SESSÃO N.º 34 DE 18 DE MARÇO DE 1902 11
sempre solidarios na mesma collaboração, e limitando-se perfeitamente um ao outro pela acção reciproca, que elles exercem um sobre outro. Um é o orgão electivo e collectivo, o Parlamento, e o outro é o orgão unitario, o Governo. O Parlamento legisla com o concurso do Governo, e o Governo traduz esse concurso na iniciativa e na participação da discussão d'essas leis; e demais, se o Governo dirige a administração geral do país, o Parlamento no gozo das suas regalias é como o controle permanente sobre os actos do Governo, destinado a garantir que as idéas directoras, que inspiram o Governo correspondam é opinião dominante no Parlamento e no país; porque, Sr. Presidente, neste machinismo parlamentar, que é geralmente o mesmo em todas as democracias e em todas as monarchias constitucionaes, o controle politico do Parlamento repousa sobre este factor essencial: é necessario que o Governo e o Parlamento estejam sempre de acordo na direcção geral da politica e dos grandes problemas de interesse nacional.
Eu bem sei, ainda, Sr. Presidente, porque comprehendo a alta missão do illustre Presidente do Conselho de Ministros, nesta conjuntura da sua vida politica, que o systema parlamentar é impossivel, como impossivel é o systema representativo, quando nas Camaras não haja a maioria, que toma as decisões, não haja a minoria que as discuta e as esclareça, e não hajam aquella sabedoria e aquella moderação, que os interesses da patria exigem e reclamam. (Apoiados).
Mas, porventura, Sr. Presidente, faltou ao Governo esse acordo, esse respeito que impõe o poder politico das instituições?
Faltou essa Camara, como foi a Camara passada?
Faltou essa minoria, que pelo seu respeito pelo prestigio parlamentar, pelo seu alto criterio, pela sua correcção e pela alta comprehensão dos seus deveres, peranto as questões mais vitaes, questões verdadeiramente nacionaes, que mereceram, até, os applausos do país, que obstassem á discussão regular e constitucional de todos esses projectos de lei, tão reclamados pelas necessidades publicas?
Não faltou. (Apoiados).
Qualquer que fosse a falta de cohesão da sua maioria; qualquer que fosse a sua scisão, que não é nova na nossa vida parlamentar, e da qual dão fecundo exemplo os Parlamentos estrangeiros; qualquer que fosse o seu desmembramento, formando o centro da Camara, que ha em quasi todas as Camaras, o Governo tinha, ainda, nella uma segura votação a seu favor, que lhe garantia o bom exito d'estas questões, verdadeiramente nacionaes. (Apoiados). Ella era bastante patriotica, Sr. Presidente, assim o julgo, porque se o não fosse mereceria, então, a mais severa condemnaçãp do país, para pôr do parte quaesquer outras considerações, e tratar somente de uma questão que era palpitante, de grande interesse economico, o que todo o país, sem excepção, reclamava como uma medida urgente e de mais alto interesse publico.
Nunca, Sr. Presidente, veiu mais a proposito relembrar um facto notavel da nossa vida parlamentar de ha 40 annos que causa prazer referi-lo, e traduz bem claramente o espirito levantado d'aquelles homens de raça, aonde se foram alentar as crenças liberaes do partido a que tenho a honra de pertencer. Parece-me sentir neste momento, não obstante aquella distancia e ser outra a orientação do Governo, o calor, o enthusiasmo d'aquellas sessões, nunca esquecidas, que não canso de meditar pela sua nobreza e elevação, e pela boa lição que d'ella ha a tomar para o português, que ainda se interessa pelo bem do seu país.
