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SESSÃO N.º 34 DE 13 DE MARÇO DE 1902 9

país, e com o seu pouco respeito pelas instituições, e esquecendo até a sua alta missão governativa, se lança nesta dictadura, que razão alguma de ordem publica reclamava, que razão alguma de interesse patriotico, quer interno, quer internacional impunha, e sobre assumptos, Sr. Presidente, que só uma vasta discussão parlamentar poderia esclarecer, dictar, discutir e legislar. (Apoiados).

E a proposito, Sr. Presidente, vou relembrar um facto politico passado, ha pouco, no Parlamento Allemão, e bem conhecido d'esta illustre Camara, tendo no momento a melhor applicação, e que caracteriza, não obstante a vontade e a energia poderosa do seu Imperador, o respeito pela sua Constituição.

Sua Majestade Imperial, Guilherme II, seduzido, como elle mesmo o confessou e o disse ao seu povo, pelas suas grandes aspirações de grandeza, que recebeu nas suas peregrinações sobre os mares hellenos, nos logares cheios de recordações de Constantinopla e de Jerusalem, naquellas celestes aguas de Bysancio (empregando textualmente as suas palavras), e por sobre aquelles desertos immensos da Palestina, como tão poeticamente elle descreveu, sobressaltou-se, desde logo, em alargar a sua omnipotencia por estes logares santos, aonde, digo eu, em cada pedra se, insculpia uma recordação, e em cada ruina se inscrevia a historia de muitos seculos.

Augmentar o armamento do seu exercito foi, desde logo, a sua preocupação, mas o Imperador e o Governo encontraram na Camara, pelo aggravamento dos impostos a que era necessario recorrer e que este armamento reclamava, a mais viva, a mais aspera e a mais implacavel opposição nos partidos ultramontano e socialista, os quaes, Sr. Presidente, reunidos eram invenciveis perante os partidos governantes, conservador e liberal. Ainda que cada um d'estes partidos, Sr. Presidente, representava idéas differentes, um era como o credo de Deus e outro o credo do povo, duas antitheses nos seus programmas, accordavam-se sempre nas grandes e mais violentas campanhas contra o Imperador; os jesuitas porque tinham sido expulsos do territorio allemão, elles que tinham sido queridos do seu avô Guilherme I, e nos tempos mais recuados sentaram-se no lado do throno de Frederico o Grande, quando os reis philosophos da sua epoca os expulsavam dos seus reinos: e os socialistas porque, intransigentes no seu programma, combatiam todo o augmento no orçamento da guerra por se encontrar, já, muito elevado, esmagar cruelmente todos os recursos do país para a, sustentação de uma paz, que era a maior tyrannia dos tempos modernos, e flagellar as classes operarias, já muito enfraquecidas pelas primeiras convulsões de uma tremenda crise industrial e agraria, que se avizinhava e que hoje sobresalta a Allemanha.

Com a força de que dispunham o Imperador e o Governo naquella organização germanica, que é de ferro, podiam ter dado um golpe nas regalias parlamentares, podiam ter praticado um acto de dictadura, que saberiam manter pelo seu prestigio e pela sua auctoridade, quasi supremas; mas não, Sr. Presidente, o Imperador, sacrificando, talvez, as suas crenças religiosas, sacrificando outros interesses, que no momento julgava de secundaria importancia, abre então as fronteiras do grande imperio ás legiões dos ultramontanos, e estes, que conquistaram assim uma grande importancia politica, votaram com os imperialistas o augmento do orçamento da guerra! E nesta questão, Sr. Presidente, que ficou memoravel nos annaes parlamentares, nesta questão de grandeza nacional, nesta questão de engrandecimento do grande e do bom povo allemão, não se mandou calar o Parlamento, pois foi viva vivissima e apaixonada a discussão, porque fazê-lo, pensá-lo, sonhá-lo, seria uma affronta, uma violencia á suprema da d'aquella instituição. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

E assim o Imperador augmentou o seu exercito com mais tres corpos, dois prussianos e um bavaro, engrandecendo ainda com este grande augmento a sua artilharia com mais 127 baterias de campanha, isto é, estas que eram 447 passaram a ser 574.

