SESSÃO N.º 34 DE 13 DE MARÇO DE 1902 13
verdadeiro assombro, e que tanto contrasta com as disposições do decreto de 14 de junho e das instrucções regulamentares de 27 de setembro do anno passado.
E, com effeito, estudadas e meditadas que sejam as propostas de lei do Sr. Ministro das Obras Publicas, apresentadas a esta casa do Parlamento em 11 de março e 8 de maio do anno passado, e ponderado detidamente, pensadamente o decreto dictatorial de 14 de junho, bem como as instrucções regulamentares de 27 de setembro, que, para mim, valem mais, bem mais, do que o famoso decreto, e, finalmente, considerada em toda a sua largueza e significação a distribuição geographica das 8 adegas sociaes pelas differentes regiões vinicolas do país, feita em 15 de novembro do mesmo anno, chega-se necessaria e fatalmente á conclusão de que as adegas sociaes das medidas de dictadura, que estamos discutindo, tão simples, tão amigas nas suas relações e tão aconchegadas aos viticultores, como ellas o são lá por fora, como em breve vou demonstrar, na sua organização, e com todas as suas vantagens de cooperação, são nestas medidas, um organismo totalmente differente, que, á força de uma larga evolução e transformação porque passaram desde 11 de março até 15 de novembro, isto é, na sua longa gestação de 8 meses, e talvez por entre largas combinações e arranjos, se desnaturaram completamente do seu fim, da sua indole e das suas, vantagens. (Apoiados).
A Camara vae ver o que são essas apregoadas adegas sociaes do Sr. Ministro das Obras Publicas, para debellar a crise vinicola. Não são, Sr. Presidente, essas adegas sociaes propriamente aquellas sympathicas instituições moldadas nessas bellas e bem conhecidas cooperativas, que nasceram por entre os valles do Ahr e do Rheno na modestia da congregação de pequenos viticultores, e que tamanhos beneficios tem produzido; mas sim, são associações de grande amplitude de funccionamento, de larguissimos privilegios, de extensas concessões, quasi ruinosas para o Estado, que juntas ao elevado limite minimo de producção de 1:000 pipas de vinho, limite extraordinario, se tornam em outras tantas poderosas companhias vinicolas, sem o encargo d'aquellas, mas ainda com mais vantagens; porque alem, Sr. Presidente, de levantarem embaraços, difficuldades, ao commercio de vinhos, que ficará completamente esmagado, vem ainda, o que é peor, e por isso as combato energicamente, bater, tornar impossivel a criação da verdadeira adega social, d'aquella que as instrucções regulamentares chamam livre, da adega modesta, d'aquella que mais genuinamente e mais legitimamente representa o principio associativo, que se expande, que cresce e que se desenvolve em grande numero d'estas instituições nas principaes regiões vinicolas da Allemanha, da Italia, da Austria, da Suissa e da França.
Ha nesta original e extraordinaria orientação administrativa do Sr. Ministro das Obras Publicas duas categorias, dois grupos de adegas sociaes em uma organização que não vejo adoptada com tanta generalidade lá por fora. É preciso, é urgente defini-las clara e categoricamente segundo aquella orientação, porque é preciso que o país saiba quanto essas instituições se afastam do que se pratica em todos os países vinicolas; por isso insisto sobre este estudo, porque é uma questão importante de administração publica, e eu quero mostrar que as adegas sociaes do Governo estão muito longe de attingirem o fim a que visam estas magnificas instituições, e que em nada, absolutamente em nada, resolvem a questão vinicola. É uma pura utopia e por isso sem resultado pratico algum.
