SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1886 509
a figurar apenas de mientras vuelve, á espera de que uma nova restauração regeneradora venha dentro em pouco pôr termo á sua gerencia ephemera!
Seria ingenuidade de mais, em verdade!
O sr. José Dias Ferreira fallou-nos ha pouco da Inglaterra, e mais de uma vez se referiu aos salutares exemplos que nos vem d'essa nação. Seja-me pois licito, invocando tambem a historia contemporanea d'esse grande paiz, recordar ao governo uma pagina brilhantissima do partido liberal da Gran-Bretanha, pagina em que deviam inspirar-se todos os estadistas que acima de tudo prezam os principios a que um dia ligaram o seu nome.
Lembro ao sr. presidente do conselho de ministros o ultimo acto politico d'esse velho glorioso, Gladstone, hoje chefe do gabinete inglez, desse homem que nunca duvidou sacrificar as suas mais intimas relações partidarias, quando o bem da patria assim o exigiu, mostrando pelo proprio exemplo a quanto obriga a direcção de um governo que se intitula progressista!
As afinidades de Gladstone, as suas melhores tradições, e grande parte da sua força estavam entre os whigs mais ou menos moderados, entre os membros do grupo de Goschen e entre essa brilhante aristocracia que reconhece como seu chefe o marquez de Hartington. Pois com essa aristocracia poderosa o opulenta, com esses velhos amigos e com esses dedicados partidarios que tinham com elle feito moio seculo de carreira politica rompeu o grande patriota no dia em que se convenceu, que não era d'esse lado que estavam os mais caros interesses da Inglaterra! Mais ainda; teve de luctar com a má vontade declarada da propria Rainha Victoria, porque é bem conhecida a pouca affeição com que a soberana do reino unido olha para o chefe dos liberaes.
Pois bem! Gladstone, teve tanta confiança no poder da opinião publica, que apesar de todos os embaraços e arcando com todas as opposições levou a cabo uma das suas grandes reformas politicas e prepara-se para realisar a segunda, não obstante a celeuma que esta levanta nos arraiaes conservadores. A primeira das reformas a que acabo de alludir foi o alargamento do suffragio eleitoral. Esta questão era verdadeiramente constitucional na Inglaterra; mas Gladstone não hesitou. E sabe v. exa., sr. presidente, a recompensa que a nação ingleza deu á coragem e ao civismo do grande estadista liberal?
Foi o terem sido exactamente esses burgos libertados pela equitativa legislação de Gladstone os que deram agora mesmo a victoria ao chefe democrata no duello travado entre elle e o leader do partido conservador, lord Salisbury!
Actualmente Gladstone, arcando outra vez com as novas antipathias e mais tenaz opposição da aristocracia e da corte, vae dar o Home Rule á Irlanda, alliando-se para isso com os radicaes de Chamberlain e de Morley e com os nacionalistas de Parnell.
Terá novamente de romper com os seus amigos; terá de luctar com a Rainha, mas que importa isso a Gladstone, se elle por cada uma das antipathias ganhas nos salões dourados da aristocracia ingleza, colhe as bençãos do povo, que redime, e o agradecimento dos oppimidos, a quem restitue a dignidade de cidadãos?
Inspire-se n'estes nobres exemplos o gabinete; e sem fallar tanto na confiança da corôa, attenda mais á confiança que deve merecer á nação.
Corte fundo por todos os abusos; corte fundo nas escrescencias que se encontram no nosso depauperado orçamento; Se cavar verdadeiramente um abysmo entre o que tem sido até agora e aquillo que póde ser para o futuro, embora eu não possa estar a seu lado, porque são irreductivelmente antagonicos os nossos principios politicos, terá não raro o meu applauso e com elle o applauso do paiz.
Mas se o governo descer d'essa attitude, única que se póde exigir de um governo progressista, quizer deixar permanecer o statu quo, com todos os seus vicios e com todos os seus abusos; se illudido por umas falsas tréguas, que d'aquelle lado lhe promettem, (apontando para a antiga maioria) e que só illudem quem pretender deixar-se enganar, fraquejar mais uma vez no desempenho de coompromissos, que solemnemente tomou; então, eu lho prognostico, ha de caír em breve desprestigiado por este ultimo desengano, de que muitos se arreceiam e que muitos até já esperam!
Deixe-se pois de hesitações. Caminhe para a esquerda, que ahi está o seu proprio interesse. Senão, e vão ser estas as minhas ultimas palavras, já que alludimos á Inglaterra, lembre-se o sr. presidente do conselho da phrase derradeira de Strafford ao subir ao cadafalso, que lhe preparou a cegueira de Carlos I «Mal com o Rei por causa do povo, mal com o povo por causa do Rei!»
Parece-me que o actual ministerio, se tem os instinctos da propria conservação, não ha de querer seguir um caminho que a historia ha seculos nos diz que não leva ao capitolio da gloria.
Se as lições da historia, porém, não o ensinarem, o peior será desde já d'elle, e depois do paiz, que terá de empregar no futuro outros meios para fazer ouvir mais alto a sua voz!
Tenho dito.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Direi poucas palavras, apenas, em resposta ao illustre deputado, e meu amigo, o sr. Consiglieri Pedroso, e, digo, poucas palavras não por falta de consideração para com s. exa., porque o illustre deputado sabe bem quanta lhe tributo, mas porque s. exa. absteve-se de fazer perguntas ao governo, e limitou-se a expor considerações geraes, sobre que, por certo, não pretendia interpellar o governo.
Não era preciso para desvanecer qualquer equivoco que s. exa. declarasse qual era, em principio, a sua posição politica.
Todos quantos conhecem o illustre deputado fazem justiça á lealdade do seu caracter, (Apoiados.) e por isso todos sabem que a sua posição diante d'este governo, é a mesma, hoje, qual era hontem: em questão de principios, repito.
O governo, porém, toma nota dá declaração do illustre deputado de que, salva a questão de principios, e dentro dos moldes actuaes, espera os actos do governo, para os apoiar, se forem conformes ás regras que s. exa. entende deverem seguir-se.
O governo, repito, toma boa nota d'esta declaração do illustre deputado, e tem não só a legitima ambição, mas a fundada esperança de que n'este campo se ha de encontrar com s. exa. e de que elle ha de apoiar os actos do governo.
E, com effeito, que pretende o illustre deputado?
S. exa. entende que esta situação deve cavar um abysmo profundo entre o passado e presente. Nós não tomámos este encargo senão para este fim. E referindo-me ao abysmo, que separa a situação passada da situação presente, não faço senão reportar-me ao ideal politico do partido regenerador que é differente do do partido progressista. A maioria, pois, não levará a mal que eu me exprima assim, pois essa é a linha divisoria da politica que seguiram os nossos antecessores da que nós seguimos. O illustre deputado ou, mais, aconselha o governo a que faça todas as reducções e economias possiveis nas despezas. O governo, pela bôca do sr. presidente do conselho, já fez essa promessa, e demais o partido que representa no poder tem sustentado sempre este principio, e eu posso asseverar ao illustre deputado que tanto eu como todos os meus collegas estâmos dispostos a conservar-nos fieis a essa norma de proceder.
Chamou s. exa. a attenção do governo para as questões de instrucção publica; tambem por parte do governo foi