O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 353

(353)

época para depois se estabelecer o equilibrio. O Digesto, e a Ordenação dizem que cousa he Dominio, e Propriedade, e depois desta creada nas Leis he facil explicar, porque um homem tem o direito exclusivo de plantar em uma terra uma couve, e uma alface, e de dispor della á sua vontade; mas o que ainda não estava explicado era o phenomeno de vir um homem a casa de um Proprietario, que não trabalha, trazer-lhe dinheiro, a cujo dinheiro se chama renda: ora: esta renda não se pode conceber no berço da Sociedade, quando os homens são poucos, e a terra muita; então cultivão-se os melhores bocados de terra necessariamente; e, em quanto se não passa da cultura das terras da primeira ordem, não se pode conceber aquelle phenomeno; mas quando cresce a povoação, e se passa por consequencia a cultivar as terras da segunda, terceira, e quarta ordem, então os da ordem melhor vencem uma renda na razão directa da sua melhoria, e vencem uma renda, porque mettidas em cultura terras peiores, e absorvendo estas trabalhos, taes, que o fructo chega só para os pagar com os avanços do Capitalista, os outros, cujos Jornaleiros vencem o mesmo, e cujos Capitalistas empregão o mesmo, deixão o excesso sobre os meios, ao qual se chama renda.

Está visto que os jornaes são sempre iguaes áquelles, que vence o Cultivador da peior terra, c neste sentido tem a Lei dos Cereaes o effeito de fazer metter em cultura terras pessimas, condemnando os consumidores a viverem todos como se o Paiz fosse esteril, e não tivesse boas terras: e isto para que? Para engrossar os Proprietarios, que á proporção que observão a cultura das terras más vão levantando o preço da renda das boas; o Lavrador fica sempre na mesma; tira sempre um mesquinho interesse, porque gasta necessariamente quasi tudo, ou na renda, ou nos jornaes, que paga.

Ao mesmo tempo a carestia do Trigo obsta ao desenvolvimento de todos os outros ramos, e o Proprietario vai pagar ao Estrangeiro, que tem Trigo barato, esses objectos, que podia ter no Paiz, se o Trigo não fosse caro. Disse o Sr. Bettencourt que muitos milhões tinhão sabido para compras de Trigo: isto he verdade; mas agora sabem muitos milhões para comprar cousas, que nós haviamos crear, se o Trigo fosse barato. Á sabida do dinheiro he sempre a mesma, quero dizer, he sempre igual ao dinheiro, que tem a Nação de renda annualmente; he indifferente que saia para Trigo, ou para Filós, ou para Pannos. Não me pareço boa politica estimular o que naturalmente se acha estimulado: dizia Buonaparte á Assembléa Legislativa de França = He necessario estimular os homens ao Casamento, as mulheres estão estimuladas, porque a mulher quando casa conquista a sua liberdade, e o homem perde-a = ora pois: não he uma observação constante desde o principio do mundo que as subsistencias encarecem, e os artefactos se fazem baratos? Não sabe toda a gente que o homem, que ha um seculo gastava, por exemplo, cem mil réis em comer, e outro tanto em vestir, hoje gastará cento e quarenta em comer, e sessenta em vestir? Isto he exacto exteris paribus, e he cousa, que tem facil explicação, por quanto as experiencias, e máchinas de um Paiz não se levão facilmente para outro; quando se tracta de Agricultura, nem o commercio dos productos depende somente da industria humana, mas sim dessa industria subordinada ás causas naturaes do solo, e do clima; ao mesmo tempo que nas Artes a máchina inventada n'um Paiz facilmente se transplanta para o outro, onde, com pouca differença, he a mesma cousa. Alem disto, os progressos das Artes são incomparavelmente mais rapidos, porque nas Artes a ultima máchina inventada he sempre a melhor; e na Agricultura, sendo sempre a qualidade da terra, e clima a primeira das máchinas, e a que maior influencia exercita nas producções, sempre se começa pelas melhores máchinas, e crescendo a povoação se passa para as peiores successivamente; por isso muito boa devia ser a terra, que pela primeira vez cultivou o nosso primeiro Pai.

Resumindo as minhas idéas, digo que sou capital inimigo de todas as restricções; que desejava no fundo da minha alma que não existisse a infernal Lei dos Cereaes, mas tendo que ceder a prejuizos, e estando condemnado a fazer frente ás finanças, acho que no mal feito se pode buscar o bem, e o converter a favor do Thesouro - o Povo não quer pagar o Trigo caro, mas pagando-o seja ao menos a favor do Publico, e fique por esta razão imperiosa mantido o espirito da Lei dos Cereaes, com o qual se compadesse o Artigo: entretanto, como o Sr. Derramado observou que erão muito fortes os Direitos, eu convido o mesmo Sr. para que os diminua, ou anniquile, protestando desde já subscrever a toda a diminuição, ou a todo o acabamento.

E, por ser chegada a hora de findar a Sessão, dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia a continuação doa objectos já para isso determinados.
E, sendo 2 horas e 10 minutos, disse que estava fechada a Sessão.

OFFICIO.

Para o Ministro da Justiça.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza resolvido em Sessão de 5 do corrente que se pedissem ao Governo Executivo esclarecimentos sobre os inconvenientes, que tem embaraçado a devida execução do determinado no Artigo 126 da Carta, na forma da Indicação do Sr. Visconde de Fonte Arcada, que junto por cópia conforme ( Vide pag. 252), o partiticipo a V. Exca., para que possa remetter á mesma Camara aquelles esclarecimentos, de que carece. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 15 de Fevereiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Luiz Manoel de Moura Cabral - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DE 16 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas, e 40 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa se acharão presentes 85 Srs. Deputados, faltando, alem das que ainda se não apresentarão, 19; a saber: os Srs. Xavier da Fonseca- Marciano de Azevedo - Tovar - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Leite Pereira- Araujo e Castro

Página 354

(354)

- Pessanha - Tavares d'Almeida - Izidoro José dos Sonetos - Queiroz - Machado d'Abreu - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Gonçalves Ferreira - Sousa Cardoso - Pereira Coutinho - Azevedo Loureiro - e Oleares Diniz - Iodos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Secretario Barroso dos nomes dos Srs. Deputados, que devem formar ns Commissões Centraes, em conformidade das participações, que havia recebido das Secções Geraes; a saber;

Para a Commissão permanente Ultramarina, pela primeira Secção, Moniz. Pela segunda, Mouzinho d'Albuquerque. Pela terceira, Braklami. Pela quarta, Soares Franco. Pela quinta, Guerreiro. Pela sexta , Rodrigues de Macedo. Pela setima, Lima Leitão.

Para o Projecto N.° 114, pelo primeira Secção, Rocha Couto. Pela segunda, Marciano d'Azevedo. Pela terceira, Nunes Cardoso. Pela quarta, Soares Franco. Pela quinta, Van-Zeller. Pela sexta, Rodrigues de Macedo. Pela setima, Tovar.
Para a Lei Regulamentar, de que carece o $. 8.° do Artigo 145, pela primeira Secção, Cupertino da Fonseca. Pela segunda, Serpa Machado. Pela terceira, Vieira da Mota. Pela quarta, Borges Carneiro. Pela quinta, Guerreiro. Pela sexta, e setima, não tem ainda nomeado.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa de um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, participando que a Consulta da Illustríssima Junta da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro, sobre a creação d'uma Cadeira d'Economia Politica na Academia do Porto, e cuja remessa lhe fôra pedida em Officio de 7 do corrente, se achava na Junta do Commercio, para onde fóra remettida por Real Resolução de 17 de Janeiro de 1826.

O Sr. Fr. J. Maya: - Fui eu, que pedi a Consulta, a que se refere o Officio do Excellentissimo Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e sabendo que ella se acha na Junta do Commercio ha mais d'um anno, parecia-me que o Excellentissimo Ministro o deveria mandar subir, para a remetter a esta Camara, satisfazendo assim á requisição, que ella lhe fez. Peço por tanto que se torne a pedir ao Governo a dieta Consulta, pois que só por via delle a podemos haver.
Peço mais que se repita ao Governo o pedido, que a Camara lhe dirigio no 1.º deste mez, para quo a Junta do Commercio dê a informação a respeito das Fabricas existentes no Reino, das Provisões, que se passarão nos annos de 1825, e 1826, para o que não he preciso muito tempo.

ecidio-se, em quanto ao Officio do Ministro, que estava ao seu alcance o expedir as Ordens competentes, para que a Junta do Commercio lhe restituisse a mesma Consulta; e em quanto á segunda requisição do Sr. Deputado, que se renovasse a mesma requisição.

Dêo mais conta o mesmo Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa das partes de doente, que enviarão os Srs. Deputados Tovar - e Rodrigues de Macedo.
Teve a palavra o Sr. Deputado Queiroga, como Relator da Commissão da Verificação dos Poderes, para dar conta do Parecer da mesma Commissão sobre o Diploma do Sr. Deputado Francisco da Gama Lobo, eleito pela Provincia do Alemtejo, o qual ella achava legal. Entregue á votação foi approvado. E, sendo introduzido na Sala o dicto Sr. Deputado pelo Sr. Secretario Ribeiro Costa, prestou o respectivo Juramento, e passou a tomar assento na Camara: declarando o Sr. Presidente que elle, na forma da ordem estabelecida, ficava pertencendo á setima Secção.

Ordem do Dia.

Continuou a discussão adiada da Sessão antecedente sobre o Artigo Addicional N.° 115 ao Projecto de Lei N.° 101.

O Sr. Campos Barreio: - Quando hontem pedi a palavra estava faltando o honrado Membro o Sr. Moraes Sarmento, e eu concordando com elle inteiramente no que pertence á doutrina, que expendêo, e á conclusão, que tirou contra o Artigo em discussão, não posso concordar no que lhe ouvi então incidentemente sobre o contrabando dos Grãos pelos Portos Sêccos do Reino. Se a memoria me não fallece, disse o honrado Membro que o contrabando dos Cereaes pelos Portos Sêccos não he ruinoso, por quanto anima o Commercio de exportação dos nossos generos, que em troca sahem carregados nos mesmos Machos, que nos trazem os Cereaes. Isto não he exacto: pelo contrario, a residencia de alguns annos na fronteira tem-me habilitado a poder affirmar que o dicto Commercio he muito ruinoso, nem pode deixar de o ser. Nós recebemos cm ponto grande os Trigos, os Centeios, as Cevadas, os Vinhos mesmo, e o Sabão Hespanhol, e não exportamos mais do que um pouco de Panno de Linho, de que o honrado Membro se lembrou, e alem disso um pouco de Sal; o que está muito longe de equilibrar a grande lista, e quantidade dos generos de importação. E nem essa pequena exportação he feita pelos Hespanhoes, que conduzem, ou introduzem os Cereaes, he feita por Almocreves, que não tractão de generos Cereaes. O grande contrabando dos Cereaes he feito pelos Portuguezes, e não em Machos, mas em Comboi de Carros, que vão busca-los de vasio, nem temos de que os carregar com vantagem do exportação; e se algumas Carretas de Hespanha entrão neste contrabando, voltão com o valor em dinheiro. A ultima prova he não se ver na fronteira da Portugal um Peso duro, e verem-se milhares de Cruzados novos na de Hespanha; toco levemente nos Portos Sêccos para não deixar na Camara uma impressão inexacta, que possa ter influencia, quando algum dia se cuidar no Commercio dos Cereaes por aquelles Portos.

Mas, pasmando ao Artigo, apezar do muito quo se acha expendido, insistirei em combater os principaes argumentos, que o apoião. Contem elle duas partes, no primeira admitte os Cereais para deposito, o re-exportação, e na segunda tambem para consumo, mediante os Direitos declarados no mesmo. Eu penso que a discussão deve mais utilmente principiar pela segunda parte - para consumo =; porque eu, o creio que toda a Camara, só por medo do consumo, ou de seus effeitos, he que negará a entrada para deposito, e re-exportação. Com effeito: quando a nossa Agricultura está em grandissimo atrazamento,

Página 355

(355)

quando o Alemtejo tem tantas terras de cavallaria, como dirão os honrados Membros dessa Provincia; e quando o mesmo acontece nas outras Provincias, apezar de que a benignidade do nosso clima permitte a cada terreno dar dous, e mais fructos no anno, he preciso proteger os Lavradores, e desviar no consumo a concorrencia dos generos Cereaes Estrangeiros, com que os nossos não podem competir. Um dos grandes argumentos em favor do Artigo nesta parte he o interesse do Thesouro, provindo dos Direitos de entrada, junto com dizer-se que assim se consegue a sustentação do preço artificial protector da Lavoura Portugueza. Confesso que o interesse do Thesouro me seduziria, particularmente quando elle se acha em tanto apuro; mas por uma parte, se he certo, como tenho ouvido, que nenhum Estrangeiro pode dar aqui os Trigos por menos de 750 réis, sendo certo que o preço de 600 réis até 700 he sufficiente ao nosso Lavrador, vindo os Direitos a ser prohibitivos, pouco posso confiar no rendimento destes; por outra parte a prevaricação diminuiria esse rendimento; e em fim, he sabido que os Impostos directos são os melhores para o Thesouro, pois em ultima analyse, elles, sejão directos, ou indirectos, todos vem a recahir no pobre Lavrador. Accresce que sendo os Direitos assim fixos não podem quadrar a todos os annos; ora serão prohibitivos, ora pequenos: no primeiro caso, quando se declarar verdadeira fome, não entrarão; e no segundo virão fazer afronta aos do Paiz. Acho melhor a Lei actual, que estabelece um preço regulador, alem do qual permitte a entrada com menos Direitos; sou pois de opinião que se deve rejeitar esta segunda parte do Artigo; e que, quando se admitta, seja com uma escala de Direitos prohibitivos até ao preço regulador, e decrescentes dahi para cima, na razão inversa dos preços.

