do meu illustre predecessor.
Por esse acto internacional, que o governo do Khediva, auctorisado por firmans da Sublime Porta, celebrou comnosco, como já concluirá, em 29 de outubro ultimo, uma convenção, tambem commercial, com a Gran-Bretanha, garante-se-nos o tratamento da nação mais favorecida, o qual os tratados com a Turquia, recentemente rescindidos, nos asseguravam, mas que a nova declaração, por vós approvada, não manteve, por não ser applicavel aos paizes vassallos d'aquelle império.
Esta clausula naturalmente induz a ponderar que polo citado convénio
anglo-egypcio, alem de se estipular o tratamento nacional em matéria de commercio e navegação (exceptuada a cabotagem), de policia e hygiene,
consignou-se o maximum de 10 por cento ad valorem para os direitos de importação, no Egypto; de certas mercadorias (metaes, machinas, utensílios agrícolas;, cutelaria, quinquilherias, fios, filós, cordame, tules, velludos e outros tecidos unidos, fabricados com fibras vegetaes ou com lã, etc., hulha, anil, arroz, grãos oleaginosos), convencionando-se comtudo que esta disposição não teria effeito emquanto se não tornasse applicavel às outras potências interessadas; fixou-se o limite tributário de 1 por cento ad valorem para as mercadorias exportadas d'aquelle paiz; e foi declarada isenta de direitos a importação de modelos e amostras, mediante o cumprimento de determinadas formalidades.
Do beneficio das estipulações de reciproca liberdade de commercio e tratamento de nação mais favorecida ficaram excluídos, em ambas as convenções a que me refiro, o tabaco, o pechisbique, o sal, o salitre, o natrão, o hachiche, as armas de qualquer natureza, as munições, a pólvora e as matérias explosivas.
Pelo que respeita aos preceitos fiscaes, a que nos paizes contratantes permanecerão igualmente sujeitos os nacionaes de um e de outro, convém advertir que já o governo de Sua Magestade, seguindo o exemplo de outras nações,

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adherira, em 24 de maio de 1880, aos regulamentos aduaneiros do Egypto.
Reconheceu-se a conveniente liberdade dê acção do governo de cada paiz, com respeito às providencias protectoras de saúde publica e tendentes á evitai- à invasão de epizootias ou epiphytias.
O regimen convencionado tambem hão obsta ao exclusivismo dos accordos especiaes do governo do Egypto com as outras partes do império ottomano ou com a Pérsia; nem prejudica o estabelecimento de peculiares disposições relativamente ao trafico entre o Egypto e o Sudão.
Pela nossa parte, alem de nos reservarmos á faculdade de fazer concessões especiaes ao Brazil, mantivemos pára as condições do nosso commercio raiano ò caracter, que lhes convém, de privativas e excepcionaes.
Por indicação do conselho superior das alfândegas, se declarou expressamente que ficavam as nossas possessões ultramarinas fora do alcance das clausulas pactuadas, e se conseguiu reduzir a seis annos o praso; que primitivamente se fixara em dez, para a duração deste ajuste.
Tendo-se, porém, resalvado o direito de Portugal denunciar esta convenção depois de 1892, e de concluir outra com o Egypto, á vossa prudente resolução submetto a conveniência de se estabelecer a este respeito prescripção análoga á contida rio artigo 1.° § 1.° da lei de 23 do mez próximo findo.
Se o nosso commercio com o Egypto se cinge, actualmente, quasi a uma só mercadoria, o assucar, cuja importação tem augmentado nos últimos annos, a ponto de em 1888 attingir o valor de 302:594^000 réis, a presente convenção não tolherá, antes ha de favorecer o desenvolvimento das nossas relações mercantis com aquella região, que, depois da abertura dó canal de Suez, tanto interesse disperta às nações marítimas da Europa.
E grato me é registar, como testemunho das boas e amigáveis disposições do governo dó Khediva para ,com o de Sua Magestade, que, por occasião de assignar o presente convénio, assegurou o ministro dos negócios estrangeiros do Egypto, em nota da mesma data, que, dentro do um anno, formularia a sua, proposta para a nomeação de um novo magistrado portuguez para juiz dos tribunaes mixtos.
As precedentes considerações, espero, vos persuadirão a approvar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° E approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção commercial entre Portugal e o Egypto, assignada no Cairo em 11 de maio de 1890.
§ único. A sobredita convenção ficará de nenhum effeito, se, decorridos seis mezes depois dê iniciada á negociação da nova convenção a que o artigo 6.° d'aquella se refere, os governos dos dois paizes não tiverem chegado a accordo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios estrangeiros; em 9 de junho de 1890. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Traducção

