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N.º14.
SESSÃO DE 25 DE FEVEREIRO.
1853.
PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES
Chamada: — Presentes 80 Srs. Deputados
Abertura Ao meio dia
Acta: — Approvada.
CORRESPONDENCIA.
OFFICIOS - 1.º Do Sr. Deputado paredes, participando que a inesperada morte de seu sogro, a pouca saude que lhe assiste, e o pessimo estado dos caminhos, em consequencia do prolongado inverno, o obrigam a demorar-se mais alguns dias na Cidade, de Coimbra, e a fallar por conseguinte a mais algumas Sessões. — Inteirada.
2º Do Sr. Joaquim Bernardo de Mello Nogueira do Castello, Coronel reformado, addido ao 1.º Batalhão de Veteranos, enviando 120 exemplares de em Requerimento documentado, que se delia affecto á Commissão Militar da Camara, pedindo que sejam distribuidos pelos Srs. Deputados. — Mandaram-se distribuir.
O Sr. Palmeirim: — Peço ser inscripto para apresentar Um Projecto de Lei.
O Sr. Presidente: — A Commissão Especial que a Camara hontem resolveu nomear-se para dar o seu parecer sobre os Actos da Dictadura, parece-me dever nomear-se quanto antes (Apoiadas) Se a Camara quer, passamos desde já á nomeação della, visto que não ha mais expediente. (Apoiados). Então podem os Srs. Deputados formar as suas listas.
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Procedeu-se á eleição desta Commissão; e tendo entrado na urna 96 listas, das quaes 10 brancas e 2 irregulares, sairam eleitos com a maioria absoluta
Os Srs. Frederico Guilherme com.......75 votos.
F. J. Maya...................72»
Roussado Gorjão..............72 >
Sampaio...................... 71.»
Thomaz de Aquino........... 69»
Justino de Freitas..............69 n
Barão de Lazarim............. 68 «
Nazareth.....................67»
Mello Soares..................67»
Alves Martins.................66»
Resende......................65»
Casado.......................62»
O Sr. Darão de Lazarim: — Agradeço á Camara a honra que me fez, nomeando-me para essa Com
missão; no entanto os objectos principaes de que tem a tractar esta Commissão, são objectos financeiros; eu declaro que não sei nada de finanças; por consequencia sou o Membro mais improprio para essa Commissão, e por isso peço á Camara a minha escuza.
Consultada a Camara sobre se concedia a escusa pedida pelo Sr. Barão de Lazarim, resolveu negativamente. 1
O Sr. Presidente: — Não tendo obtido a maioria absoluta, para comporem a Commissão Especial, senão 12 Srs. Deputados, por isso vai proceder-se á eleição de um que ainda falla.
Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na urna 96 listas, das quaes 12 brancas, e saíu eleito
O Sr. Palmeirim com.................70 votos.
O Sr. F. J. Maia: — A Commissão de Fazenda occupa-se incessantemente do exame do Orçamento; mas para com mais brevidade concluir os seus trabalhos, resolveu fazer á Camara a seguinte Proposta. (Leu)
Por parte da mesma Commissão mando para a Meza 2 Pareceres da mesma Commissão.
A Proposta ficou para segunda leitura e os Pareceres ficaram sobre a Meza, para serem discutidos em occasião competente.
O Sr. José Estevão: — Mando para a Mesa um Requerimento de alguns operarios da minha terra, em que pedem á Camara haja de providenciar, para que se crie em Aveiro um curso nocturno de instrucção primaria, ou para que se ordene que na cadeira de primeiras leiras, que já existe, se dê esse «curso. Compraz-me apresentar este Requerimento por partir d'esta classe, que mostra assim o interesse que tem pela sua instrucção: e não é sem, muito prazer que vejo partir delles a iniciativa para o melhoramento da instrucção, indicando um modo tão importante della se conseguir; e que me parece estranho se tenha esquecido até aqui. V. Ex. e a Camara reconhece a impossibilidade de-chegar a instrucção ás classes, que durante o dia estão nas occupações da sua vida, e só tem a noite para se poderem entregar á cultura do espirito. Peço ao Sr. ministro do Reino e d'Instrucção Publica, o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que, não só peze este Requerimento, que é realmente importante, mas que não deixe de tirar delle as consequencias honrosas para o paiz, em que se apresentam operarios a pedir um curso nocturno de instrucção primaria para seus filhos poderem aprender.
Apresento tambem á Camara um Requerimento dos Officiaes das Secretarias de Estado demittidos em 1833. Este assumpto foi já commettido deliberação dos Parlamentos passados; e não ha pretenção mais justa. Felizmente todas as demissões politicas dadas por occasião dos acontecimentos de 1834, senão foram revogadas, pelo menos já cessaram os seus effeitos, pelas medidas que se tem tomado posteriormente a respeito de individuos pertencentes ás differentes Repartições do Estado; mas em todos estes actos, e em todas estas considerações tem-sido esquecida a classe dos Officiaes de Secretaria, que são poucos, e muito poucos; e é estranho, por exemplo, quando se tem o desejo muito louvavel da conciliação da familia Portugueza, que tendo-se esquecido as feridas, que receberam os militares pela causado Governo absoluto, senão tenham esquecido ainda os motivos que se podem dar contra esta classe de empregados, que de certo fizeram menos mal a causa da liberdade com algumas pennadas de tinta, do que aquelles que a combateram com as armas.
Eu folgo que o Ministerio esteja presente á apresentação deste Requerimento, porque estas considerações não podem deixar de pezar no seu anilho. Em quanto o Sr. Ministro da Guerra, por exemplo, tem sido tão generoso com os militares (generoso com aprazimento de todos os partidos); o Sr. Ministro do Reino, cuja generosidade-exercida no esquecimento de partidos é assaz notoria, parece-me que devia estender tambem as suas vistas para estes desgraçados porque alguns d'elles o são. Por tanto peço a S. Ex. que considere este assumpto, e que coopere com a Camara para se lhe dar o expediente que deve adoptar-se..
O Sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Mando-para a Meza duas Propostas, que
Vou ler:......
Proposta: — O Governo pede á Camara dos Srs. Deputados licença para accumularem as funcções de Deputados com as dos seus empregos no Ministerio da Fazenda, na conformidade do artigo 3.º do Acto Addicional, e se assim o quizerem, os Srs. Antonio dos Santos Monteiro, e Custodio Manoel Gomes. — Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.
Proposta: — O Governo pede á Camara dos Srs. Deputados licença para accumularem as funcções de Deputados com as dos seus empregos no Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, na conformidade do artigo 3.º do Acto Addicional, e se assim o quizerem, os Srs. Rodrigo Nogueira Soares, Antonio José Coelho Lousada, e Antonio Augusto de Mello Archer. — Antonio Maria de Fontes Pereira ele Mello..
Ambas estas Propostas foram approvadas sem discussão.