A primeira parte seria de grande interesse, quando se estivesse seguro da boa fiscalisação do Porto; mas sabe-se, e diz-se que sempre se tem feito, e está fazendo grande contrabando, apezar da prohibição absoluta; então como não se faria com a entrada para deposito? Mas diz-se que he facil, e que ha para isso muitas, e boas Leis; que tudo depende de as fazer executar, castigando os primeiros infractores. Eis-aqui a maior das dificuldades: entre nós nada he tão difficil como fazer executar as Leis. Boas Leis temos nós em varios ramos de Policia, e de Administração, mas não he possivel conseguir que se executem; se ellas se executassem ha muito que as Provincias estarião em tranquillidade, ou não teria havido perturbação d'ella; mas todos os nossos males vem dessa origem : já são conhecidos muitos meios de fazer o contrabando no Porto, em vista da Lei actual, e tenho por certo que, admittido o deposito, logo a malicia excogitaria outros novos para illudir esta Lei. Portanto opino pela rejeição do Artigo em ambas as suas partes; e se he facil a fiscalisação quizera que primeiro se fizesse esse ensaio com a Lei actual, e depois votaria pela primeira parte.

O Sr. Miranda: - A grande discussão, que hontem houve sobre esta materia, e que ainda hoje continua, mostra bem a importancia d'ella; e a importancia he tanto maior, quanto mais differentes são os interesses das diversas Classes da Nação. Os interessados em geral são os Lavradores, os Consumidores, os Rendeiros, os grandes Proprietarios, os Commerciantes, os Contrabandistas, e os Financeiros. Vejamos pois quaes são os interesses d'essas differentes Classes: o Consumidor deseja que sempre se venda o pão pelo menos preço possivel: o Lavrador, quando he abundante a colheita deseja que tenha grande preço para poder lucrar mais na venda; mas no anno escaco tambem o quer barato, porque tem precisão de o comprar para sua familia: os Rendeiros, e os Commerciantes desejão em todo o caso que o pão tenha o mais alto preço possivel, e o mesmo os grandes Proprietarios: os Contrabandistas querem grandes restricções, porque assim fazem melhor o seu negocio, e os Financeiros grandes Direitos; mas nós não devemos considerar nenhuma classe determinada, e só devemos ter em vista o bem geral da Nação. He necessario que consideremos as circumstancias, e qualidades particulares, em que se achão os Cereaes, era ordem aos generos e mercadorias em geral: os Cereaes são tambem generos, he verdade, são mercadorias, mas são generos, de que depende a subsistencia pública, e a tranquillidade dos Povos. Olhêmos por este lado a questão, e não nos regulemos somente por systemas e vagas theorias, como poderia fazer-se n'uma Academia. Os Cereaes, por serem na Europa a base do alimento dos Povos, merecerão sempre uma particular attenção da parte dos Governos. Nos tempos da antiga Roma sempre houve cuidado em estarem abastecidos os Celeiros Publicos, a fim de evitar tumultos populares; e na idade media havendo decahido a Agricultura com a invasão dos Povos do Norte, a fome, mais que outras causas, concorrêo para as epidemias, que então despovoarão Nações inteiras. Os nossos Reis antigos cuidarão sempre em favorecer a Agricultura, e os Lavradores, aos quaes chamavão os nervos do Estado; e se os meios de que se servirão não erão os melhores, ao menos estavão bem convencidos da importancia e attenção particular, que a Agricultura merecia. Lembremo-nos do que acontecêo em França por occasião da esterilidade de 1814, e as grandes providencias, que então dêo o Governo d'aquella Nação.

Lembremo-nos, que os factos ainda são recentes, do que o anno passado acontecêo em Inglaterra, por occasião dos tumultos dos Officiaes das Fabricas em alguns Condados, especialmente em Manchester, tumultos que não tiverão outra origem senão o barateio dos jornaes, e o preço subido do pão, tumultos que obrigarão o Parlamento a tomar serias medidas para a introducção de Cereaes Estrangeiros, sem a ruina da Agricultura Ingleza, para o que se informou de facto isto he do preço do Trigo nos Paizes productores, como a Polonia, e dos preços porque se poderia vender em Inglaterra sem o desalento dos Cultivadores. Assim se discorre em Inglaterra, e não com principios vagos de systemas abstractos. Tem-se argumentado com os principios de economia politica, porem deixemo-nos de theorias, quando estão em contradicção com a experiencia.

Argumentou-se com a Inglaterra; mas, torno a dizer, que fez a Inglaterra? O Governo vio-se muito embaraçado, mandou commissionados a todos os pontos, onde se produzião Cereaes, e depois das informações destes, fez acaso uma Lei geral? Não, Senhores, fez uma Lei provisoria. He necessario que

45 A

Página 356

(356)

pensemos bem n'isto: he necessario sabermos se a Lei de que se tracta he uma Lei provisoria, ou uma medida geral; se he uma Lei provisoria para este anno, ainda assim mesmo deveremos pedir ao Governo informações, mas estabelecer uma regra geral para todos os casos he realmente um absurdo. Eu acho ate muito singular que uma Lei tão complicada, que tem dado muito em que pensar a todos os Governos, venha agora apresentar-se á consideração da Camara n'um pequeno Artigo. Esta Lei precisa de muita meditação; em quanto a mim confesso que me não acho em situação de poder decidir tão de repente sobre a materia. A minha opinião he que se declare simplesmente na Lei, de que he additamento este Artigo, que em quanto aos Cereaes se observarão por agora as Leis existentes. Se ha inconveniente, faça-se uma Lei provisoria destacada deste Projecto; mas se sã tracta de fazer uma Lei geral de Cereaes, nomêe-se uma Commissão, que com madureza examine o Negocio, e então se verá o que se ha de fazer. Isto pelo que pertence á primeira parte do Artigo.

Em quanto á segunda, que tracta de admittir os Cereaes para deposito, tambem a não posso approvar. Debalde se tem cançado alguns Senhores em dizer, que ha de haver um bom Regimento, que evite as fraudes do Contrabando, e que ha de haver uma fiscalisação; eu, sem que haja uma boa reforma nas pessoas não posso ter confiança nas Leis, por melhores que sejão. O estado de desmoralisação pública, a que tem chegado a Nação, difficilmente se corrige n'um momento por meio das Leis. (O illustre Deputado lêo um calculo, mostrando a differente entrada de Trigo em Lisboa em diversos annos, para mostrar que não podia ter sido consumido todo na Cidade, deduzindo que se linha feito muito Contrabando, e concluio, dizendo): Não, Senhores, por agora não admitto Deposito, em quanto não vir que as Leis são boas, e que são bons os executores d'ellas. Resumindo: a minha opinião he que, se he necessario dar uma providencia para este anno, que se dê, mas que seja destacada d'esta Lei; porém, se se tracta de fazer uma Lei geral, he preciso tomar quantos esclarecimentos sejão necessarios, e proceder com a maior circumspecção.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, eu adopto os principios, e apoio as consequencias do honrado Membro, que me precedêo. Quanto mais examino o Artigo, mais o acho contrario aos verdadeiros principios, porque nas circumstancias, que nos são particulares, se deve regular o seu objecto. Quanto ao Deposito. Eu nunca impugnei os Depositos: impugnei, e torno a impugnar os Depositos mal estabelecidos, como me parece o do Projecto. Todos os Escriptores Nacionaes, e Estrangeiros, que tractão a materia, são conformes em que taes Estabelecimentos se não devem plantar em Nações, que tem, e querem conservar a sua Industria, senão debaixo das condições de se guardarem exactamente as Costas do mar, as Barras, os Portos, as margens dos Rios, e os limites Continentaes. Esta providencia he tanto mais necessaria, quanto, como o esperão os seus Apologistas, a livre entrada dos Portos ha de chamar a Portugal grande número de Navios de todas as qualidades, que farão o Contrabando fóra do alcance dos Portos, e dentro dos mesmos; he tanto mais urgente, quanto á affluencia dos Navios, que estão, entrão, e sabem; proporcionaria correspondentes Contrabandos, não sendo prevenidos por medidas sufficientes. Estas medidas he que se não offerecerem, e sem ellas apparecerem reputarei sempre o Deposito como pouco, ou nada util para o Thesouro, e fatal á nossa Industria, principalmente á dos Campos. Disse o Sabio Auctor do Artigo que o Contrabando he um pigmeo, quando se examina aos olhos da razão, que desapparece com um sôpro; e todavia confessa que se faz um exorbitante Contrabando á sombra das franquias; e ainda não houve quem soprasse este pigmeo!!! Então que deveremos esperar agora, ficando existindo as franquias como d'antes, e de mais a admissão livre para Deposito, e a livre admissão para Consumo? Que deveremos esperar, quando o augmento de Direitos augmente a tentação, e o interesse do delicto; e isto na presença de novas facilidades para o cometter impunemente? Disse-se que o argumento do Contrabando era uma chiméra, que nem sequer se devia produzir. Pois houve já algum Governo, que não fizesse caso do Contrabando? Não certamente, porque ainda não houve um só, que não fizesse caso de Direitos, se por acaso houve algum, que não fizesse caso da prosperidade, o industria Nacional. Alem disto: os Interpostos Reaes, quando não são estabelecidos n'um local apropriado para garantir ao Governo os seus Direitos, e ao Commercio a vigilancia da sua propriedade, em vez de attrahirem os Commerciantes, não fazem mais do que affugenta-los: assim acontecêo na França, quando pelo Regulamento de 1815 se organisou o Entrepot, de Marselha. Chaptat, que tambem he Economista, e Economista, que escreve sobre muitos conhecimentos de facto, porque andou pelas Officinas do Artista, presidio a emprezas agricolas, viajou muito, e foi Ministro d'Estado, logo profetisou o máo resultado deste vicioso Estabelecimento, e sua profecia não foi vã: eu temo igual desastre para o nosso Interposto, e por isso embora o tenha para outras Mercadorias, mas não o experimentemos em um objecto do nosso maior, e mais geral interesse. Talvez eu esteja enganado; não terei nojo por isso. Possa o Illustre Administrador da Alfandega de Lisboa, quando no anno seguinte aqui nos ajuntarmos, dizer-me: vós estaveis no erro, vinde, e vêde: ahi tendes o Erario enriquecido com os Direitos do meu Deposito, e toda a nossa Industria, em vez de abatida, animada! Parabens ao bem feitor da minha Patria, lhe tornarei docil, e agradecido, ampliemos já o Deposito a todos os Grãos estrangeiros.

