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SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1886
Presidência do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)
Secretários os exmos. srs.
João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia
SUMMARIO
Não houve expediente. - Apresentam-se os pareceres da commissão do ornamento sobre as modificações introduzidas ultimamente no parecer da commissão ácerca das receitas e despezas rectificadas do estado no exercício corrente, e da commissão de marinha sobre a proposta de lei n.° 6, fixando para o anno de 1886-1887, não só o numero de navio, como a sua qualidade e pessoal. - Apresenta o sr. Arouca um requerimento pedindo diversos esclarecimentos, pelo ministerio da guerra. - Justificaram faltas os srs. Torres Carneiro, Miguel Dantas, J. Germano de Sequeira, Avelino Calixto, Pinto de Mascarenhas, José Guilherme Pacheco, Bernardino Machado e Guilherme de Abreu. - Continuou o debate relativo á apresentação e organisação do novo gabinete. - Fallam os srs. Dias Ferreira, Adolpho Pimentel, Consiglieri Pedroso, Jayme Pinto, Azevedo Castello Branco, Franco Frazão e Teixeira de Vasconcellos. - Respondem os srs. presidente do conselho, ministro da fazenda e ministro da justiça. - Por proposta do sr. Scarnichia, foi aggregado á commissão de marinha o sr. Pinheiro Chagas.
Abertura - As três horas e meia da tarde.
Presentes á chamada- 89 srs. deputados.
São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Lúcio, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Sousa e Silva, António Cândido, Pereira Corte Real, António Centeno, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Ganha Bellem, Jalles, Carrilho, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Fernando Caldeira, Francisco Beirão, Francisco de Campos, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Scarnichia, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Correia de Barros, Ferreira de Almeida, Borges de Faria, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz Dias, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Barbosa Centeno, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Sousa Pavão, Seguier, Fuschini, Sanches de Castro, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Vieira das Neves, Correia Barata, Castro Matoso, Barros Gomes, J. C. Valente, Melicio, Franco Castello Branco, J. Alves Matheus, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, José Luciano, Lourenço Malheiro, Reis Torgal, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro e Visconde do Rio Sado.
Não compareceram á sessão os srs.: - Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, António Ennes, Moraes Machado, Augusto Barjona de Freitas, Avelino Calixto, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Sousa Pinto Basto, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Martens Ferrão, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, José Maria Borges, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, D. Luiz da Camará, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Pedro Correia, Dantas Baracho, Visconde de Alentem e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam enviados a esta camara os seguintes documentos:
I. Nota da quantidade de farinha consumida nas padarias militares, durante os três últimos annos de 1883, 1884 e 1885, preço de cada kilogramma e importância total;
II. Igual nota em relação ao trigo nacional;
III. Igual nota em relação ao trigo estrangeiro. Peço mais o preço médio de cada kilogramma de pão. = O deputado, Correia Arouca.
Mandou-se expedir.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
1.ª Da parte do sr. deputado Torres Carneiro, declaro a v. exa. que, por motivo justificado, tem faltado a algumas sessões desta camara. Franco Frazão.
2.ª Participo á camara que o sr. deputado Miguel Dantas tem faltado às sessões por motivo justificado. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.
3.ª Declaro que não assisti á sessão do dia 20 por motivo justificado. - O deputado, Joaquim Germano de Sequeira.
4.ª Declaro que os srs. deputados Avelino. Augusto Calixto e José Soares Pinto de Mascarenhas, têem faltado às ultimas sessões e faltarão a outras ainda por motivos justificados. = O deputado, Joaquim Germano de Sequeira.
5.ª Por motivo justificado tenho faltado a algumas sessões. = Miguel Dantas Gonçalves Pereira.
6.ª Declaro que o sr. deputado Torres Carneiro tem faltado a algumas sessões e faltará ainda a outras por incommodo de saúde. - Manuel José Vieira.
7.ª Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado José Guilherme Pacheco não tem podido apresentar-se por incommodo de saúde, o que, todavia, fará logo que possa. = João Marcellino Arroyo.
8.ª Declaro que o sr. deputado Bernardino Machado tem faltado a algumas sessões e faltará ainda a outras, por motivo justificado. = Alfredo Barjona.
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9.ª O meu collega Guilherme de Abreu encarregou-me de communicar a v. exa. e á camara que não podia comparecer á sessão de hoje por incommodo de saúde. = O deputado, Oliveira Peixoto.
Para a acta.