O Sr. ministro do Reino (Fonseca Magalhães): — Mando tambem para a Meza a seguinte
Proposta:' — O Governo pede á Camara dos Srs. Deputados licença para accumular as funcções de Deputado com as de Chefe da Repartição dos Negocios Ecclesiasticos o de Justiçarem conformidade com o artigo 8.º do Acto Addicional, o Seu Depu-
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tado Bartholomeu dos Martyres Dias e Sousa. — Rodrigo da Fonseca Magalhães.. Foi approvada sem discussão,
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão da Resposta ao Discurso da Corôa.
O Sr. Pegado: — Sr. Presidente, approvo na sua totalidade o Projecto, que se discute; mas quero ter a honra e a satisfação de propôr um Additamento no § 4.º
Tenho por indispensavel, que o glorioso nome da Marinha Portugueza refulja na Resposta ao Discurso da Corôa. Ella assignala os objectos mais importantes para Portugal; mas ninguem dirá por certo, que é menos importante tudo que diz respeito á Marinha Militar, quer se considere Portugal como nação maritima, quer o consideremos como senhor de vasias Colonias.,
As nossas Colonias sã os nossos ultimos recursos, se quizermos ser alguma cousa mais do que somos; porém não podem haver Colonias sem marinha de guerra; e a nossa acha-se em estado do maior abatimento! Este estudo, e o mesmo se póde dizer das nossas (erras d'alem-mar, é um legado, que deitaram ao actual Ministerio muitos e antiquissimos Ministerios. Praza aos Céos, que este Gabinete não tenha de entregar ao que lhe succeder a Marinha e o Ultramar no mesmo estado, em que os recebeu das mãos dos seus antecessores!
Em quanto ao Ultramar, sinto o prazer de poder declarar á Camara que dias mais risonhos, se me affigura, que despontam para as nossas Possessões, ainda que com fraca luz; pois tenho como presagios.de um porvir um pouco mais esperançoso os actos governativos, recentemente decretados para o Ultramar.
Felicito pois o Governo por haver feito bom me do art. 15.º do Acto Addicional da Carta reformada, que outorga ao Poder Executivo a faculdade de legislar para o Ultramar na ausencia das Côrtes. Devo tambem congratular, deste logar, o Conselho Ultramarino. Muito sinto porém não poder ter que dizer alguma cousa de similhante a respeito da nossa Marinha.
A Marinha Militar está em situação mui pouco lisongeira: a mercante, o Decreto de 5 de Agosto e o de 31 de Dezembro affugentaram-na, tiraram-na toda de todos os mares d'além do Cabo das Tormentas!
Não obstante um tal estado de decadencia, lá fazem gentilezas nos temorosos mares da China uns poucos de barcos armados, sómente por que são Portuguezes! Mas a gloria de Macáo tambem é a gloria de Portugal. Todo o nosso poder no Oriente é o nosso passado prestigio, a força real, a força visivel, póde-se dizer, que é nenhuma. Temos pouco terreno na China; mas possuimos muito amor dos Christãos e muita sympathia dos gentios: nós é que somos pequenos por não sabermos tirar todo o partido desta grande dedicação. Somos queridos e venerados quando estamos mais abatidos! Mas esse mesmo poderio de affectos é de respeito não póde ser de solida duração. E no Occidente, nós mesmos deixaremos de ser nação, quando se acabar de todo, quando tiver desapparecido o spectro da nossa Marinha de Guerra. O nosso existir será momentaneo, apparente, efémero, illusorio, se não fôr unido á existencia da Marinha militar.
Em unia das primeiras Sessões, pedi ao Sr. Presidente, que me concedesse a palavra, quando estivesse presente o Sr. Ministro da Marinha; por que pretendia offerecer á consideração de S. Ex.ª, algumas reflexões sobre o art. 1.º do Decreto de 6 de Novembro de 1851. Como este objecto tem toda à ligação com o do actual estado da nossa Marinha, de que desejo apresentar á Camara um ligeiro esboço, tractarei simultaneamente de um e outro.
O Decreto de 6 de Novembro de 1851 modificou a Lei, que regulava os vencimentos dos Officiaes de Marinha embarcados. A Lei assignava certos accrescimos de vencimentos para os Officiaes em embarque: o citado Decreto, que tem hoje força de Lei, reduziu a meio a importancia das comedorias, em quanto o navio não sae a barra. Essa medida e algumas outras, promulgadas nos Ministerios do Sr. Fontes e Marquez de Loulé, que tinham por alvo a diminuição da despeza publica, pareceram-me bem, ainda que importavam um novo sacrificio dos Servidores do Estado; porque me persuadia, que com esses sacrificios se pretendia obter o bem commum. Mas essas medidas de reducção, que haviam começado no Ministerio da Marinha, em nenhum outro se encetaram; e no proprio Ministerio da Marinha pararam logo. Conclui, que o Governo tinha conhecido que não se podiam reduzir mais os vencimentos dos Funccionarios publicos. Logo aquella medida devia ser revogada: devia-se desfazer o que se havia feito, sob pena de se consentir numa desigualdade, em vez de medida justa, aconselhada pela necessidade. Houve depois outra cousa: tanto na primeira como na segunda Dictadura, crearam-se logares novos em todos os Ministerios, aos quaes se arbitraram gratificações e ordenados, bons pelo-menos em relação ao nosso estado de finanças. Preencheram-se as vagas, que foram havendo tanto no exercito como nas Repartições Civis. Logo, conclui eu: o Governo, que possue todos os dados exactos, para conhecer das forças do Thesouro Publico, viu, que elle podia não só com as antigas mas ainda com as novas despezas. Mais insustentavel se torna pois a disposição do citado artigo.
Para mostrar, que esta disposição não. podia deixar de ser revogada, bastaria a simples reflexão de que, nem uma só classe dos Servidores do Estado tendo soffrido quebra em seus vencimentos, seria o mais injusto, que só a classe dos Officiaes de Marinha a soffresse.
Não posso com tudo, nem devo, prescindir de fazer vêr á Camara quanto esta desigualdade é revestida de circumstancias aggravantes; por que o meu objecto principal é mostrar a actual, situação, dos nossos Officiaes de Marinha. E força incitar por todos os modos a attenção do Governo e da Camara sobre as cousas da Marinha.