Pelo que pertence á livre admissão para o Consumo, ainda menos me conformo; e, como se tem produzido já provas exuberantes para a combater, limitar-me-hei a impugnar o unico argumento especioso, que se tem produzido para o sustentar: este argumento consiste nos oitocentos contos, que os Senhores, que defendem esta parte do Artigo, sem nos fazerem mercê dos elementos do seu calculo, deduzem de interesse para o Thesouro. Mas eu não descubro razão alguma para um augmento exorbitante do producto do Imposto dos Cereaes despachados para Consumo, sã não he a progressiva decadencia da nossa Lavoura, que se ha de seguir á livre admissão dos Grãos estrangeiros.....Mas já entendo, Sr. Presidente, não he

Página 357

(357)

o augmento de Direitos, que ha de enriquecer o Thesouro; ha o transporte destes Direitos, que se ha de fazer do Cofre do Terreiro para o Erario. Até aqui o producto do Imposto do trigo, e mais Cereaes, despachados para Consumo, era applicado para o reparo das Estradas, Canaes, Pontes, Fontes, e do mais, que directa, ou indirectamente (palavras da Lei) contribue para o melhoramento da Agricultura. Eis-aqui o que fazia o Governo d'El Rei; e agora, os Procuras dores da Nação são de desviar este rendimento de tão proveitoso, e nacional destino? Pois não he interessante ao Commercio, tanto como á Agricultura, e não he util ás mesmas Artes o haver boas Estradas, e Canaes para se navegarem, e viajarem os seus productos? Será perdida poro o Thesouro a despeza, que se faça com semelhantes Obras, que tanto devem influir na riqueza publico? Admittindo mesmo que uma tal applicação da renda do Imposto dos Cereaes fosse um beneficio especial para a cultura, deverá nunca remover-se do seu destino? Eu não quero fomentar a Lavoura á custa das Artes, e do Commercio, como se me tem attribuido. Não sou eu aquelle mesmo, que tem aqui pugnado pelo favor da nossa Industria, tanto em beneficio do nosso Commercio: e das nossas Fabricas, como da Navegação? Pugnando porem mais especialmente por todos aquelles meios, que podem promover o progresso da cultura das nossas terras nas circumstancias, em que nos achâmos, sem Minas, sem Diamantes, sem Monopolios, com poucas Fabricas, mas com um Sólo fertil, e em grande parte inculto, não procura nisto mesmo o que mais pode aproveitar ás Artes, e ao Commercio, principalmente ao interno, de todos o mais productivo para as Nações? Eu chamo todos os Economistas em meu favor; e diga-se-me se não he a marcha natural, que todos apontão ás Nações, que querem fazer verdadeiros progressos de prosperidade? da Agricultura para as Manufacturas, das Manufacturas pura o Commercio interno, e do Commercio do Paiz para o estrangeiro he que se endireita a estrada da solida riqueza. Não se forcem pois os Capitães, e a Industria para as emprezas agricolas, mas convidem-se para alias, protegendo-as ; porque, se outras em prezas podem ser mais uteis para os individuos, nenhuma outra o he igualmente para os Estados; só depois que um Capital está fixado na terra he que se pode considerar verdadeiramente como parte do patrimonio da Nação; e em quanto nós tivermos Paúes para desseccar, taes como o d'Assecca, que no tempo de Luiz Mendes de Vasconcellos rendia 400 moios, e terras maninhas, taes como muitas do Alemtéjo, que sendo roteadas, e postas em regular cultura, produzem quinze, e vinte por uma semente, não teremos feito assas em beneficio da Agricultura, que em tempos mais ditosos nos habilitou para sermos Navegadores, e Commerciantes. Em consequencia de todas estas considerações, e das mais, que produzirão os honrados Membros, que fallarão no mesmo sentido, insisto na rejeição de ambas as partes do Artigo.
O Sr. Barreio Feio: - De todas as razoei, que até aqui se lem produzido a favor do Artigo, a que mais attendivel me parece he: Que influindo a carestia do Pão sobre a carestia da mão de obra, se admittirmos os Cereaes Estrangeiros, com a concorrencia destes abaterá o preço dos nossos e não só poderão as nossas Manufacturas concorrer no Mercado com as das outras Nações, mas o Thesouro Publico se verá logo atulhado de ouro com os Tributos da importação (como se por coda milhão, que entrasse no Erario, não sahissem dez ou doze para fora do Reino). Mas a questão he se deveremos comprar o Pão mais, ou menos caro; mas se o deveremos comprar, ou se deveremos comprar aos nossos, empregando essa Capital em augmentar a nossa Agricultura, ou se o de veremos dar aos Estrangeiros para augmentar a sua, e pagar aos seus Jornaleiros, em quanto os nossos morrem de fome, por não terem quem os empregue.

N'uma das Sessões antecedentes asseverou nesta Camara o Sr. Bittencourt que nos cinco annos, que decorrerão de 1814 até 1819 só do Porto de Lisboa sahirão cincoenta e quatro milhões a troco de Cereaes Estrangeiros. Ora: se estes cincoenta e quatro milhões se tivessem empregado no melhoramento da nossa Agricultura, certo me concederão (porque o não podem negar) que bem outro seria o estado della, e que, em lugar de comprarmos o Pão, talvez o vendêramos hoje.
Mas, voltando agora ao principio, em que mais se estribão os que sustentão o Artigo: = Que a carestia, do Pão influe sobre a carestia dos Artefactos, = muito de boa mente lho concedo; mas para delle tirar mui diversa consequencia. Se onde o Pão he caro hão pode ser barata a mão de obra, confessado está pelos mesmos, que o pertendem negar, que a Agricultura se deve antepor a tudo, porque della tudo depende; e, onde ella não florece, não pode florecer a Industria. Ora: a Nação, que importa Pão, não o pode termais barato, do que as Nações, que lhe vendem: logo, ns suas Manufacturas não podem concorrer com as dellas no Mercado. Assim : para os convencer não preciso das minhas armas; as suas proprias me bastão.

Tem-se lançado em rosto aos que se oppõem ao deposito, que o fazem por uma só razão, o receio do Contrabando; e eu sinceramente confesso que o faço por este só receio. E dir-me-hão que lie mal fundado? Nesta desgraçada época de infamias, em que o Militar por dinheiro deserta das Bandeiras, e coar a espada na mão assalta a Patria; o Juiz condemna o innocente, e absolve o culpado; e o Ministro do Altar enxovalha a Relligião, que professo; nestes corruptissimos tempos, em que não ha nem Fe. nem honra, nem probidade, nem Patriotismo, nem Religião; era que as paixões podem mais que as Leis, e a sede de ouro mais que tudo, dir-me-hão que sou injusto se desconfio dos Fiscaes, e Guardas de Contrabando? Pois se o disserem, digão muito embora, que eu voto contra o deposito, e votarei contra tudo, que não soja estabelecer um preço regulador, com todas as mais cautelas, que forem poderosas para impedir o abuso, e o Contrabando. Eu bem sei que ha um déficit de quatro mil coutos; que o Estado precita de dinheiro; mas ou se contra lia Emprestimos, ou se lancem Contribuições menos ruinosas ao Publico, e que revertão a beneficio do Estado, e não a beneficio dos Estrangeiros.

O Sr. A. J. Claudino: - Sr. Presidente, a materia dos Cereaes pude encarar-se debaixo de dous pontos de vista, = Commercial, e Agricola. = Em quanto ao primeiro, está o Artigo conforme aos principios tão gabados de Economia Politica; em quanto porem ao segundo, eu o julgo ruinoso. Estou convencido que

Página 358

(358)

os dous mananciaes da Prosperidade Publica, Sr. Presidente, são o Commercio, e a Agricultura; porem a Agricultura he um ramo incomparavelmente mais proveitoso, porque sem Agricultura não pode florecer o Commercio. Diz o Sr. F. J. Maya que em Portugal ha grandes Proprietarios, e que porisso a Classe dos Lavradores he pouco numerosa; isto porem não he exacto: em Portugal não temos grandes Proprietarios, porque mesmo os grandes Senhores tem poucos Bens Patrimoniaes; e, se abundão em rendas, he porque - comem bens da Corôa, e Ordens: as Propriedades estão muito divididas, e por isso he numerosa a Classe da Lavoura, que se deve proteger; ella já está tizica, e definhada, e se admittirmos os Cereaes lhe darêmos o ultimo golpe mortal. Sr. Presidente, temos Terras muito ferteis; cultivem-se, diminuão-se os impostos á Agricultura, e em pouco tempo teremos Pão de sobejo, visto que a planta, que o produz, nasce, cresce, e colhe-se em poucos mezes. A idéa da fome entre nós he chimerica; ternos Pão para muitos mezes, apenas nos falta para alguns dias do anno, e ternos para supprir a falla as batatas, e outras raizes, cuja Agricultura devemos promover, e prolegar. Passarei a faltar do Contrabando; o deposito dos Cereaes seria o foco do Contrabando, e não se poderia evitar este mal. Muito trabalhou para evitar os Contrabandos o Intendente Geral da Policia, Manique, o maior perseguidor dos Contrabandistas; mas nunca o conseguio: a asserção do Sr. Mouzinho da Silveira he exacta: destacamentos de Tropa encarregados de obstar aos Contrabandos nas Fronteiras erão os mesmos, que protegião os Contrabandos dos Cereaes; e se esta Classe, sujeita á disciplina, e á subordinação, se deixava seduzir pelo ouro, o que não farão um bando de Malsins, e Esbirros, e em honra, e sem subordinação? Sr. Presidente, tendo-se discutido esta materia com tanta amplitude, nada reais resta a dizer: por tanto rejeito o Projecto em toda asna generalidade, pelo achar ruinoso para a nossa Agricultura.

O Sr. Pereira do Carmo: - O Sr. Mouzinho da Silveira, principal mantenedor deste Additamento, ou antes deste novo Projecto sobre Cereaes, disse hontem cousas bem extraordinarias, quando se tractou da materia na sua generalidade. Veio depois o Sr. Francisco Antonio de Campos em seu auxilio, manifestou opiniões um pouco menos singulares: referirei algumas. Disse o Sr. Campos que não deviamos favorecer a Agricultura, para não atrahirmos para este ramo os Capitães, desviando-os de outros destinos. Tem razão o Sr. Campos. Não he mais vantajoso á Nação que duas terças partes do seu Territorio estejão cobertas de Pantanos, e de Charnecas, do que de louras Searas? Este mimoso quadro toca mais sensivelmente a rizonho imaginação dos Poetas, do que a sombria imaginação dos Economistas. Disse mais, que O Commercio devia ser animado de preferencia; o que para mim foi uma descoberta, porque segundo a minha escalla economica ponho a Agricultura um primeiro, lugar; a Industria no segundo; e o Commercio no terceiro, pois se alimenta do producto das duas outras. Voltemo-nos agora para o Sr. Mouzinho da Silveira. Este Senhor precipitou-se hontem com furia patriotica sobre a Lei dos Cereaes, e a fez em pedaços. Disse que todos os Portuguezes seriamos felizes, se acaso he deixassem entrar por essa Barra dentro todos
os Cereaes Estrangeiros, sem estorvo algum. Esta sua opinião não he nova: assim o pensarão os nossos Maiores, e com particularidade os Cortes de Lisboa de 1641; porem bon amostra tivemos desta grande felicidade publica em todos os annos que durou a invasão Grega. Acrescentou: que tão mal calculada foi a Lei dos Cereaes, que ate forçava á Agricultura das más terras (palavras proprias). Ora: eis-ahi como são as cousas! Aonde o Sr. Mouzinho encontra motivos para satyra, acho eu motivos para elogio! Todas estas opiniões relevaria eu ao Illustre Preopinante, se elle não avançasse, que a referida Lei impunha um tributo pezadissimo a todo o Reino, a favor de uma só classe; a dos Lavradores. Esta propozição he falsa, e até sediciosa (com perdão do Illustre Deputado): he falso, porque a Agricultura he quem em ultima analyse introduz o sangue nas arterias do Corpo Politico da Nação: he sediciosa, porque tende a promover, e acanhar a guerra surda, que existe, desde que ha Sociedades Politicas, entre o pobre, e o rico; entre o proprietario, e o não proprietario. Demais: todos nós somos contemporaneos de um facto, que desmente a theoria do Sr. Mouzinho. Em l818, e 1819 chegou-se a vender um alqueire de Milho, era algumas terras da Beira, a 120 réis, entretanto o Povo não tinha dinheiro para o comprar; estava morrendo de fome no meio da fartura dos generos Cereaes. Como explicar este singular fenomeno? Explica-se naturalmente: o Lavrador não apurava o seu Pão, e não tinha dinheiro para pagar ao Jornaleiro, ao Artista, e ao Commerciante. Logo todos os favores concedidos á Agricultura reflectem sobre todas as classes da Sociedade, porque todos vivemos directa, ou indirectamente da Agricultura, Não contente de ler assim desacreditado a Lei dos Cereaes, voltou-se o Sr. Mouzinho para os Lavradores, a quem arguio de fazerem despezas exorbitantes, e terem um luxo excessivo. Mas para que ha de o illustre Preopinante lançar em rosto aos Lavradores um vicio, que tem a sua origem na podridão geral dos costumes! Se entre nós se honrassem as virtudes modestas, publicas, e particulares; se os homens se medissem pelo pezo, e não pelo feitio, então eu lhe certifico, de que entre nós haveria tambem Fabricios, e Cincinatos.

Não me he possivel seguir os meus Illustres Adversarios ás elevadas regiões da theoria: os meus voos são mais rasteiros, apego-me aos factos, e elles me bastão. Tenho por facto certo, e constante, que os nossos Cereaes não podem sustentar a concorrencia dos Cereaes estrangeiros no mercado publico: o Pão Estrangeiro tem a seu favor a maior fertilidade de terreno; a menor despeza no costeio; e o alivio total, ou quasi total, dos Impostos. O Pão Nacional temi contra si a menor fertilidade do terreno; a maior despeza do costeio; e o pezo incomparavel dos Tributos, mormente daquelles que são impostos pelos Foraes, intoleravelmente pezados (não sou eu que lhe chamo este nome, he a Carta Regia de 7 de Março de 1810). Se pois o Lavrador não pode sustentar a concorrencia no mercado publico, segue-se que não pode vender: se não vende, não semeia, e a Agricultura Nacional perde-se. Para aqui he que eu chamo os meus Illustres Adversarios, em vez de divagarem pelo emmaranhado labyrintho das theorias, cujos principios podem ser verdadeiros no seu enunciado, mas que de certo

Página 359

(359)

são defeituosos na sua applicação ás nossas peculiares circumstancias. Respondão concisamente ao meu raciocinio; mostrem se está, ou não bem encadeado, e apontem a sua falta de exactidão. Isto pelo que pertence á materia em geral.

