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APPENDICE A SESSÃO N.º 34 DE 11 DE AGOSTO DE 1897 606-A

Discurso do sr. deputado José Dias Ferreira que devia ler-se a pag. 601 da sessão n.º 34 de 11 de agosto de 1897

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): - Sr. presidente, começo por fazer a leitura da minha moção de ordem:

«A camara reconhece que, nas circumstancias excepcionaes em que se encontra o paiz, já não é possivel dar solução satisfactoria, quer ao problema economico quer ao problema financeiro, sem larga reducção nas despezas do estado; e passa á ordem do dia.»

No exame do documento parlamentar, sujeito ao debate, apreciarei a traços largos o pensamento geral do governo, e os elementos principaes do seu plano financeiro, porque todas as propostas, apresentadas pelo gabinete no intuito de melhorar, a situação do thesouro, sem exceptuar a que está pendente do exame da camara, estão perfeitamente ligadas, e subordinadas ao mesmo systema.

Sr. presidente, encontrei ao entrar na vida politica a praxe parlamentar de discutir com toda a largueza a questão de fazenda a proposito do debate sobre qualquer medida financeira, praxe sempre respeitada nos tempos aureos da nossa vida constitucional, e que póde ainda ser mantida, na conjunctura que atravessâmos, sem desdouro para a civilisação nacional.

Escolhi para thema da discussão o capitulo da administração publica, que reputo capital para o ministerio, para a camara e para o paiz.

Não podemos prescindir do exame das questões economicas e das questões administrativas. Mas, na situação lastimosa a que chegámos, a questão que prima sobre todas, e que de preferencia terá de occupar a attenção dos representantes do povo, é a questão do orçamento das despesas.

Sr. presidente, as despezas do orçamento já montam á enorme quantia de 56:000 contos de réis! Refiro-me á despeza confessada no orçamento geral do estado. A despeza que ainda haverá a pagar a mais o contribuinte a sentirá! Não posso computal-a desde já.

Eu considero o orçamento geral do estado, não como exposição fiel dos encargos do estado, mas como pauta minima, permitia-se-me a expressão, abaixo da qual a despeza não poderá, descer, e acima da qual os encargos poderão crescer sem limite definido!

Nos paizes bem governados o orçamento deve representar a previsão da receita e da despeza no anno economico a que respeita. Em Portugal representa, o minimo da despeza, que depois se eleva a um maximo, que ninguem póde antecipadamente calcular, em rasto da abertura de creditos extraordinarios e de creditos, especiaes, dos pagamentos por adiantamento, etc., etc.

O certo é, sr. presidente, que já sobe a 56:000 contos de réis a despeza do estado, e que foi elevada, em importancia superior a 10:000 contos de réis no decurso dos quatro annos immediatos á reducção violenta dos juros, providencia que não poderá agora repetir-se sem perigos graves para o paiz! Subiu tão precipitadamente, depois da reducção dos juros, a despeza publica que já excede a que anteriormente existia!

Peior ainda que esse facto, já de si gravissimo, é não haver meio de concentrar a attenção do paiz na necessidade de reduzir os encargos orçamentaes ao minimo possivel!

A despeza de 56:000 contos de réis no orçamento do estado é um facto aterrador porque excede os recursos do contribuinte; e a elevação de 46:000 contos a 56:000 contos de réis na despeza do orçamento sem occorrerem factos extraordinarios, e logo em seguida á reducção dos juros da divida publica, é denunciar aos mercados nacionaes e aos estrangeiros, que o paiz tem tido mau governo, e, o que é mil vezes peior que o paiz tem deixado correr á revelia os seus destinos!

Sr. presidente, grande deficit, deficit quasi igual a metade das receitas teve, o Brazil no anno da guerra com o Paraguay, e nem o povo nem os altos, poderes do estado reputaram em perigo a situação financeira nem a situação economica, porque o deficit era meramente eventual, e filho de circumstancias extraordinarios. Tambem a França teve de pagar á Allemanha 900:000 contos de réis, como indemnisação de guerra, alem da perda de duas provincias, e das despezas militares; e todavia a França restabeleceu-se em breve praso de tão extraordinario desastre.

A nossa crise, porém, tem origem mais grave. A crise das finanças portuguezas provém de se terem aggravado todos os annos as despezas publicas, e de se ter gasto em cada anno mais do que o paiz podia!

No seu relatorio diz o sr. ministro da fazenda, que n'alguns annos a receita cobriu a despeza. Mas n'essa affirmação ha grande equivoco, porque dos documentos officiaes sobre que elaborei o meu relatorio de fazenda de 1893 constava que desde 1852 não tinha havido um unico anno em que as receitas não fossem inferiores ás despezas.

Ora esta situação é gravissima, e póde tornar-se insoluvel de um momento para outro, se a camara e o governo se não compenetrarem da necessidade absoluta de empregar os ultimos esforços para conjurar os perigos que nos ameaçam!

Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda encarou de frente o problema financeiro, e fez com exactidão o diagnostico da doença do thesouro. Na escolha e na applicação dos remedios é que foi de uma infelicidade extrema.

Nos mappas que acompanham o relatorio de fazenda encontra-se descripta, na linguagem secca e imparcial das cifras, a responsabilidade politica de todos os homens publicos que têem estado á frente dos negocios do estado e circumstanciada informação do modo como nasceu e se foi desenvolvendo a situação angustiosa que sobre nós hoje pesa.

Mas não é de discriminação de responsabilidades que eu vou hoje occupar-me.