A que classe de Servidores do Estado se applicou aquella reducção? A quantos individuos desta classe? Qual a influencia desta medida na diminuição da verba final da despeza publica? Cursam-se muitos annos de estudos theoricos e practicos. Soffrem-se (incommodos e privações, sem aquelles mesmos confortos, que possuem os navios de guerra das outras nações vivem cercados de perigos e trabalhos; e mui
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las vezes nas doentias paragens da Africa: e tudo isso para que? Para se chegar a ser Segundo Tenente de Marinha! Para ser Segundo Tenente de Marinha são precisos 5 annos de estudos e 3 annos de embarque fóra da barra. A maior parte dos nossos Officiaes embarcam para as mortiferas regiões Africanas: poucos são aquelles, que tem a sorte feliz de navegar em melhores navios para climas melhores: a maior parte peregrina nos cruzeiros de Africa! Pauci vero electi! De cada vez que sóbe ao Ministerio da Marinha um novo Ministro, repete-se, publica-se de novo, a antiquissima Ordem da Armada, para que o serviço se faça por escala, para que o bom e o máo se reparta o mais igualmente possivel por todos: e ainda virá a vez primeira, que esta ordem justa e humanitaria se cumpra! Uns passam annos e annos nas moradas das febres, outros sempre em terras sadias! Esta é uma das causas da decadencia da nossa Marinha.
A quantos destes individuos se applica a dita reducção? A duas duzias, se tanto; porque não são muitos os navios em armamento no Tejo. A maior parte, sondo Segundos e Primeiros Tenentes, a reducção é de 200 réis diarios por Official; porque a importancia das comedorias para estes postos é um cruzado diario. Mas note a Camara, que esses 200 réis diarios, que se poupam á Fazenda Publica, não são em todo o anno: são unicamente em quanto os navios não sáem a barra, em quanto se conservam no Téjo.
Os navios armados no Tejo são: ou de serviço per manente; ou para estarem ás ordens, e poderem saír a qualquer commissão, perto de Portugal; ou em quanto esperam o tempo de poderem saír para os seus destinos na Africa, Azia, etc. Eu perguntara a toda a Armada, se ha nella um só Official, que queira trocar pelo serviço do registro do porto o da navegação no oceano aberto. Os navios armados ás ordens não estão sempre no Tejo: sáem em commissões; e outras vezes sáem a barra para acudir aos náufragos, ou para algum accidente maritimo. muitas vezes neste renitente inverno tem sido empregados os seus Officiaes naquelle humanitario e glorioso serviço; porque é glorioso salvar a alheia vida com o risco da propria. Quando voltam ao Téjo, ainda bem não está enxuta das borrascas a sua honrosa fardeta, já está sobre elles a foice do artigo 1.º do Decreto de 6 de Novembro! Não são pouco frequentes no Tejo os temporaes e avarias. Ainda não ha muito tempo, na noite de 9 para 10, arreou os mastaréos a Não ingleza no principio da noite: e o temporal, que inundou logo a tolda britannica, não caiu tambem sobre os hombros dos Officiaes Portuguezes? Tambem nessa noite tempestuosa tiveram de menos para o seu sustento 200 réis. A que outra classe de Officiaes se lira alguma cousa em suas gratificações ou maioria de soldos, porque marcha na estação chuvosa ou no estio, por provincia de peiores ou melhores caminhos, ou quando se acoita a algum povoado em quanto passa o máo tempo?
Esteve no Téjo muitos mezes um brigue de guerra com destino para Angola, o brigue Moçambique. Mais de uma vez se annunciou a sua saida; e outras tantas ferrou os pannos; porque o tempo não lhe permittia accommetter a barra, e outras tantas vezes se cercearam os vencimentos aos nossos homens do mar. Saíu finalmente: lá vai buscando as nossas terras de Africa! Mal sabe, porém, a Camara; e poucos saberão dos que me ouvem; que os Officiaes, que. o conduzem, quando chegarem a essas paragens mortiferas, ahi terão os seus vencimentos ainda mais reduzidos do que eram aqui, á vista dos seus amigos e parentes, debaixo do céo benigno do pobre Portugal! Direi á Camara como, e não terei descripto a vida de um Official da Marinha Portugueza Em Angola a nossa peça de oiro de oito mil réis vale treze mil réis, dinheiro da terra: a pataca quinze a dezeseis tostões: os seus pagamentos fazem-se em dinheiro da terra. A maruja, os marinheiros portuguezes, os marinheiros por excellencia, sustentam-se de farinha de pão em logar de pão, e de cachaça de Angola em logar de vinho! Ditosa condição: ditosa gente! Havia certa classe, que recebia, não sei se ainda recebe, os seus ordenados em libras esterlinas ira razão de 4120 a libra. Os nossos Officiaes de Marinha recebem os seus salarios na razão de treze mil réis a moeda de ouro. Haverá uns dez annos, que foi ordem para se pagarem com 25 por cento de accrescimo; mas então a peça cambiava-se por dez mil réis; e a depreciação tem progressivamente augmentado. Não me parecia, que fosse precisa ordem alguma segundo as circumstancias: a ordem deve ser permanente: o navio deve leval-a para onde quer que vá — a de pagar com attenção ao cambio, de modo que recebam o mesmo que aqui receberiam — porque só assim é que se cumpre a Lei: só assim é que se paga o que a cada um se deve.
Não só se paga com reducção por causa do cambio, mas até com atraso, mesmo agora que em Lisboa se paga em dia aos Officiaes, que aqui se acham. Todos pensariam, que a verba, que pelo Orçamento approvado pelas Côrtes pertence a um navio, a elle pertenceria sempre onde quer que estivesse; mas não acontece assim Como teremos então Marinha?
Crearam-se muitos logares, para os quaes tem entrada Officiaes das diversas Armas: a estes logares correspondem gratificações; não tem entrada nelles os Officiaes da Armada.
Fez se uma Lei para haver na maior parte das nossas Legações logares de Addidos para Officiaes do exercito: não os ha para os Officiaes da Armada.
Seguia-se como principio geral o nomear com preferencia para os Governos do Ultramar Officiaes de Marinha. Receio, que este principio decaia, pois começo a vêr prevalecer o contrario. Não desconheço, que se não deve coarctar ao Governo a liberdade de escolher os seus Empregados, principalmente para os logares das primeiras Auctoridades. Mas se ha no exercito Officiaes distinctos, instruidos, habeis, e capazes de desempenhar as mais importantes commissões do Estado, tambem os ha entre os Officiaes da Armada. Logo deve-se estabelecer e seguir algum principio regulador para essas nomeações, que são bastante diversas das commissões no Reino. Ora não é difficil demonstrar, que ha mais propriedade em nomear para os Governos no Ultramar Officiaes de Mar do que Officiaes de Terra. Além disso, é necessario não diminuir mais o numero das commissões mais proprias dos Officiaes de Marinha, já em si incomparavelmente menor que o das commissões dos Officiaes do exercito, guardada ainda a proporção dos numeros de uns e outros Officiaes.
A profusão de Official de Marinha está muito pouco favorecida. Não podemos fazer florecer as nossas Colonias sem Marinha; mas para ter boa Marinha, pre-
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cisamos de bons Officiaes: estes não se fazem, subtraindo-lhes cada vez mais as vantagens; dando-lhes menos vantagens que as antigas Leis e practicas.
