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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 590-A

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): - Em cumprimento da prescripção do regimento tomo a liberdade de ler á assembléa as propostas que mando para a mesa.
{Leu.)
Sr. presidente, pedi a palavra sobre a especialidade em rasão de não ter podido inscrever-me sobre a generalidade, por haver principiado o debate, quando tomei assento n'esta aseembléa, e ser já tão larga a inscripção que eu não podia alimentar a esperança de me caber a palavra.
Não vou, porém, discutir as disposições especiaes dos decretos, nem mesmo todos os principaes pontos. Deixo esse trabalho aos illustres oradores que se me seguem no debate.
Tocarei apenas os assumptos capitaes, que representam a politica geral do governo, e começo por declarar que respeito profundamente o systema governativo dos srs. ministros, posto que seja a antithese do que eu seguiria em iguaes circumstancias, porque respeito todas as opiniões e todas as convicções sinceras.
O ministerio entende que para manter as instituições politicas que nos regem e o governo monarchico representativo, fundado na carta constitucional e nos respectivos actos addicionaes, precisa de estabelecer grandes restricções em todas as franquias populares que devemos ao direito publico moderno.
Crê o ministerio que não póde já ser respeitado o systema representativo em toda a sua plenitude, nem manter-se a devida ordem na vida constitucional do paiz sem manietar o direito de reunião, o direito de representação theatral, e a liberdade de imprensa, sem levantar suspeitas e, fazer ameaças á instituição do jury, e sem adoptar providencias que no processo correcional deixem a inviolabilidade do cidadão á mercê ou ao capricho de um homem só.
Eu, respeitando aliás, como me cumpre, todas as opiniões e todas as convicções, reputo essencialmente ligados ás excellencias e prosperidade do systema representativo os direitos amplissimos de reunião e de publicação, em todas as suas variadas e multiplices manifestações.
Nem com similhante declaração eu dou novidade á camara, porque todos sabem que são estas as doutrinas que tenho sempre sustentado durante a minha vida parlamentar, e que largamente as desenvolvi na discussão do ultimo acto addicional á carta e da ultima reforma penal.
O respeito profundo pelo exercicio pleno e liberrimo d'estes direitos, alem de ser um dever impreterivel, como homenagem ao governo do povo pelo povo, é elemento absolutamente indispensavel para resolver com vantagem as questões, que estão assoberbando a fazenda e a administração.
Alem de ser crime de lesa liberdade, é grandissimo erro politico restringir a intervenção do paiz nos negocios publicos. O que é indispensavel é chamal-o á vida activa, e dar-lhe a maior parte na apreciação dos problemas sociaes, que mais prompta solução estão reclamando.
O primeiro dos nossos males vem da indifferença do paiz pelos negocios publicos. Mas conhecendo, como conheço este mal, não quero limitar-me a jeremiadas e lamentações sobre as ruinas de Jerusalém, sobre a anemia politica de que está affectado o povo portuguez; e nem eu posso dirigir censuras a uma situação que não posso julgar, porque n'esta casa sou representante e não representado.
Em cumprimento, porém, da minha obrigação e em nome dos meus principios, não posso deixar de dizer, d'este logar, á nação, que não deixe tocar nas suas liberdades e nas franquias populares, se não quer ver-se privada dos meios indispensaveis, para resolver as difficuldades com que lucta, e que assumem já um caracter da mais alta gravidade.
Conte o povo comsigo, emquanto não for rigoroso e severo na escolha dos seus mandatarios.
Hoje a vida do parlamento é mais espectaculosa do que real. Em Portugal, á proporção que as difficuldades se aggravam, augmenta a tendencia para as esconder ou illudir.
No que demanda mais prompto remedio por estar inspirando maiores perigos é que quasi ninguem falla.
Tem-se discutido n'este largo debate politico mais ou menos todos os decretos dictatoriaes nas suas linhas geraes, e até em disposições as mais secundarias. Mas não se tem posto em relevo a nossa questão fundamental, a questão de fazenda, que continua a ser a primeira de todas.
Merece louvores o sr. ministro da fazenda por ter annunciado de modo claro ao paiz que a situação do thesouro reclama os mais serios cuidados, para todos ficarem certos da gravidade da nossa situação financeira, e para os que podem e devem collaborar na solução de tão difficil problema, se adormecerem nas delicias de Capua, não possam depois queixar-se de serem resolvidas tumultuariamente as difficuldades.
Mas não se resolve a questão financeira sem a questão politica, isto é, sem se associar o paiz ao trabalho e ás resoluções dos altos poderes do estado, dando ao povo amplissima liberdade para as manifestações do pensamento.
Largos annos de experiencia nos devem ter desenganado de que perderemos o tempo, emquanto confiarmos só nos esforços parlamentares. A doença é já tão grave que nem os esforços de todos a poderão debellar sem remedios violentos.
Mas o que preoccupou especialmente os srs. ministros foi a necessidade de manter intemeratas e illesas todas as prerogativas da corôa, todas as joias da corôa, como na rhetorica antiga se dizia.
Não repararam em que no estado actual de civilisação e progresso não ha meio de salvar os esplendores da corôa, senão afastando-a das contendas politicas, e dando por completo aos cidadãos a gerencia dos negocios publicos. Não ha verdadeiro governo liberal sem deixar amplissimo ao povo o direito de fallar e de escrever, e a faculdade de reunir-se para fazer saber aos altos poderes do estado o seu parecer e a sua vontade sobre os seus interesses.
O governo, porém, arrancou ao paiz o direito de discutir pacificamente nas reuniões populares os negocios publicos.
D'ora ávante não poderá o povo, que é dono, discutir em reunião sem licença e permissão da auctoridade, que é seu delegado estipendiado.
Os direitos estrangulados pelos decretos da dictadura são os mais importantes das instituições modernas. Desde que a liberdade de imprensa e de theatro fica nas mãos do governo, desde que o direito de reunião fica, em definitiva, inteiramente dependente do poder executivo, e desde que o jury é exautorado nos documentos officiaes, e excluido do julgamento dos crimes que mais directamente prendem com a liberdade humana, o governo representativo desappareceu!
Privado o povo d'estes valiosissimos direitos, que nos resta do governo representativo? Só o nome!
As providencias contidas nos decretos dictatoriaes poderão favorecer a restauração do governo absoluto. Mas são absolutamente incompativeis com o regimen liberal.
Não influem nas minhas considerações quaesquer resentimentos por ter sido estrangulado nas providencias dictatoriaes o decreto de minha iniciativa sobre direito de reunião.
Desgraçado decreto! Foi o decreto sobre direito de reunião o mais infeliz de quantos eu publiquei, porque outros, como o do direito de associação, foram desde logo condemnados a vil garrote, e suppliciados sem mais demora, e o decreto sobre direito de reunião escapou para viver na agonia mais terrivel, na lucta mais cruciante, sempre victima de tractos crueis, porque os governos que se me seguiram, ou de frente, e á má cara, ou insidiosa e dissimuladamente, lhe negaram sempre execução; e, se porventura consentiam no comicio, era este logo perturbado,