PARECERES
Da commissão do orçamento, sobre as modificações que o actual governo pretende introduzir no parecer n.° 9 d'esta commissão ácerca das receitas e despezas rectificadas do estado no exercício corrente.
A imprimir com urgencia.
Da commissão de marinha, sobre a proposta de lei n.° 6-F, fixando para o anno de 1886-1887, não só o numero de navios, como a sua qualidade e pessoal.
A imprimir.
O sr. Presidente: - Eu lembro que na ultima sessão se achavam inscriptos e não poderam usar da palavra alguns srs. deputados.
Não sei se a camara quer que se mantenha esta inscripção abrindo-se nova inscripção para antes da ordem do dia. (Apoiados.)
Em vista da manifestação da camara, eu vou conceder a palavra aos srs. deputados pela ordem da inscripção.
O sr. Scarnichia: - Para mandar para a mesa o parecer da commissão de marinha com relação á força da armada.
Esta proposta foi apresentada pelo governo demissionário.
O sr. Carrilho: - O governo fez convocar a commissão do, orçamento, que reuniu hontem á noite e apresentou algumas modificações ao parecer n.° 9, que já estava dado para ordem do dia.
A commissão resolveu acceitar essas modificações, que constam do parecer que mando para a mesa.
Peço a v. exa. que seja mandado imprimir com urgência e mandado distribuir por casa dos srs. deputados, para entrar em discussão com o orçamento rectificado.
Mandou-se imprimir.
O sr. Dias Ferreira:- Não pedi a palavra para dirigir perguntas aos srs. ministros. Só a tivesse pedido nesse intuito, desistiria de fallar agora, que a palavra me cabe tão tarde; porque as declarações feitas pelos srs. ministros, deixaram-me perfeitamente inteirado do programma do governo.
Portanto, nem hei de fazer perguntas aos srs. ministros, nem hei de collocal-os na necessidade de responder às curtas e rápidas observações, que terei de apresentar á assembléa, sobre esta recente evolução política.
Eu não podia deixar passar em silencio as rasões que se deram para explicar a ultima crise ministerial, nem deixar de accentuar os factos que, no dizer dos competentes, determinaram a queda dos ministros regeneradores e a entrega do poder aos progressistas. Importam-me pouco esses factos. O meu intuito único é tirar as conclusões que delles naturalmente se derivam no interesse da causa publica.
Mas não, venho lançar com as minhas declarações notas irritantes no debate.
Desejo receber os membros do poder executivo com a cortezia devida aos hospedes, não porque elles sejam propriamente hospedes, porque têem assento n'esta assembléa uns, e todos o direito de intervir nas nossas discussões, pela posição que occupam nos termos da constituição e das leis.
Mas não quero soltar uma palavra, que tenda a enfraquecer-lhes o prestigio e a auctoridade de que precisam para resolver as difficuldades pendentes.
Não dou os parabens aos srs. ministros pela sua entrada no poder.
As circumstancias são graves, a responsabilidade do governo é grande; mas os srs. ministros têem talento de sobra para resolver as difficuldades da situação, entrando no caminho largo, que as circumstancias lhes estão aconselhando.
É sobre as declarações dos srs. ministros actuaes e dos dimissionarios, que assentam as minhas observações, a que darei o caracter puramente de narração, inteiramente despida de palavras de recriminação, ou de critica severa.
Não creio, que no estado presente das cousas publicas, seja possível consolidar o credito publico, equilibrar o orçamento do estado, e resolver com segurança para o paiz o problema fazendario, que é a preoccupação de todos, sem reformar profundamente a constituição do estado, e alterar radicalmente as nossas instituições administrativas.
As ultimas modificações na constituição politica deram os resultados que eu esperava, que eu previa, e que eu annunciei ao paiz, por occasião de discutir as reformas políticas.
Pouco foi preciso esperar para ver realisados os meus vaticínios, de que similhantes reformas serviam unicamente para affirmar mais e mais, que entre nós predomina o governo pessoal, em vez do regimen representativo.
Quem quizer desenganar-se desta tristíssima verdade, não tem senão que correr os olhos pelos registos parlamentares de hontem e fazer a leitura das declarações dos ministros demissionários e dos ministros actuaes, a respeito das origens e da solução da crise ministerial.
Comecemos pelas revelações do presidente do gabinete demissionário, que são as mais preciosas de todas.