Os abaixo assignados, sr. Gabriel de Zogheb, encarregado de negócios, agente diplomático e cônsul geral de Sua Magestade Fidelíssima o Rei de Portugal e dos Algarves, no Egypto, e s. exa. Zoulfikar Pachá, ministro dos negócios estrangeiros do governo de Sua Alteza o Khedivado Egypto;
Devidamente auctorisados pelos seus respectivos governos, e, pelo que respeita ao Egypto, nos limites dos poderes conferidos pelos firmam imperiaes, convencionaram o seguinte:
Artigo 1.° Cada uma das partes contratantes concede immediatamente á outra, ao presente e pára o futuro, o tratamento da nação mais favorecida, sobretudo pelo que sé refere ao commercio e á navegação; todos os favores, immuunidades, privilégios e vantagens de que gosam ou venham a gosar os súbditos, o commercio e a navegação de qualquer outra nação, principalmente era matéria de commercio, de importação; de exportação, do reexportação, de transito, de exercício de commercio ou de industria, bem como de pagamento dos respectivos impostos, serão logo concedidos; sem compensação alguma, aos súbditos; ao commercio e á navegação da outra parte contratante. Todo e qualquer direito interior ou da alfândega sobre o commercio, a industria ou a navegação; bem como todo e qualquer augmento destes direitos, que uma das partes contratantes quizer estabelecer, deverá tornar-se logo applicavel a todas as outras nações.
Excluem-se das precedentes estipulações o tabaco de qualquer espécie, o pechisbeque, o sal, o salitre, o natrão, o hachiche, as armas de qualquer natureza, as munições; a pólvora e as materias explosivas.
O mesmo se deve entender quanto á cabotagem e á navegação interior, que ficam submettidas às respectivas leis dos dois paizes.
Art. 2.° A clausula da nação mais favorecida não poderá ser invocada pelas partes contratantes contra a applicação das medidas sanitárias e outras prohibições resultantes da necessidade de proteger a saúde publica, a dos animaes e as plantas úteis á agricultura.
Reserva-se; a favor de Portugal, o direito de conceder somente ao Brazil vantagens particulares, que não poderão ser reclamadas pelo Egypto como consequência do seu direito ao tratamento da nação mais favorecida. Bem assim o tratamento dá nação mais favorecida não poderá ser invocado pelo Egypto, pelo que respeita, às concessões especiaes que Portugal possa fazer a estados limitrophes, no intuito de facilitar o seu commercio de fronteiras;
Assim também, á Portugal não aproveitarão:
1.° Os accordos especiaes actuaes ou que ulteriormente possam celebrar-se, quer entre o Egypto o as Outras partes do império ottomano, collocadas sob a administração directa da Sublime Porta, quer entre o Egypto e a Pérsia; .
2.° As disposições que o governo Egypcio possa adoptar relativamente á permutação das mercadorias indígenas ou exóticas com o Sudão.
Art. 3.° Os regulamentos em vigor, bem como quaesquer outros regulamentos que de futuro sejam publicados, incluindo os que tenham por objecto a vigilância dos navios, a busca ou apprehensão das mercadorias de contrabando, as pesquizas necessárias para este effeito, assim como as multas e outras penalidades applicaveis em virtude d'estes regulamentos, no caso de falsa declaração; de contrabando ou tentativa de contrabando, de fraude ou tentativa de fraude ou de quaesquer infracções dos regulamentos, serão, do mesmo modo que as providências que possam ser tomadas relativamente á hygiene e á segurança publica, e nas mesmas condições que aos nacionaes do paiz de que se tratar, applicaveis aos nacionaes do outro paiz.
O mesmo se observará quanto aos regulamentos concernentes às taxas especiaes ê aos direitos accessórios de alfândega.
Art. 4.° Somente são isentos de toda e qualquer verificação nas alfândegas egypcias, bem como do pagamento dos direitos de entrada e de saída, os objectos e effeitos pessoaes pertencentes ao cônsul geral.
Art. 5.° As disposições da presente convenção serão applicadas, sem excepção alguma, às ilhas portuguezas, denominadas adjacentes, a saber: as ilhas da Madeira, Porto Santo e archipelago dos Açores.
Não serão applicaveis estas mesmas disposições às colónias e possessões ultramarinas de Portugal, que são e ficam excluídas das presentes estipulações, e a respeito das quaes se poderão concluir accordos separados, fazendo objecto de uma convenção especial.
Art. 6.° A presente convenção entrará em vigor um mez

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depois da troca das ratificações, a qual deve realisar-se no mais breve praso possivel; e será obrigatória durante seis annos.
Todavia Portugal, com o fim de manter a sua liberdade de acção para a conclusão de novos tratados de commercio com outras potencias, reserva-se o direito de caso os seus interesses o exijam, denunciar, depois de 1892, a presente convenção e de concluir uma nova com o governo Egypcio.
Em testemunho do que os abaixo assignados firmaram a presente convenção e lhe pozeram os sellos de suas armas.
Feita em duplicado, no Cairo, aos 11 de maio de 1890.

(L. S.) Gabriel de Zogheb.
(L. S.) Zoulfikar

Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negócios commerciaes, em 9 de junho de 1890. = O sub-director, Augusto Frederico Rodrigues Lima.
Foi enviada á commissão de negocios externos.

O Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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