Temos a adega regional, assim chamada, e que eu chamarei a adega opulenta, a rica adega, a futura, a nova companhia vinicola, revestida de todos os seus privilegios e favores; e a adega livre, a adega modesta, aquella que no mesmo, decreto e nas mesmas instrucções regulamentares foi considerada com menos amor e com menos carinho, aquelle que deveria ser a unica sem o affrontamento da
regional e sem a sua concorrencia, porque esta adega, a livre, é uma pura utopia na condemnavel coexistencia com a adega regional. Como utopia, Sr. Presidente, é essa sonhada federação vinicola, a que se refere o relatorio do Sr. Ministro das Obras Publicas, federação apenas bonita, mas sem effeito pratico no Diario ao Governo, em um país aonde a educação do principio associativo é tão mal comprehendida, sobretudo para a viticultura portuguesa, amarrada ainda, por esse país, ás mais velhas tradições, não sendo por isso facil, de um momento para outro, levá-la á posse de tamanha conquista civilizadora. (Apoiados).
Todo o nosso interesse, todo o nosso esforço, como praticam a Allemanha, a Italia e a Suissa, povos mais adeantados do que nós, sejam pela propaganda da modesta associação vinicola com a pequena adega, sem a concorrencia da grande adega regional, d'aquella adega absorvente, que agora o Sr. Ministro das Obras Publicas inventou, sem imitação em parte alguma, com um luxo de privilegios e de favores (Apoiados); porque a federação do illustre titular das Obres Publicas é uma d'aqueltas phantasias que se desfaz desde logo perante a tradicional desconfiança que o cultivador rural tem para tudo e para todos; e porque finalmente não é pela instrucção espalhada no Diario do Governo que estes beneficios se alcançam, mas sim pela perseverante propaganda de uma larga instrucção agricola, espalhada por toda a parte, por todos os logares, por todas as aldeias, quer pela bibliotheca, quer pelos circulos de instrucção, como faz a Belgica, quer pela cathedra volante, como faz a Italia e outros países, que vão na vanguarda d'estes grandes progressos sociaes.
Nesta desnorteação com que a adega social foi decretada, desviando-se do seu fim principal e unico, que era a cooperação entre pequenos viticultores para a grande regeneração da nossa viticultura, e para accentuar a fama e o conceito dos nossos vinhos, exaltando pelos bons productos a sua qualidade, e levantando a sua venda a preços mais remuneradores, a adega social, governamental, não é a da proposta de lei de 11 de março do Sr. Ministro das Obras Publicas, que essa, apesar de ser uma utopia, pelo modo como estava formulada, era, modificada que fosse, a unica aproveitavel; mas, sim, a adega social, primacial, era aquella que já se vislumbrava no § 2.° do artigo 3.° do decreto de 14 de junho, e que se desdobrava claramente nos capitulos 1.° e 13.°, e nos artigos 1.° e 42.º a 48.° das referidas instrucções regulamentares de 27 de setembro; não obstante o Sr. Ministro das Obras Publicas, como diz no seu relatorio, ter ido buscar a origem d'estas bellas instituições aquellas cooperativas, que nasceram no valle do Ahr e se fundaram pela iniciativa fecunda de grupos de pequenos cultivadores. Mas, Sr. Presidente, essas referencias são menos exactas e estão longe de traduzirem a organização d'aquellas cooperativas allemãs; pois, de modo algum, como vou já demonstrar, nem na sua organização, nem nos seus fins, nem nas suas vantagens e nem na sua distribuição pelas differentes regiões vinicolas, poderiam, ellas, servir de molde ás adegas sociaes, que estamos discutindo.
Combato, portanto, Sr. Presidente, a adega regional do Sr. Ministro das Obras Publicas, que tanto sobrecarrega este Orçamento, que estamos discutindo, sem vantagem absolutamente nenhuma; combato aquella adega, que deve ser riscada d'aquelle decreto, que pela sua feição de companhia privilegiada, ainda que coberta do modesto titulo, que a não representa, pois vão mais longe os seus fins, não pode, nem pelo elevado limite minimo de producção de 1:000 pipas de vinho, nem pela sua regulamentação e organização, sem elasticidade alguma á mais racional applicação nas differentes regiões vinicolas de país, ser similar de tantas outras, que abundam pelo estrangeiro, e que nasceram e se amoldaram nas mesmas aspirações e nos mesmos fins da sociedade de Mayschosz, aonde todas, Sr. Presidente, todas, sem ezcepção, se lus-