Uma das causas da decadencia da nossa Marinha Militar é, como observei, o não fazer, as nomeações de embarque por escala, de modo que não sejam condemnados para as viagens de Africa uns Officiaes, em quanto outros conseguem sempre embarcar, em melhores navios para melhores climas. Desta preferencia, que não é moderna, resulta, que muitos Officiaes se esquivam, por varios modos, a embarcar para Africa; porque preferem o simples soldo de desembarcado ás maiorias de embarque na Costa de Africa, onde já tem estado e soffrido.
Outra causa da decadencia é o methodo, porque se faz a distribuição das viagens, se methodo é; porque póde-se dizer, que tudo se reduz a mandar alguns navios para os cruzeiros da repressão do trafico da escravatura. Elles ahi ficam annos e annos como esquecidos, estragando-se os cascos, e diminuindo de instrucção tanto os marinheiros como os Officiaes; porque não e a bordo de navios estacionados, que uns e outros se podem aperfeiçoar nas artes náuticas. Tenho como cousa possivel, e possivel desde já, que com os navios, que temos, não fallo senão daquelles que estão em bom estado de navegar, póde o pavilhão portuguez mostrar-se de quando em quando pelos portos das diversas Nações maritimas, rendendo-se uns aos outros, em curtos periodos, para estas excursões, e ao mesmo tempo para o serviço dos cruzeiros, com todas as vantagens da instrucção e saude. É indispensavel, que a nossa bandeira appareça, pelo menos uma vez no anno, na costa e contra-costa do Novo Mundo. Quem acreditará, que as novas republicas da America ainda não viram, nem se quer uma vez, o estandarte dos primeiros navegantes, dos primeiros descobridores maritimos! Mas para isso é preciso, — que as velhas do Orçamento, approvadas pelas Côrtes para um certo numero de vasos de guerra, não sejam desviadas para outras applicações e destinos.
O Decreto deo de Agosto diminuiu os direitos de entrada do chá: tornou extensiva a importação deste genero em navios de todas as bandeiras, e de qual, quer procedencia. Bem; mas concedendo favor unicamente á bandeira portugueza, e não ao porto portuguez na China, vai ella buscar aquelle genero a Gibraltar, Inglaterra, Estados-Unidos, e não á China; porque com menos delongas, menos empate de capitaes, menos riscos, menos despezas, e menos demoras nas transacções, consegue o mesmo beneficio. Não posso attribuir esta imprevidencia senão a falla de reparo; mas eu tenho a esperança no zelo e illustração dos Srs. Ministros, de que o mal se ha-de remediar de prompto, formando-se para cada uma das nossas Possessões uma pauta particular, em que se attenda ás diversas especialidades dellas. Não deixarei, comtudo, de ponderar á Camara, que além dos prejuizos, ainda que menores, que o citado Decreto causou a Macáo, outros de maior vulto produziu para o commercio e navegação portugueza. O unico genero valioso, que ía de Lisboa para Macáo, em permutação do chá, era a vinho: o Decreto eliminou pois este mercado. Os nossos melhores pilotos e marinheiros formavam-se nas viagens d'além do Cabo: acabará tambem esta vantagem seu o indicado remedio. O justo pundonor nacional alguma Cousa soffreu tambem: porque, depois do Tractado de Nankin, tem
affluido, aos portos da China navios de todas as nações: e é justamente nestas circumstancias, que os nossos, poucos que eram, estão expostos a não tornar a ver os mares, primeiro vistos por nós!
A Legislação anterior ao Decreto de 31 de Dezembro nacionalizava os generos e artefactos de qualquer origem, que, nas nossas Possessões da Africa Oriental e India s, carregassem sob a bandeira portugueza: foi esta Legislação que levou alguns navios a Moçambique o Gôa. O-Decreto de 31 de Dezembro riscou esta vantagem, que era a unica, que podia convidar para esta navegação commercial. Nem nisto soubemos imitar os Inglezes, que a algumas das suas Possessões na Asia concedem este favor!
Nestas observações não levei em vista dirigir a menor censura ao actual Gabinete: quiz sómente chamar a attenção do Governo e da Camara obre o actual estado da nossa Marinha Militar, e Mercante que navega para as Possessões d'além do Cabo. Terminarei, pedindo aos Srs. Ministros, que julguem, se é justo, se é humano, que se conserve a mesquinha reducção do artigo 1.º do Decreto de 6 de Novembro de 1851, e recommendando com o maior empenho a S. Ex. o objecto da organisação de pautas parciaes para cada uma das nossas Colonias. O Additamento, que proponho, é o seguinte: Aditamento: — Proponho que ás palavras, = no Reino e nas Provincias Ultramarinas se accrescentem as seguintes... a elevação da Marinha Militar do seu decadente estado...
De modo que o periodo fique assim: «A organisação da Fazenda Publica e Militar, o melhoramento da Administração da Justiça, o vigoroso fomento da Agricultura, das Aries, e do Commercio a elevação da Marinha Militar do seu decadente estado, são sem duvida as nossas primeiras necessidades. — Pegado....
O Sr. Presidente: — O Sr. Mello e Carvalho mandou hontem, para a Meza uma Proposta, que se vai agora lêr para vêr se a Camara a admitte á discussão.
Foi lida na Meza, e é a seguinte: Emenda (á primeira parte do §.): — A Camara dos Deputados, profundamente convencida de que o Governo Monarchico Representativo-Constitucional, no estado actual da civilisação, dos costumes e das instituições de grande parte da Europa, é a unica fórma possivel da liberdade politica, deplora que o Governo, que deve ser o primeiro a dar exemplo de respeito á Constituição do Estado e ás Leis, fosse o proprio, sem justo fundamento, que invadisse o Poder Legislativo com manifesto excesso de Poder; espera com tudo que igual acontecimento não será repetido, e tomará como Propostas do Governo, para serem convertidas em Projectos de Leis, as medidas Legislativas decretadas na ausencia das Côrtes, observando-se a seu respeito todas as prescripções constitucionaes. — Mello e Carvalho.
Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão, assim como o Additamento do Sr. Pegado, que igualmente foi admittido.
O Sr. Ministro da Marinha (Jervis de Atouguia): — Sr. Presidente, eu não pedi a palavra por parte do Governo para fallar pro ou contra a Resposta no Discurso do-Throno; está visto que se o tivesse feito era sempre pro; mas pedi a palavra para responder á parte das considerações apresentadas pelo Sr. De
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putado que acaba de fallar Não digo que não esteja de accôrdo com S. S.ª em muitas das suas opiniões, mas de uma grande parte discordo. Se v. Ex. intende que as observações, que tenho a fazer a este, respeito, podem ficar para outra occasião, como me parece que podem, porque de certo em dois ou tres dias eu não altero-cousa alguma do que o illustre Deputado deseja que seja alterado na Marinha, eu não tenho duvida em reservar para então a resposta que tenho a dar ao illustre Deputado.,
O Sr. Presidente: — Pois então é melhor ficar para outra vez, afim de se não alterar a ordem da inscripção.