Não discuto hoje as responsabilidades de ninguem, nem as do actual governo, nem as dos seus antecessores.

Todas essas questões são secundarias em presença das proporções assustadoras da questão de fazenda, por serem os gastos superiores aos recursos do paiz.

Queixa-se com rasão o sr. ministro da fazenda de ter encontrado uma situação extremamente grave, elevadas a 55:000 contos de réis as despesas do estado, n'um preço alto o premio do oiro, o que tudo pesa enormemente sobre a fortuna publica e sobre a fortuna particular, porque o thesouro tem de enviar todos os trimestres quantiosas sommas para o estrangeiro em moeda universal que não possue, e não póde reduzir as compras cambiaes, como o particular, que subordina o seu commercio á situação dos cambios, e ás circumstancias do mercado.

O governo, nas quatro epochas do anno, em que tem de pagar os juros, ha de estar munido com as cambiaes precisas para occorrer aos pagamentos no estrangeiro,
qualquer que seja o preço do oiro no mercado.

É realmente o premio do oiro o que hoje pesa mais vio-

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lentamente sobre o estado e sobre a economia publica e particular.

O sr. ministro da fazenda descreveu perfeitamente a gravidade da situação. Na indicação dos remedios é que falha completamente o seu plano.

O sr. ministro da fazenda é o primeiro a desconfiar da efficacia das suas medidas.

Termina s. exa. as considerações geraes do seu luminoso relatorio com os seguintes periodos:

«E, terminando, lembrarei que o grande chanceller allemão, de cuja vontade pareceram dependentes os destinos da Europa durante trinta annos, interrogado um dia, replicára: «que nunca podéra affirmar, á priori, se os planos produziriam o resultado desejado», acrescentando: «É o politico um ser incompleto durante toda a sua vida. Para attingir o fim que tem em mira, depende muito da cooperação dos outros, que por vezes hesitam e illudem todas as conjecturas. Ha na politica com que contar com os accidentes imprevistos, como na agricultura com as variações atmosphericas.»

Eu, a esse respeito não alimento duvidas de especie alguma.

Tenho a certeza de que as providencias financeiras do illustre ministro, longe de favorecerem a economia e as finanças, são contraproducentes.

As minhas palavras, como deputado, não têem na camara, nem no estrangeiro o echo que têem as de um ministro da corôa, e sobretudo as do ministro da fazenda.

A declaração do governo, do que não confia nas suas propostas, comquanto seja feita com todas as cautelas rhetoricas, guardadas todas as conveniencias politicas, citando mesmo em seu apoio a opinião de um homem de estado verdadeiramente superior, ha de produzir impressão muito desfavoravel no erudito publico.

Por outro lado, o sr. ministro da fazenda enthusiasma-se com a idéa do que o paiz dispõe de largos recursos.

Disporá. Mas não para pagar 50:000 contos de réis!

As despezas orçamentaes já vão em 56:000 contos de réis, e para pagar tão avultadas sommas não tem, com certeza, o paiz recursos!

Tambem o sr. ministro affirma, todo contente, que as receitas do estado, nos ultimos quarenta annos, quadruplicaram.

Outro engano!

A quadruplicação das receitas no largo periodo de quarenta annos não representa a quadruplicação dos rendimentos, que constituem a riqueza de um povo.

Longe de mim, sr. presidente, o pensamento de amesquinhar os recursos do paiz.

Mas não posso deixar de sustentar que, para pagar 56:000 contos de réis de despezas annuaes, não tem já forças o contribuinte portuguez!

Deixemo-nos de nos illudir a nós mesmos e de illudir-mos o paiz.

Encaremos com verdade e com serenidade a situação.

A celebre quadruplicação das receitas nos ultimos quarenta annos, explicada pelos mappas que acompanham o relatorio financeiro do illustre ministro da fazenda, é documento eloquente da situação angustiosa e afflictiva em que o paiz se encontra.

Os algarismos precisam de leitura, como as estatisticas carecem de exame.

Não ha hoje historia sem philosophia, nem estadista sem critica.

Ora se lançarmos uma vista de olhos, ainda que rapida, para os mappas das nossas receitas e das nossas despezas nos ultimos vinte annos, havemos de reconhecer que a situação do contribuinte em Portugal é gravissima, e quasi desesperada!

O contribuinte já paga mais do que póde, e deve rasoavelmente pagar.

O appello constante á fortuna particular póde de um momento para o outro crear fundas perturbações na vida economica, e collocar-nos em difficuldades quasi invenciveis.

Uma nação quando tem governo que devidamente a represente, não succumbe diante de embaraços internos.

Mas, deixando-os aggravar desmedidamente, póde ser-lhe necessario recorrer a esforços violentos, e sujeitar-se a sacrificios dolorosos, para os dominar.

Muitos descobrem na propriedade immobiliaria recursos para occorrer aos mais avultados encargos do estado.

É frequente ouvir em Lisboa, e sobretudo a quem não tem o nome inscripto na matriz predial: «a propriedade póde pagar mais, porque no tempo dos dizimos pagava 6:000 contos de réis, e agora que os rendimentos são incomparavelmente mais avantajados, paga 3:000 contos de réis!»

A um sabio cá da terra ouvi eu uma vez dizer, que nós não sabiamos explorar a propriedade, porque ella não rendia nos differentes freguezias, como na freguesia de Versailles!

E faltava assim aquelle sabio, imaginando que as freguezias em Portugal podiam ser comparadas com a freguezia de Versailles!