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talvez por agentes officiaes ou officiosos, e muitas vezes espadeirados pela força publica os que queriam discutir ou assistir á discussão dos negocios publicos.
Portanto, se o decreto era incompativel com os processos administrativos dos ministerios que ahi nos têem governado, se todos os dias havia de ser violado ou sophismado, era mais leal e moral revogal-o em todas as suas disposições e de modo claro e directo sem ambages nem rodeios.
Melhor era terem substituido o meu decreto liberal por uma providencia conservadora, redigida pouco mais ou menos nos seguintes termos: «Haverá reuniões publicas quando o governo quizer e nos termos que elle determinar».
Era mais logico e mais correcto, e pelo menos mais leal.
Não se comprehende hoje governo de opinião sem respeito profundo pela amplissima liberdade de pensamento em todas as suas variadas manifestações.
O que eu não sei foi como escapou ao governo o direito de petição! Neste não tocou, e não tocou por que o não incommodava provavelmente o exercicio largo d'este direito.
Sempre quero dizer á camara as circumstancias em que promulguei aquelles decretos liberaes, uns dos quaes subsistem ainda, posto que mutilados e outros ficam inutilisados pelas medidas em discussão.
São de minha pura iniciativa, ninguem m'os inspirou, nem a opposição d'aquella epocha me escreveu, applaudindo as minhas medidas. A opposição não me escrevia a mim, escrevia contra mim nos jornaes, (Riso.) como era seu direito, e talvez seu dever, porque os jornaes devem discutir com toda a largueza a vida publica dos homens que se entregam aos negocios do estado.
Os partidos conservadores negaram sempre o direito de petição ás municipalidades e mais pessoas moraes, sustentando que ellas só podiam exercer as attribuições especificadas nas leis; e muitas vezes os vereadores expiaram cruelmente o exercicio d'aquelle direito.
Em 1843 Costa Cabral, por occasião da sua vista ás provincias do sul, acompanhando a Rainha, se vingou cruelmente da municipalidade de Evora, em rasão de uma mensagem por ella dirigida á Rainha contra o ministerio. Evora foi por largos annos baluarte das liberdades populares. Creio que foi o collegio eleitoral de Evora que na eleição dos um a um deu todos os deputados á opposição, escolhendo para seus representantes em côrtes homens distinctissimos.
Não podiam, portanto, dar-se bem os elementos cabralinos com os ares d'aquella nobilissima terra.
Mas Evora estremou complemamente o soberano constitucional do ministerio responsavel.
A camara municipal d'aquella cidade depois de ter recebido a Rainha com todas as distincções e testemunhos de respeito, entregou-lhe, quando ella voltava de Beja, uma mensagem assignada por todos os vereadores, pedindo a demissão do ministerio, em termos energicos, mas respeitosos, fazendo-lhe em todo o caso sentir de modo bem claro, que primeiro que a conservação do ministerio estava a vontade da nação.
Não se fez esperar muito a resposta. No dia 15 de novembro era entregue a mensagem á Rainha e no dia 16 submettia Costa Cabral á assignatura real um decreto, dissolvendo a camara, o expedia uma portaria ao governador civil, censurando os vereadores por haverem exercido as suas attribuições legaes.
Peior succedeu á camara municipal de Villa Franca, que usou de igual direito, apresentando tambem uma mensagem á Rainha contra o ministerio, quando ella por ali passou na volta do Alemtejo.
Por este acto de energia e de vitalidade politica a camara municipal de Villa Franca foi não só dissolvida, mas criminalmente processada.
Por isso quiz eu ver se podia ser assegurado o direito de petição ás municipalidades na reforma administrativa de 1867, que discuti largamente, porque então ainda as nossas assembléas politicas acceitavam ás vezes emendas, e mantinham as doutrinas liberaes contra a vontade do governo.
Pugnei por que ficasse consignado na lei o principio de que ás municipalidades era permittido representar sobre assumptos de interesse publico ou politico.
Mas a situação d'aquella epocha, composta de historicos e de regeneradores, ostensiva e claramente accordados reagiu energicamente contra este principio liberal, e o meu proposito não pôde vingar.
Logo, porém, que as circumstancias m'o permittiram fiz inserir nas paginas da legislação nacional o reconhecimento do direito de petição, concedido do modo mais amplo a todos os individuos e corporações, com excepção do exercito e da armada que têem de reger-se por instituições especiaes.
O decreto sobre o direito de reunião foi-me inspirado pelos meus principios liberaes. Posso dizer que o publiquei contra mim, para auctorisar devidamente as reuniões que a cada passo preparavam contra mim os tres partidos então existentes, o partido regenerador, o partido historico e o partido reformista.
Não foi o meu interesse politico, foi o interesse do paiz, e o meu amor á liberdade que me determinaram a publicar os decretos sobre o direito de petição, sobre o direito de reunião, e sobre os direitos de associação, para que o povo podesse ampla e liberrimamente peticionar contra os ministros.
Reputei dever impreterivel dar ao povo todos os elementos de combate para fazer prevalecer os seus interesses, e todos os meios politicos para poder impor a sua vontade.
Se é absolutamente indispensavel garantir em toda a sua plenitude o direito de reunião, o direito de petição e o direito de associação, para chamar o paiz inteiro á vida politica, e á intervenção activa, em paizes-liberaes, como a França, a Inglaterra e Belgica, mais necessarios são esses meios de manifestação publica em Portugal.
Na Belgica, como na Inglaterra e na França decorrem anuos e annos sem serem dissolvidas as côrtes. A dissolução do parlamento n'aquelles povos é um dos actos mais extraordinarios da sua vida politica, e que póde conduzir ás mais graves consequencias.
Uma dissolução em França importou a quéda do presidente da republica, custando assim cara a quem a fez.
N'aquelles paizes o parlamento representa a opinião publica, independentemente de quaesquer outros processos ou elementos de manifestação.
Em Portugal, onde a acção do governo prevalece nos collegios eleitoraes, não póde negar-se ao paiz nenhum dos meios pelos quaes póde manifestar-se a vontade popular.
É tão considerado o direito de reunião nos paizes liberaes, que nos Estados Unidos da America, entre as poucas emendas feitas na primeira constituição d'aquelle notabilissimo povo, destaca-se uma que nega a qualquer poder do estado a faculdade de cercear o direito de fallar e de escrever, ou de restringir o direito do povo a reunir-se pacificamente para discutir os negocios publicos.
Qual é o principio juridico, ou mesmo de bom senso, que ha de obrigar o povo a pedir licença ao governo para se reunir a fim de discutir os seus interesses?
Quem é o dono do paiz? É o povo ou é o governo?
Governo e parlamentos são apenas delegados da nação.
Em Portugal não conheço senão um soberano. É o povo. O rei e as côrtes geraes, no dizer da propria carta, são apenas representantes da nação portugueza. Seria, pois, o maior dos absurdos obrigar o povo soberano a pedir licença aos seus delegados para em reunião publica cuidar dos seus interesses!
O paiz, pelo facto de eleger os seus procuradores em