O Sr. Barão de Almeirim: — Quando o nobre Marechal Saldanha emprehendeu o movimento de Abril de 1851, este paiz estava em más circunstancias; differentes Gabinetes se tinham succedido á lesta do Governo, que menosprezando toda a legalidade tinham tornado a Carta Constitucional uma pura ficção; os seus preceitos não eram por essas Administrações invocados senão para serem interpretados a seu bello prazer, e para serem infringidos todos os dias da toda a hora; a Representação Nacional não representava o paiz; — todos nós sabemos o modo porque essas eleições se faziam naquelle tempo, e esta base especial do Systema Representativo foi falsificada durante toda essa, época, porque a Representação Nacional não representava senão a vontade dos Ministros, que geralmente escolhiam os Deputados um a um. O paiz queixava-se contra este estado de cousas, e não era, attendido. Nestas circunstancias o Marechal Saldanha poz-se á lesta do movimento, proclamou no paiz, promettendo fazer cessar este estado de violencias; o paiz acceitando essa promessa abraçou aquelle movimento e deu-lhe o triunfo. Effectivamente se procedeu a uma eleição geral no paiz; esta eleição póde dizer-se, que foi livre na maxima parte delle, e deu em resultado uma Representação Nacional ver dadeira, e que merecia a sua confiança. Mas, Sr. Presidente, apenas esta Camara se reuniu e constituiu, para logo se reconheceu, que a Camara que tinha merecido as sympathias do paiz, não as merecia do Ministerio, porque logo no primeiro dia se patenteou que da parte do Ministerio não havia vontade de harmonisar e combinar sobre os negocios publicos com a Camara. Eu tive occasião de notar aqui que os Srs. Ministros deixavam de tomar o seu logar perante a Camara sem a guiarem e encaminharem nos trabalhos que lhe estavam incumbidos para maior utilidade, e vantagem do paiz.
É evidente, Sr. Presidente, que no Systema Representativo nenhuma Camara póde caminhar bem sem que o Ministerio se preste a auxilial-a sinceramente nos seus trabalhos. Isto não é dizer que é necessario que para o Systema Representativo caminhar, a Camara seja subserviente ao Ministerio; é necessario que haja accordo entre o Ministerio e a Camara e o Ministerio nunca quiz na Camara passada, ter interferencia nenhuma nos seus trabalhos. Neste estado de cousas era necessario que se seguissem conflictos entre o Ministerio e a Camara, listes conflictos appareceram e desgraçadamente o Ministerio especulando arteiramente entre estes conflictos, e a falla de accordo da Camara, conseguiu uma votação que compro-mettendo-n, lhe deo um pretexto para a dissolução, sendo estes, e não outros os motivos dessa dissolução.
Depois desta resolução todas as promessas do Marechal quando se pôz a frente do movimento de Abril, foram esquecidas. Dahi por diante todos os males que tinham dado origem, emotivo, a esse movimento foram praticados em maior escala. Nunca houve em Portugal um Ministerio tão prejudicial como este. Tem havido muitas Dictaduras neste paiz, mas não exemplo na historia dellas de que houvessem duas Dictaduras em pouco mais de um anno; e uma dellas, a ultima, absolutamente injustificavel. As Dictaduras devem ser sempre estygmatisadas, nunca se devem consentir no andamento regular do Systema Representativo; porque nenhum inimigo é mais terrivel deste Systema do que as Dictaduras, que destroem e vão minando a base desse Systema até que por fim dão com elle em terra.
Sr. Presidente, quando um acontecimento extraordinario tem subvertido a ordem publica, quando os Poderes Politicos do Estudo são confundidos em virtude do estado de anarchia que produz uma sublevação no paiz, ainda se póde admiti ir que então se estabeleça um Governo de facto, armado de Poderes extraordinarios; e para este ainda intendo que se conceda um Bill de Indemnidade pela Suprema Lei da Salvação Publica. Mas quando como o anno passado, o Governo se arroja a dar um golpe de Estado dissolvendo uma Camara que estava funccionando regularmente, eleita paio voto espontaneo do paiz, quando sem haver motivo algum que transtornasse a ordem publica estabelecida, quando sem haver uma unica revolta em parte nenhuma da Monarchia, quando, digo, o Governo saltando por cima de todas estas considerações dissolve a Camara e se investe dos Poderes Dictadoriaes, esse Governo está julgado, esse Governo commetteu um sacrilegio politico, que não têm remissão. Essa Dictadura deve condemnar-se.
O Governo, Sr. Presidente, investiu-se da Dictadura para atacar todos os artigos da Constituição do Estudo, todos os artigos mais essenciaes foram violado?. O Ministerio obrando assim quiz demonstrar até onde póde chegar o Poder de uma Dictadura. Não houve nada que fosse respeitado, não houve artigo fixado na Carta Constitucional que não fosse rasgado; o mesmo Acto Addicional que acabava de ser promulgado, com a approvação deste Ministerio, de que tanta gloria elle esperava colher, até esse mesmo foi violado e calcado aos pés.
O Ministerio creou tribunaes e estabelecimentos publicos, creou novos empregos; estabeleceu novos ordenados e augmentou outros lançou novos impostos ao paiz. N'uma palavra o Ministerio esgotou a seu arbitrio o Poder Dictatorial até onde era possivel. O Ministerio deu demais a mais a demonstração cabal de que não tem respeito nenhum pelas fórmas constitucionaes.
Sr. Presidente, o Governo Representativo é sem duvida aquelle que offerece mais garantias aos governantes e governados. Mas, Sr. Presidente, a base do Systema Representativo é a discussão parlamentar. O Governo fugindo de Dictadura para Dictadura, mostra que foge da discussão parlamentar, e que quer com isto demonstrar que o Systema Representativo, o Systema Parlamentar não é aquelle que mais convém, e com que deve ser governado este paiz. Quer mostrar que esses Systemas não servem senão para embaraçar o andamento do Governo. E por esta fórma, desvirtuando o Systema Repre-
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sentativo quererá, talvez chegar ao ponto de poder destrui-lo o anniquillado.
Sr. Presidente, ha todavia quem defenda esta Dictadura. Mas esses mesmos conhecem que é difficil perante os interesses do paiz defender as medidas que foram promulgadas.
Sr. Presidente, primeiro que tudo estão os principios; se nós os desprezarmos n'uma occasião que nos pareça proficua, outras se apresentarão, em que este despreso vá atacar a Constituição do paiz e as Leis do Estado, e a ordem publica seja destruida. Além disso, Sr. Presidente, as medidas promulgadas pela Dictadura hão de ser aqui analysadas, embora se busquem todos os meios de fugir a e-sn solemnidade. Hei de ter occasião, eu o espero, de fallar a respeito dellas, e emittir a minha opinião; mas hoje intendi que não podia deixar de fallar a respeito de algumas dellas, ainda que levemente, para fundamentar a minha opinião adversa á Politica do actual Gabinete.