No relatorio de fazenda de 1893 affirmei ou que a propriedade em Portugal não podia pagar mais, o que não significava que a contribuição estivesse bom distribuida. (Apoiados.)

Pois tal é a preoccupação do que a propriedade póde pagar mais, que um dos homens mais distinctos do paiz, que infelizmente já não vive, distincto como homem publico, e sobretudo como homem de lettras, que era correspondente de um dos primeiros jornaes do Rio de Janeiro, referindo-se n'uma das correspondencias á minha affirmação de que a agricultura não podia pagar mais, dizia o seguinte:

«O ministro da fazenda, n'um momento excepcional loucura, avançou a proposição de que a propriedade não podia pagar mais!»

Tenho feito por vezes altos diligencias para descobrir os documentos comprovativos dos 6:000 contos de réis que a propriedade pagava a titulo de dizimos, e nunca pude conseguir o mais leve esclarecimento sobre este ponto!

Foi encarregado, haverá trinta annos, pelo ministro da fazenda, de fazer um estudo profundo sobre os impostos anteriores e posteriores ao estabelecimento do regimen constitucional, um funccionario muito distincto, o sr. Santa Anna e Vasconcellos, que morreu visconde das Nogueiras, homem competentissimo para aquella difficil commissão, e tambem não poude achar documentos que demonstrassem que effectivamente a propriedade no tempo dos dizimos rendia 6:000 contos de réis.

Mas quanto paga hoje a propriedade? Mais de 10:000 contos de réis!

Só sob a designação de contribuição predial, paga a propriedade 3:123 contos de réis.

Não é porém só esta quantia que affecta os bens immobiliarios.

De 539 contos de réis é a contribuição de renda de casas, e este imposto recáe tambem sobre a propriedade.

Sobre a propriedade recahe igualmente na quasi totalidade.

A contribuição do registo, que ascende já á enorme somma de 2:470 contos de réis.

A contribuição de registo a titulo oneroso pesa unicamente sobre a propriedade, como sobre a propriedade pesa quasi exclusivamente a contribuição a titulo gratuito, porque, a não ser o papel averbado, quasi todo o mobiliario escapa pela sonegação ao pagamento d'este imposto!

O imposto de consumo em Lisboa, que já excede 2:000 contos de réis, recáe exclusivamente sobre a propriedade! Sobre a propriedade pesa tambem o real de agua na enorme somma de 1:152 contos de réis.

O imposto especial de vinhos no Porto e em Villa Nova

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de Gaia, bem como o imposto especial sobre os vinhos exportados, sobrecarrega igualmente a propriedade.

As congruas, dos parochos, os emolumentos das conservatorias, e na maxima parte os emolumentos judiciaes, o que oneram é a propriedade immobiliaria.

O imposto violentissimo e esmagador da decima de juros é tambem supportado na maxima parte pelo lavrador.

Ha ainda uma importancia avultada de contribuições a onerar a propriedade, que andarão por um terço das que revertem a favor ao estado, que são as contribuições locaes, especialmente lançadas e cobradas pelos municipios.

A vexatoria contribuição do sêllo, verdadeiro imposto de capitação, tambem na maxima parte affecta a riqueza immobiliaria.

Já nó relatorio de fazenda em 1893 eu escrevi que o imposto sobre a propriedade representava somma não inferior a 10:000 contos de réis.

No entretanto muitos opinam que ainda se póde gastar á larga, porque ainda póde ser muito sobrecarregada a propriedade.

Mostra-se muito animado no seu relatorio o sr. ministro da fazenda por terem quadruplicado as contribuições nos ultimos quarenta annos.

Faltou apenas ao sr. ministro no seu calculo apreciar o principal, isto é, se a quadruplicação das contribuições n'este periodo vem do augmento da riqueza publica, ou se represente uma verdadeira extorsão ao contribuinte.

O que é preciso é ver as relações em que está o augmento das contribuições com o augmento da fortuna publica.

Quaes são as grandes fontes da riqueza nacional?

São o commercio, a industria e a propriedade, que em toda a parte são considerados a base dos principaes rendimentos dos differentes estados.

Não quero amesquinhar os recursos do paiz, mas menos quero ainda illudir-me, e illudir a nação.

Quer v. exa., sr. presidente, saber como tem quadruplicado as receitas provenientes da riqueza immobiliaria, da riqueza industrial e do movimento commercial?

A contribuição predial, que no exercicio de 1880-1881 produziu 3:143 contos de réis, em 1895-1896 produziu 3:123 contos de réis, isto é, produziu menos que dezeseis annos antes!

A contribuição industrial, que no exercicio de 1880-1881 produziu 1:096 contos de réis, no exercicio de 1891-1892 produziu apenas 1:419 contos de réis!

Se no exercicio de 1895-1896 rendeu 1:600 contos de réis foi isso devido á ultima lei do imposto industrial, que de tal maneira sobrecarregou esta fonte de riqueza publica, que já começa a descer a contribuição, assim como a bancaria, conforme attestam as contas dos tres primeiros trimestres do anno economico de 1896-1897.

A contribuição bancaria, que no exercicio 1880-1881 rendeu 157 contos de réis, e depois subiu a 170 contos de réis; já em 1895-1896 produziu apenas a quantia de 166 contos de réis!

Portanto as contribuições, que representam as fontes mais importantes, mais ricas e mais valiosas, da producção nacional não accusam augmento mas sim diminuição na fortuna dos cidadãos.