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côrtes, não renunciou ao direito de intervir na gerencia dos seus negocios, e de ao menos vigiar e criticar o desempenho do mandato que conferiu, que é todo de honra e todo de confiança.
Pois as providencias dictatoriaes em discussão impõem, como boa doutrina constitucional, ao povo a obrigação de pedir licença, á auctoridade publica, sua delegada, se quizer reunir-se para discutir os seus negocios!
Esta doutrina só era sustentavel no tempo em que os reis eram considerados de direito divino, os ministros como meros secretarios do rei, e o povo, como feudo da realeza.
Que circumstancias, porém, actuaram no animo do governo para assim affrontar as liberdades populares?
Desconheço-as. O que eu vi e o que eu sei não justificava nem de longe o procedimento do governo, procedimento tanto mais extraordinario, quanto que eu nunca descobri tendencias liberticidas nos srs. ministros, e, sobretudo, no sr. presidente do conselho, que acredita de certo tanto como eu nas vantagens das suas medidas!
As providencias attentatorias das liberdades populares não servem, nem podem servir de escora ao governo monarchico representativo, como os srs. ministros presumem, porque ellas só são compativeis com as instituições do governo absoluto.
Para o que essas medidas hão de servir é para muitas perseguições, para muitos vexames, para muitas violencias, e para nada mais. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho, com quem me prezo de ter as mais amigaveis relações é para mim o primeiro responsavel, porque devia manter as tradições do grupo de liberaes, em que s. exa. tão distinctamente figurou, quando se representou energicamente contra a lei cabralina.
Em 1850 levantaram-se em favor da liberdade de imprensa todos os nossos homens de letras. Em 1884, ainda representou a associação dos jornalistas e alguns homens de letras contra a reforma penal, que já se propunha atacar de frente a liberdade do pensamento. Hoje já não protestaram em favor da liberdade senão os jornalistas da ilha Terceira!
Este desanimo e indifferença da parte mais illustrada do publico pelas questões liberaes era ainda uma rasão para o sr. Serpa se manter no seu posto de honra e sustentar inteiramente as suas opiniões liberaes de outr'ora (Apoiados.) em vez de prestar a sua annuencia a medidas, em cuja efficacia s. exa. acredita tanto como eu.
Tambem a mim me aconselhavam em 1870 muitas pessoas a necessidade de reprimir a liberdade de imprensa; e eu não pactuei, nem pactuaria jamais com similhante opinião, porque para mim o exercicio da liberdade deve ir tão longe, quanto o permittam as necessidades da ordem publica. (Apoiados.)
Ora essas necessidades estavam perfeitamente acauteladas no decreto de 1870. Eu, não permittiria em caso algum ataques ao direito de propriedade nem ao direito de liberdade, porque os governos têem obrigação, não só de garantir os direitos individuaes, mas tambem de defender a sociedade, quanto mais que os direitos individuaes coexistem perfeitamente, nem podem deixar de coexistir com a ordem social. (Apoiados.) .
As restricções á publicação pela arte scenica são igualmente affrontosas das liberdades individuaes. A idéa do governo com a regulamentação das representações theatraes é crear o bom gosto litterario e a correcção artistica! Imaginou o governo que o melhor meio de crear o bom gosto litterario e a correcção artistica era estabelecer na lei disposições liberticidas!
Ora, o bom gosto é um sentimento individual, que não está sujeito ás combinações frias e artificiaes do legislador.