Acaloradas, violentos, apaixonadas, e por vezes, repassadas de odios politicos, Sr. Presidente, foram aquellas celebres discussões, levantadas no Parlamento Português, e que tanto o enalteceram em 1863, a proposito do projecto de lei sobre a extincção dos vinculos do então Ministro da Fazenda, o Sr. Lobo de Avila, que ainda hoje pelo seu brilhantismo, pela sua viveza e pela sua elevação se relêem com prazer e são ensinamento a imitar nos annaes d'esta Camara. Mas, Sr. Presidente, apesar da rude, da tenaz e, por vezes, tempestuosa opposição que este golpe profundo feriu no coração da aristocracia portuguesa, como a ruina do seu prestigio e a decadencia das suas regalias, e demais a mais em uma epoca, onde a tradição se radicava, ainda, tão fundamente em elementos de subido valor nas duas Camaras, sobretudo na dos Pares, o Governo não recuou um só passo no aprumo da sua auctoridade e do seu prestigio; o Governo não succumbiu perante aquella campanha verdadeiramente grandiosa, porque bem conhecia o seu dever; o Governo sobranceiro a este recontro de paixões e na comprehensão da sua alta missão governativa preferiu, achou mais honroso, achou mais nobre, o rever-se, orgulhoso, naquella pequena maioria, que lhe deu a celebre sessão de 23 de março, fazendo d'aqueles quatorze artigos uma das paginas mais brilhantes do nosso constitucionalismo, do que fechar o Parlamento, que deslustrava o seu espirito liberal, do que esconder-se, fugir nas sombras de uma dictadura (Apoiados), que seria não só uma deshonra, mas ainda um crime para aquelles homens de rija tempera, para aquelles portugueses das mais rijas crenças. (Vozes: - Muito bem, muito bem).
E ainda modernamente, Sr. Presidente, ha Parlamentos, que dão exemplo da nobreza e grandeza da sua missão.
Mais que violentas, Sr. Presidente, chegando naquellas explosões de paixão a ser tumultuosas e aggressivas, foram aquellas celebres discussões levantadas, no anão passado, no Parlamento Francês, no largo periodo de seis meses consecutivos, a proposito da lei de l de julho sobre o contrato da associação, do eminente parlamentar Waldek-Rousseau, que a vinha acariciando, alentando desde 1883, quando Ministro do Interior no Gabinete Jules Ferry, a proposito da lei de Dufaure sobre a liberdade da associação. Violentas, Sr. Presidente, foram aquellas discussões em uma assembléa, por vozes, despotica, como não ha outra que a iguale, e aonde as paixões chegaram a desencadear-se nas mais agitadas e empenhadas lutas, que echoaram no mundo inteiro, e fizeram, até, estremecer, tal era a sua grandeza, aquelle poder de vinte seculos, que ainda, hoje, se encarna com grande auctoridade na veneranda figura de Leão XIII. (Vozes: - Muito bem, muito bem).
Intransigentes, Sr. Presidente, foram aquellas discussões com impeto de verdadeiro furor contra o Governo, como não ha exemplo na historia parlamentar dos tempos modernos, onde do centro e da direita da Camara, que symbolizavam a contra-revolução, se ferira até o insulto, e que corria desde esses reductos até á cadeira presidencial, e que representavam a força de um poder, que a sociedade civil não legitimava em nome das modernas franquias liberaes o em nome dos direitos do Estado; é no entanto, Sr. Presidente, apesar d'este embate de opiniões, apesar d'esta rija campanha, que parecia esmagar o Governo, apesar das ameaças que surgiam de cada lado, aonde a tradição se enraizava, apesar de se degladiarem nesta luta tantas ambições e tantas interesses, pois basta relembrar que em 1900 os bens immobiliarios das congregações religiosas attingiam a riqueza collossal de 1:000 milhões de francos, Waldek-Rousseau, apesar de tudo isto, sobranceiro no meio d'esta tempestade, sempre na brecha em defesa da sua lei, sempre na comprehensão da sua difficil situação, triumphou duas vezes; triumphou, Sr. Presidente, pela sua eloquencia e pela sua tenacidade, alcançando os sufragios de toda a França; e triumphou prestando a mais levantada homenagem á sua Constituição de 1875, porque offendê-la seria uma deshonra, e acobertar se em uma dictadura seria a revolução nas ruas, que o expulsaria das cadeiras do poder. (Apoiados}.
E o Governo, Sr. Presidente, nesta nevose inconstitu-