Contou elle, segundo consta do Diario das sessões de 19 do corrente, que, julgando indispensável adiar as cortes, a fim de resolver uma questão grave que estava pendente, e acalmar as paixões irritadas, procurando uma solução quanto possível no interesse de todos, propozera ao Rei o adiamento das camarás, proposta com que o chefe do estado se não ponde conformar, pelo que elle entendeu que tinha perdido a confiança da coroa, uma das condições indispensáveis para governar constitucionalmente, e que, em rasão disso, pediu e obteve a sua demissão.
Não contou o presidente do gabinete demissionario que houvesse posto a corôa entre o dilemma do adiamento ou da demissão.
Pelo contrario, o presidente do gabinete demissionário não fallou em demissão. Propoz o adiamento, e só quando o Rei lho recusou, é que pediu a demissão, por entender que a recusa importava a perda da confiança da coroa, e que, sem a confiança da coroa, não podia continuar constitucionalmente no governo.
Não sei nem me importa saber como os factos se passaram. Hei de aprecial-os, que é essa a minha obrigação como elles foram officialmente narrados.
Ora examinemos por partes esta narração política.
Em primeiro logar é difficil comprehender como é que o gabinete transacto encontrava remédio para as questões pendentes no facto do adiamento.
Pois o governo vê se a braços com um grave e lamentável conflicto, que surgira entre duas importantes cidades de um dos districtos mais populosos do reino, e a primeira cousa que lhe lembra, para resolver essas difficuldades, é descartar-se dos representantes do paiz?
Que providencias quereria o governo adoptar para por termo às excitações que lavravam no districto de Braga, que não carecessem do concurso parlamentar?
Pois o governo queria dispensar a collaboração das cortes e o auxilio do corpo legislativo para resolver difficuldades, que a muitos se antolhavam quasi insuperáveis, exactamente em seguida a uma eleição geral de 50 membros, que entraram na outra casa do parlamento pela porta do suffragio eleitoral?
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Que importância teve então esta eleição e que força representam os eleitos?
Aqui está o resultado das reformas introduzidas na constituição do estado, com tanto apparato, e a que se ligava tão grande importancia!
Aqui está uma reforma que não serve para nada. Ao primeiro conflicto que appareceu, á primeira necessidade de ordem publica, que foi preciso satisfazer depois d'estar em execução a reforma, o primeiro remédio que se julgou necessario foi afastar para bem longe os novos eleitos do povo, porque só na ausência delles é que o governo podia satisfazer as aspirações do paiz!
Eis aqui os primeiros effeitos das monumentaes reformas políticas, votadas no anno passado !
Mas vamos seguindo. Como é que se nega redonda e abertamente um adiamento, sem ouvir o conselho d'estado?
Sempre que o Rei se proponha exercer qualquer das attribuições próprias do poder moderador, com excepção da nomeação e demissão dos ministros, deve ser ouvido o conselho d'estado.
Ora, à corôa exerce funcções próprias do poder moderador, tanto quando concede, como quando nega o adiamento das cortes, que lhe é pedido pelo poder executivo como medida de salvação publica! Não podia portanto negar o adiamento sem a reunião previa do conselho d'estado.
Para haver coherencia em toda esta aberração constitucional, até se invoca a confiança da coroa, como elemento de conservação dos governos no systema representativo!
O que é a confiança da corôa nas instituições de um povo livre?
A confiança da corôa é a que a rainha de Inglaterra depositava em Gladstone, quando ha dias o chamava ao seus conselhos, em nome da camara dos, communs, e em nome da maioria do povo inglez.
A corôa não tem nem deixa de ter confiança em qualquer ministerio por estar em accordo ou em desaccordo com as opiniões dos ministros. A corôa não tem nem póde ter outra vontade senão a que lhe indicarem as manifestações parlamentares e as demonstrações da opinião publica.
O que não for isto é absolutismo puro, ainda que disfarçado nas apparencias da legalidade constitucional.
Os ministros não vivem da confiança da coroa, nem desapparecem dos conselhos do governo pelo desfavor do monarcha.
A corôa não póde impor a demissão aos ministérios que são sustentados pelos corpos legislativos e pela força da opinião publica. O exercício das funcções do poder moderador representa apenas a homologação do veredictum do grande jury parlamentar e popular. Só este jury é que é soberano. Em nenhuma outra parte reside a soberania.
Bem sei que nós vivemos ha largos annos em pleno dominio de governo pessoal, e que nos últimos tempos nem já se guardam as apparencias das formulas constitucionaes. Temos tido quasi sempre governo absoluto por dentro e governo constitucional por fora.