Ainda recentemente me contou um digno par do reino, que ha poucos dias baixou á sepultura, um facto, eloquentemente comprovativo da variedade de opiniões em questões de bom gosto.
Vivia esse digno par na mesma terra onde nascêra o primeiro orador que eu tenho conhecido, primeiro entre os antigos e os modernos, entre os vivos e os mortos, que passava por não ser apaixonado de musica. Não é muito vulgar interessar-se pouco pela musica o orador eminente que tem o privilegio de arrebatar os ouvintes com a sua oratoria, quer na tribuna profana ou sagrada, quer nas
conversações familiares.
Mas é certo que estando o grande orador uma noite em casa do digno par, que me contou o facto, onde tambem se achava um homem chamado Peixoto, que cantava muito bem, e que effectivamente n'essa occasião cantou muito bem, como sempre, e perguntando-lhe o dono da casa se tinha gostado de ouvir cantar o Peixoto, elle, sem responder directamente á pergunta, disse: «Eu tenho n'este momento duas grandes ambições: a primeira é ver aberta a barra de Aveiro, a segunda é ver tapada a garganta do Peixoto.» (Riso.)
A resposta d'este orador, eminente significava talvez, que nos negocios publicos, é sempre preferivel o util ao agradavel, e significa em todo o caso que as questões de bom gosto variam com os individuos, e que não póde aperfeiçoar-se o bom gosto e a correcção artistica sem a mais ampla liberdade.
Não rasguemos pois as paginas mais brilhantes dos nossos tempos aureos.
Respeitemos, ao menos, os trabalhos e a memoria dos nossos predecessores que mais contribuiram para o estabelecimento e alargamento das liberdades publicas, e que durante longos periodos de annos foram os mestres e os guias de todos os que assentavam praça nas fileiras liberaes.
Mal se comprehende como o governo se atreveu a atacar uma das disposições fundamentaes do codigo civil, elaborado por Antonio Luiz de Seabra, que é o primeiro jurisconsulto de Portugal, e dos primeiros do mundo, e em que collaboraram os homens mais liberaes da nossa epocha constitucional, que não tem rival a não ser o codigo civil italiano.
Antonio Luiz de Seabra logo no primeiro projecto do codigo civil estabeleceu o preceito de que a todos era licito manifestar o seu pensamento pela imprensa, pela lythographia e por quaesquer artes similhantes, independentemente de censura previa, caução ou restricção que directa ou indirectamente podesse embaraçar o exercicio d'este direito.
A commissão revisora do projecto do codigo civil, composta de homens tão distinctos como Herculano, Ferrer, Marreca, Ferreira Lima, Antonio Gil e outros, que militavam nas fileiras liberaes do paiz, fazendo parte da guarda avançada do partido progressista, não só acceitaram o principio, mas ampliaram ou aclararam ainda a redacção.
Nas duas primeiras reuniões do projecto, acceitou a respectiva commissão o artigo tal qual estava redigido por Antonio Luiz de Seabra. Mas depois, parecendo-lhe que o artigo referindo-se unicamente á publicação pela imprensa, pela lythographia, e por qualquer arte similhante, não era ainda sufficientemente explicito com relação ao theatro, apesar de que esta redacção abrangia todas as manifestações do pensamento, acrescentou: « e pela arte scenica.»
A commissão revisora fez menção expressa e especial da arte scenica para o effeito de reconhecer a mesma liberdade a esta como ás outras manifestações do pensamento.
Pois as artes scenicas são as mais cruelmente tratadas nos decretos dictatoriaes do governo, quando a publicação pela arte scenica é de todas as manifestações do pensamento a menos perigosa nos seus abusos.
Um artigo com idéas falsas e alarmantes, espalhado largamente, póde produzir geraes perturbações no espirito

