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504 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sei que a maior parte da gente fica assombrada ao ouvir fallar em reformas políticas, a propósito da questão financeira. Mas eu, quando fallo em reformas políticas, tenho por principal intuito a resolução da questão de fazenda.
Veremos se o actual ministerio póde resolver todas as dificuldades que nos assoberbam dentro da constituição. O seu antecessor, apesar de ter emprehendido e levado ao cabo essas memoráveis reformas politicas, que hoje ahi temos, viu-se na necessidade de dispensar por vezes a constituição do estado. A celebre reforma do exercito foi uma verdadeira dispensa da constituição.
Ora, eu não quero uma constituição para cada ministério, e uma dispensa de constituição para cada partido.
Do que o paiz precisa é de unia constituição francamente liberal, em que possam caber quanto possível todas as opiniões.
E preciso, por uma radical transformação das nossas instituições politicas e administrativas, habilitar a camara dos deputados portugueza para ser a verdadeira camara dos communs ingleza.
Feitas estas considerações, que eu reputo necessárias no presente caso, por muitas rasões, e sobretudo porque na occasião de se apresentar um gabinete a primeira cousa a apreciar é as circumstancias constitucionaes em que elle se formou, dou por terminada a minha curta oração.
Seria mesmo impertinente quanto eu dissesse sobre os negócios da governação, desde que o sr. presidente do conselho declarou, por forma que todos percebemos, que a nossa ultima hora está a soar.
Assim vamos seguindo no caminho já trilhado. São as cortes que saem do ministério, e não o ministerio que sáe das cortes.
O governo disse que não contava com a benevolência da camara, e a maioria da camara respondeu-lhe que o ministerio vinha do acaso.
Em vista destas mutuas declarações, eu fiquei ou devia ficar inteirado. Nào perco, pois, o meu tempo a discutir com o governo, nem as questões de agricultura, nem as de guerra, nem as de commercio e de industria. Elle discutirá todos esses assumptos com quem cá vier.
Eu sou opposição ao governo, ou antes continuo no meu posto de opposição. Mas sempre faço aos srs. ministros uma declaração que não lhes deve ser desagradável se porventura estão animados da fé viva de que no de cumprir o seu programma.
Duvido de que possam cumpri-o, porque o actual gabinete, como todos os ministérios que vivem da governança e para governança, vem logo de nascença affectados de uma doença mortal; doença que só poderia curar só com a remodelação completa das nossas instituições, que são violentamente centralisadoras. Essa doença resulta de nos querermos governar pelo regimen representativo e de vivermos às avessas de todos os paizes constitucionaes.
Aqui em logar de serem os partidos o esteio e o apoio dos governos, são os governos a base dos partidos. Aqui os partidos não fazem os governos. Aqui os governos é que fazem os partidos.
Ora a declaração que eu faço ao governo, e sobretudo ao paiz, apesar do meu logar ser na opposição, é que se o gabinete entrar no caminho largo da reducção das despezas, nenhum dos srs. ministros ha de ir por esse caminho tão longe como eu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Pedi a palavra para agradecer ao illustre deputado que acaba de fallar a sua attitude de expectativa benévola para com o governo.
Toda a camara aprecia as elevadas aptidões e os incontestáveis méritos do illustre estadista a que me refiro, e por isso não será estranho para ninguém que eu agradeça sinceramente as benevolentes palavras de que s. exa. se serviu quando se dirigiu ao governo.
Eu confio que o procedimento do ministerio ha de confirmar as promessas do seu programma, e por isso tenho a esperança de que não nos ha de faltar a valiosa cooperação do illustre deputado quando vir que às nossas palavras correspondem os nossos actos, actos com que procuraremos vencer grandes difficuldades, e que não deixarão de provocar resistências, mas a que estamos compromettidos e a que não saberemos faltar. (Apoiados.)
É chegada a occasião de dizer - res non verba. Nós appellâmos para o nosso procedimento, e é por elle que queremos ser julgados por amigos e por adversários. (Apoiados.)
Mas já que estou com a palavra, permitta-me a camara que eu faça rápidas e muito summarias reflexões sobre uma opinião que eu VI expor ao illustre deputado a respeito da origem dos ministérios, e sobretudo a respeito da origem do actual ministério, e da saída do seu antecessor.
Affirmou s. exa. que os governos não podiam vir da confiança da coroa, e nem podiam cair por falta da confiança da mesma coroa, devendo viver ou cair por virtude das indicações parlamentares.
Sr. presidente, é sem duvida esta a theoria constitucional num paiz onde o systema eleitoral não está viciado, onde a eleição representa a verdadeira, a perfeita vontade da nação.
E quando a vontade da nação está representada nas maiorias parlamentares, as indicações que essas maiorias fazem, é que devem servir de guia, de regulador das resoluções da coroa.
Mas, num paiz onde o systema eleitoral está viciado e onde as eleições não são o mais perfeito instrumento de representar a vontade do paiz, que muito é que a corôa tenha de ir buscar indicações muitas vezes não às maiorias parlamentares, mas às manifestações da opinião publica, aos meetings, aos comicios, á imprensa, emfim a todos os meios pelos quaes a opinião publica se exprime, quando essa opinião está em desaccordo com as maiorias parlamentares?
Estes são os factos.
Escuso de lembrar a s. exa. um acontecimento que pertence á historia parlamentar do nosso século. É a crise, bem conhecida, originada na Bélgica em 1857, no tempo do ministerio Decker a propósito da lei dos conventos.
Tinha sido votada nas camarás uma lei sobre os conventos; tinha-se levantado grande agitação na opinião publica contra aquella lei, e o rei Leopoldo que era mestre em doutrina constitucional, chegou a consultar Guizot e Thiers, que elle considerava tambem como eminentemente sabedores nas matérias de direito publico, sobre o procedimento que devia seguir.
Foram differentes as opiniões dos dois estadistas. O ministerio tinha por si as maiorias parlamentares; chegou a haver manifestações tumultuosas em Bruxellas, pois apesar das maiorias parlamentares o rei entendeu que devia acceitar a demissão do ministério.
É bem conhecida uma carta de Decker dirigida ao rei, na qual elle, apesar de affirmar que tinha por si as maiorias parlamentares, dizia que não podia manter-se contra as manifestações da opinião publica, que eram claras e pronunciadas.
Citei este exemplo da Bélgica, que é moderno, como exemplo de boa pratica do systema representativo.
O que affirmo pois é a doutrina de que o poder moderador tem muitas vezes, nos paizes onde o systema eleitoral está profundamente viciado, como entre nós, de intervir directamente para resolver os conflictos que porventura surjam entre a representação nacional e a opinião publica, diz s. exa. os ministérios vem da opinião publica.