Hoje, porém, nem as conveniencias constitucionaes já se respeitam.
Hoje nem os ministros demissionarios se importam com fazer declarações que accentuem de modo bem frisante o regimen de governo pessoal em que vivemos.
Em Portugal, com mais de cincoenta annos de vida constitucional, faz-se o contrario do que se faz em Inglaterra.
O partido hoje representado no ministerio inglez não veiu da confiança da coroa. Veiu dos meetings, dos comícios, das manifestações parlamentares, e da campanha que empenhou na urna perante a opinião. Subiu ao poder por direito de conquista, pelo esforço livro e declarado da vontade popular.
Nem ha confiança que seja legitima, nem que dure, nem que aproveite aos interesses do paiz, senão a que vem das demonstrações parlamentares e das manifestações da opinião publica.
Já vamos tão longe n'este affecto publico pelas formulas do antigo regimen, que o actual presidente do conselho do ministros, levantando a phrase do ministro demissionário, que declarava ter vindo do acaso este ministério, escudou-se tambem com a confiança da coroa.
A confiança da nação deve ficar sempre de parte.
Eu estou tão isolado nestas questões de princípios e de governação, que é raro não me adiar em desaccordo com estes grandes partidos da governança.
Assim o partido progressista odeia tanto os meetings de 1831, como o partido regenerador detesta os de 1886; e eu applaudo os meetings feitos em 1881 e 1 S 8 é, como todos os meetings pretéritos e futuros que se mantêem dentro da ordem e da legalidade.
Sr. presidente, tocou-se agora o hymno da Maria da Fonte por esse paiz fora? Folgo muito com isso.
Se o paiz não se tivesse esquecido tanto do hymno da Maria da Fonte, talvez que as cousas publicas não houvessem chegado ao triste estado em que hoje se acham!
O povo queria eu ver na rua a tocar o hymno da Maria da Fonte, sempre que n'esta e na outra casa do parlamento se votam despezas sem conta, nem peso, nem medida.
Os contribuintes deviam lembrar-se de que os poderes públicos, quando decretam despezas, às vezes bem superiores às forças do paiz, estão acceitando letras que o povo, e só o povo, ha de pagar.
Era este o caso em que os cidadãos se deviam juntar, e tocar o hymno da Maria da Fonte, e veriam como o paiz andava mais bem governado.
Sr. presidente, quando ministerios inpenitentes e maiorias facciosas se collocam obstinadamente do lado dos interesses do poder contra a vontade pronunciada da nação, não ha outro meio de valer á causa publica se não chamar o povo á vida e promover a agitação legal e a insurreição pacifica dos contribuintes contra os esbanjadores dos seus haveres e contra os algozes das suas liberdades.
Por isso, sr. presidente, eu approvo e applaudo os meetings de 1881 e de 1886, e todas as manifestações populares realisados dentro dos limites da legalidade e da paz publica, que tenham por fim velar pela causa da nação, pelos interesses do contribuinte, e pelas franquias populares.
Desgraçadamente, depois de tão longo período de governo constitucional, continuamos a ter ministérios que entram e ministérios que saem, não em nome das manifestações dos corpos legislativos, não em nome das indicações da opinião publica, mas em nome da confiança da coroa, confiança que não tem valor, nem póde invocar se senão quando tem por fundamento o apoio parlamentar e a força da opinião.
Mas porque se não tem aclimatado o governo representativo entre nós, e porque continua a derivar-se da confiança da corôa toda a força governativa? Por uma rasão muito simples; porque com uma constituirão, em que a força é da corôa e não ao do povo, e com urna legislação administrativa, tão extraordinária e violentamente centralisadora, que o ministro da fazenda é quem despacha o guarda da alfândega, e o ministro da justiça quem nomeia o escrivão do juiz ordinário, só tem a força quem tem o poder, e só tem o poder o homem a quem a confiança da corôa o dá!
Ora, com similhante situação política a reorganização radical da fazenda publica será difficilima, senão impossivel.
O patriotismo e o, boa vontade dos poderes públicos não poderão levar ao cabo a resolução da questionario financeira sem reformas profundas na constituição do estado e sem a transformação completa do, legislação administrativa do paiz. Sempre tive esta opinião, e todos os mas os factos me fortalecem nu mesma convicção.