Descendo agora ao Artigo em particular, eu o rejeito em ambas as suas partes, não pelo receio do contrabando, a quem o Sr. Moutinho chamou Adamastor: não temo o Gigante, uma vez que se pagua bem aos fiscaes, e que se enforque o primeiro que prevaricar. Não porque esta medida desagrade ao Povo, como disse hontem o meu Honrado Amigo, o Sr. Girão: temos rigorosa obrigação de servir bem o Povo, porque lie nosso dever, e porque tambem he a unica maneira nobre de lhe recompensarmos a honra, a que nos elevou, elegendo nos seus Representantes; mas nada de lizongear o Povo. A razão particular em que me fundo he, porque estou persuadido que nenhuma Nação se deve reformar á desfilada, quer seja na parte política, quer na economica: e por isso desejava eu livrar está Camara da nota de precipitada, oppondo-me a que sanccionasse um Artigo, que de uma só pancada deita abaixo as Leis dos Cereaes, feitas com tanto vagar, e madureza. Façamos um ensaio; esperemos mais algum tempo, e se virmos que estas Leis impedem o proveitoso desenvolvimento da Lei do Porto Franco, então as derogaremos com conhecimento de causa: por ora concluo a favor do Additamento, que hontem mandei para a Mesa, a saber : = O Commercio dos Cereaes será regulado pelas Leis existentes, em quanto não forem convenientemente alteradas.

O Sr. Bettencourt: - Sr. Presidente: o Artigo addicional sobre Cereaes, feito pela Commissão da Fazenda, e só por um dos seus Membros assignado, era a Ordem do dia de hontem; por um ataque que me sobreveio estive de cama, e não pude vir, como muito desejava: cuidadoso sobre o resultado desta importantissima materia, preguntei á noite a um Collega, que me ouve, qual tinha sido a decisão da Camara; disse-me que ainda se não tinha decidido, e que hoje era novamente posto em discussão; então fazendo das fraquezas força, venho para dar o meu voto em materia, que julgo da maior transcendencia para a Nação.

O Artigo addicional, que se apresenta á discussão, he tão sabiamente escripto, e contem doutrinas tão vantajosas ao Commercio, que eu não passo deixar de o approvar, com tanto que o seu Auctor me possa provar que a sua execução pode ser regular na pratica , evitando o contrabando; e que de um Deposito, Franquia, e Baldeação, não resulta prejuizo, e damno á nossa Agricultura. Ora: isto he que se me não pode provar, porque contra a experiencia, e fados, não se pode responder, como mostrarei com Documentos authenticos; logo o meu voto he contra o Artigo, por ser contra os interesses da Nação; principalmente a importação das Farinhas, sempre objecto de prohibição na nossa Legislação, como se vê do Alvará de 23 de Abril de 1783, que as prohibe inteiramente, por serem immediatamente prejudiciaes á nossa melhor Propriedade, qeraes os Moinhos, e Azenhas, em que se empregão muitos braços nacionaes indigentes; e por experiencia muito fataes á saude publica; pois he constante que se mistura nas Barricas muita Farinha de raízes, e de ossos, sendo approvadas, de serem vistorizadaa.

A questão pois reduz-se:

1.º Convém estabelecer-se o que faz o objecto do Artigo addicional?

2.º. Preenchem-se os fins que se pertendem, com o Deposito, Franquia, e Baldeação dos Cereaes?

Eu digo: que nem convém estabelecer-se, nem rezultão os fins, a que se propõe o Auctor do Artigo: eu o passo a demonstrar; e como não tenho sido impertuno nesta Assembléa, peço a sua indulgencia hoje, porque de necessidade ha de ser mais longo o desenvolvimento do meu voto, pois que he indispensavel apresentar alguns Documentos, que provarão a minha opinião (alguns Srs. Deputados apoiarão).
Não convém estabelecer-se o Deposito de Cereaes Estrangeiros em Lisboa, e no Porto, porque era infallivel o prejuizo da nossa Industria Agricola, pela introducção de taes generos; nós decaiamos desse tal, ou qual progresso, que temos feito em nossa Agricultura, consequencia da Legislação que nestes ultimos annos nos tem governado, e actualmente nos governa; e animavamos a dos Estrangeiros, como já aconteceo em outro tempo, como mostrarei logo; porque a pratica he a melhor mestra de Economia Politica: he verdade que, abstractamente faltando, o melhor estado de cousas em Commercio seria a liberdade absoluta de negociar, sem Lei alguma que a coarctasse; e he tambem certo que tributos só são bons para o Thesouro Publico; mas as circumstancias da nossa Nação permittem acaso esta liberdade? Pelo mesmo principio, porque se quizesse animar o Commercio, por esse mesmo se destruiria; e a Agricultura ficaria da todo arruinada; porque sem esta não haveria que vender, e sem se vende; não se pode comprar; e por isso lie hoje reconhecido pelos melhores Auctores da Economia Politica que o principio da liberdade absoluta do Commercio não he admissivel em toda n sua extensão; assim como o não são muitos outros principios adoptados cegamente, por espirito de systema, porque geralmente às theorias não se fundão nos factos, mas querem-se acomodar os factos aos systemas.

A liberdade absoluta permittida no Commercio dos Cereaes a alguem aproveitaria; mas não era por certo á Nação; o Negociante de boa fé não poderia competir com o Contrabandista, e veria mallogrado o resultado de suas especulações feitas debaixo de calculo mercantil: o Proprietario de terras só veria mas circumstancias de não poder vender os seus Generos Cereaes pela concorrencia destes generos Estrangeiros, que muitas vezes, ainda pagando grandes Direitos, só podem vender por menos que os nossos: as riquezas crião-se, não nascem; deixando-se de trabalhar não se crião riquezas, e não ha que vender; porque, não vendendo o Proprietario e o Lavrador , o producto dos terras, he claro, que não podo dar que fazer ao Jornaleiro, e ao Official, e quando estas classes não ganhão, não podem comprar; e eis aqui como pelo mesmo meio, porque se quer favorecer o nosso Commercio, este e aniquilla, e a nossa Agricultura ficaria de todo arruinada; he pois por estes principios que digo, que não convém estabelecer-se o Deposito, e franquia de Generos Cereaes Estrangeiros; que posto que possão dar algum rendimento ao Thesouro Publico, he todavia muito prejudicial pelo que fica dicto; e só seria util á Agricultura, e Commercio dos Estrangeiros, e Contrabandistas.

Página 360

(360)

Acaso preencher-se-hião os fins que se pertendem? Digo que não: a introducção do Contrabando he prejudicial ao Thesouro Publico no desfalque dos Direitos, e aos Negociantes de boa fé como já disse, e fatal á Agricultura; ha de existir em quanto houver interesse em se fazer; a mesma vastidão do Porto de Lisboa, que se inculca como uma condição vantajosa para o estabelecimento do Porto Franco, offerece a facilidade do Contrabando; o nosso Porto tem uma circumferencia de mais de doze legoas, e por isso he muito difficil de se guardar; Cadiz, Gibraltar, Malta, Genova, são Portos mui circumscriptos; uma lancha surta no meio delles, ou uma sentinella em uma Torre os vigia: quantas Bichas serão necessarias para acautelar o Contrabando desde Cascaes até Sacavem, havendo tantos Armazens ao Norte e Sul do Tejo? Não ha Armazens, nem Tercenas proprias, e feitas por conta do Estado para estes Depositos; porem ainda quando estes se podessem arranjar, servindo até para este mesmo fim, pela sua localidade, parte do grande edificio da Cordoaria, aonde estão os homens capazes para serem Guardas de tantos Navios, que prefirão ganhar com honra o tenue sallario de Guarda, á seducção do interesse que lhes resulta, de deixarem sahir de bordo as Fazendas, porque receberem premios avultados em relação aos seus teres? He necessario contar com os homens como elles são, e não como elles devem ser, principalmente em uma epoca tão calamitosa, como a em que nos achamos, na qual elles já contão com a impunidade, visto que ha muita dificuldade em se lhes provar o Contrabando; visto que este dá todos os meios e recursos para se comprar. Tem Testemunhas, e illudir a Justiça: o luxo, e a immoralidade estão no seu auge; e desta maneira, Senhores, os resultados praticos hão de forçosamente supplantar, e inutilizar as theorias; porque na resolução do Problema não entrou um Dado, e que se devia attender.

Não se julgue que não ha Contrabandos, porque a Alfandega rende mais; isto não he exacto, a Alfandega rende mais porque se melhorou muitissimo a Fiscalisação interior da Alfandega, e se evitarão os descaminhos dentro della; já hoje se não despachão pannos finos, dizendo que são grossos; a medida está reformada o fiscalisada, e já não sahem, como cahião duzentos Covados, por exemplo, pagando só noventa, como se fazia, e outros muitos abusos; toda esta reforma he devida aos cuidados, zelo, e incansaveis fadigas do actual Administrador da dita Alfandega: porem o Contrabando existe fora, e ha de existir sempre em quanto houver interesse de o fazer; só não ha Contrabando aonde não ha interesse de o fazer, por exemplo em Hamburgo, porque sendo os Direitos de 2 ou 3 por 100 ninguem quer arriscar a sua fazenda por tão pouco: os Generos Cereaes no Porto de Lisboa tentão ao Contrabando, e os mesmos, que são destinados a guardar os Navios, são os que o promovem; e, quanto maior porção de Cereaes entrar livremente em Lisboa, maior será o Contrabando: pois se o Porto de Lisboa he frequentado, como convém ás Nações do Mediterraneo, e mesmo ás do Baltico, não irão levar as suas cargas de Trigo jo Gibraltar, a Cadiz, a Malta, a Genova, mas sim a Lisboa (que será o Seleiro Geral de todo o Mundo, dos sobejos de Cereaes que não poderem consumir nos seus Paizes (por que achando aqui para levar os mesmos retornos, que tem nos outros Portos, não achão nelles a venda das suas cargas, e do Contrabando como encontrão em Lisboa; e desta concorrencia nascerá a ínfima barateza do genero, com que por ora não podem concorrer os nossos Cereaes, porque ainda se não tirarão os onus e encargos que fazem gemer a nossa Agricultura, e de que a dos Estrangeiros está livre = esta assersão he provada já no nosso Reino, como logo mostrarei authenticamente = accrescendo a isto que os Navios do Baltico para ir para os outros Portos passão nas alturas de Lisboa, e fica-lhe a viagem mais breve, e até nem elles, nem os do Mediterraneo podem trazer as suas cargas de Trigo se não aqui, logo que haja essa liberdade absoluta de entrada, porque só aqui as podem vender com vantagem. Para aprovisionar, o que falta em Malta para o seu consumo, e para Gibraltar sobeja muitissimo a producção das Baleares, e da Sicilia, o todo o Trigo do Mor Negro, transportado pela maior parte pelos Gregos, como já experimentamos, quasi que não tem solida se não para Lisboa, aonde virá tambem parar o excedente da Sicilia; donde concluo, que será uma immensa introducção de Generos Cereaes neste Porto; que sendo sobejo das producções Estrangeiras, e do seu consumo Im de gastar-se em Lisboa, ou ás claras, ou ás escuras, até porque a humidade deste Porto, e as Tercenas conservão pouco os Cereaes; e neste conflicto ha de por certo procurar-se consumo; e quem ha de ser a victima nesta hypothese, que eu vou mostrar que já foi entre nós experimentado? A nossa Agricultura, o Thesouro, a Nação inteira!... Esta liberdade absoluta a alguem aproveitaria. Ouvi dizer que hontem se tinha dicto, que alguns Senhores Deputados, que se oppunhão á materia do Artigo, favorecião só a classe dos Lavradores contra o geral da Nação; e eu hoje direi, que os que defendem o Artigo absolutamente, favorecem a classe dos Contrabandos, contra as mais classes.... He um erro em que estão alguns Senhores Deputados, em se persuadirem, que a causa dos Cereaes ha só dos Lavradores = he a causa geral da Nação, e dos Proprietarios. = A classe dos Lavradores he a mais desgraçada de todas as da Sociedade: são desprezados, são infelizes, são uns escravos que estão a trabalhar um anno inteiro, sujeitos a soffrer a classe de gente mais rustica, e rude que ha, como são os Camponezes; a olhar sempre para o Ceo, porque a sua sorte depende das boas e regulares Estações, e muitas vezes quando estão a ponto de colher o fructo de seus trabalhos, e de seus suores, uma manhã de nevoa, uma cheia, uma secca, milhares de transtornos succedem, que os privão de todos os seus interesses; e perdem todos os seus capitães empregados; todos os seus esforços, cuidados, e trabalhos arriscados com o perigo mesmo da vida; ao mesmo tempo que as mais classes vivem nas Cidades, no gozo e na paz, sem soffrerem taes revezes; e diz-se que são opulentos? Suo miseraveis, pobres, e escravos, que trabalhão para sustentar as grandes Povoações, como esta Lisboa, Cabeça enorme, que tem o Corpo nas Provincias, donde sahe todo o sangue e substancia; se não revoltar algum numerario para as Provincias, o que só pode conseguir-se pelo resultado da venda dos generos que a terra produz, este Corpo ficará tysico; dos Provincias vem para Lisboa Deci-

Página 361

(361)

mas, Maneios, Sizas, o producto de Quartos, Direitos de Jugadas, de Foraes, Rendas de Fidalgos, de Commendas, de Barcas, tudo caminha para Lisboa: como se ha de isto sustentar, se não voltar para as Provincias algum dinheiro: lá não ha Commercio, não ha Ordenados, (só se ha em algum Juiz de Fora) todos por lá vivem da terra, esta materia prima de Agricultura!... Prohibio-se nesta mesma Lei o Vinho, Agua-ardente, Vinagre, etc., porque ha muito, e não se deve prohibir os Grãos porque he menos! ... E eu digo que por esta razão se deve prohibir, para termos mais Generos Cereaes, segundo esse mesmo raciocinio; porque ha muito Vinho, muito Sal, e muitos Porcos em Portugal, porque estes generos subirão a altos pregos, e todos se lançarão a fazer Vinhas, Marinhas, e a rotear Montados: o mesmo já tem acontecido com a Lavoura, porque a Legislação atéqui protegia este Ramo de Industria agricola, já vimos que em 1822 não entrou um unico Alqueire de Trigo em Lisboa, e em 1825 a colheita foi tal, que se vencêo todo o anno de 1825, e só se dêo entrada a oito mil moios em 15 de Novembro de 1826, por determinação do Governo: em consequência da marcha da Lei de 15 de Outubro de 1834. Ora: ainda hoje o existente no Terreiro he demais de dez mil moios, donde se segue que a entrada do Trigo Estrangeiro não supprio até este dia, porque existe mais dessa quantia que entrou; logo mesmo a colheita escassa de 1826 he maior do que se tem querido com muito estudo inculcar; logo a sustentação desde Agosto de 1826 tem sahido ou da producção do Paiz, ou então do Contrabando, accrescendo o gasto, que tem feito o Exercito Inglez.