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publico, ou importantes alterações com prejuizos irremediaveis.
Uma representação theatral, que é restricta ao publico que concorre ao theatro, póde prejudicar individuos ou levantar tumultos de momento, o que a auctoridade publica facilmente acalma, muitas vezes sem suspender o espectaculo, mas nem sobresalta a opinião, nem póde pôr em perigo as instituições sociaes.
Não são, pois, tão perigosos para a ordem publica e para a liberdade os abusos nas representações theatraes como nos artigos dos jornaes, e todavia o governo não sujeita a censura previa os artigos da imprensa.
São tratadas cruelmente, nas providencias dictactoriaes, as representações theatraes, porque alguns dos nossos homens publicos são caricaturados, e ridicularisados nos theatros.
Mas os eleitores têem o direito de manifestar por todos os modos pacificos o seu agrado ou desagrado pelo procedimento dos seus mandatarios.
Quem não quer ser caricaturado nem criticado nos theatros, na imprensa, ou por qualquer outro modo de publicação, não vem para a vida publica.
Não póde difficultar-se a cénsura popular, contra quem entra para a vida publica e fica em todo o caso ao aggravado o direito de se desaggravar de qualquer injuria pelos meios estabelecidos na legislação nacional.
As nossas leis permittem ao aggravado, para se desaffrontar, recorrer não só á repressão penal, mas tambem usar de acção civil por perdas e damnos contra as offensas feitas ao seu bom nome e reputação.
Ainda ha pouco tempo, nas celebres questões por via da administração da companhia do caminho de ferro do norte e leste, tendo um jornal d'esta cidade atacado violentamente, no que ha de mais sagrado para o homem, tres membros do parlamento, declarando que possuia os documentos dos factos affrontosos que lhes imputava, os offendidos, em vez de intentarem a acção criminal, que n'estes casos não tem outra significação senão a de vingança, recorreram á acção civil ordinaria, onde havia larga margem para a accusação e para a defeza, onde podiam livremente juntar-se documentos e produzir testemunhas, e onde podia apurar-se em face da prova se os factos imputados eram verdadeiros ou calumniosos.
O processo não seguiu por qualquer motivo, que não importa agora discutir.
Mas prova esse processo que está na Boa Hora, que temos não só legislação criminal, mas legislação civil sufficiente no nosso paiz para garantir a integridade moral do cidadão.
Não precisamos pois de pôr mãos liberticidas na nossa lei de imprensa. (Apoiados.)
Ainda ha poucos annos foram criminalmente processados, por ordem do governo, dois jornalistas republicanos, e ambos cumpriram no Limoeiro um mez de prisão por delicto de imprensa.
Portanto, mesmo com a legislação vigente, ainda ninguem caiu nas mãos de juiz togado, por delicto de liberdade de imprensa, que não fosse condemnado, porque o juiz não tem as amplas faculdades de apreciação que tem o jury, que póde decidir que o facto está provado, que o accusado foi o auctor d'elle, mas que não ha crime, porque o réu não procedeu com intenção criminosa; assim como o conselho de guerra póde decidir em materia de facto, que o accusado ainda tendo existido o facto, e sendo elle quem o praticou, não é responsavel porque não procedeu com intenção criminosa.
Quem tiver de se sentar no banco dos réus pela publicação de artigos violentos ou injuriosos, é fatalmente condemnado se for julgado por juiz togado, que tem de sujeitar-se, na sua decisão, á letra fria e inerte da lei. Outra é porém a esphera de acção do jury. A grande belleza da instituição está em que julga com documentos, sem documentos, o contra documentos, porque julga em nome da sua consciencia.
São excluídos da acção do jury os delictos por abuso do direito de fallar e de escrever, porque o jury revela grandes tendencias para a absolvição; e conserva--se para os moedeiros falsos, para os salteadores de estrada e para os assassinos!
Não se acha inconveniente em que escape pela malha algum assassino ou salteador de estrada, e vê-se grave perigo em que fuja á condemnação algum jornalista!
Para os altos criminosos a maior benevolencia, para o jornalismo todo o rigor que vae até á deshumanidade.
Nas providencias dictatoriaes, sujeitas ao exame da assembléa, nem os haveres particulares do jornalista são poupados.
No decreto sobre imprensa é ferida, não só a liberdade de imprensa, mas a bolsa do escriptor.
Alem da prisão, decretam-se multas em quantias tão elevadas para a situação pecuniaria da nossa imprensa jornalistica, que bastará, n'alguns casos, uma condemnação para o jornal cair por terra.
É preciso contar alem d'isso com a opinião preconcebida de muita gente em certas questões, e sobretudo nas questões de imprensa.
N'esta casa já eu ouvi sustentar com as estatisticas na mão que nos concelhos do reino aonde não havia medicos, era maior a salubridade, e menor a mortalidade, (Riso.) assim como muita gente e muito boa considera desgraçada a terra que tem jornaes! (Riso.)
Ora eu quero os julgamentos por delictos de imprensa, como por outros quaesquer, sem pressões e sem preoccupações.
O jury, composto, como deve ser, de pessoas maiores de toda a excepção, póde apreciar na sua consciencia melhor que o juiz na fria applicação da pena todas as circumstancias attenuantes e aggravantes, que acompanham os delictos de imprensa.
Já houve entre nós um parlamento, que teve a idéa luminosa de mandar para um tribunal de juizes a verificação dos poderes dos deputados, assumpto essencialmente politico, e de deixar á camara dos dignos pares, que é um corpo politico, o julgamento dos crimes, assumpto essencialmente de justiça.
Declarou-se lei a mais liberal da Europa, como era então costume, quando se fazia uma lei profundamente reaccionaria.
Custa-me, mas vou dar á camara a triste noticia de que, approvado o bill, a nossa missão está concluida, e não temos mais nada a fazer n'esta casa.
Desde que a camara delegar no governo a distribuição do contingente militar para o exercito e para a marinha, e até o direito de augmentar o contingente, e desde que confiar do governo o imposto de sangue, deixámos de ser representantes da nação.
Já o povo não carece de nós aqui.
E saímos, fechando com chave de oiro os nossos trabalhos, louvando e applaudindo o governo, que teve a alta coragem de estrangular o direito de reunião, o direito de associação, o direito da liberdade de imprensa a liberdade de representação theatral.
As disposições relativas á censura theatral para um paiz na infancia da civilisação são um primor! (Riso.)
As medidas relativas ao ministerio da justiça, tambem não deixam nada a desejar!
Fica auctorisado o governo a reorganisar os serviços do ministerio, a magistratura judicial, o tabellionato, e o ministerio publico, e tanto conta o sr. ministro da justiça com a nossa benevolencia que até se compromette a fazer bem a todos os agentes do ministerio publico que não entraram n'este jubileu, sem ao menos nos indicar as bases do augmento de vencimentos!