As minhas considerações não obedecem ao intuito de attenuar os recursos da nação, e: sim ao desejo, de levar ao espirito de todos a convicção de que o estado da vida economica é grave, e de que não podemos alargar as despezas, pois que nem as existentes podemos conservar, porque não temos os recursos necessarios para custear os encargos descriptos no orçamento do estado.

É certo que algumas contribuições têem quadruplicado mas não são as que representam augmento da riqueza publica.

A contribuição de registo que no exercicio de 1877-1878 produziu 971 contos de réis, no exercicio de 1895-1896 já rendeu 2:470 contos de réis! Mas o que é a contribuição de registo? É um imposto sobre o capital! O cidadão, que se desfaz de uma propriedade immobiliaria por 10 contos de réis, ha de entregar ao estado, só para contribuição de registo, 10 porcento do producto da venda se a alienação é a titulo oneroso porque se é a titulo gratuito o quinhão que tem a dar ao estado é em regra de 15 por cento!

Assim como rende 2:470 contos de réis, poderia talvez render 4:800 contos de réis!

Como é uma contribuição sobre o capital, quanto mais se tirar ao capital contribuinte dentro de certos limites, maior será o producto do imposto!

Não é com impostos em que o estado toma quinhão no capital do contribuinte, que nós havemos de estar socegados!

Acontece o mesmo com o sêllo, que está quasi nas condições da contribuição de registo.

O sêllo, que no exercicio de 1877-1878 produziu 1:209 contos de réis, rendeu no exercicio de 1895-1896 a enorme somma de 2:472 contos de reis! Mas o que é o imposto do sêllo? Em, geral é um imposto de capitação, que fere da mesma fórma o rico e o pobre!

Rarissimos serão os casos em que similhante contribuição represente rendimento!

Para á camara fazer idéa clara das proporções exageradas que esta contribuição tem assumido, basta um exemplo, que é de todos os dias, e a todos accessivel.

Ainda ha poucos annos, para uma procuração forense, custava 40 réis a meia folha de papel sellado. Hoje custa á mesma meia folha de papel sellado 100 réis, e é alem d'isso preciso um sêllo de 100 réis para sobre elle se escrever a assignatura, e paga-se ainda um sêllo de 20 réis para o tabellião fazer o reconhecimento!

N'outros termos, um acto, que ha poucos annos custava 40 réis, custa hoje 220 réis!

Representa, porventura; este e outros augmentos analogos no imposto de sêllo riqueza publica? Não.

O que significa é mais uma desmembração no capital do contribuinte. É um imposto de capitação, que os poderes publicos têem augmentado successivamente, e que não revela acrescimo de fortuna.

O que é igualmente a tabella dos salarios e emolumentos judiciaes, a que ha pouco se referiu um illustre deputado, e que no anno passado foi exageradamente aggravada?

Representará tudo, menos augmento de riqueza.

A tabella dos salarios e emolumentos judiciaes foi já elevada a proporções extraordinarias, quando começou o prurido de crear muitas comarcas, e de desmantelar camaras antigas para crear comarcas pequenas.

Foi necessario, elevar os salarios e emolumentos judiciaes para compensar os juizes, es delegados, e sobretudo os escrivães e officiaes de diligencias, do cerceamento dos seus interesses, consequencia do cerceamento da area territorial da comarca.

Foi a questão pessoal que no nosso paiz principalmente determinou a alteração da tabella de 1877, como rara é a reforma entre nós em que a questão pessoal não influa.

A tabella de 1877 representa um augmento de imposto violentissimo, ainda agravado pela tabella de 1896, que não corresponde a nenhum augmento da riqueza publica.

Temos o augmenta da receita dos cereaes.

Os cereaes, que no exercicio de 1877-1878 produziram a receita de 416 contos de réis, no exercicio de 1895-1896 renderam 3:062 contos de réis

Aqui está um imposto que chegou ao dobro da quadruplicação! É porventura indicador de rendimento? Pelo contrario. É o imposto sobre a fome, sobre a pobreza e sobre a miséria! É o imposto sobre o alimento do pobre! É de

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todas ao contribuições de capitação a mais violenta e a mais odiosa!

Ora aqui está a nossa situação financeira! Veja a camara o sudario que representa a tal quadruplicado de contribuições! Quadruplicaram as contribuições não em virtude de acrescimo de renda, mau em fórma de assalto no capital!

Como hão de, porém, remediar-se todas estas difficuldades?

Não havemos de limitar-nos a lamentar as nossas desgraças, e a fechar as mãos na cabeça!

A questão do remedio é que devia preoccupar o governo e todos os poderes do estado.

E como resolver a questão do cambio?

É este ponto um dos mais graves que está na téla do debate, e não é uma questão só do nosso paiz, assoberba todos os povos onde é desfavoravel a balança do commercio, e sobretudo onde se contrahiu divida externa, que ha de ser paga na moeda de oiro, moeda universal.

Declara o sr. ministro da fazenda que precisa de levantar emprestimos em oiro para sustentar durante um largo periodo os encargos da divida publica lá fóra, sem pesar nos mercados do paiz, até que o cambio se levante e o paiz se restaure.

Mas nem o governo pensa a serio na restauração das forças economicas da nação, nem o cambio podia esperar por essa restauração, que ha de ser longa e demorada.

Na questão dos cambios, como n'outras questões de alto interesse publico anda muito transviada a opinião no paiz.

Só temos pensado no desfavor da situação cambial desde 1891, e todavia nunca deixámos de sofrer as consequencias da depressão do cambio!