Poderemos ter Pão da nossas Lavoura para a nossa sustentação, logo que ponhamos os meios para conseguir tal fim, o de maior transcendencia para a Nação; e para este bom resultado sigamos o que fazem as Nações, onde governa o bom senso, e uma boa economia; corno fazem os bons Chefes de Familia, que quando tem em casa o preciso não comprão de mais, e muito menos generos de facil corrupção.
Passarei, Senhores, amostrar por factos as theorias, que nem sempre podem ter um bom effeito: a experiencia do passado no nosso infeliz Portugal assas o patentêa; a Legislação que teve lugar, fundada em liberdade absoluta da introducção de Generos Cereaes Estrangeiros em Portugal, já sem Direitos, já com pequenos Direitos, e já com os maiores Direitos, que se julgava serem o mesmo que prohihir a entrada dos Generos Estrangeiros, e favorecer assim a Agricultura do Paiz, e enriquecer o Cofre do Terreiro, tudo foi baldado, e nada produzio effeito, se não a absoluta prohibição da entrada; e ao quando se conhecia que havia deficit, se concedia licença, para admissão de conta de moios determinada, ou quando o preço regulador chegava ao seu ponto, havia a entrada, que a Lei concedia. Esta he a marcha, que tem regulado melhor, a de que a experiencia tem feito conhecer bens inegaveis no augmento da Lavoura; fazendo que o Trigo em 1805 regulasse um preço muito mais baixo. O Governo, que existia em 1819, vendo que de todo ia a pique a Agricultura do Paiz; e, como elle mesmo confessa na Portaria de 11 de Maio do mesmo anno, que a importação extraordinaria, e illimitada dos Cereaes Estrangeiros tinha embaraçado a venda dos Nacionaes, com ruina da Agricultura Nacional, confirmados os clamores dos Proprietarios de Terras de Lavoura por uma Consulta da Real Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e Navegação, e Representações da Junta das Fabricas das Lezirias, e de algumas Camaras, tendo ficado já naquelle anno algumas Terras por semear, e tendo-se despedido alguns Rendeiros de outras para o tempo competente, determinou, primeira providencia, que os Trigos pagassem 80 réis por alqueire, e o Milho 100 réis.

Acaso esta providencia, que então parecêo muito violenta, produzio o effeito desejado? Não por certo; maior foi a entrada, e maior foi o Contrabando, o que mostra a segunda providencia, de 18 de Junho de 1819, a qual he concebida nos termos seguintes: = que estando perdidos os Proprietarios das Terras de Lavoura pela continuação da extraordinaria, e muito prejudicial entrada de Trigo Estrangeiro, pois tem mostrado a experiencia que não basta o augmento da vantagem ordenada pelo Aviso de 11 de Maio proximo passado, pague d'alli em diante cada alqueire de Trigo 200 réis, em lugar de 80 réis já estabelecidos!. . Parece, Srs., que quando se põe 50 por cento de Direitos he mais uma prohibição, do que admissão; pois não acontecêo assim, foi tudo pelo contrario: maior entrada de Trigo, e maior Contrabando; e paresse que os areas se tornavão em Trigo, o que dêo lugar á terceira providencia, em data de 14 de Setembro, que he a seguinte. Que repetindo na Real Presença de Sua Magestade os Proprietarios, Comarcas do Norte, e Sul do Tejo, como Representantes do Clero, Nobreza, e Povo dos seus Districtos, Juntas das Fabricas das Lezirias , Lavradores, e Rendeiros das Terras de Lavoura das Commendas, e Almoxarifados Reaes as suas Representações pela continuação da entrada do Trigo Estrangeiro , que embaraça a venda dos Nacionaes, com a ruina da Agricultura, não tendo sido bastantes as providencias, com que tem procurado occorrer sobre estes objectos; e tendo tambem sido presente ao mesmo Senhor a Consulta do Conselho da Fazenda, de 23 de Julho, a bem da Fazenda Real, e da Nação, contra a continuação da entrada do Trigo Estrangeiro, Sua Magestade, em attenção ao referido, manda interinamente, em quanto não determinar o contrario, que por quarenta dias continue a entrada de Trigos Estrangeiros, com o pagamento de vendagem de 200 réis por alqueire; mas, findo este tempo, seja prohibida por quatro mezes a importação de Trigo não Estrangeiro, e permittida a do molle com a vantagem de 80 réis por alqueire.
Esta terceira providencia assas mostra que naquelle tempo foi reputada como extrema, e heroica, porem nem por isso sortio effeito; e neste prazo de quarenta dias se enchêo este Porto de Lisboa de immensas Embarcações de todas as Nações, que tinhão sobejos de Trigos; e, como a França, de mais de uma colheita, a invasão Grega nos afogou, e nos constituio na maior fome, e miseria; porque no meio de tanta abundancia, como os Proprietarios não podião vender na concorrencia do Trigo Estrangeiro, que não sahia, porque não havia para onde o levar, porque todas as Nações tinhão sobejo, não tinhão fulto; e bom assim na concorrencia do Contrabando, que levava ás Provincias quasi dado o Trigo: os Officiaes, os Jornaleiros, os Empregados nas Fabricas, e muitas Classes labo-

46

Página 362

(362)

riosas, como Maritimas, não tinhão quem empregasse os seus braços, tudo só estagnou; e eisaqui provado como havia fome no meio de tanta fartura: as fendas desse calamitoso tempo ainda estão abertas, e gotejão sangue. O quadro, Srs., ainda que lastimoso, he verdadeiro!...A continuação das providencias assas o mostrão, bem como o nenhum effeito, que delias resultavão, porque o mal tinha vindo da Liberdade absoluta do Commercio Estrangeiro, só util para animar a Lavoura estranha, tentar, e sustentar mais o Contrabando. Dizião os Gregos naquelle tempo: ponhão os Direitos, que quizerem, comtanto que noa deixem entrar.

Assim se verificou outra vez com a quarta providencia, em data de 27 de Janeiro de 1820, a qual, sem preambulo, diz: = EI Rei Nosso Senhor he servido que do l.° de Abril em diante seja permitida nestes Reinos por mar, e terra a entrada de Trigo rijo Estrangeiro, pagando a mesma vendagem de 200 réis por alqueire, que pagava antes da sua prohibição; e continuando a pagar 80 réis por alqueire o molle, e 100 reis o Milho, e Centeio, tudo em quanto não ordenar o contrario. = Foi tal a introducção de Trigos, e mais Generos Estrangeiros, que não havião já Armazens aonde se recolhessem: tal foi o effeito desta quarta providencia, em que parece se tinha só em vista o axioma da Liberdade absoluta do Commercio, que em bem pouco tempo mostrou a experiencia a necessidade de uma quinta providencia, que he datada em 18 de Março de 1820. Foi presente a EI Rei Nosso Senhor a Representação, em que os Proprietarios, e Lavradores pedem novas, o eficazes providencias, que salvem a Lavoura destes Reinos, a qual se acabará de arrumar com a entrada de Trigo rijo Estrangeiro, por estarem cheios os Celeiros das Provincias, sem que bastem os Mercados Territoriaes para dar consumo aos restos colheita passada: não podendo os primeiros Supplicantes receber as suas rendas, individuo indispensaveis para fabricar as Terras, que os Colonos tem abandonado, e dar que fazer aos Artistas, e Officiaes mecanicos; tendo uns dos Segundos arruinados já abandonado a Lavoura, e estando outros sem meios para a sementeiras serodias, que são as que mais abastecem esta Capital, Sua Magestade, tomando em considerarão o referido, ha pôr bem mandar que no fim de quarenta dias, contados da data deste, fique prohibida a entrada de Trigo rijo, e Milho Estrangeiro nestes Reinos por Mar, e Terra, em quanto não ordenar o contrario.
A vista desta quinta providencia se deve reconhecer que ha muitos casos, em que as restricções são preferiveis ás Liberdades absolutas do Commercio, tão applaudidas por alguns Economistas Politicos, que com as suas themas naquelles infelizes tempos nos submergirão no maior abysmo. Não me posso dispensar de fazer menção da Sexta providencia, que nunca se poz em pratica, e que veio do Rio de Janeiro no § 4.º do Celebre Alvará de 30 de Maio de 1820, e que he da forma seguinte: = § 4.º Determino que o Trigo Estrangeiro, assim como o Milho, Cevada, Centeio, e Farinha Estrangeira, que entrar pela Foz nos Portos de Portugal, e Algarves, pague como Direito de entrada a Dizima a especie. A arrecadação se fará pelo Terreiro de (Lisboa, e nas outras partes pela Alfândega: e não se entenderá comprehendida a vendagem do Terreiro de Lisboa, de 20 réis por alqueire de Trigo, e 40 reis por alqueire de Farinha, destinada â manutenção daquelle Estabelecimento. Este Direito de Dizima em especie, ou o seu preço, quando estiver em Contracto, terá a mesma natureza, e applicação, que tem a Dizima, por ser justo não somente que a este subsidio, que se acha diminuto , decresça algum outro rendimento, mas tambem que o seja por este Genero, que se achava isento do Direito geral da Dizima por entrada, com oppressão dos Lavradores do Remo, quo pagão Dízimos dos seus Fructos. Permitto porem que nos annos de carestia possa haver convenções sabre a quantidade deste Direito com os importadores dos sobredictos Generos.

Tal foi, Srs. a Legislação d'aquella infausta época para os Proprietarios, a qual, não produzindo effeito saudavel, ficou em memoria, ainda hoje existem abertas as feridas daquella calamidade, procedida da Liberdade absoluta da introducção de Generos Cereaes Estrangeiros; eis aqui, Srs. os originaes Mappas da Estiva do preço do Pão, que o Administrador da Almotacena faz todas as semanas, em que pelas vendas dos Trigos, que se vendem no Terreiro, se faz no Senado o preço do meio do Trigo, para se vender o Pão ao Povo. Na semana de 4 de Janeiro de 1819 só vendêo no Terreiro Publico de Lisboa, de Trigo do Reino, e Estrangeiro, 539 moios, e 34 alqueires, sendo do Reino só dezeseis moios, e dez alqueires = (dêo o Sr. Deputado o dicto Mappa para correr pelos bancos) dizendo: vão estes Documentos para que os Srs. Deputados os leião, porque só assim se poderão persuadir do que me ouvem ter; porem peço que me tornem a mão, pois são Documentos, que muito estimo, e são testemunhos vivos da historia escandalosa d'aquelles tempos.

Na que finda em 25 do Janeiro de 1819 se venderão 700 moios, e 38 alqueires, sendo só do Reino 33 moios, e 38 alqueires. Na do 1.º de Fevereiro do mesmo anno se renderão total 812 moios, e 51 alqueires , sendo do Ramo 29 moios, e l alqueire. Na de 15 de Fevereiro do mesmo anno, total 1.077 moios, e 28 alqueires, sondo só do Reino 17 moios, e 22 alqueires. Na de 19 de Julho do mesmo anno se venderão total 1:103 moios, e 20 alqueires, sendo só do Remo 29 moios, e 31 alqueires. (Queria o Sr. Deputado lèr mais Mappas, porem disserão alguns Srs. que bastava.)

