SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1886 503
Que importância teve então esta eleição e que força representam os eleitos?
Aqui está o resultado das reformas introduzidas na constituição do estado, com tanto apparato, e a que se ligava tão grande importancia!
Aqui está uma reforma que não serve para nada. Ao primeiro conflicto que appareceu, á primeira necessidade de ordem publica, que foi preciso satisfazer depois d'estar em execução a reforma, o primeiro remédio que se julgou necessario foi afastar para bem longe os novos eleitos do povo, porque só na ausência delles é que o governo podia satisfazer as aspirações do paiz!
Eis aqui os primeiros effeitos das monumentaes reformas políticas, votadas no anno passado !
Mas vamos seguindo. Como é que se nega redonda e abertamente um adiamento, sem ouvir o conselho d'estado?
Sempre que o Rei se proponha exercer qualquer das attribuições próprias do poder moderador, com excepção da nomeação e demissão dos ministros, deve ser ouvido o conselho d'estado.
Ora, à corôa exerce funcções próprias do poder moderador, tanto quando concede, como quando nega o adiamento das cortes, que lhe é pedido pelo poder executivo como medida de salvação publica! Não podia portanto negar o adiamento sem a reunião previa do conselho d'estado.
Para haver coherencia em toda esta aberração constitucional, até se invoca a confiança da coroa, como elemento de conservação dos governos no systema representativo!
O que é a confiança da corôa nas instituições de um povo livre?
A confiança da corôa é a que a rainha de Inglaterra depositava em Gladstone, quando ha dias o chamava ao seus conselhos, em nome da camara dos, communs, e em nome da maioria do povo inglez.
A corôa não tem nem deixa de ter confiança em qualquer ministerio por estar em accordo ou em desaccordo com as opiniões dos ministros. A corôa não tem nem póde ter outra vontade senão a que lhe indicarem as manifestações parlamentares e as demonstrações da opinião publica.
O que não for isto é absolutismo puro, ainda que disfarçado nas apparencias da legalidade constitucional.
Os ministros não vivem da confiança da coroa, nem desapparecem dos conselhos do governo pelo desfavor do monarcha.
A corôa não póde impor a demissão aos ministérios que são sustentados pelos corpos legislativos e pela força da opinião publica. O exercício das funcções do poder moderador representa apenas a homologação do veredictum do grande jury parlamentar e popular. Só este jury é que é soberano. Em nenhuma outra parte reside a soberania.
Bem sei que nós vivemos ha largos annos em pleno dominio de governo pessoal, e que nos últimos tempos nem já se guardam as apparencias das formulas constitucionaes. Temos tido quasi sempre governo absoluto por dentro e governo constitucional por fora.
Hoje, porém, nem as conveniencias constitucionaes já se respeitam.
Hoje nem os ministros demissionarios se importam com fazer declarações que accentuem de modo bem frisante o regimen de governo pessoal em que vivemos.
Em Portugal, com mais de cincoenta annos de vida constitucional, faz-se o contrario do que se faz em Inglaterra.
O partido hoje representado no ministerio inglez não veiu da confiança da coroa. Veiu dos meetings, dos comícios, das manifestações parlamentares, e da campanha que empenhou na urna perante a opinião. Subiu ao poder por direito de conquista, pelo esforço livro e declarado da vontade popular.
Nem ha confiança que seja legitima, nem que dure, nem que aproveite aos interesses do paiz, senão a que vem das demonstrações parlamentares e das manifestações da opinião publica.
Já vamos tão longe n'este affecto publico pelas formulas do antigo regimen, que o actual presidente do conselho do ministros, levantando a phrase do ministro demissionário, que declarava ter vindo do acaso este ministério, escudou-se tambem com a confiança da coroa.
A confiança da nação deve ficar sempre de parte.
Eu estou tão isolado nestas questões de princípios e de governação, que é raro não me adiar em desaccordo com estes grandes partidos da governança.
Assim o partido progressista odeia tanto os meetings de 1831, como o partido regenerador detesta os de 1886; e eu applaudo os meetings feitos em 1881 e 1 S 8 é, como todos os meetings pretéritos e futuros que se mantêem dentro da ordem e da legalidade.
Sr. presidente, tocou-se agora o hymno da Maria da Fonte por esse paiz fora? Folgo muito com isso.
Se o paiz não se tivesse esquecido tanto do hymno da Maria da Fonte, talvez que as cousas publicas não houvessem chegado ao triste estado em que hoje se acham!
O povo queria eu ver na rua a tocar o hymno da Maria da Fonte, sempre que n'esta e na outra casa do parlamento se votam despezas sem conta, nem peso, nem medida.
Os contribuintes deviam lembrar-se de que os poderes públicos, quando decretam despezas, às vezes bem superiores às forças do paiz, estão acceitando letras que o povo, e só o povo, ha de pagar.
Era este o caso em que os cidadãos se deviam juntar, e tocar o hymno da Maria da Fonte, e veriam como o paiz andava mais bem governado.
Sr. presidente, quando ministerios inpenitentes e maiorias facciosas se collocam obstinadamente do lado dos interesses do poder contra a vontade pronunciada da nação, não ha outro meio de valer á causa publica se não chamar o povo á vida e promover a agitação legal e a insurreição pacifica dos contribuintes contra os esbanjadores dos seus haveres e contra os algozes das suas liberdades.
Por isso, sr. presidente, eu approvo e applaudo os meetings de 1881 e de 1886, e todas as manifestações populares realisados dentro dos limites da legalidade e da paz publica, que tenham por fim velar pela causa da nação, pelos interesses do contribuinte, e pelas franquias populares.
Desgraçadamente, depois de tão longo período de governo constitucional, continuamos a ter ministérios que entram e ministérios que saem, não em nome das manifestações dos corpos legislativos, não em nome das indicações da opinião publica, mas em nome da confiança da coroa, confiança que não tem valor, nem póde invocar se senão quando tem por fundamento o apoio parlamentar e a força da opinião.
Mas porque se não tem aclimatado o governo representativo entre nós, e porque continua a derivar-se da confiança da corôa toda a força governativa? Por uma rasão muito simples; porque com uma constituirão, em que a força é da corôa e não ao do povo, e com urna legislação administrativa, tão extraordinária e violentamente centralisadora, que o ministro da fazenda é quem despacha o guarda da alfândega, e o ministro da justiça quem nomeia o escrivão do juiz ordinário, só tem a força quem tem o poder, e só tem o poder o homem a quem a confiança da corôa o dá!
Ora, com similhante situação política a reorganização radical da fazenda publica será difficilima, senão impossivel.
O patriotismo e o, boa vontade dos poderes públicos não poderão levar ao cabo a resolução da questionario financeira sem reformas profundas na constituição do estado e sem a transformação completa do, legislação administrativa do paiz. Sempre tive esta opinião, e todos os mas os factos me fortalecem nu mesma convicção.