Sempre nos foi desfavoravel o cambio!

Nunca podemos saldar os nossos compromissos em oiro senão á custa do thesouro ou á custa do banco de Portugal.

Como a pratica financeira cá na terra foi sempre levantar animal ou biennalmente um emprestimo, para occorrer aos encargos do estado e para pagar os juros dos emprestimos successivamente contrahidos, era o governo, com estas operações ruinosas, quem impedia a baixa do cambio no mercado interno.

Depois foi o banco de Portugal quem se encarregou, á custa dos seus accionistas, de importar oiro para segurar a convertibilidade das notas.

Assim o cambio conservava-se alto n'uma posição artificia], porque o governo deixava de ser concorrente ao mercado, e o banco de Portugal procurava munir-se de oiro para facilitar o pagamento das notas.

Mas a oscillação do cambio está sujeita a muitas e variadas circumstancias, que n'elle influem, ainda afastada a concorrencia do thesouro.

É certo que o pagamento da divida externa tem sido em todos os paizes endividados ao estrangeiro, o primeiro elemento do perturbação cambial.

No Egypto, na Grecia, na Turquia, no Brazil, na Republica Argentina, e em todos os paizes que têem contrahido divida externa de coração ligeiro, é que a depressão cambial tem assumido proporções assustadoras! O proprio Brasil, aliás riquissimo, se vê em difficuldades gravissimas para pagar 5.000:000 de libras de renda, divida externa, porque para aquelle fim tem de pôr na Europa 150:000, custando-lhe a transferencia de cada libra mais de réis 30$000!

A divida externa cria a todos os povos, que recorrem a este genero de operações, uma situação embaraçosa.

Se eu confiasse em que poderiamos iniciar e seguir persistentemente um systema de economia severa, não teria duvida de propor os encargos mais violentos, inclusive o imposto de capitação para nos libertarmos de vez da divida externa.

A divida externa, alem de absorver constantemente o melhor da substancia do paiz, póde, em dado momento, produzir consequencias que affectem os mais altos e mais sagrados interesses do estado!

E para nós passa desapercebida a lição dos factos.

Em 1891 chegou a divida fluctuante externa á somma fabulosa de 24:000 contos de réis, e a totalidade da divida fluctuante, comprehendendo interna e externa, a 38:000!

A operação dos tabacos, que foi de 36:000 contos de réis, já não chegava para pagar a divida fluctuante, e tal foi o destino que teve, que nem a metade dos 38:000 contos de réis póde amortisar!

A divida fluctuante de 38:000 contos, para amortisar a qual se contrahida um emprestimo de 36:000 contos em março de 1891, já em meados de janeiro de 1892 ia n'um crescendo de 24:000 contos de réis!

A divida fluctuante externa já ía alem de 7:000 contos de réis!

Aos governos d'este paiz não ha licites, por mais duras, que aproveitem!

É certo que a concorrencia do governo todos os annos ao mercado, e mercado pequeno como o nosso, por uma cifra de proximamente 8:000 contos de réis, influe profunda e desfavoravelmente nos cambios. Mas não é esse o unico factor, comquanto seja o principal, da baixa dos cambios e da alta do prémio de oiro!
Outros elementos de grande importancia pesam na balança commercial.

Em consideraveis obras e melhoramentos publicos está enterrada uma enorme somma de capitães estrangeiros, e administrados por companhias nacionaes, ou nacionaes e estrangeiras, que todos os annos enviam lá para fóra aos seus accionistas avultados capitães em oiro.

A companhia real dos caminhos de ferro, a companhia dos tabacos, e outras, são outros tantos elementos de drenagem de oiro para o estrangeiro.

Parte importante do nosso commercio, sobretudo em Lisboa, no Porto e no Funchal, está entregue a estrangeiros, que, como é natural, constituem as suas reservas á custa dos recursos do paiz, que depois transferem para as suas terras, o que é mais uma causa de enfraquecimento da economia publica.

Com um dos melhores climas do mundo, com um céu bellissimo e com uma excellente situação geographica, podia Portugal attrahir os estrangeiros, que aqui deixariam muito dinheiro, e todavia quasi ninguem nos visita com demora, a não serem as familias hespanholas na estação balnear.

A Suissa, como a Dinamarca, a Belgica, a Suecia e Noruega, sem gosarem das vantagens naturaes que nós desfructamos, tem o seu fundo de 3 por cento com a cotação de 100.

Onde tem a Suissa um solo productivo como o nosso? Salvos os recursos da sua industria, vive quasi do estrangeiro!

A questão do cambio e do premio do oiro é muito complexa. Não se resolvo só com providencias pelo ministerio das obras publicas. Depende dos processos de governação, e de medidas de ordem administrativa.

No estado a que chegamos não se resolvem as difficuldades da situação com providencias isoladas. É preciso um plano de governo, maduramente pensado o fielmente executado, e para essas obras gigantescas é que servem ou grandes partidos, ou então não servem para nada.

Se a camara auctorisasse o governo a levantar todos os emprestimos em oiro, que o sr. ministro da fazenda propõe como necessarios para manter a situação economica e financeira durante quatro ou cinco annos, até que pelo fomento economico e pelo desenvolvimento da riqueza publica se podesse conseguir o equilibrio da balança commercial, ficaria logo decretada sem remedio a bancarrota do estado!