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Sei que a maior parte da gente fica assombrada ao ouvir fallar em reformas políticas, a propósito da questão financeira. Mas eu, quando fallo em reformas políticas, tenho por principal intuito a resolução da questão de fazenda.
Veremos se o actual ministerio póde resolver todas as dificuldades que nos assoberbam dentro da constituição. O seu antecessor, apesar de ter emprehendido e levado ao cabo essas memoráveis reformas politicas, que hoje ahi temos, viu-se na necessidade de dispensar por vezes a constituição do estado. A celebre reforma do exercito foi uma verdadeira dispensa da constituição.
Ora, eu não quero uma constituição para cada ministério, e uma dispensa de constituição para cada partido.
Do que o paiz precisa é de unia constituição francamente liberal, em que possam caber quanto possível todas as opiniões.
E preciso, por uma radical transformação das nossas instituições politicas e administrativas, habilitar a camara dos deputados portugueza para ser a verdadeira camara dos communs ingleza.
Feitas estas considerações, que eu reputo necessárias no presente caso, por muitas rasões, e sobretudo porque na occasião de se apresentar um gabinete a primeira cousa a apreciar é as circumstancias constitucionaes em que elle se formou, dou por terminada a minha curta oração.
Seria mesmo impertinente quanto eu dissesse sobre os negócios da governação, desde que o sr. presidente do conselho declarou, por forma que todos percebemos, que a nossa ultima hora está a soar.
Assim vamos seguindo no caminho já trilhado. São as cortes que saem do ministério, e não o ministerio que sáe das cortes.
O governo disse que não contava com a benevolência da camara, e a maioria da camara respondeu-lhe que o ministerio vinha do acaso.
Em vista destas mutuas declarações, eu fiquei ou devia ficar inteirado. Nào perco, pois, o meu tempo a discutir com o governo, nem as questões de agricultura, nem as de guerra, nem as de commercio e de industria. Elle discutirá todos esses assumptos com quem cá vier.
Eu sou opposição ao governo, ou antes continuo no meu posto de opposição. Mas sempre faço aos srs. ministros uma declaração que não lhes deve ser desagradável se porventura estão animados da fé viva de que no de cumprir o seu programma.
Duvido de que possam cumpri-o, porque o actual gabinete, como todos os ministérios que vivem da governança e para governança, vem logo de nascença affectados de uma doença mortal; doença que só poderia curar só com a remodelação completa das nossas instituições, que são violentamente centralisadoras. Essa doença resulta de nos querermos governar pelo regimen representativo e de vivermos às avessas de todos os paizes constitucionaes.
Aqui em logar de serem os partidos o esteio e o apoio dos governos, são os governos a base dos partidos. Aqui os partidos não fazem os governos. Aqui os governos é que fazem os partidos.
Ora a declaração que eu faço ao governo, e sobretudo ao paiz, apesar do meu logar ser na opposição, é que se o gabinete entrar no caminho largo da reducção das despezas, nenhum dos srs. ministros ha de ir por esse caminho tão longe como eu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Pedi a palavra para agradecer ao illustre deputado que acaba de fallar a sua attitude de expectativa benévola para com o governo.
Toda a camara aprecia as elevadas aptidões e os incontestáveis méritos do illustre estadista a que me refiro, e por isso não será estranho para ninguém que eu agradeça sinceramente as benevolentes palavras de que s. exa. se serviu quando se dirigiu ao governo.
Eu confio que o procedimento do ministerio ha de confirmar as promessas do seu programma, e por isso tenho a esperança de que não nos ha de faltar a valiosa cooperação do illustre deputado quando vir que às nossas palavras correspondem os nossos actos, actos com que procuraremos vencer grandes difficuldades, e que não deixarão de provocar resistências, mas a que estamos compromettidos e a que não saberemos faltar. (Apoiados.)
É chegada a occasião de dizer - res non verba. Nós appellâmos para o nosso procedimento, e é por elle que queremos ser julgados por amigos e por adversários. (Apoiados.)
Mas já que estou com a palavra, permitta-me a camara que eu faça rápidas e muito summarias reflexões sobre uma opinião que eu VI expor ao illustre deputado a respeito da origem dos ministérios, e sobretudo a respeito da origem do actual ministério, e da saída do seu antecessor.
Affirmou s. exa. que os governos não podiam vir da confiança da coroa, e nem podiam cair por falta da confiança da mesma coroa, devendo viver ou cair por virtude das indicações parlamentares.