Acaso, Srs., não provarão estes Documentos authenticos da experiencia daquelles amargosos tempos os males, que padecêo a Industrio Agricola Portugueza com a introducção illimitada de Cereaes, e não ficarão bem provadas as minhas Proposições?... Sou Procurador desta importante Causa desde 1818, em que principiei a fazer Requerimentos ao Governo, que estão todos nestes dous Livros (que o Sr. Deputado mostrou): a pratica, e factos fazem desapparecer as theoria, e os Systemas de Economia Politica; eu os tenho lido, porem estes Documentos são para mim os melhores Alestres de Economia Politica; contra factos não ha argumentos. Eu vejo que as Nações mais civilisadas da Europa, aonde nascerão esses grandes Theoristas, e que tanto escreverão em Liberdade de Commercio, tem restricções no seu Commercio, e não usão dessa Liberdade absoluta: vejo neste mesmo Projecto prohibido o Vinho, Agua-ardente, Vinagre; e porque não hão de ser os Grãos, ficando existente a Legislação actual sobre Cereaes, até se alterar, quando se

Página 363

(363)

julgar conveniente, e pelos meios, e tramites, como o manda a Carta, e o Regimento interior? Ha de se derrubar uma Lei pela apresentação de um Artigo Addiccional, que não vem assignado por toda a Commissão de Fazenda, como está o Projecto, e só por um dos seus Membros? Não entendo, nem posso votar a favor de tal Artigo.

A materia, Srs. he de muita importancia: a Liberdade absoluta de Commercio de Cereaes em Portugal involve muitas considerações privativas ás nossas circunstancias, á nossa localidade, aos nossos meios, á nossa População; a nossa Agricultura he uma grande Fabrica, a da Lavoura absorve grandes Capitães, e por esta occasião lembro o desamparo, em que estão as Semearias no Alemtejo, que ale 1008 erão quasi todas habitadas, hoje estão abandonadas por causa dos assaltos, e ataques dos Salteadores, e Ladrões; dellas resultava art Publico Producções de Cereaes, e sustento, e criação de muitos Gados: se os Legisladores viajassem por esta Provincia, conhecerião as vantagens, que della se podião tirar; do desamparo das Semearia seguirão-se muitos males; estes habitantes vierão viver para as Povoações grandes, e d'aqui resultou o perderem os costumes innocentes, e o modo frugal, com que se alimentavão, e a maneira singela, com que se veslião: o exemplo fez com que entrassem em outro modo de vida; e o luxo, rias suas mesquinhas circumstancias, os faz abandonar a simplicidade, em que vivião.

Se, para provar a minha opinião sobre a necessidade de algumas restricções, eu tenho trazido á discussão os exemplos modernos das Nações Civilisadas, e o que mesmo tem acontecido no nosso Portugal, igualmente devo trazer á memoria a Historia antiga. = Não foi pela liberdade de Commercio absoluto que Tyro foi grande, porem sim porque era o centro do Commercio da Europa, da Africa, e da Ásia então conhecidas: o seu Commercio era sustentado pelas suas Armadas, e debellados todos os Povos, que quizerão affronta-las =: a sua opulencia durou em quanto foi a unica Potencia Maritima, e acabou quando houve quem lhe disputasse o imperio dos Mares. O mesmo acontecéo a Carthugo. Veneza na meia idade era o Imperio das riquezas do Oriente, porque os Venezianas erão Senhores do Commercio do Mar Roxo, unico caminho, por onde ellas vinhão á Europa.

Descoberta a India, passou Portugal a ser Potencia Maritima; principiou a sua opulência, e acabou a de Veneza, parque o Commercio das Especiarias, e de toda a Asia veio a ser exclusivo de Portugal. Apoderárão-se os Hollandezes das nossas posições da Africa, e da Asia, entrarão a ser Senhores absolutos do Commercio daquellas Regiões; acabou a nossa Grandeza, e principiou a delles, que foi diminuindo successivamente, depois que os Inglezes, e as outras Nações Europeas se estabelecerão na Africa, e na Asia: isto não são themas, nem assersões vagas, são factos, que ninguem pode desmentir.

Pergunto: estes Direitos, que se pertendem impor nos Cereaes, são para o Thesouro, ou suo para os fins, para que sempre forão destinados pelas Leis antigas, e modernas, que he para a factura de Estradas, de Pontes, encanamentos de Rios, e outros empregos, que facilitem a melhor conducção dos Cereaes a Lisboa?

As Provincias esperão ver estes dinheiros applicados para estes fins, que se os Governos passados não lhe tivessem dado outra applicação, por certo terião hoje as Estradas, as Pontes, e Rios muitas utilidades, e seria mais facil a remessa dos trigos das Provincias para Lisboa, unico Mercado para o Consumo do Alemtejo, Estremadura, e Algarves.

Estou muito cançado, e por isso não posso continuar: parece-me que tenho demonstrado: 1.o que não convém o estabelecer-se o que foi objecto do Artigo Addiccional: 2,° que não se preenchem os fins, que o A. do Artigo pertende; as razões, e os factos passados, que expendi, devem ser mui pensados, e me parece que, á vista de taes argumentos praticos, não podem vencer theorias, e systemas, que na sua generalidade não são admittidas nas Nações, que são o modelo dos bons Governos.

O Sr. F. J. Maya: - Longa tem sido a discussão sobre o Artigo, que apresentou a Commissão de Fazenda sobre os Cereaes. Muito se tem dicto, e muito pouco sobre o Artigo: Discursos estudados, e armados de termos eloquentes para inover a favor da sua opinião os Membros da Camara, multiplicidade de factos, de que se podião tirar consequencias contradictorias, expressões menos proprias, involvendo insultos, e invectivas inadmissiveis em Corporações Legislativas, que atacão, e menos cabão a Dignidade desta Camará (apoiado, apoiado): eis-aqui o que se tem dicto na discussão de hoje. Eu nunca me serirei de semelhantes armas, e deixarei portanto de os combater com as mesmas; ainda que perca a lucta, pouco importa. Movido unicamente pelo amor do Bem Publico só tenho em vista esclarecer a Assembléa, quanto couber nas minhas forças, para a melhor resolução em assumpto tão grave; repito o que em outra occasião já disse, que desconheço inteiramente este methodo de argumentar, e persuado-me que todos os meus Illustres Collegas estarão animados dos mesmos sentimentos Patrióticos. A questão he pois muito simples, e vem a ser: convirá admittir-se os Generos Cereaes? Convirá que os Géneros Cereaes não entrem para Consumo mediante certos Impostos? Convirá que não entrem absolutamente para Consumo, mas que seja permitida a Baldeação, Franquia, e Deposito? Eis-aqui a que se reduz a questão, e nada mois: tem-se apresentado muita, e varia Legislação, que não podia ser applicada a este respeito, como a que mencionou o Sr. Deputado Bettencourt, que apresentou o resultado das vendas do Terreiro, que se fazião, e do pouco que se vendia da terra; e tirou a conclusão, que da terra pouco se vendia. Ora: todos nós sabemos que os Generos Cereaes não são daquelles, que se podem conservar em Armazens, porque lhe dá o Gugulho, e apodrece: disse o Sr. Bettencourt que nenhuma duvida teria em admittir o Artigo, se se podesse evitar o Contrabando; então não tinhamos Leis, porque se pode abusar delias; porque se não pode evitar Contrabando não haja Commercio! Não he ao Agricultor trabalhador que a Lei dos Cereaes vai proteger. Esta Lei tem por fim admittir a Deposito os Generos Cereaes nos Portos de Lisboa, e Porto, e por nenhuma outra parte. A grande differença para menos da importação legal dos Cereaes pelos Portos de Lisboa, e Porto não he devida ao melhoramento da Agricultura de Portugal, mas

46 A

Página 364

(364 )

sim ao grande Contrabatido das Costas do mar, e pela raia de Hespanha, tanto por Tras-os-Montes, como pelo Alemtejo, que nesta parte he por conta, ou protegido por aquelles mesmos, que tem Lavoura, e reclamão ao Governo medidas prohibitivas pelos Portos de mar, para gosarem do exclusivo do Contra-bando por terra; facto este, que os Illustres Deputados, que follarão em sentido contrario, (em attestado. (c) A admissão dos Cereaes a deposito, e re-exportação he de uma conveniencia geral; o Contra-bando cresce em proporção do valôr do Genero prohibidada, e esta augmenta com a probibição absoluta. Não esperava ver reproduzir como argumento, a facilidade do Contrabando; e a este respeito somente accrescentarei que a Lei nem o augmento, nem o diminuo, visto que os Cereaes gorão de facto actualmente de entrada franca, e livre do Direitos; e he mais facil fazer o Contrabando estando os Cereaes em franquia, do que em deposito. Reflectindo no que disse o Sr. Barroto Feio, e no energia, e força de expressões, com quo mostrou a immoralidade dos Portuguezes, o principalmente dois Empregados Publicos; a consequencia, que tiro, he que se não faça Lei alguma, porque do todas se abusa, ou porque todas não tem a devida execução. De semelhantes principios segue-se que não deve haver Magistrados, porque muitos prevaricão; e que não deve haver Exercito, porque alguns Corpos são insubordinados, e infieis, etc. etc.

A Economia Politica he Sciencia exacta, porque he fundada sobra a analyse dos factos; e, para provo, cito a Inglaterra, cujos Economistas eu sigo com preferencia aos Francezes, pois que vejo o grão de riqueza, e poder, a que elles tem chegado.

O Pão ouro não dá utilidade alguma ao Lavrador; eu me recordo, não me lembra o anno, em que houve grande falto de Cereaes, que nas Aldeãs se comia o cozulo da espiga: do milho, e pés de couves, quando nas Cidades ainda se comia milho, e trigo. He perigosissimo proteger com desigualdade, e preferencia qualquer ramo do industria, e os males, que dahi se seguem, são eminentes. Eu não sei qual das ires fontes de riqueza, a Agricultura, Commercio, e Industria, dá augmento, e põe em movimento as outras; mas sei que não floreeem umas sem as outras, e que quando uma morre, ou se defecca, tambem as outras morrem. Eu não posso comprehender como se possa morrer de fome no meio da abundancia; e he comprehensivel que o Illustre Deputado tenha visto morrer de fome na abundancia dos Cereaes: eu nunca vi morrer ninguem de sêde ao pé de uma fonte: concluo portanto- a favor do Projecto.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Depois do que hontem disso neste Camara a respeito da boa, ou má influencia da Lei dos Cereaes, não pertendo repetir mais palavra sobre isto, a Lei dos Cereaes continuará, mas eu logro a posteridade o meu presentimento, de que ella, levantando os preços de todas as Mercadorias, ha de acabar com todos os ramos de Industria, para ficar só existindo o da Lavoura, a qual depois ha de ser engolida nas ruinas de que foi causa, a Povoação ha de diminuir, e tudo ho de ir sendo caro, ao mesmo tempo que o Paiz ha de caminhar para a pobreza, e para o miseria; Deos queira que eu me engane.

Antes de entrar, em materia, não responderei aos argumentos do Sr. Pereira do Carmo: mas direi sómente que, tendo elle tractado de pouco exacto, é sedicioso ao meu Discurso de hontem, no qual disse que os Consumidores pagavão um grande Tributo aos Lavradores, ou antes aos Proprietarios em quanto a Lei existisse; o respeito da pouca exactidão observo sómente, que tem cada um a Logica, quo Deos lhe dêo, mas a respeito de sedicioso, Sr. Presidente, isso he uma increpação, e não um argmento, e lie unia forte increpação. Mas que fiz eu? Dei ao Povo uma idéa falsa? Ao Sr. Deputado cabia demonstrar o Vicio da ideia; dei-lhe uma verdadeira, mas que não convinha revelar? Então fiz o delicio de Socrates, quando disse que havia um só Deos; e o Povo cria em muitos, ou o deheto de Newton, que revelou o systema da Gravitação, ou de Copernico, que ousou mostrar que o Sol estava parado. Será delicio instruir o Povo nos sais Direitos quando o Governo he Representativo, e feito para esse fim? Será delicio instruir os homens? Isto não posso eu ouvir; e, se estou em erro, voltemos de novo ás trevas, á ignorancia, as manobras mysteriosas, e finalmente á Inquisição.
Tendo-me justificado, tambem não repetirei o que disse dos remores do Contrabando, e já observei, que o Artigo lia de diminuir, é não augmentar os Contrabandos já observei, que temos Leis pata reprimir o Contrabando e que hão graves as penas, como as das Leis de Draco; se não se executão, ao Governo toca faze-las executar; se os Empregados são mãos espero que o Governo os escolherá melhores, renunciando ao antigo systema de patronato, e fazendo justiça ao merito. Não quero dizer por isto, que não ha já regulamentos, antes já os prometi, o Governo os promovêo, e alguns apresentou nesta Camara, que se achão na Commissão da Fazenda; agora fallarei no Artigo somente. Elle mantem o espirito de Lei dos Cereaes, porque ha duas maneiras de fazer caro o Trigo; um he a de regular as entradas de forma, que só entre de Tira do Reino, quando falla o do Reino, ou se acha caro; outra he impor um Direito no Estrangeiro, e de forma, que nunca possa ser vendido barato: eu por amor do Thesouro, que se acha tão falto preferi esta ultima, e tambem lego á posteridade o conceito sobre qual era melhor, se o Direito, que proponho, ou aquelles, que pezarão em pouco tempo sobre ella. A Nação julgará se acaso he um bem, ou um mal, aproveitar o mal já feito para delle tirar um bem, ou accrescentar a esse mal do Trigo caro o outro de um Tributo qualquer. Pelo que respeita ao Deposito digo, que ha pouco deixou, em Lisboa um Navio, que foi obrigado para concertos a depositar a Carga, a quantia de doze contos de réis, como me disse o digno Administrador do Terreiro: por outra parte ha Tercenas, que estão agora dos ratos, e que: no caso do Deposito havião fender dinheiro a sem donos, e ao Estado em razão da Decima; e sem foliar no Direito de um por cento observo, e sabem todos os muitos braços, que são entertidos, e pagos pelo Deposito; e ao mesmo tempo, existindo ella pa-

(2) Portugal ate o anno de 1819 passou sem Lei de Cereaes, e a sua Agricultura não está agora mais

Página 365

(365)

ra tudo, e vindo muitos Navios com Cereaes, é ao mesma tempo com outras mercadorias, não tendo lugar o d'aquelles, já se não Verifica o destas.