Sr. Presidente, o ministerio intendeu que devia organisar a nossa Fazenda Publica, e o Sr. Ministro da Fazenda como preambulo para esta organisação apresentou o Decreto de 30 de Agosto, e em complemento dessa organisação veiu o Decreto de 18 de Dezembro. Sr. Presidente, o Decreto de 30 de Agosto produziu immediatamente um a lai me geral dentro do Paiz, porque involve uma verdadeira espoliação, o de 18 de Dezembro não produziu senão o descredito do Governo dentro e fóra do paiz. O Decreto de 30 de Agosto ainda poderia ser recebido, se tivesse a sancção do Parlamento, e se se tivessem levado a effeito as economias que se tornaram indispensaveis em todos os ramos do serviço publico, que o paiz altamente reclama. O Decreto de 18 de Dezembro produziu o descredito entre os credores estrangeiros, a tal ponto de o Governo Portuguez ser declarado na Praça de Londres como fallido de má fé, por um annuncio do St ok Exchange.
Sr. Presidente, daqui é que nascem todos os embaraços que o Governo tem achado para pôr era practica os melhoramentos materiaes de que o paiz carece; daqui nascem todos os embaraços que a Companhia Concessionaria do Caminho de Ferro de Leste tem encontrado em passar as suas Acções fóra e dentro do paiz. E não se venha aqui dizer, que as muitas Companhias que existem, é que promovem estes embaraços, porque nada disto é crivel. Sr. Presidente, se tal existisse, o que isso demonstrava, era a existencia de credito superabundante, e neste caso, embora alguem quizesse embaraçar e por tropeços á Companhia Concessionaria, os seus esforços seriam baldados, os capitaes buscariam emprego, porque o capitalista o que deseja é obter o maior lucro, e ler segurança na collocação dos seus fundos. Neste negocio o lucro não lhe fallava, póde dizer-se que é até exorbitante, em relação aos juros das Praças Estrangeiras; o que lhe fallou, Sr. Presidente, foi a segurança, porque aquelle que contractava está desacreditado, e por isso é que a Companhia tem achado esses embaraços, por isso é que os capitaes tem fugido desta Empreza.
Eu já pedi ao Sr. ministro esclarecimentos a este respeito, o Sr. Ministro-não se tem dignado mandar-mos, talvez que, se elles tivessem vindo, eu tivesse podido modificar mais as minhas opiniões; mas como elles não vieram, como elles não tem apparecido, eu persisto nellas.
Ainda proseguindo no intento de organisar a Fazenda Publica o ministerio pormulgou um outro acto, um outro acto, Sr. Presidente, que longe de organisar a Fazenda não ha de senão produzir a desordem, não, ha de senão promover a anarchia no paiz; e desgraçadamente eu prevejo que essa anarchia não ha de ser a anarchia mansa que tem merecido as complacencias do Sr. do Ministro do Reino, ha de ser esta anarchia que foi provocada noutra occasião por uma medida similhante — fallo do imposto de repartição. — Esta medida já se quiz pôr em practica noutra época, e o resultado della qual foi?... Foi a revolução mais espantosa, a revolução maior que nós ainda vimos desde 1833; e agora, Sr. Presidente, antolha-se-me que o resultado será o mesmo, porque esta medida foi o mais inconvenientemente promulgada; esta medida poderia ser bem recebida se todos os trabalhos preliminares estivessem concluidos: mas nós que não temos Trabalhos preliminares nenhuns, não estamos em estado de poder pôr em practica esta medida. Lança-se para o paiz essa bomba sem querer saber qual será o resultado! Eu já o prevejo, Sr. Presidente, o resultado ha de ser talvez uma conflagração no paiz como aconteceu n'outra época.
Sr. Presidente, quasi todas as medidas desta ultima Dictadura teem o cunho da precipitação, e o tempo ha de demonstrar que todas ellas falham na baze, pela falla de reflexão, e profundo exame que presidiu á sua promulgação.
Sr. Presidente, querer promover os melhoramentos materiaes do paiz é de certo o intento mais proveitoso e mais louvavel que póde ler qualquer Ministerio; mas para conseguir esse fim ha só e unicamente dois meios, é preciso ler um cofre bem recheado de dinheiro aonde se vão buscar os. fundos para se pagar áquelles que tomem as emprezas, áquelles que trabalham, ou então ler credito para II sombra delle poder emprehender essas obras, e poder leva-las avante; mas, Sr. Presidente, esse cofre desgraçadamente não existe, os cofres do Estado estão bem limpos de toda a qualidade de moedas, e o credito... o credito que já estava tão vacillante, as medidas da ultima Dictadura deram com elle em terra completamente. E então, Sr. Presidente, como é que se hão de executar esses melhoramentos materiaes do paiz?.. Aonde estamos nós! Nós todos conhecemos isto perfeitamente.
Sr. Presidente, tinha eu dicto que um dos motivos principaes que deram causa ao movimento de Abril, que deram motivo para o paiz adherir a elle, era a falsidade com que se faziam as eleições. A primeira eleição que se fez depois desse movimento, já eu disse que foi na maxima parte do paiz livre; mas, desta segunda, Sr. presidente, poderei eu dizer o mesmo?.. Aqui dentro desta Casa já foram apresentadas, já foram demonstradas as violencias, as fraudes e os subornos que se practicaram durante esta ultima Dictadura por occasião das eleições; o proprio Sr. Ministro do Reino outro dia confessou aqui que effectivamente se tinham practicado crime', que alguns crimes tinha havido, e no entretanto, Sr. Presidente, ainda até hoje me não consta que o Sr. Ministro désse uma unica ordem, uma unica providencia para que estes crimes fossem castigados, para que fossem processados os auctores delles, e em fim para que fossem stygmatisados, e a Moral publica recebesse lima satisfação!
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Sr. Presidente, concluindo direi que este Governo não póde de modo nenhum ser absolvido da culpa que lhe cabe pela infracção inaudita que commetteu assumindo os Poderes Dictatorios depois da dissolução da Camara passada, e que em consequencia disso deve por todos os modos esta Camara dar uma demonstração de que ella repelle esse facto, e que o censura por todos os meios ao seu alcance.
Portanto rejeito a Resposta ao Discurso da Corôa contida no Parecer da Commissão que se está discutindo, e approvo a emenda apresentada pelo meu amigo o Sr. Mello e Carvalho.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro da Marinha quer agora usar da palavra?