Sr. presidente, é sem duvida esta a theoria constitucional num paiz onde o systema eleitoral não está viciado, onde a eleição representa a verdadeira, a perfeita vontade da nação.
E quando a vontade da nação está representada nas maiorias parlamentares, as indicações que essas maiorias fazem, é que devem servir de guia, de regulador das resoluções da coroa.
Mas, num paiz onde o systema eleitoral está viciado e onde as eleições não são o mais perfeito instrumento de representar a vontade do paiz, que muito é que a corôa tenha de ir buscar indicações muitas vezes não às maiorias parlamentares, mas às manifestações da opinião publica, aos meetings, aos comicios, á imprensa, emfim a todos os meios pelos quaes a opinião publica se exprime, quando essa opinião está em desaccordo com as maiorias parlamentares?
Estes são os factos.
Escuso de lembrar a s. exa. um acontecimento que pertence á historia parlamentar do nosso século. É a crise, bem conhecida, originada na Bélgica em 1857, no tempo do ministerio Decker a propósito da lei dos conventos.
Tinha sido votada nas camarás uma lei sobre os conventos; tinha-se levantado grande agitação na opinião publica contra aquella lei, e o rei Leopoldo que era mestre em doutrina constitucional, chegou a consultar Guizot e Thiers, que elle considerava tambem como eminentemente sabedores nas matérias de direito publico, sobre o procedimento que devia seguir.
Foram differentes as opiniões dos dois estadistas. O ministerio tinha por si as maiorias parlamentares; chegou a haver manifestações tumultuosas em Bruxellas, pois apesar das maiorias parlamentares o rei entendeu que devia acceitar a demissão do ministério.
É bem conhecida uma carta de Decker dirigida ao rei, na qual elle, apesar de affirmar que tinha por si as maiorias parlamentares, dizia que não podia manter-se contra as manifestações da opinião publica, que eram claras e pronunciadas.
Citei este exemplo da Bélgica, que é moderno, como exemplo de boa pratica do systema representativo.
O que affirmo pois é a doutrina de que o poder moderador tem muitas vezes, nos paizes onde o systema eleitoral está profundamente viciado, como entre nós, de intervir directamente para resolver os conflictos que porventura surjam entre a representação nacional e a opinião publica, diz s. exa. os ministérios vem da opinião publica.
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Vem; mas a prerogativa real deve inspirar-se nas manifestações d'essa opinião.
Se a prerogativa real se determina por outros interesses, certamente que o poder moderador falta ao seu do ver; mas se se inspira nas manifestações populares, pelas quaes se mostra que a representação nacional não é a genuina representação da opinião publica, n'este caso a prerogativa real exerce-se dentro dos limites constitucionaes.
Por isso digo que o actual ministerio veiu da confiança da corôa, mas esta mereceu-a elle, porque o poder moderador entendeu que a opinião publica se tinha manifestado contra o ministerio anterior, e que a representação nacional não estava em harmonia com as indicações d'essa opinião.
Portanto, não póde dizer-se que o ministerio actual venha de um acto exclusivo da prerogativa da corôa, não inspirado pelas manifestações da opinião publica. Deus nos livre que assim fosse.
Imagine s. exa. que as maiorias parlamentares estavam como estão em desaccordo com a opinião publica; qual seria o meio de resolver o conflicto? Não ha outros senão a intervenção da prerogativa real, dando a demissão ao governo, ou a revolução. Quer o illustre deputado uma revolução para se resolver aquelle conflicto? Creio que não.
No que eu concordo com o illustre deputado é em que ha vicios e abusos no nosso regimen eleitoral. As minhas opiniões são conhecidas a este respeito. Mais de uma vez eu tenho dito que o nosso regimen eleitoral carece de reforma, e tenho até proposto como ministro e como deputado algumas providencias com esse intuito. E n'este sentido póde o illustre deputado ter a certeza que hei de propor opportunamente as medidas que julgar mais acertadas. N'este ponto espero que não me faltará o apoio do illustre deputado.
Termino agradecendo a espectativa benevola que a. exa. prometteu ao governo e posso assegurar-lhe que tanto eu como os meus collegas estamos dispostos a trabalhar em beneficio do paiz, para que nos não falte o apoio da opinião publica e o do illustre deputado.
O sr. Adolpho Pimentel: - Sr. presidente, direi apenas duas palavras, porque já está satisfeito o fim para que principalmente me inscrevêra, qual era o de provocar da parte do governo explicações francas, claras e categoricas ácerca da desgraçada pendencia travada entre a cidade de Guimarães e seu concelho e a cidade de Braga e restantes concelhos do districto.