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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 590-E

As reformas com respeito ao ministerio da justiça abrangem todos os serviços sem excepção. (Riso.)

Nos ministerios da guerra e da marinha, fez-se quanto é preciso para apressar a nossa liquidação fiscal! (Riso.)

O ministerio do reino deu o que podia dar, porque deu mais, um ministerio.

Nunca fui de opinião que se entregasse a instrucção publica às camaras municipaes.

Mas ainda menos concordo com os que fazem consistir o desenvolvimento da instrucção publica em gastar muito dinheiro.

A homens muito distinctos e eminentes no ramo de instrucção publica tenho eu. ouvido que os males do serviço da instrucção publica em Portugal se resumem em com ella effectivamente se gastar pouco. Hoje quem entre nós falla em gastar pouco com qualquer serviço do estado não é considerado pessoa de cunho. (Riso.)

É preciso gastar muito, gastar á larga, exhaurir de todo o contribuinte para ser considerado politico de vistas largas.

A instrucção publica necessita antes de tudo, primeiro que tudo, e condição sine que non, de bons professores.

Para a gente da governança o caso de serem bons ou maus os professores é indifferente. O que é indispensavel é sacar sem dó nem piedade sobre o contribuinte, e dar ao dinheiro destinado para a instrucção publica a mesma applicação que se dá ao dinheiro destinado para outros serviços.

Eu, porém, continuo com a opinião única de que não ha ensino sem bons professores.

A instrucção publica, quer primaria, quer secundaria, quer superior, ou com ella se gaste muito ou pouco dinheiro, para nada serve, se os professores em vez de ensinarem os alumnos, não esquecendo nunca no ensino a feição pratica, gastarem o tempo a fazer a historia das instituições, desde Platão até aos nossos dias, ou a explicar as tbeorias sublimes de Augusto Comte.

Não são as administrações perdularias que inquietam o governo. Não foi pelos gastos exagerados que o governo dissolveu a camara municipal de Lisboa.

A camara municipal de Lisboa administrava como as suas illustres predecessoras, governava como deve governar uma corporação que vive paredes meias com o ministerio do reino, e que geria os negocios municipaes á sombra da celebre lei de 1880, considerada pelos seus auctores como das leis mais liberaes da Europa, (Riso.) que era effectivamente tão liberal, que dava á camara a liberdade amplissima de empenhar a seu arbitrio, não os vereadores, mas o, municipio ou os municipes!

Essa lei teve a origem mais curiosa do mundo. Estava a camara em péssimas circumstancias, financeiras, e por isso pedia o simples bom senso, ou que fossem reduzidas as despezas até ao limite das receitas, ou elevadas as receitas até o montante das despezas.

