O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

APPENDICE Á SESSAO DE 9 DE JUNHO DE 1890 590-C

côrtes, não renunciou ao direito de intervir na gerencia dos seus negocios, e de ao menos vigiar e criticar o desempenho do mandato que conferiu, que é todo de honra e todo de confiança.
Pois as providencias dictatoriaes em discussão impõem, como boa doutrina constitucional, ao povo a obrigação de pedir licença, á auctoridade publica, sua delegada, se quizer reunir-se para discutir os seus negocios!
Esta doutrina só era sustentavel no tempo em que os reis eram considerados de direito divino, os ministros como meros secretarios do rei, e o povo, como feudo da realeza.
Que circumstancias, porém, actuaram no animo do governo para assim affrontar as liberdades populares?
Desconheço-as. O que eu vi e o que eu sei não justificava nem de longe o procedimento do governo, procedimento tanto mais extraordinario, quanto que eu nunca descobri tendencias liberticidas nos srs. ministros, e, sobretudo, no sr. presidente do conselho, que acredita de certo tanto como eu nas vantagens das suas medidas!
As providencias attentatorias das liberdades populares não servem, nem podem servir de escora ao governo monarchico representativo, como os srs. ministros presumem, porque ellas só são compativeis com as instituições do governo absoluto.
Para o que essas medidas hão de servir é para muitas perseguições, para muitos vexames, para muitas violencias, e para nada mais. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho, com quem me prezo de ter as mais amigaveis relações é para mim o primeiro responsavel, porque devia manter as tradições do grupo de liberaes, em que s. exa. tão distinctamente figurou, quando se representou energicamente contra a lei cabralina.
Em 1850 levantaram-se em favor da liberdade de imprensa todos os nossos homens de letras. Em 1884, ainda representou a associação dos jornalistas e alguns homens de letras contra a reforma penal, que já se propunha atacar de frente a liberdade do pensamento. Hoje já não protestaram em favor da liberdade senão os jornalistas da ilha Terceira!
Este desanimo e indifferença da parte mais illustrada do publico pelas questões liberaes era ainda uma rasão para o sr. Serpa se manter no seu posto de honra e sustentar inteiramente as suas opiniões liberaes de outr'ora (Apoiados.) em vez de prestar a sua annuencia a medidas, em cuja efficacia s. exa. acredita tanto como eu.
Tambem a mim me aconselhavam em 1870 muitas pessoas a necessidade de reprimir a liberdade de imprensa; e eu não pactuei, nem pactuaria jamais com similhante opinião, porque para mim o exercicio da liberdade deve ir tão longe, quanto o permittam as necessidades da ordem publica. (Apoiados.)
Ora essas necessidades estavam perfeitamente acauteladas no decreto de 1870. Eu, não permittiria em caso algum ataques ao direito de propriedade nem ao direito de liberdade, porque os governos têem obrigação, não só de garantir os direitos individuaes, mas tambem de defender a sociedade, quanto mais que os direitos individuaes coexistem perfeitamente, nem podem deixar de coexistir com a ordem social. (Apoiados.) .
As restricções á publicação pela arte scenica são igualmente affrontosas das liberdades individuaes. A idéa do governo com a regulamentação das representações theatraes é crear o bom gosto litterario e a correcção artistica! Imaginou o governo que o melhor meio de crear o bom gosto litterario e a correcção artistica era estabelecer na lei disposições liberticidas!
Ora, o bom gosto é um sentimento individual, que não está sujeito ás combinações frias e artificiaes do legislador.
Ainda recentemente me contou um digno par do reino, que ha poucos dias baixou á sepultura, um facto, eloquentemente comprovativo da variedade de opiniões em questões de bom gosto.
Vivia esse digno par na mesma terra onde nascêra o primeiro orador que eu tenho conhecido, primeiro entre os antigos e os modernos, entre os vivos e os mortos, que passava por não ser apaixonado de musica. Não é muito vulgar interessar-se pouco pela musica o orador eminente que tem o privilegio de arrebatar os ouvintes com a sua oratoria, quer na tribuna profana ou sagrada, quer nas
conversações familiares.
Mas é certo que estando o grande orador uma noite em casa do digno par, que me contou o facto, onde tambem se achava um homem chamado Peixoto, que cantava muito bem, e que effectivamente n'essa occasião cantou muito bem, como sempre, e perguntando-lhe o dono da casa se tinha gostado de ouvir cantar o Peixoto, elle, sem responder directamente á pergunta, disse: «Eu tenho n'este momento duas grandes ambições: a primeira é ver aberta a barra de Aveiro, a segunda é ver tapada a garganta do Peixoto.» (Riso.)
A resposta d'este orador, eminente significava talvez, que nos negocios publicos, é sempre preferivel o util ao agradavel, e significa em todo o caso que as questões de bom gosto variam com os individuos, e que não póde aperfeiçoar-se o bom gosto e a correcção artistica sem a mais ampla liberdade.
Não rasguemos pois as paginas mais brilhantes dos nossos tempos aureos.
Respeitemos, ao menos, os trabalhos e a memoria dos nossos predecessores que mais contribuiram para o estabelecimento e alargamento das liberdades publicas, e que durante longos periodos de annos foram os mestres e os guias de todos os que assentavam praça nas fileiras liberaes.
Mal se comprehende como o governo se atreveu a atacar uma das disposições fundamentaes do codigo civil, elaborado por Antonio Luiz de Seabra, que é o primeiro jurisconsulto de Portugal, e dos primeiros do mundo, e em que collaboraram os homens mais liberaes da nossa epocha constitucional, que não tem rival a não ser o codigo civil italiano.
Antonio Luiz de Seabra logo no primeiro projecto do codigo civil estabeleceu o preceito de que a todos era licito manifestar o seu pensamento pela imprensa, pela lythographia e por quaesquer artes similhantes, independentemente de censura previa, caução ou restricção que directa ou indirectamente podesse embaraçar o exercicio d'este direito.
A commissão revisora do projecto do codigo civil, composta de homens tão distinctos como Herculano, Ferrer, Marreca, Ferreira Lima, Antonio Gil e outros, que militavam nas fileiras liberaes do paiz, fazendo parte da guarda avançada do partido progressista, não só acceitaram o principio, mas ampliaram ou aclararam ainda a redacção.
Nas duas primeiras reuniões do projecto, acceitou a respectiva commissão o artigo tal qual estava redigido por Antonio Luiz de Seabra. Mas depois, parecendo-lhe que o artigo referindo-se unicamente á publicação pela imprensa, pela lythographia, e por qualquer arte similhante, não era ainda sufficientemente explicito com relação ao theatro, apesar de que esta redacção abrangia todas as manifestações do pensamento, acrescentou: « e pela arte scenica.»
A commissão revisora fez menção expressa e especial da arte scenica para o effeito de reconhecer a mesma liberdade a esta como ás outras manifestações do pensamento.
Pois as artes scenicas são as mais cruelmente tratadas nos decretos dictatoriaes do governo, quando a publicação pela arte scenica é de todas as manifestações do pensamento a menos perigosa nos seus abusos.
Um artigo com idéas falsas e alarmantes, espalhado largamente, póde produzir geraes perturbações no espirito