O Sr. Bettencourt em lugar de responder aos meus argumentos veio com a increpação de que erão Theorias que não desunião os factos; já entou enfadado desta palavra = são Theorias = Theoria, quer dizer a regra que resulta da analyse; analyse quer dizer o juizo, e a regra que resulta da observarão dos factos; logo indagação de factos, e Theorias são cousas identicas, e não esperava eu ver no anno du 1827 repetido este miseravel argumento, ou antes palavra.

Increpão-se os factos, cuja analyse está rios Economistas (já não quero usar da palavra Theoria) quero em lugar della dizer = exame de factos = e acaso não he verdade diante deste exume que elle nos conduz a não preferir um meio de crear Valores á outro igual meio de os crear inferiores? O Çapateiro, que crear o valor igual a um cruzado vale mais, que o Lavrador, que só produzir o que fòr igual a trezentos reis: neste caso o Çapateiro he melhor para si porque vive melhor, e para a Nação, porque a fez mais (...)

Será bom esmagar tudo para forçar á cultura de terras más, e para ser miseravel, quando, sendo Artista, puder um homem ainda que viva de Trigo Estrangeiro, crear mais valores? Para que me demoro nisto? o que digo ha hoje um oxioma na Europa, e quando sabem todos que Portugal antes de ter Colonias era cultivado, e vendia Trigo; e nesse tempo não havia Leis de Cereaes; pelo Amuaria o Foral da Alfandega impunha Direitos ao Trigo do Algarve, mandando que pague Dizima, e o Estrangeiro nada: não faço o elogio desta parte do Foral, digo só que existe alli na Alfandega, e digo que ha por essas Camaras do Reino mil posturas para não sahir o pão do Termo, nenhuma para que não entre dos outros Termos ou de fora do Reino: quando algum dia havia sustos de Guerra com Hespanha, os Povos lastimavão que o Trigo não havia entrar da Hespanha, e havia ser mais caro.
Os Lavradores são uns infelizes, disse o Sr. Bettencourt; e eu tambem o digo: ião o que forão sempre em todos os Paizes do Mundo; elles tirão o que dão á Terra, e comem o que vencei o suor do seu rosto, e o Capital que empregão, porque se elles medrassem muito logo as rondas augmentão, e elles se tornão ao que sempre forão. O Sr. Bettencourt não tem interesse na Lei, como Lavrador; tem interesse nella como Proprietario de Terras: para estes Proprietarios he feita a Lei doa Cereaes, para os Lavradores não, porque para elles o Trigo he sempre entrada por sahida, os Proprietarios o pagarão a seu tempo.

O Alemtejo está miseravel, e despovoado, isso he verdade, eu tambem de lá sou, e o conheço tambem como o Sr. Bettencourt: mas as causas deste mal não tem cura na Lei dos Cereaes: essas causas estão na ausencia dos Proprietarios, os quaes mandando vir as rendas para Lisboa não fundão a povoação industrial, nem alimentão os braços, que em Lisboa fazem viver dessas mesmas rendas; está nos bens da Corôa essencialmente mal cultivados pela natureza d'elles e seus arrendamentos, e está mesmo na natureza das producções que não pedem a acção continuada dos Cultivadores; já foi observado pelo muito judicioso Auctor do espirito das Leis, que os Terrenos de Trigo são menos povoados que os Paizes de outra Agricultura, e a razão d'isto he mui clara: o Trigo occupa sómente os braços menos de ametade do anno, e ha semanas que elle pede trabalhos, para os quais não bastaria toda a gente da Provincia, he por isso que vem muita gente da Beira segar o Trigo no Alemtejo: quando os Proprietarios residião nas suas Terras, e alimentavão nellas a Industria, então o Alemtejo era mais cultivado e mais povoado, porque se podião fixar braços, e achavão que fazer nos intervallos que a Lavoura deixa livres: nesse tempo era o Alemtejo o Celeiro de Portugal. Tambem desse tempo não estando nos outros Paizes as Artes tão adiantadas, os Cultivadores erão Artistas parte do anno, e fazião pannos grossos, meias, e outros artefactos, os quaes não adiando já Consumidores, porque os ha melhores e mais baratos não podem ser feitos por semelhante Classe de Artistas.

Ainda ha mais causas, e maio flagellos, que seria longo expor, e que talvez o Systema Representativo extermine, ou diminua. Lembro-me das administrações, desta fumosa invenção puramente Portugueza, e que não existe, nem existio nunca desde o Polo Artico até ao Antartico, fosse qual fosse a fórma do Governo, Monarchia, ou Republica; lembro-me deste Monstro, porque ale no Alemtejo tão conhecidas as Herdades do seu Imperio pelo seu pessimo estado; he preciso notar, que ou já vi um grande Lavrador que semêa, 60 moios de Trigo, porque leve um inimigo, e tinha o centro da sua Lavoura em uma Herdade administrada, ser ameaçado por esse inimigo de a vir picar á Lisboa; vir com effeito, fazer-lha pagar pelo dobro, porque a não podia largar por causa das outras, e eu mesmo requeri por elle ao Desembargador da Administração, allegando a Lei da Conservação; a Herdade foi á Praça, e a Lei não valêo perante a Administração. Por agora a liberdade de Commercio, e o Deposito pode fazer-nos grande bem, independente do Regulamento, porque para repellir os abusos ha Leis, e Leis de mais: está na mão do Governo não dar os Empregados á protecção, mas á Justiça, e então tudo irá bem, e he de suppôr que assim faça.

Torno a repelir. O caso he justiça, e remoção de obstaculos; o mais vai sempre muito bem som restricções algumas, que Portugal nunca teve quando foi rico e feliz.

O Sr. F. A. Campos - A materia apezar de ser fecunda, eu a julgava exhaurida, e por isso estava indeciso se pediria a palavra; a provocação do Sr. Bento Pereira do Carmo dirimio a minha indecisão.

An, si quis atro dente me petiveril Inultus ut fleba puer?

Não sou desse caracter.

Vámos aos sarcasmos do Sr. Bento Pereira, Eu disse que se não devião forçar os capitães, mas que se devião deixar á sua natural tendencia, segundo a escalla dos interesses. E que consequencia tirei eu deste principio? Não tirei a que o Sr. Bento me attribue, e que se não contem n'elle, de que não gostava de ver os campos cobertos de louras espigai, mas de pantanos, e capinhos; tirei a justa consequencia, de

Página 366

(366)

que aquelle excessivo favor elevava o juro do dinheiro, o que ha sempre um mal; e que daqui tambem se seguia que, se a Agricultura rendesse sete, ou oito por cento, qualquer emprendedor que quizesse erigir uma Fabrica, ou outro qualquer estabelecimento de Industria, não acharia dinheiro senão 90 juro de dez, ou doze por cento, o que atacava a producção na sua origem. A este argumento he que o Sr. Bento Pereira do Carmo devia responder, e eu o convido a que o faça com rações, e não com sarcasmos; e como elle confessa que a, natureza o não dotou do talento de improvisar, eu espero pela resposta ale a Sessão seguinte.
Disse o mesmo Sr. Deputado que em 1819 o Pão estava a seis vintens, e que o Povo não linha esses seis vintens para o Comprar. Convenho no facto: mas a que proposito a proxima o Sr. Deputado épocas, que nada tem do commum entre si? Em 1819 a entrada dos Cereaes ora absolutamente livre; na doutrina do Projecto, a sua admissão he sujeita a direitos, que lhes conservão o preço actual: aonde está pois a relação entre estas duas épocas? E se o Sr. Deputado considera aquelle facto como isolado, qual será a consequencia que quererá tirar? Será o convencer-nos de que o Povo terá dinheiro para comprar os Cereaes, sempre que elles forem caros, e sempre que forem proibidos?

He na verdade desconhecer absolutamente a razão do preço das cousas? O preço he determinado pela concorrencia dos vendedores, e dos compradores; e como para comprar não hasta ter a vontade, mas he preciso ter os meios, e estes só os dá o trabalho, daqui vem ter eu dito, que para a Agricultura prosperar era necessario animar as classes trabalhadoras, que são as que fazem o consumo. Isto não he desejar pantanos, etc.

Em quanto aos argumentos dos outros Senhores, que tem fallado contra o Projecto, elles são contradictorios: uns fallão contra a admissão absoluta dos Cereaes, que não está no Artigo; outros contra a carestia que causarão os direitos, quando elles conservão o preço actual. Respondi hontem, e acabou de responder o Sr. Mouzinho e por tanto nesta parte cedo da palavra.

O Sr. Van-Zeller: - Com bem magoa minha vejo que se tem expressado grandes sustos em admittir os Trigos para deposito; contra a peste não se podião expressar maiores receios. No emtanto muita satisfação tive em ouvir ao Illustre Deputado o Sr. Bettencourt, que se admittissemos os depositos, todo quanto Trigo houvesse aqui se viria depositar; he isso mesmo que eu pertendo, seria o meio de promover a nossa prosperidade.

He evidente que eu só tracto de depositos; por oro a admissão para consumo não convém sem direitos protectores.

Não posso entender o grande receio, e talvez o unico, que alguns dos Srs. Deputados tem manifestado, de que, admittindo-se os depositos, se siga dessa medida grandes contrabandos; perguntaria eu he ha maior receio de contrabando estando os Trigos em Armazens, debaixo da inspecção da competente authoridade, e devida arrecadação, em um ponto dado, do que a bordo dos differentes Navios, ancorados no Tejo a titulo de franquias, e baldeações? Persuado-me que ninguem hesitará em decidir.

Não posso igualmente comprehender essa grande difficuldade, que se procura inculcar, em finalisar esses contrabandos. Eu apresentaria um meio bem facil, que era seguir o mesmo plano, que seguem os Contractadores do Tabaco, que tem conseguido evita-lo, sendo o Tabaco de muito muis difficil fiscalisação do que o Trigo, e eu nem por um só momento posso pensar, que o Governo não tenha os mesmos meios, que tem um particular.

Demais: he bem sabido que os Navios tem sempre a seu bordo documentos que provão o seu porte; he bem sabido que os Consules attestão os seus documentos; he bem sabido quanto devo render um Lastro de Rostock, de Koeningsberg, de Stralsund, etc., em Portugal; que dificuldade ha pois de ao saber, com pequena differença, quantos alqueires cada um destes Navios traz; estes alqueires descarregados nos Armazena du deposito são os mesmos, que se devem admittir a consumo, quando a Lei o permittir, ou bem aquelles que se devem reexportar, deixando estes porem no Paiz dez, ou mais por cento do seu valor; logo como he possivel o contrabando.

Dizem alguns dos Illustres Deputados que o momento não he proprio para taes experiencias; e eu digo, que lie justamente o momento proprio, não somente pelas razões que expuz, mas porque estando já todos os Trigos semeados, esta concessão nada influe agora, quando elles se colherem, e venderem: se virmos que os depósitos influirão nos preços, quando novamente nos juntarmos, revogaremos esto determinação; concluo pois votando pelos depositos, porque não offerecem senão vantagens: se porem o Artigo se approvar como está, reservo-me fallar a respeito dos direitos, que se propõem, e espero mostrar evidentemente, que o do milho he exorbitante, e que nem mesmo o actual deve subsistir.