Mas como então vivíamos no período das leis mais liberaes da Europa, clamava-se que era preciso ter vistas largas e caracter levantado, e gastar sem olhar a dinheiro, (Riso.) e por isso augmentaram-se enormemente os serviços e enormemente as despezas á camara municipal de Lisboa por se lhe darem uns annexos muito grandes.

A camara, sem meios para occorrer a tanta despeza, deitou-se a governar como o governo, e, quando faço o paralelo da administração municipal com a do governo, refiro-me tanto ao governo do sr. Serpa, como a todos os ministerios d'estes ultimos annos, que fazem vida da governança. Mas a camara municipal foi dissolvida por ter dado 100 contos de réis para o que ahi chamam defeza nacional? Não. Podia ter dado 200 ou 400 contos de réis, porque, emquanto ella se limitasse a assaltar a bolsa do contribuinte, não encontraria embaraços de certo na sua marcha civilisadora!

Hoje não é homem importante nem pessoa que se preze o que não reclamar augmentos de despeza.

Esses saques só doem ao contribuinte, que em todo o caso só vota em quem lhos dá.

A camara municipal foi dissolvida por ter dado indicios de não querer estar á disposição do governo actual.

Mas, tendo-me desviado um pouco do meu caminho, volto á questão. Não têem as cortes por muito tempo que fazer.

No ministerio da justiça, o governo em dictadura fez tudo, e auctorisou-se para fazer muito mais!

No ministerio do reino, basta o desdobramento da pasta em duas para ficarem cobertos de louros os governantes.

Na guerra e na marinha não fallemos. Os ministros auctorisam-se a fazer tudo quanto cabe noa limites do possivel e do imaginario.

Ha, porém, dois pontos capitães em que o governo se substituiu às cortes sem contemplação com as mais sagradas disposições constitucionaes, e affrontando de cara as praxes governamentaes do nosso período liberal, que consistem em ter-se auctorisado a reformar a lei do recrutamento, e a fixar o contingente annual para o exercito e para a marinha.

A constituição tal cuidado poz em entregar só aos eleitos directamente pelo povo as questões do recrutamento, que nega a iniciativa neste ponto á outra casa do parlamento; e por isso nunca tivemos governo que se atrevesse a pedir ás. cortes auctorisação para fixar a força de terra e de mar, e para augmentar o contingente annual do exercito de terra e mar.

Cabe ao actual governo a gloria de reservar para si a designação dos encargos do serviço militar a que num dos seus decretos chama imposto de sangue, offendendo abertamente assim os preceitos constitucionaes.

Desnecessaria fica sendo agora a missão das cortes, desde que estão dispensadas de votar o imposto de sangue.

Para que ia de continuar aberto o parlamento, desde que o governo tomou já a seu cargo também a fixação do imposto de sangue?

E sem precedente este facto. Custa a crer que o paiz o acceite. O serviço do recrutamento, aliás o mais grave do paiz, é regulado por uma lei, que como quasi todas as nossas íeis modernas se resente do systema de legislar sob a influencia das instituições estrangeiras, sem contemplação alguma com as circumstancias e costumes do povo portuguez.

Não tenho competência technica para discutir assumptos militares.

Mas nem por isso deixarei de dizer á camara que nuo acredito em lei de recrutamento, em que seja attendida sómente a legislação militar de outros paizes cultos, sem ter em conta os costumes e hábitos do povo portuguez, e os diplomas officiaes sobre o assumpto, tanto do tempo do governo liberal, como do tempo do governo absoluto.

A lei do recrutamento é a mais importante de todas, porque prende com a integridade da patria e com a defeza dos povos.

Com que difficuldades luctariamos nós hoje para mobilisar o armar um exercito igual ao que esteve em campanha durante a guerra da usurpação?

Havia muito que aproveitar nas velhas instituições militares do paiz.

Foi pena que Mousinho da Silveira quando transplantou em 1832 para Portugal a legislação franceza no tocante á administração e á fazenda, preterisse completamente as nossas velhas instituições juridicas.

Se a camara approvar tambem o decreto, que defere ao governo o direito de alterar o lei do recrutamento, e de augmentar o contingente annual, tanto para o exercito, como para a armada, póde dizer se que soou, como parlamento, a nossa ultima hora, e que o governo da nação fica inteiro a cargo dos srs. ministros.