O Sr. Ministro da Marinha: — Sr. Presidente, o Sr. Deputado por Macáo, quando começou a fallar disse que fazia algumas observações, afim de serem tomadas por mim na consideração devida... Não sei se está presente o Sr. Deputado. (Unia voz: — Não está presente) Então pedia a v. Ex. que me transferisse ainda a palavra para quando o estivesse.
O Sr. Presidente: — Então fica reservada, e tem agora a palavra o Sr. Ministro da Fazenda.
O Sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. Presidente, como o illustre Deputado que acaba de fallar foi breve e ponderoso, ainda que bastante incisivo nas suas reflexões ao Ministerio, farei diligencia para responder em poucas palavras tambem aos poucos argumentos apresentados pelo nobre Deputado.
Permitta-me porém v. Ex. e a Camara que eu me defenda a mim e ao Gabinete, de que tenho a honra de fazer parte, da insinuação que o illustre Deputado nos fez de que o Governo fugindo de Dictadura em Dictadura, queria comprometter o Systema Parlamentar.
Não tarda de certo muitos dias que não tenha de vir á discussão desta Camara o Parecer que ha de interpor a illustre Commissão que hoje foi nomeada para examinar os Actos da Dictadura, e parece-me que será então occasião opportuna para o Governo se justificar, e a Camara apreciar devidamente, o acto, pelo qual elle assumiu os Poderes Extraordinarios, que produziram a segunda Dictadura.
Que o Governo quer o Systema Parlamentar, que o deseja e contribue para que elle exista no Paiz com todas as suas forças, ve-se pelo proprio facto da nossa reunião nesta Casa; vê se pelo facto do discurso do nobre Deputado; creio que se o Governo se conspirasse contra o Systema Parlamentar, não teriamos nós tido o prazer de ouvir o illustre Deputado o Sr. Barão de Almeirim.,
O illustre Deputado — que fez reflexões ponderosas, como disse ha pouco, sobre alguns actos importantes da Dictadura, com quanto, como disse mesmo S. Ex.ª, não fosse esta a occasião opportuna, porque S. Ex.ª se reservava para discutir quasi todos, quando tivessem de vir a esta Camara — fallou especialmente do Decreto de 30 de Agosto e do de 13 de Dezembro; mas permitta-me o illustre Deputado que lhe diga que as conclusões que tirou em relação áquelle primeiro Decreto, não são exactas; não foi o Decreto de 30 de Agosto que produziu a declaração do Stock Exchange foi o de 18 de Dezembro (O Sr. Barão d'Almeirim: — Peço perdão; queria dizer o de 18 de Dezembro) pois bem; mas as conclusões que o nobre Deputado tirou não são exactas.
O que é certo, Sr. Presidente, é que a questão dos caminhos de ferro não está vinculada, como se procura vincular a esta ou outra questão, proveniente das medidas adoptadas pelo Governo na ultima Dictadura: a questão dos caminhos de ferro não se acha prejudicada nem pela declaração do Stock Exchange, nem pelas medidas tomadas pelo Governo.
Eu já tive occasião de dizer á Camara, o que havia a este respeito, e mandei publicar no Diario do Governo os documentos officiaes a respeito do negocio do caminho de ferro, negocio importante para a Camara e para o Governo. Vejo que o illustre Deputado não ficou satisfeito com aquelles documentos, e que desejava que eu o informasse de quaes eram as Companhias, que disputavam a empresa da feitura do caminho de ferro em Portugal. O illustre Deputado mandou, e verdade, um pedido para a Meza, para que o Governo desse esclarecimentos ácerca do objecto do caminho de ferro; porém v. Ex.ª e a Camara sabem, que todos estes pedidos de esclarecimentos que se fazem ao Governo, intende-se sempre, quando são approvados, que é não havendo inconveniente em satisfazer ao que se pede. No caso em questão, Sr. Presidente, haveria o maior inconveniente em satisfazer ao pedido. —
Pois eu havia de vir declarar á Camara, que esta ou aquella Companhia disputava a feitura do caminho de ferro, e que estava intrigando na Praça de Londres contra a Companhia, que deste caminho tem já a concessão provisoria? Não ficava o Governo impossibilitado d'ahi em diante de contractar com algumas dessas Companhias, se isso fosse preciso, quando tivesse declarado, que esses individuos eram intrigantes na Praça de Londres? Pode exigir-se similhante cousa do Governo? De certo não (Apoiados). Se a Camara não acredita na minha palavra, se a Camara não acredita que effectivamente ha outras Companhias que desejam fazer o caminho de ferro, acreditará ao menos na Acta, que se lavrou no Ministerio do Reino, quando se fez a concessão provisoria á Companhia, que actualmente a tem. Pois não sabe o illustre Deputado que havia duas propostas ácerca deste objecto?
Sr. Presidente, o que o nobre Deputado deseja saber em relação ás Companhias que pertendem fazer o caminho de ferro, não o posso satisfazer, porque é inconveniente á causa publica, não posso satisfazer ao pedido do nobre Deputado, porque posso comprometter com taes declarações o resultado do caminho de ferro. Eu seria indigno de occupar estas cadeiras, se viesse aqui, pelo gosto de mostrar uma certa franqueza da parte do Governo, comprometter um melhoramento tão importante para o Paiz (Apoiados). eu não podia portanto satisfazer ao requerimento do nobre Deputado: por tanto não foi por menos consideração nem para com o nobre Deputado, a quem respeito muito, nem para com a Camara, a quem por todos os titulos igualmente respeito, que deixei de satisfazer ao requerimento do illustre Deputado. Eu esperava achar-me na Camara em qualquer occasião, antes da ordem do dia, para poder dizer ao nobre Deputado, quaes eram as rasões, porque o Governo não podia satisfazer áquelle pedido. Eu podia responder ao requerimento por escripto, mas pareceu-me mais urbano, e mais cavalheiro vir aqui mesmo declarar de viva voz a S. Ex.ª os motivos, porque não podia satisfazer ao seu pedido.
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Mas, o negocio do caminho de ferro não está prejudicado por isso, nem espero que seja prejudicado; o Governo tem tomado as suas providencias como não podia deixar de tornar: o Governo marcou util praso fatal para a Companhia actual se habilitar definitivamente; esse praso termina no tempo proprio; e no caso que a Companhia não satisfaça; depois fica o Governo perfeitamente habilitado para contractar com outra qualquer Companhia. Mas seria conveniente que o Governo deixasse de observar todas as condições, a que Sé ligou pelo acto da concessão provisoria? Se da sua parte fallasse, seria isso então um elemento de credito? Seria esse O meio de encontrar uma outra Companhia para contractar a feitura do caminho de ferro, se esta não podesse levar avante, o que contractou? Parece-me que não; O Governo fez pois o que devia; e neste ponto o nobre Deputado não tem rasão nas arguições que lhe fez. —,
O illustre Deputado disse tambem, que o Decreto de 30 de Agosto era uma violenta espoliação. E este um negocio que hei-de tractar em logar competente, mas não se intenda, que não estou prompto para tractar delle desde já. O illustre Deputado disse que este Decreto era uma violenta espoliação, não disse mais nada (t) Sr. Barão d'Almeirim: — Porque não era o logar competente). Muito bem; mas eu estou respondendo ao que o illustre Deputado disse. O illustre Deputado disse, que este Decreto era uma violenta espoliação, não disse mais nada, e eu direi, que não é uma violenta espoliação: á as, secção do nobre Deputado opponho esta contradicção, e nada mais: se o nobre Deputado dissesse — este Decreto e uma violenta espoliação, e demonstrasse, em que ella consistia, então faria eu a diligencia para mostrar o contrario; mas como é illustre Deputado se reserva para occasião opportuna, eu tambem me reservo para essa occasião, e então será a questão, devidamente avaliada; mas parece que no momento actual não devia ficar silencioso, ouvindo a asserção do nobre Deputado.