Será uma habil combinação politica do poder real, fanada nas grandes aspirações de grandeza d'aquelle povo, mas o que não é, é uma dictadura, nem se fez uma violencia, um insulto á Constituição do Estado. (Apoiados}.

A Camara bem o sabe, porque a sua illustração é grande, e eu curvo-me perante a sua auctoridade; mas no eu espirito superior e na sua recta consciencia tem, desde muito, formulado, escrito a sua opposição a estes actos de dictadura do Governo. Louvo a dedicação partidaria da maioria da Camara, comprehendendo talvez o seu dever no modo de ver da politica portuguesa, mas sinto, lamento
constrangimento da sua consciencia levantada e digna. (Apoiados).

Eu comprehendo, Sr. Presidente, porque a historia celebra estas dictaduras, como fecundadoras e grandiosas nos seus beneficios, a dictadura de 1834 de D. Pedro, guiada por Mousinho da Silveira, José da Silva Carvalho e Joaquim Antonio de Aguiar, que se inscreve no caminho das grandes reformas politicas e economicas, e que ainda hoje, Sr. Presidente, estadistas estrangeiros admiram; dictadura veiu, pela sua poderosa estatura, fundamentar, enraizar um novo systema de Governo, filho de uma heroica resolução, que desmoronou essas velhas instituições, que ainda mal se compadeciam nessa época com a sua ruina; dictadura salvadora e abençoada por todos aquelles que viram coroados os seus esforços em favor da causa liberal, porque eram os interesses da patria que a reclamavam.

Comprehendo, Sr. Presidente, a dictadura de 1836 de Passos Manuel, que glorificou na sua grande estatura de politico, o seu alto espirito reformador - e que nasceu na evolução de 9 de setembro, que elle incarnava como um verdadeiro espartano; - dictadura imposta pelas circumstancias, e que, sem ella, a causa liberal teria, certamente, succumbido; - dictadura gloriosa, gerada na alma d'aquelle sublime patriota, que estendeu a sua acção por todos os ramos do serviço publico, causando assombro em toda a Europa. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

Comprehendo e exalto esta dictadura, que, aquecida e atentada pela revolução de 1820, reformou a Universidade por decreto de 5 de dezembro de 1836; organizou as Escolas Medicas por decreto de 29 do mesmo mês e anno; a Escola Polytechnica de Lisboa por decreto de 11 de janeiro de 1837, substituindo a antiga Academia Real da Marinha, e destinada a preparar para as carreiras militares, maritimas e da engenheria civil; a Academia Polytechnica do Porto por decreto de 13 de janeiro do mesmo anno, com intuitos industriaes, e que veiu substituir a antiga Academia de Marinha e Commercio; que organizou a Escola do Exercito, os dois Conservatorios de Artes e Officios, a Bibliotheca de Lisboa e as Academias de Bellas Artes de Lisboa e do Porto; dictadura, Sr. Presidente, que ficará sempre memoravel pela grandeza das suas vistas e longo alcance nas paginas da nossa historia politica, remodelando todos os serviços da administração publica, quer pela lei das hypothecas, quer pela lei judiciaria, regulando o direito antigo, quer pela lei das pautas, attestando naquella apoca a nossa independencia, que a Inglaterra não consentia; quer pela publicação do Codigo Administrativo de 31 de dezembro, criando o registo civil para os nascimentos, casamentos e obitos, e ainda, o que hoje me cansa um verdadeiro assombro, estendendo a sua poderosa acção a legislar medidas economicas para as provincias de Angola e de Moçambique, regulando para mais e com uma grande amplitude de acção, a nossa exportação dos vinhos do Porto, por determinações sabias e prudentes. (Vozes: -Muito bem, muito bem).

Comprehendem-se, Sr. Presidente, admiram-se estas, dictaduras, que se podem assemelhar ás celebres dictaduras romanas, que nasceram por sobre as ruinas das revo-