Ainda espero que o governo trema diante da responsa-

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590-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bilidade gravissima de assumir attribuições que pela carta são da exclusiva competencia das côrtes geraes da nação portugueza, e da iniciativa da camara dos deputados.
A usurpação d'estas funcções e um facto gravissimo, que um povo liberal não póde acceitar.
O que porém preoccupára principalmente o governo era o direito de fallar e de escrever. O governo não ficava socegado sem estrangular o direito de reunião, e direito de manifestação do pensamento por meio da imprensa, da arte scenica, ou por outra fórma similhante.
Omitte o decreto sobre o direito de reunião e de certo propositadamente um ponto capital n'esta materia, porque, prevenindo a hypothese das reuniões em recinto fechado, e em logar publico; não prevê a hypothese das reuniões em recinto aberto, mas em terreno particular, pois que frequentemente se verificam comicios em logares que não são publicos apesar de não serem fechados.
Nem todos os terrenos abertos são publicos.
Esta omissão teve de certo por fim habilitar o governo a empregar violencias até na interpretação da lei.
A reunião em recinto fechado não carece de licença da auctoridade; mas ha de o promotor d'ella responsabilisar-se pela ordem publica, o que é simplesmente absurdo desde que o decreto não põe a força publica á disposição do promotor do meeting, e não declara que a manutenção da ordem publica já não é funcção essencial do governo, e que pelo contrario póde ser por este delegada em particulares.
Mas, para do todo impossibilitar a convocação do meeting, impõe-se ao promotor do comicio a multa de 100$000 réis, de modo que se os adversarios do meeting, ou o proprio governo, mandar transtornar o comicio e até maltratar e espadeirar quem o promoveu, o offendido ha de, ainda por cima, pagar 100$000 réis de multa!
Os processos conservadores do governo já não dão resultado favoravel para as instituições, que elles têem a peito conservar.
Hoje as instituições politicas já não podem viver sem permittirem as manifestações publicas. A guerra publica é sempre menos perigosa do que a guerra clandestina. As disposições dictatoriaes, porém, no fundo, são unicamente destinadas a acabar de vez com as reuniões populares; e acabadas estão ellas desde que ás primeiras palavras menos agradaveis ao governo, é dissolvido o meeting, e os agentes da força publica começam de distribuir espadeiradas, como quem distribue bonbons.
São curiosas estas novissimas theorias de direito penal. Pois, senão em nome do direito, ao menos em nome da caridade, deviam perdoar os 100$000 réis ao organisador do meeting, quando elle fosse espancado.(Riso.) As pancadas já bastavam para o consolar. (Riso.)
Sr. presidente, ouço dizer que deu a hora, e, como não quero levar a palavra para casa, vou concluir, chamando a attenção do governo para a disposição do decreto que só admitte recurso quando a pena applicada, e não a pena applicavel exceder a sua alçada.
Não podia de certo estar na mente do gabinete, sobretudo deixar ao arbitrio do juiz em materia tão importante, a interposição ou não interposição dos recursos, conforme impozesse ou não pena superior á sua alçada.
Tambem na lei de liberdade de imprensa, alem das restricções e obstaculos postos ao livre exercicio d'este direito, está por tal fórma redigido o artigo 10.° que póde d'elle inferir-se que ao juiz é licito decretar logo o aresto sobre os objectos do estabelecimento typographico para garantia das perdas e damnos das multas.
Muito tinha ainda a dizer, mas não quero levar a palavra para casa; e n'este momento, na athmosphera politica que estamos respirando, todas as discussões a favor dos principios liberaes são perdidas.
O governo, contando com a indifferença publica e com a inercia popular, cuida apenas de restringir a liberdade de manifestação de pensamento sob todas as suas fórmas, o direito de reunião, e as garantias de defeza dos cidadãos na lei penal, e na lei do processo criminal, sem reparar nas circumstancias profundamente inquietadoras da vida politica, economica e financeira do paiz, que lhe impõem fatalmente outro caminho, se bem quizer servir a causa publica. (Apoiados)
O governo sabe que graves difficuldades financeiras o assoberbam, e que não tem a confiança do paiz, como a não tinham os seus antecessores, porque tambem governavam contra os interesses publicos; sabe que a agricultura, a fonte mais importante da riqueza nacional, está definhada, que os lavradores têem tão pouca confiança nos altos poderes do estado, que já tiveram um parlamento no theatro da Trindade ao lado do parlamento de S. Bento, e que depois reuniram côrtes em Beja, em Evora e em Extremoz, que o povo no meio da afflicção, que lhe creou o ultimatum de 11 de janeiro, lembrando-se da defeza do territorio, praticou o facto extraordinario de negar ao governo a entrega dos fundos da defeza nacional, que só a elle podiam ser confiados, e que o proprio governo tinha tanto a consciencia de que não merecia a confiança publica, que no decreto, em que regulava as condições de um fundo permanente de defeza nacional, não se atreveu a avocar a si o encargo de os administrar! (Apoiados.)
Quando os governos estão assim financeira e politicamente divorciados do paiz, não é embargando a voz na garganta ao povo, quer nos comicios, quer na imprensa, quer nos theatros, (Apoiados.) que hão de conquistar a confiança da nação.
Os governos só devem ter medo de não ter rasão. Nenhum homem publico foi ainda inutilisado pela imprensa n'esta boa terra portugueza. Tenho visto subir aos mais altos logares homens altemente diffamados pela imprensa, e desconceituados na opinião, desde que têem lampada accesa em casa de Meca.

Reformem tudo os srs. ministros, se n'isso têem appetite, mas ao menos respeitem os principios liberaes - a liberdade de imprensa sob todas as suas variadissimas manifestações, e o direito de reunião - e prescindam do projecto, que é humilhante para as côrtes, onde se auctorisam a alterar a lei do recrutamento, e a augmentar os contingentes annuaes, dispondo á sua vontade do tributo de sangue.(Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)

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