SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1886 507
É isto o que se me offerece dizer ao illustre deputado.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, ainda bem que as tempestades da sessão anterior serenaram! ainda bem que as coleras desencadeadas ha dois dias n'esta casa já caíram como que por encanto! ainda bem! pois eu, sr. presidente, que não tendo motivo algum para variar a minha conducta, ou para sentir perturbado o meu animo, prefiro antes a serenidade n'esta assembléa, que me permitta tambem, com toda a serenidade, apreciar as circumstancias em que o novo governo acaba de se apresentar ao parlamento.
Sr. presidente, eu não venho fazer um discurso e muito menos na presente occasião virei fazer um discurso apaixonado! Nem pertenço aos vencedores do dia, nem tão pouco sou do numero dos vencidos de hontem: quero dizer, estou exactamente em situação tal que as minhas palavras devem ser consideradas pela camara e pelo governo, como absolutamente insuspeitas, não as inspirando outro intuito senão aquelle que constantemente n'este mesmo logar tem sido a norma do meu procedimento politico.
Sr. presidente, caíu a situação regeneradora presidida pelo sr. Fontes Pereira de Mello, e caíu, digam o que disserem, porque o paiz no pleito que estava travado entre o governo e a nação se resolveu a final a intervir com o seu veto. (Apoiados.)
Folgo que assim tenha acontecido, porque na modesta posição que n'esta camara occupei durante a gerencia do gabinete demissionario, contribui quanto pude para esse resultado, que apenas sinto ter-se demorado tanto tempo!
No entretanto, sr. presidente, comprehende v. exa., e comprehendem todos aquelles que me escutara, que não foi para me occupar do governo regenerador, que eu n'este momento pedi a palavra.
Seria uma falta de boa cortezia, seria uma falta de cavalheirismo e de generosidade para com um adversario que está caído por terra, o vibrar-lhe n'esta occasião mais golpes.
Creio que estas palavras, proferidas por quem durante dois annos, nem um instante só deixou de hostilisar, com toda a vehemencia, a situação que saiu d'aquellas cadeiras, serão apreciadas pela camara e especialmente pelos srs. deputados da antiga maioria na sua verdadeira significação.
Não venho, portanto, hoje discutir quaesquer actos da gerencia regeneradora, nem mesmo os ultimos, que se prendem com a demissão do ministerio.
Esses actos pertencem já á historia. Alem d'isso mais de uma vez haverá occasião de a elles nos referirmos, ao ter de apreciar-lhes as funestas consequencias.
Mas não é para agora essa tarefa ingrata.
Tambem não pretenderei definir a minha posição politica n'esta casa, em frente do novo governo, porque demasiado definida está ella, na attitude de todos bem conhecida; no entretanto, para que o meu silencio não fosse erradamente interpretado, para que quaesquer equivocos, se os pode haver, immediatamente se dissipassem perante a lealdade das minhas declarações, pedi a palavra, quando aliás talvez não tivesse sido necessario fazel-o.
A minha situação politica em presença do governo progressista continua a ser absolutamente a mesma, que foi em presença do governo regenerador; quer dizer, politicamente, sou opposição declarada embora leal, mas aberta, decidida e franca ao gabinete; e esta opposição não será sómente ao actual governo, assim como não foi só ao governo transacto; mas ha de pela minha parte continuar systematicamente a todos os governos que n'aquellas cadeiras se sentem, e que para mina consubstanciem principios politicos, que julgo serem a principal causa da nossa melindrosissima situação economica, social e financeira!
Pelo que diz respeito aos actos meramente administrativos do governo, aguardo esses actos, que por ora desconheço, para depois, sobre elles, me pronunciar, na certeza (e d'isso podem estar seguros os srs. ministros, meus companheiros de hontem na opposição) de que eu hei de combater esses actos, se porventura os julgar contrarios aos interesses do meu paiz, com a mesma serenidade e com a mesma energia com que combati os do governo regenerador.
Creio que a declaração não póde ser, nem mais categorica, nem mais formal.
Definida assim a minha posição, ou antes assentada assim qual vae ser a minha attitude nos poucos dias, ou muitos, que esta camara ainda se conservar aberta, eu poderia sentar-me e poupar ao governo as palavras que vou dirigir-lhe.
Talvez mesmo que tal deliberação devesse ser a por mim preferida.
No entretanto, como não costumo unica e simplesmente consultar os meus interesses politicos proprios ou os interesses do meu partido quando tomo n'este recinto a palavra, e como acima de tudo, sempre que fallo, me lembro de que sou representante da nação, entendo que ao paiz devo as palavras que voz dirigir ao novo governo, palavras que elle attenderá ou não, é me isso indifferente, do momento em que a minha consciencia tique tranquilla e que a todo o tempo as responsabilidades de cada um de nós possam ser liquidadas.
Comtudo, seria bom que os não desprezasse, para que ao menos, dentro d'estes velhos moldes politicos em que vae ser chamado a administrar o paiz, não só este governo, mas todos os que lhe succederem no poder (até que sejam uma realidade as instituições que eu desejo e por cujo advento trabalho) houvessem de melhor corresponder ás necessidades e ás aspirações publicas, evitando-se desde já muitas das calamidades que infelizmente estão depauperando as melhores fontes de riqueza da nossa terra, e preparando para nós todos, innocentes e culpados, um futuro de tremendissimos desastres!
Ouvi com toda a attenção as declarações dos srs. ministros nesta e na outra casa do parlamento, e como não desejo na presente occasião, que considero inopportuna, levantar um debate, mas unica e exclusivamente esclarecer-me e esclarecer o paiz, ou deixar consignada a minha maneira de ver, não dirigirei pergunta alguma ao sr. presidente do conselho com relação ao programma politico do governo, por isso que depois das declarações a que me referi, estou infelizmente inteirado de qual vae ser o destino d'esse programma.
Não discutirei mesmo hoje, nem levantarei phrase, asserção ou promessa alguma contida na exposição preambular que o sr. presidente do conselho fez no primeiro dia em que se apresentou a esta camara com o actual ministerio. Até nem agora tratarei da enunciada intenção do governo de desdobrar a pasta das obras publicas, manifestando apenas o mais profundo sentimento, por ver que um membro do governo, professor distincto e ao mesmo tempo vogal do conselho superior de instrucção publica, fosse o escolhido para fazer a apologia fervorosa de um ministerio do commercio e agricultura, quando no seio da corporação a que pertence se poderia ter informado das exigencias bem mais instantes e da necessidade bem mais inadiavel da creação de outro ministerio, que não é de certo esse por que agora veiu quebrar lanças!
Ha um ponto, porém, das declarações ministeriaes, sobre o qual terei de insistir.
Refiro-me á maneira peremptoria como os srs. presidente do conselho, ministro das obras publicas e ministro da fazenda affirmaram o proposito do governo de antepôr ás reformas políticas a reforma fazendaria.
Não pretendo eu levantar aqui uma pugna, mais ou menos subtil, mais ou menos especiosa, sobre a interpretação de palavras, que todos conhecem, e a respeito da fórma como devem entender-se as declarações feitas pelos srs. ministros de hoje, e as declarações feitas por esses mesmos