Sr. Presidente, o illustre Deputado na apreciação que fez das medidas do Governo, e que lhe mereceram mais censura, comprehendeu tambem a da contribuição da repartição directa. O nobre Deputado vê diante de si o spectro da revolução de 1846, e suppõe, creio eu, que uma outra revolução virá impedir que -o Governo leve por diante o seu pensamento. Eu espero melhor da Providencia, o Governo não tem razão nenhuma, absolutamente nenhuma, para suppôr que se verifiquem as scenas de 18-46, nem cousa? que se pareça com isso, em consequencia do Decreto de 31 de Dezembro, que fixa o systema da contribuição directa de repartição. Neste ponto, como em todos os pontos graves, o Governo tem assentado a sua opinião definitiva: para mim e objecto fóra de duvida, que a contribuição da repartição directa e o unico elemento, que nos póde salvar doestado desgraçado, em que nos temos achado por muitos annos, estou convencido que não ha organisação seria da Fazenda Publica, sem que se leve a effeito o systema da contribuição directa. (Apoiados).,
Sr. Presidente, os nossos tributos fundam-se em contribuições indirectas, e principalmente no rendimento das nossas Alfandegas: este rendimento e puramente eventual, póde, de um momento para o outro diminuir, e diminuindo, o que lesta, Sr. Presidente? Que base é esta da organisação da Fazenda, que é fundada sobre uma receita, que até certo ponto se póde considerar eventual? Não comprehendo pois que se possa organisar definitivamente a Fazenda Publicassem que se estabeleça o systema da contribuição de repartição, que além de tudo o mais é o que apresenta mais vantagem, é o mais igual, é o mais justo, o mais equitativo, e menos gravoso para os povos; é o que ha de proteger os pequenos contra os poderosos (Apoiados), porque são os poderosos os que fazem guerra, e se oppoem ao systema da contribuição de repartição directa (Apoiados). O povo pequeno paga em toda a parte, e ás vezes é até vexado, quando lhe é summamente difficil arranjar os meios com que satisfazer os impostos... (O Sr. Barão d'Almeirim E pelo systema da contribuição directa ainda ha-de soffrer mais) Não ha de soffrer, não, Senhor — É preciso conhecera indole do systema: é preciso saber que o systema da contribuição da repartição vai affectar as fortunas ria proporção dessas mesmas fortunas, isto é, cada um ha de pagar na razão do que tem (Apoiados); e não ha de continuar a fazer-se como até aqui, que os lançamentos eram feitos pelos poderosos, a seu talante, e em seu proveito, em quanto que os peque nos pagam tudo, ou quasi tudo, e os poderosos não pagam nada, ou quasi nada. (Apoiados) Os poderosos não pagarão conforme fôr a sua vontade, mas sim conforme u sua fortuna; e não se assuste o nobre Deputado com as consequencias do systema da contribuição de repartição (O Sr. Barão d'Afanei-rim: — Não me assusto nada.) Mas diz que ha de haver uma revolução, e eu de certo assustava-me, se me persuadisse que isso havia acontecer. (Apoiados)
O Governo foi extremamente cauteloso na promulgação deste Decreto: não restabeleceu O systema da contribuição da repartição em toda a parte, nem em todos os pontos, como foi decretado em 181-5. O Governo quiz plantar esta instituição, sem offender os principios, nem tão pouco a susceptibilidade dos povos que tinham ainda muito frescas as tradições da revolução de 1846. O Governo applicou o systema dá contribuição da repartição á contribuição predial, e nos termos designados no mesmo Decreto, não por que eu não intenda que se não devia applicar igualmente a todas as contribuições do paiz, mas porque é preciso não comprometter o systema com um segundo ensaio, e não o prejudicar para sempre, ò que aconteceria sé elle se adoptasse, sem se terem tomado todas as cautellas necessarias.
E certo que não temos os trabalhos Cadastraes que possuem outros paizes; é certo que não temos as matrizes que são indispensaveis, — para que este systema possa completamente desempenhados seus fins, mas o nobre Deputado deve lembrar-se tambem que não somos nós o unico paiz que estabelecemos o systema da contribuição dê repartição sem esses elementos. O Governo não procura formar desde já as matrizes da contribuição de repartição com o desenvolvimento que-elle deve ter com o andar dos tempos, e não o procura, porque julga impossivel, ou quando não muito difficil podel-o conseguir até ao principio dó anno economico proximo futuro. O Governo ainda mandou fazer o lançamento, hão para que se seguisse o systema derogado, mas para que
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elle servisse de esclareci monto á Junta dos Repartidores, a fim de que procurasse ser quanto possivel equitativa na distribuição do imposto: portanto, fazer tudo desde já seria comprometter o resultado da medida, e o Governo servindo-se do lançamento, ha de procurar remover todos os inconvenientes que traz comsigo a natureza do systema da contribuição de repartição. O Governo espera que pelo emprego das diligencias e dos meios suaves e convenientes que as Auctoridades suas delegadas hão-de empregar nos diversos districtos do Reino, hão-de fazer ver aos povos que o systema da contribuição da repartição, lonje de ir vexar os seus interesses, ha de fazer com que a contribuição que são obrigados a pagar para as despezas do Estado, lhes seja mais equitativa e distribuida como mais justiça. Eu tenho que responder a algumas observações do meu
Illustre Amigo o Sr. Deputado por Macáo, o Sr. Pegado, mas como não quero misturar assumptos inteiramente differentes, como são os do illustre Deputado em relação áquelles sobre que discorreu o Sr. Barão d'Almeirim, e como tenho naturalmente de fallar outra vez na presente discussão, por isso reservo-me para então fallar neste ponto.
O Sr. Presidente: — A Ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje, mas ás tres horas forma-se a Camara em Sessão Secreta para o fim indicado no Officio do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, de que se deu já conta á Camara. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas da tarde.
O REDACTOR
José de Castro Freire de Macedo.