Aos governantes portugueses não ha lições que apro-

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veitem. Tenho ainda nos ouvidos o echo dos discursos brilhantes proferidos pelos oradores dos dois partidos, inculcando, como medica de salvação publica, o primitivo emprestimo dos tabacos, contra o qual, é claro, eu votei.

Com a monstruosa operação dos tabacos, diziam aquelles eximios oradoras, extinguia-se a divida fluctuante, evitava-se o krac que ameaçava-as praças de Lisboa e Porto, e entrava o paiz n'um caminho de prosperidade e venturas!

Votante o emprestimo. E o que aconteceu? Em 23 de março votava-se o emprestimo de 36:000 contos de réis, quarenta e sete dias depois, em maio, decretava-se a inconvertibilidade da nota, ou antes abria-se francamente a bancarrota nacional!

Quem tinha dinheiro em oiro pagavel no banco recebia, não o dinheiro em oiro que era valor real, mas papel que só tinha valor no paiz!

O premio do oiro não é causa de doença, é manifestação de enfermidade.

Vejamos o que succedeu no Brazil, povo nosso irmão e por nós educado, que devemos invocar como argumento, porque é a situação do Brazil que tem analogia com a nossa, e não a situação da Belgica e da Inglaterra, que ahi se invoca todos os dias em tudo e a proposito de tudo.

Os nossos estadistas apenas se referem ao Brazil para d'ahi esperarem a baixa do cambio e o melhoramento da nossa situação economica.

Ninguem faz mais votos do que eu pela prosperidade da grande republica americana. Creio, porém, que aquelle grande paiz, obsediado por difficuldades financeiras e politicas de extrema gravidade, se não levanta tão depressa, e sobretudo a tempo de poder contribuir para a solução das nossas difficuldades financeiras e economicas.

Mas vamos ao caso.

Tambem no Brazil, em 1886 ou 1887, o ministro da fazenda resolveu adoptar providencias analogas ás que o nosso governo apresentou agora ás côrtes para modificar os cambios. O ministerio brazileiro levantou 12 milhões de libras no estrangeiro para pagar, os encargos da divida externa sem pesar sobre o mercado nacional com a compra das cambiaes, e assim modificar a acção do cambio.

Emquanto duraram os 12 milhões de libras a situação cambial foi extremamente favoravel. Mas a esse allivio momentâneo succedeu um desastre permanente!

Gastos os 12 milhões de libras ficaram pesando sobre o Brasil, não só os juros da divida externa anterior, mas tambem os juros dos 12 milhões de libras!

Esgotados os 12 milhões de libras a baixa do cambio foi medonha e n'esse estado se conserva!

Succedeu no Brazil o que havia de succeder em Portugal, se o governo levasse á execução o seu plano de emprestimos!

Porque coincidiu o esgotamento dos 12 milhões de libras com a mudança das instituições, o facciosismo politico attribuiu todos os males á revolução republicana.

Eu não tenho que discutir n'este logar a fórma de governo do Brazil, nem a de qualquer outro paiz. Mas posso asseverar, sem receio de errar, que o cambio não é incompativel nem com a republica, nem com qualquer outro regimen politico.

A questão é de juizo e de governo.

Não ha paiz, por mais largos que sejam os seus recursos, que não se levante com bons governos, e com boa situação politica.

Nações pequenas como a Suissa, a Belgica e a Hollanda, são modelos de administração, e podem servir de lição aos grandes povos do mundo.

O Brazil, que na superficie do seu territorio representa quatro quintos da Europa, e que apenas será inferior em area á Russia e á China, que precisa por isso de uma acção energica e seguida no centro como nos extremos do paiz, adoptou uma constituição politica eminentemente liberal, mas que serviria para a Suissa ou para outra nação pequena, e não para regiões tão vastas.

O Brazil, modificadas algumas disposições da sua constituição republicana, sem em nada lhe alterar o caracter democratico, em breve póde collocar-se na posição que lhe compete, porque é grande a sua riqueza, é grande o patriotismo dos seus habitantes, e porque possuo muitos homens de valor real.

Mas por ora não poderá a nação portuguesa contar com os recursos vastissimos d'aquelle paiz.

Temos de contar comnosco e só comnosco.

Este pensamento vem resumido na minha phrase - havemos de governar-nos com a prata da casa - que tantas descomposturas me tem rendido!

Nas difficuldades em que nos achamos poderão querer especular comnosco. Mas humanitaria e patrioticamente ninguem nos acode!

Havemos de governar-nos com as pratas da casa, isto é, havemos de cingir-nos ás nossas circumstancias.

É, portanto, absolutamente incompativel á minha opinião com o plano do sr. ministro da fazenda, que se propõe esmagar o paiz com emprestimos, tomando por ponto de partida uma conversão que, desacompanhada de outras providencias, seria mais que um erro, seria uma loucura.

O sr. ministro da fazenda tem n'esta parte a seu lado os grandes estadistas cá da terra, que reputam indispensavel a conversão para restaurar o credito publico e apagar um passado doloroso.

Mas o credito publico não se restaura, nem o passado doloroso se apaga com o augmento de encargos, que necessariamente importa a conversão proposta, e sim com novos systemas de administração que assegurem, a nacionaes e a estrangeiros, que não correm perigo os seus interesses e os seus direitos.

Só teremos credito quando nos administrarmos por fórma que inspiremos aos credores a segurança de que podemos saldar os nossos encargos com os nossos recursos.