A posição especial em que me encontrava quando caíu o ministerio transacto, do qual divergíra por alguns actos que elle praticara nos ultimos tempos da sua gerencia, obriga-me a definir a minha situação perante o actual ministerio. Não obstante essas divergencias, que sinto se tivessem dado, não deixei de continuar a pertencer ao partido, em cujas honradas fileiras modestamente milito ha mais de quinze annos. A minha posição, pois, perante a actual situação ministerial é, como não podia deixar de ser, aberta e francamente de opposição, mas não violenta, accintosa ou intransigente, porquanto de modo algum quero concorrer para que se avolumem e engravescam as difficuldades, com que por certo o ministerio tem de luctar, mormente nos primeiros tempos da sua administração.
A minha posição, pois, se não é do expectativa benevola, é, todavia, de expectativa tão pouco hostil, quanto o permitta a dignidade partidaria, e tão menos hostil ainda quanto o governo pela boca do illustre presidente do conselho de ministros se comprometteu a respeitar e manter a integridade do districto de Braga, fazendo d'esse modo justiça ás legaes representações d'aquelle districto, de que tenho a honra de ser um dos representantes n'esta casa do parlamento.
Antes de terminar, permitta-me v. exa., sr. presidente, e permitta-me a camara que eu faça principalmente dois pedidos, um ao nobre ministro das obras publicas, que muito prezo, e que de ha annos me distingue correspondendo á muita amisade pessoal que lhe dedico, sendo o segundo pedido dirigido a todo o ministerio.
Ao sr. ministro das obras publicas peço que empregue toda a sua esclarecida attenção no estudo de um assumpto altamente importante e que muitissimo interessa a toda a região vinhateira do alto Douro. Refiro-me á marca dos vinhos.
Todos sabem o desgraçado estado em que se encontra aquella região, que tem luctado com as maiores contrariedades e assistido ao definhamento e ruina das suas outr'ora florescentes vinhas.
Atacada primeiro pelo oidium, contra o qual (em tido, e infelizmente ainda tem, necessidade do sustentar uma permanente, pertinaz e energica lucta, de que todavia lhe resulta o enfraquecimento da vide e o despendio de muito dinheiro, foi depois invadida por um mais perigoso, terrivel e implacavel inimigo, a phylloxera, que, destruindo a maior parte dos melhores e mais finos vinhedos, lançou na miseria centenares de famílias, que viviam na abundancia, e privou de trabalho milhares de braços que se occupavam na cultura vinicola.
N'este desgraçado estado de cousas, nem ao menos o preço por que se vende esse pouco vinho que aquella região ainda produz é relativamente alto e um tanto compensador do excesso de despezas que o grangeio extraordinário das vinhas produz.
E sabe v. exa., e sabe a camara a rasão d'isto? É porque pela barra do Porto se exportam milhares de pipas de vinho de outras procedencias, mas embarrado sob o falso nome de vinho do Porto, designação essa por que nos mercados estrangeiros é conhecido o vinho do Alto Douro.
Isto, sr. presidente, não póde, nem deve continuar a permittir-se, porque é uma verdadeira fraude, que muitissimo prejudica os legitimos interesses d'aquella região. (Apoiados.)
Longe, bem longe de mim pensar, e muito menos pedir, que voltemos ao tempo das restricções pombalinas. Quero a barra do Porto aberta á exportação de todos os vinhos, mas que se regulamente essa exportação de modo a evitar fraudes e a não consentir que se esteja mettendo gato por lebre, vendendo-se como vinho do Porto o de outras procedencias.
O nobre ministro das obras publicas, que prometteu cuidar a serio dos negocios respectivos á sua pasta, não deve descurar este, que é mais que muito importante.
Continuem-se e desenvolvam-se os estudos ampelographicos, aperfeiçoem-se e ensinem-se os melhores methodos onologicos, façam-se conhecidos nos mercados estrangeiros os diversos typos do nosso magnifico vinho de pasto, que os temos excellentes, e que, quando bem preparados, não devem temer o confronto com os dos outros paizes; abram-se novos mercados para elles, adaptem-se ao gosto e exigencias d'esses mercados; mas respeite-se e garanta-se a legitimidade de cada um, e não se permitta que esses vinhos usurpem o nome dos do Porto. (Apoiados) Com isso prejudicam-se para o futuro os interesses do todas as regiões vinhateiras do paiz, desacredita-se o commercio nacional, e faz se desde já um enorme prejuizo e uma revoltante injustiça ao Alto Douro.
