O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

590-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

talvez por agentes officiaes ou officiosos, e muitas vezes espadeirados pela força publica os que queriam discutir ou assistir á discussão dos negocios publicos.
Portanto, se o decreto era incompativel com os processos administrativos dos ministerios que ahi nos têem governado, se todos os dias havia de ser violado ou sophismado, era mais leal e moral revogal-o em todas as suas disposições e de modo claro e directo sem ambages nem rodeios.
Melhor era terem substituido o meu decreto liberal por uma providencia conservadora, redigida pouco mais ou menos nos seguintes termos: «Haverá reuniões publicas quando o governo quizer e nos termos que elle determinar».
Era mais logico e mais correcto, e pelo menos mais leal.
Não se comprehende hoje governo de opinião sem respeito profundo pela amplissima liberdade de pensamento em todas as suas variadas manifestações.
O que eu não sei foi como escapou ao governo o direito de petição! Neste não tocou, e não tocou por que o não incommodava provavelmente o exercicio largo d'este direito.
Sempre quero dizer á camara as circumstancias em que promulguei aquelles decretos liberaes, uns dos quaes subsistem ainda, posto que mutilados e outros ficam inutilisados pelas medidas em discussão.
São de minha pura iniciativa, ninguem m'os inspirou, nem a opposição d'aquella epocha me escreveu, applaudindo as minhas medidas. A opposição não me escrevia a mim, escrevia contra mim nos jornaes, (Riso.) como era seu direito, e talvez seu dever, porque os jornaes devem discutir com toda a largueza a vida publica dos homens que se entregam aos negocios do estado.
Os partidos conservadores negaram sempre o direito de petição ás municipalidades e mais pessoas moraes, sustentando que ellas só podiam exercer as attribuições especificadas nas leis; e muitas vezes os vereadores expiaram cruelmente o exercicio d'aquelle direito.
Em 1843 Costa Cabral, por occasião da sua vista ás provincias do sul, acompanhando a Rainha, se vingou cruelmente da municipalidade de Evora, em rasão de uma mensagem por ella dirigida á Rainha contra o ministerio. Evora foi por largos annos baluarte das liberdades populares. Creio que foi o collegio eleitoral de Evora que na eleição dos um a um deu todos os deputados á opposição, escolhendo para seus representantes em côrtes homens distinctissimos.
Não podiam, portanto, dar-se bem os elementos cabralinos com os ares d'aquella nobilissima terra.
Mas Evora estremou complemamente o soberano constitucional do ministerio responsavel.
A camara municipal d'aquella cidade depois de ter recebido a Rainha com todas as distincções e testemunhos de respeito, entregou-lhe, quando ella voltava de Beja, uma mensagem assignada por todos os vereadores, pedindo a demissão do ministerio, em termos energicos, mas respeitosos, fazendo-lhe em todo o caso sentir de modo bem claro, que primeiro que a conservação do ministerio estava a vontade da nação.
Não se fez esperar muito a resposta. No dia 15 de novembro era entregue a mensagem á Rainha e no dia 16 submettia Costa Cabral á assignatura real um decreto, dissolvendo a camara, o expedia uma portaria ao governador civil, censurando os vereadores por haverem exercido as suas attribuições legaes.
Peior succedeu á camara municipal de Villa Franca, que usou de igual direito, apresentando tambem uma mensagem á Rainha contra o ministerio, quando ella por ali passou na volta do Alemtejo.
Por este acto de energia e de vitalidade politica a camara municipal de Villa Franca foi não só dissolvida, mas criminalmente processada.
Por isso quiz eu ver se podia ser assegurado o direito de petição ás municipalidades na reforma administrativa de 1867, que discuti largamente, porque então ainda as nossas assembléas politicas acceitavam ás vezes emendas, e mantinham as doutrinas liberaes contra a vontade do governo.
Pugnei por que ficasse consignado na lei o principio de que ás municipalidades era permittido representar sobre assumptos de interesse publico ou politico.
Mas a situação d'aquella epocha, composta de historicos e de regeneradores, ostensiva e claramente accordados reagiu energicamente contra este principio liberal, e o meu proposito não pôde vingar.
Logo, porém, que as circumstancias m'o permittiram fiz inserir nas paginas da legislação nacional o reconhecimento do direito de petição, concedido do modo mais amplo a todos os individuos e corporações, com excepção do exercito e da armada que têem de reger-se por instituições especiaes.
O decreto sobre o direito de reunião foi-me inspirado pelos meus principios liberaes. Posso dizer que o publiquei contra mim, para auctorisar devidamente as reuniões que a cada passo preparavam contra mim os tres partidos então existentes, o partido regenerador, o partido historico e o partido reformista.
Não foi o meu interesse politico, foi o interesse do paiz, e o meu amor á liberdade que me determinaram a publicar os decretos sobre o direito de petição, sobre o direito de reunião, e sobre os direitos de associação, para que o povo podesse ampla e liberrimamente peticionar contra os ministros.
Reputei dever impreterivel dar ao povo todos os elementos de combate para fazer prevalecer os seus interesses, e todos os meios politicos para poder impor a sua vontade.
Se é absolutamente indispensavel garantir em toda a sua plenitude o direito de reunião, o direito de petição e o direito de associação, para chamar o paiz inteiro á vida politica, e á intervenção activa, em paizes-liberaes, como a França, a Inglaterra e Belgica, mais necessarios são esses meios de manifestação publica em Portugal.
Na Belgica, como na Inglaterra e na França decorrem anuos e annos sem serem dissolvidas as côrtes. A dissolução do parlamento n'aquelles povos é um dos actos mais extraordinarios da sua vida politica, e que póde conduzir ás mais graves consequencias.
Uma dissolução em França importou a quéda do presidente da republica, custando assim cara a quem a fez.
N'aquelles paizes o parlamento representa a opinião publica, independentemente de quaesquer outros processos ou elementos de manifestação.
Em Portugal, onde a acção do governo prevalece nos collegios eleitoraes, não póde negar-se ao paiz nenhum dos meios pelos quaes póde manifestar-se a vontade popular.
É tão considerado o direito de reunião nos paizes liberaes, que nos Estados Unidos da America, entre as poucas emendas feitas na primeira constituição d'aquelle notabilissimo povo, destaca-se uma que nega a qualquer poder do estado a faculdade de cercear o direito de fallar e de escrever, ou de restringir o direito do povo a reunir-se pacificamente para discutir os negocios publicos.
Qual é o principio juridico, ou mesmo de bom senso, que ha de obrigar o povo a pedir licença ao governo para se reunir a fim de discutir os seus interesses?
Quem é o dono do paiz? É o povo ou é o governo?
Governo e parlamentos são apenas delegados da nação.
Em Portugal não conheço senão um soberano. É o povo. O rei e as côrtes geraes, no dizer da propria carta, são apenas representantes da nação portugueza. Seria, pois, o maior dos absurdos obrigar o povo soberano a pedir licença aos seus delegados para em reunião publica cuidar dos seus interesses!
O paiz, pelo facto de eleger os seus procuradores em