Não ha senão duas fórmas de conversão: ou para pagar mais, ou para pagar menos. A conversão para pagar mais importa logo o levantamento de um emprestimo, e deixa-nos a braços com uma crise invencivel, porque se nós não podemos já pagar os encargos actuaes, menos poderemos pagar os encargos augmentados. A conversão para pagar menos faz-se na epocha da prosperidade, como a poderia hoje fazer a Inglaterra e a França, que têem os seus fundos muito altos, e o juro corrente muito baixo.

Um paiz que pague pelos seus titulos de divida 4 por cento, por exemplo, quando o juro no mercado é 2 por cento, póde impor aos prestamistas, ou a reducção do juro dos titulos de 4 a 2 por cento, ou o recebimento da importancia correspondente ao nominal.

Esta conversão é regular é legal, porque o credor, não póde recusar-se a receber a importancia do seu credito a todo o tempo que o devedor queira pagar-lhe.

Quer na vida commercial, quer na vida civil, querendo o devedor pagar, e não querendo o credor receber, põe-se o dinheiro no deposito, e o deposito equivale ao pagamento.

Nas conversões feitas pelos estados cessam os juros dos titulos desde que o thesouro se offerece a pagar.

Mas n'esta especie de conversão nem pensar sequer, nós podemos nas circumstancias afflictivas em que nos encontrâmos.

Modernamente adoptou-se uma outra fórma de conversão como a que ha dois annos fez a Servia, que eu não quero, nem por sombras, para o meu paiz.

A Servia em 1895 reduziu o juro de certos titulos do estado de 5 a 4 por cento.

Mas em que condições? Recebendo directamente os rendimentos para pagar os juros uma commissão, formada do director e vice-director do banco nacional, que é particular e inteiramente estranho ao governo, de mais dois servios de primeira importancia, e de dois estrangeiros re-

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606-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

presentando um os interesses de França, e o outro os interesses das outras nações credoras, e a Servia communicou diplomaticamente aos estados interessados a organisação d'esta instituição!

A commissão recebe os rendimentos das alfandegas, do alcool, e de varios monopolios, emfim, cobra as receitas mais importantes directamente, sem que na arrecadarão exerça influencia de especie alguma o ministro da fazenda.

A Servia, que sempre se mostrou surda ás reclamações dos interessados para fazer largas reducções de despeza no interesse dos seus credores, desde que foram adjudicadas as receitas mais valiosas para pagamento da divida externa, é lhe foi imposta a commissão internacional, governa-se com o resto das receitas que lhe ficaram livres!

Ora, uma solução no genero da que estou apontando, ninguem de certo a quer, apesar de que os esforços de todos a estão preparando!

Em condições rasoaveis, pois, não podemos fazer n'este momento uma conversão.

O estrangeiro, que sabe os nossos deploraveis circumstancias, pô-nos-ia entre a espada e a parede para nos exigir os ultimos sacrificios.

Mas que interesse terá o estrangeiro em nos exigir para a conversão 1 1/2 por cento, por exemplo, se elle sabe que nós nem l por cento podemos pagar?

Por isso mesmo. Os estrangeiros bem sabem que nós já não podemos pagar nem o terço durante muito tempo. Mas quanto mais nos envolverem, mais apressam a situação, a que aspiram, que é impor-nos o controle.

Em 1893 Leroy Beaulieu escrevia no Economista françals: «que Portugal não podia pagar os juros da sua divida externa, que devia accordar-se com os seus credores, e talvez suspender durante tres ou quatro turnos o pagamento dos juros, e começar depois pagando um quarto, em seguida um terço, e assim successivamente até voltar ao pagamento integral».

Segundo informação, que tive, não sei se official, se particular, houve nas sessões dos comités que estiveram trabalhando no convenio de 1892, quem sustentasse que nem o quarto nós poderiamos pagar. Mandei pedir copia das actas dos comités para verificar o facto.

Mau não a pude obter!

Ora, como posso eu approvar o plano de conversão proposto pelo governo, ou qualquer outro, em que se dá ao estrangeiro mais do que o terço, se ou sempre sustentei que mesmo esse terço se não podia pagar com os recursos do estado, bem novos sacrificios, se alguns credores eram de opinião que mesmo só o quarto mal poderiamos pagar, e quando hoje são ainda mais apertadas as nossas circumstancias?

Na discussão do projecto confirmatorio do decreto de 13 de junho de 1892 perguntaram-me n'esta assembléa se o paiz podia pagar o terço, em oiro, ao estrangeiro, e eu respondi que com os recursos de que então dispunha o paiz não podia pagar o terço, pois que para pagar os tres coupons, já reduzidos ao terço em oiro, tivera necessidade de recorrer ao credito.

A convulsão, portanto, nos termos propostos pelo governo é impossivel.

Eu faltaria a um dever sagrado se não expozesse claramente á nação o meu pensamento sobre o assumpto.

A nossa situação angustiosa já se não resolve, sem entrar no caminho das reducções de despeza, e das reducções largas e profundas.

Insisto n'este ponto, e faço d'elle argumento capital porque continuando os homens publicos n'este caminho de augmento successivo das despezas publicas, os desastres do thesouro são inevitaveis!

É indispensavel cortar e a tempo nas despezas orçamentaes doa a quem doer, e não esperar que chegue à hora em que tumultuariamente, e violentamente e sob a pressão da anarchia as circumstancias façam o que os homens publicos e os poderes do estado hoje podem serenamente fazer. (Apoiados.)

Essa hora vae-se approximando!

Não se resolvem já as nossas difficuldades com o que os hespanhoes chamam musica celestial.