O Sr. Pereiro do Carmo: - Levanto-me para responder ao Sr, Francisco Antonio de Campos, renunciando ao prazo que elle leve a bondade de me conceder para formar a minha resposta. (O Sr. Presidente observou que os Srs. Deputados devião abster-se em suas fallas personalisadas, e os convidou a faltarem em geral.) Então o Sr. Pereira do Carmo disse: appello de Vossa Excellencia para a Camara. (Falle, falle, disserão alguns Srs. Deputados, e o Orador continuou.) O Sr. Campos fez-me o maior elogio que podia fazer-me, quando declarou que eu mesmo confessava, que a Providencia me tinha negado o talento de improvisar. Pericles disse um dia aos Athenienses, que o apertavão para dar o seu parecer sobre uma proposição repentina = ainda não pensei nisto. =: Eis-aqui, Sr. Presidente, porque eu me abstenho de improvisar, ha porque desejo primeiro meditar nas cousas, antes de que falte nellas. Mas voltando á questão, parece-me que a conclusão que eu tirei dos principios estabelecidos pelo Illustre Preopinante he legitima ; pois que lendo elle asseverado que se não devia favorecer a Agricultura, para evitar o risco de chamar os capitães para este Ramo, he claro que o mesmo Senhor, antes quer ver duas terças partes do Reino desaproveitadas, do que passar pela desgraça de que os capitães se desloquem, e se empreguem na Agricultura; se todavia lhe parece malsoante esta conclusão, culpe a intelligencia que dá aos principios, que acaba de enunciar com tanta emphase, ou, para

Página 367

(367)

fallar com mais rigor, culpe a má applicação, que deites faz ás nossas bem conhecidas circumstancias.

O Sr. Bettencourt: - Sr. Presidente, eu sou muito tolerante cota as opiniões dos outros Srs. Deputados, quando mesmo sejão oppostas ás minhas: outro dia porem, deixei de fallar em resposta a uma asserção que se me imputava, e esta depois appareceo em papeis publicos bem pouco em meu favor: disse então o Sr. Tavares de Carvalho que eu tendo cem criados os queria salvar a todos do Recrutamento, como cem Empregados Publicos, não podendo talvez livrar-me a mim porque o não era; quando o que eu disse foi, que tendo mais de cem criados de Lavoura e de Gado, não poderia livrar senão quatro Maioraes.

(Ordem. - Ordem.) Ordem, Senhores, he que eu exijo para responder ao Sr. - Mouzinho da Silveira; este Sr. Deputado chama idéas miseráveis a tudo quanto eu disse, somente porque não sigo a sua opinião, nem estou pela sua doutrina fundada em teorias: teoria he o conhecimento especulativo, que não passa a pratica das cousas conhecidas. Quem duvida que os sistemas que são formados de principios teóricos muitas vezes tem dado cabo de algumas Ciências, por isso que só não tem combinado os factos com as teorias, que he só quando o resultado pode ser infalível e seguro? Eu não conheço outro modo de expressar idéas senão com palavras. Quem diria, sendo uma verdade em Economia Politica, que a liberdade absoluta do Commercio se deve adoptar, e isto proclamado pelos Economistas Politicos Inglezes, que na Inglaterra se não veja absolutamente legislada essa liberdade, antes pelo contrario tenha no seu Commercio muitas restrições? Por exemplo, os Vinhos de Portugal tem direitos que são quasi uma prohibição pela sua exorbitância, somente com o fim de que as classes fabricantes e laboriosas gastem a sua Cerveja, que muitas vezes he muito ordinária, animando desta sorte as suas Fabricas, e a sua Agricultura; e o mesmo acontece aos Cereaes que só são admittidos para consumo quando chega o preço regulador.

De certo eis-aqui excepções da liberdade absoluta do Commercio; estas theorias approvo eu; porem o Sr. Mcuninlio diz que já está aborrecido, e enfastiado de as ouvir, mas tenha paciencia, que não está na sua vontade o deixar de ouvir as respostas aos seus argumentos. (Ordem. - Ordem.)

Sr. Presidente, até qui faltarão os Srs. Deputados no meu nome muitas vezes, atacarão as minhas opiniões até lhe chamarem miseraveis, e não se chamarão á Ordem, e agora só comigo se invoca a Ordem (falte, falle). Só direi, Senhores, que tendo eu proposto o Projecto de Lei dos Cereaes nas extinctas Côrtes, consultei muitas vezes com este Sr. Deputado, e então elle apresentava outras idéas bem differentes das que hoje sustenta, talvez seja esta mudança procedida de estar hoje Empregado na Alfandega. (Ordem. - Ordem.)

Como me atacarão tenho direito a defender-me. (Ordem. - Ordem.) Pois bem, Senhores, tenho sido interrompido por ires vezes, não faltarei mais.
O Sr. Presidente: - Eu devo dizer a todos os Srs. Deputados que se restrinjão â faltar debaixo d'Ordem.

O Sr. Sarmento: - Sr. Presidente, se se nos tapa a boca com uma mordaça, então está tudo perdido.

O Sr. Presidente: - Eu não tapo a boca a nenhum Sr. Deputado; he já segunda vez que se repete nesta Camara essas palavras, eu insto, e sei de instar pela Ordem, como me determina o Regulamento.

Julgada a materia sufficientemente discutida, e decidindo-se que se resolvesse por votação nominal, propoz o Sr. Presidente nesta conformidade a primeira parte do Artigo nas palavras = os Generos Cereaes terão livre entrada para franquia, baldeação, deposito, e re-exportação, pagando de Direitos um por cento, nos casos de baldeação, ou re-exportação; = declarando que, no caso de não serem approvadas nem a primeira, nem a segunda parte do Artigo, proporia a Emenda do Sr. Pereira do Carmo.

E, pela chamada, votarão por approvação os Srs. Antonio Maya - Ribeira da Costa - Carvalho e Sousa - Barão de Quintella - Barão do Sobral - Bispo, de Cabo Perde - Alberto Soarez - Pereira Ferraz - Campos - Barroso - Pereira de Sá - Forttunato Leite - Cerqueira Ferras,- F. J. Maya - Gravito - Trigoso - Soares Franco - Van-Zeller - Magalhães - Costa Sampaio - Braklami - Guerreiro - Caetano de Paiva - Cupertino da Fonseca - Cordeiro - Macedo Ribeiro - Mouzinho da Silveira - Moniz - Tavares de Carvalho - M. de Carvalho - Leomil - Azevedo e Mello - Mansinho d'Albuquerque - Nunes Cardoso - Visconde de Fonte Arcada - Visconde de S. Girão e o Sr. Presidente.

E votarão rejeitando os Srs. Mendonça Falcão - Sarmento - Fortes de Pina - Claudino - Lima Leilão - Frias Pimentel - Girão - Pereira do Carmo - Pieira da Motta - Conde de Sampaio - Abreu e Lima - Gama Lobo - Bettencourt
Travassos - Leite Lobo - Soares d'Azevedo- Queiroga, Francisco - Xavier da Silva - Costa Rebello - Novaes - Aguiar - Rodrigues Coimbra - Galvão Palma -- Queiroga, João - Ferreira de Moura - Campos Barreto - Henriques do Couto - Faria e Silva - Pinto filiar - Botelho de Sampaio - Corrêa Telles - Derramado - Geraldo de Sampaio - Mello Freire - Mascarenhas Mello - Ribeiro Saraiva - Barreto Feio - Rebello - Borges Carneiro - Pimenta d'Aguiar - Miranda - Rocha Couto - Serpa Machado - Paulo da Cunha - Sousa Castellobranco - Sousa Machado - ficando assim rejeitado por 46 votos contra 37.

Propoz seguidamente o Sr. Presidente - Se se approvava a segunda parte do Artigo de terem entrada para consumo os Géneros Cereaes - E, pela chamada, votarão por approvação os Srs. Pereira Ferraz - Campos - Barroso - Cerqueira Ferraz - F. J. Maya - Van-Zeller - Magalhães Campos Barreto - Guerreiro - Paiva - Cordeiro - Macedo Ribeiro - Mouzinho da Silveira - Moniz - Carvalho - Leomil,
E votarão rejeitando os Srs. Mendonça Falcão - Moraes Sarmento -- Fortes de Pi fia - Claudino - Lima Leilão - Frias Pimentel - Girão - Antonio Maya - Ribeiro da Costa - Carvalho e Sousa - Barão de (Quintella - Barão do Sobral - Pereira do Carmo - Vieira da Motta - Bispo de Cabo Perde - Alberto Soares - Conde de Sampaio - Abreu e Lima - Pereira de Sá - Fortunato Leite

Página 368

(368)

- Gama Lobo - Bettencourt - Gravito - Trigoso - Travessos - Soares Franco - Leite Lobo - Soares d'Azevedo - Queiroga, Francisco - Xavier da Silva - Costa Rebello - Novaes - Aguiar - Rodrigues Coimbra - Galvão Palma - Queiroga, João - Ferreira de Moura - Campos Barreto - Costa Sampaio - Henriques do Couto - Faria e Silva - Pinto Filiar - Braklami - Botelho de Sampaio - Cupertino da Fonseca - Corrêa Telles - Derramado - Gerarão de Sampaio - Mello Freire - Mascarenhas e Mello - Ribeiro Saraiva - Barreto Feio - Rebello - Tavares de Carvalho -Borges Carneiro -Pimenta d'Aguiar - Gonçalves de Miranda - Rocha Couto - Serpa Machado - Azevedo e Mello - Mouzinho d' Albuquerque - Paulo da Cunha - Sousa Castellobranco - Sousa Machado - Nunes Cardoso - Visconde de Fonte Arcada - Visconde de S. Gil de Perre - e o Sr. Presidente - ficando assim rejeitatado por 67 votos contra 16.

E propondo ultimamente o Sr. Presidente = Se se approvava a Emenda do Sr. Pereira do Carmo, a fim de se declarar - que o Commercio dos Cereaes se regularia pelas Leis existentes, em quanto não forem convenientemente alteradas? = Foi approvada.

Teve a palavra o Sr. Deputado Serpa Machado, como Relator da Commissão Central encarregada de examinar a Proposta N.° 103, sobre a Inviolabilidade da Casa do Cidadão , e lêo o Parecer da mesma Commissão com uma Proposta de Lei, que ella entende deve substituir á Proposta original. Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

Tiverão segunda leitura os Quesitos offerecidos em Sessão de 13 do corrente pelos Srs. Deputados Magalhães, e Sarmento. For ao admittidos a discussão, declarados urgentes, e que se imprimissem.

Dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da Sessão da 19 do corrente o Parecer da Commissão das Petições sobre o Requerimento de Manoel Joaquim Dias, e os

Projectos N.º 108, e 113.

E para Ordem do Dia das Secções Geraes, em que a Camara tem de dividir-se na seguinte Sessão, os Projectos Numeros 116, e 117.

E, sendo 2 horas, disse que estava fechada a Sessão.

OFFICIO

Para o Barão do Sobral.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão de 13 do corrente o Parecer da sua Commissão de Petições, que remetto por cópia conforme, sobre se pedirem ao Governo Executivo esclarecimentos acerca da pertenção de Joaquim José da Malta, cujo requerimento tambem aqui se inclue, o que participo a V. Exca., para que possa expedir as Ordens, que julgar necessarias a tal respeito. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 16 de Fevereiro de 1827. - Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Barão do Sobral, Hermano - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DE 17 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e 40 minutos da manhã, pela chamada , a que procedéo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se acharão presentes 83 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 21; a saber: os Srs. Xavier da Fonseca- Marciano d'Azevedo- Vieira Tovar - Barão de Quintella - Barão do Sobral - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Leite Pereira - D. Francisco de Almeida - Pessanha - Pereira de Sá - Tavares d'Almeida - Izidoro José dos Sonetos - Machado d'Abreu - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Gonçalves Ferreira - Sousa Cardoso - Pereira Coutinho - Azevedo Loureiro - e Alvares Dinis - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que eslava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa de um Officio do Ministro dos Negócios do Reino, em resposta ao que lhe havia sido remettido em data de 8 do corrente, remettendo os Autos das Camaras do Reino, a favor dos Rebeldes, que existião na mesma Secretaria, que se mandarão remetter á Secretaria da Camara, para ahi poderem ser examinados pelos Srs. Deputados, que quizerem vê-los,
Dêo mais conta do offerecimento, que faz Carlos Maya, de 160 Exemplares do Balanço do Cofre da Repartição da Marinha no anno de 1826, assim como igual numero pelo mez de Janeiro de 1837, que se mandarão distribuir. E dêo ultimamente conta da parle de doente, que enviou o Sr. Deputado Azevedo Loureiro.

Pedio, e obteve a palavra o Sr. Deputado Magalhães, e offerecêo a seguinte

INDICAÇÃO.

Como me consta que em muitas Terras do Reino, depois, ou á sua restituição ao Legitimo Governo do Senhor D. Pedro IV, se riscarão os Autos de Camara, feitos a pró dos Rebeldes, e trancarão os Livros competentes, requeira que com os Documentos, que já pedi, venhão também os que legalisarem semelhante procedimento: e peço mais Copia dos Papeis, que forão achados na preza feita ao Visconde de Monte Alegre, e de que me consta que o General Stubbs mandara fazer Inventario. Camara dos Deputados 17 de Fevereiro de 1827. - Magalhães - Moraes Sarmento - Claudino Pimentel.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, eu sopponho-me a que se peção com tanta generalidade esses esclarecimentos, pois podem haver Papeis, que contenhão segredos, que não convenha revelar, particularmente acerca das operações das forças do inimigo, e de suas relações externas.

O Sr. Magalhães: - Se o Governo tiver alguma duvida, elle a declarará: não devemos ser nós quem. as antecipemos.

O Sr. Soares Franco: - Não me opponho a que se peção esses Documentos, ou Esclarecimentos com a Emenda de que se excluão aquelles, que se julguem ter alguma influencia politica.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×