São indispensaveis os esforços e o concurso do paiz inteiro para sairmos da agonia, em que os erros dos governos nos precipitaram.

Não ha ministerio que por si só possa tomar os providencias decisivas reclamadas pela situação que nos assoberba sem o apoio e a cooperação decidida do paiz.

Tão graves são as circumstancias, que de um momento para o outro qualquer incidente póde perturbar, e sem remedio, a marcha politica e a vida economica da nação!

Devo tambem chamar a attenção do governo para um assumpto para que os srs. ministros devem antecipadamente preparar-se, que é a execução da sentença, que a toda a hora se espera, do tribunal de Berne sobre a questão de Lourenço Marques.

Não creio, porque a justiça o não permitte, que nos seja altamente desfavoravel a liquidação da indemnisação do caminho de ferro de Lourenço Marques, porque o litigio está entregue a um tribunal, que ha de apreciar com discernimento e com imparcialidade todos os fundamentos da acção e da defeza.

Não duvido emittir a minha opinião sobre o assumpto como deputado, o que facilmente não poderia fazer o sr. ministro, que perante o estrangeiro representa o paiz.

É minha opinião que no tribunal de Berne a liquidação da indemnisação por perdas e damnos aos representantes do Mac-Murdo, que nos pedem capital e juros, não abrangerá juros. O direito francez, como o direito suisso, o direito portuguez, e o direito do mundo inteiro, não permittem o pagamento de juros por contos não liquidadas senão a contar da liquidação (Apoiados), e as contas não estão ainda liquidadas. (Apoiados.)

Pelo contrário, a missão do tribunal de Berne é liquidal-as.

Não devemos esperar condemnação nem por um real de juros. (Apoiados.) No meu entender o pedido de juros será, in limine, rejeitado pelo tribunal.

Tambem, pelo direito de todas nações, as perdas e damnos pela inexecução de um contrato são as que necessariamente resultam da falta de cumprimento do contrato, isto, é dos factos então previstos. Ora na occasião da rescisão do contrato ninguem previa o largo desenvolvimento que o caminho de ferro havia de ter. (Apoiados) Por outro lado, em regra, a indemnisação póde ir alem dos prejuizos soffidos.

Os lucros cessantes por perdas e damnos não só em casos muito excepcionaes são computados nas indemnisações de perdas e damnos; e em nenhum d'esses casos especiaes se comprehende a nossa hypothese. No entretanto, como o exito das demandas é sempre incerto, e como a indemnisação ha de ser paga dentro de seis mezes depois da publicarão da sentença, deve o governo estar prevenido, para que a obrigação de pagar dentro do praso de seis mezes nos não colloque n'uma situação verdadeiramente embaraçosa.

É mesmo natural que algum ou alguns dos interessados nos não esperem nem um dia, alem do praso, pelo pagamento.

Deve pois o governo ter as cousas preparadas para não nos metterem n'um circulo de ferro, e com o praso fixo para a execução da sentença.

Mas para isso, e para tornar viavel a nossa situação financeira e economica, é indispensavel proceder, e sem demora, a reducções nas despezas publicas, e emprehender a regeneração economica, não só no paiz, mas sobretudo no ultramar, porque não é meio ordinario de vida sustentar a ordem nas colonias a ferro e a fogo.

A desordem e a guerra em todos os pontos dos nossos

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 34 DE 11 DE AGOSTO DE 1896 606-G

dominios ultramarinos accusam necessariamente grandes erros de administração.

Quando eu larguei o poder, ha quatro annos, havia perfeita tranquilidade e saldos em todas as possessões ultramarinas. Só em Angola o saldo era de mais de 700 contos de réis, e muito avultado era; tambem, na India. Hoje, porém, arde a guerra em toda a parte, e, a não ser em S. Thomé o deficit em todas as provincias de alem mar é consideravel!

Para darem cabo tambem das finanças de Macau, lembraram-se os nossos governos de constituir, sem necessidade de especie alguma, Timor em provincia independente!

Não é possivel restaurar as finanças portuguezas sem dar outra orientação, ao governo do ultramar.

Hoje nem o preto já vae a ferro e a fogo. É preciso substituir, o systema das violencias por processos de boa administração.

Nem o governo póde occupar-se dos projectos indispensaveis á salvação publica, emquanto tiver de pensar a toda a hora em organisar expedições, e em levantar dinheiro para occorrer a estes despendiosissimos serviços. Nem eu sei como temos, tido dinheiro para tanto!

Demais, vivemos quasi sem orçamento, usando e abusando do systema de creditos ordinarios e de creditos especiaes!

Não se illuda a camara. Nós estamos n'uma situação extremamente violenta. Se não tivermos o maior cuidado é precaução no governo do paiz, de um momento para o outro podemos passar por graves desastres. (Apoiadas.)

Reputo necessario promover o desenvolvimento economico do paiz e emprehender grandes reducções nas despezas publicas. Mas não é menos indispensavel fazer boa administração.

Tambem não póde deixar-se de parte a politica, mas a politica no interesse nacional. (Apoiados.)

Se. A attenção que os srs. ministros têem dispensado á eleição de Chaves, e de Braga fosse reservada para os problemas economicos e financeiros, se o tempo gasto com a censura previa e com a apprehensão dos jornaes nas ruas da capital se tivesse concentrado em trabalhos para reduzir as despesas publicas, e para resolver os problemas economicos e financeiros, melhores dias teria hoje a nação!

Tenho concluido.

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