O sr. ministro das obras publicas, que ha poucos annos teve occasião de visitar a provincia de Traz os Montes na companhia do seu illustre collega da fazenda e do eloquentissimo orador, meu dilecto amigo e antigo condiscipulo e companheiro de casa o sr. Antonio Candido, sabe que não são exagerados os clamores d'aquelles povos, e como realmente é bem desgraçada a sua situação.
Para attender a estes e outros assumptos dependentes do ministerio das obras publicas não é necessario desdobral-o em dois, creando mais um ministerio, o do commercio e agricultura.
O sr. Emygdio Navarro, a cujo altissimo talento todos,
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amigos e adversários, prestam a merecida homenagem, tem competência de sobejo para bem resolver os diversos negocios respectivos á sua pasta. (Apoiados.)
Peço, pois, e insto para que s. exa. tome este assumpto em toda a sua altíssima importância, attendendo assim a um dos mais urgentes e exigentes pedidos daquella região.
Evite por este modo que mais tarde se faça ouvir a voz enérgica do povo, dominado pelo desespero, porque essa voz, quando instigada pela fome, póde fallar mais alto do que deveria. (Apoiados.)
Ao seu collega da fazenda tambem peço que olhe com cuidadosa attenção e attenda com olhos amigos para o estado das nossas industrias, começando pela agrícola, e que procure na prudente remodelação da pauta aduaneira uma sensata e bem entendida protecção para a industria nacional, que por vezes se encontra mais desfavorecida da protecção official que a industria estrangeira.
Não querendo cansar a attenção da camara, vou terminar, formulando o meu pedido a todo o ministério.
Tratem os srs. ministros de pelos seus actos e pela norma do seu proceder official realisar uma sympathica promessa feita pelo sr. conselheiro José Luciano de Castro, quando expoz succintamente o seu programma ministerial.
Sejam liberaes e tolerantes. (Apoiados.)
Provoquem com a cordura do seu procedimento, com a sensatez dos seus actos e com o bem pensado das suas medidas, o enthusiasmo dos amigos e o respeito de todos. (Apoiados.)
Não persigam os adversários, e, tendo, como realmente têem, aptidão e competência para dignamente bem se conceituarem na opinião publica, não procurem obter o credito próprio á custo do descrédito alheio. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Pedi a palavra para responder succintamente ao illustre deputado que acaba de fallar, quanto á parte do seu discurso que se refere aos negócios da pasta a meu cargo.
Terei o maior prazer em me conformar com os desejos de s. exa., procurando fazer desenvolver o commercio e a industria, não só por meio de uma sensata revisão da pauta, mas tambem pela baixa do juro, sem a qual é minha opinião que não póde ter logar esse desenvolvimento.
Quando as leis actuaes me não facultarem os meios de conseguir esse fim, recorrerei ao parlamento, e tenho a esperança de que nesta parte hei de obter a cooperação, não só dos amigos, como tambem dos adversários políticos.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - O illustre deputado e meu amigo, que acaba de fallar, póde estar certo de que o governo manterá fielmente o seu programma de tolerância.
O ministério, que hoje occupa estas cadeiras, é um ministerio progressista, com um programma de pacificação e conciliação.
Haverá ensejo largo para se affirmarem as distincções partidárias, e os antagonismos políticos, que são da essência do systema representativo, e que convém não desappareçam mas, por agora, o patriotismo impõe a todos uma tregua, como a pediu o sr. presidente do conselho em nome de todo o governo. Pelo menos, afigura-se nos que assim é.
N'esta comprehensão das necessidades da conjunctura, o governo esforçar-se-ha por apresentar ao parlamento, ainda na corrente sessão legislativa, algumas propostas de lei, que possam merecer a approvação de todos os grupos politicos, em que esta camara se divide, som prejuízo das respectivas autonomias e sem nenhuma offensa para os melindres partidários de uns e outros.
O patriotismo deixa aberto um campo suficientemente vasto para que nelle possam encontrar-se os esforços de todos numa cooperação em commum, em assumptos, cuja utilidade e urgência se impõem por igual a todos os espiritos. Entre dois exércitos belligerantes ha muitas vezes suspensões de hostilidades, com a demarcação de uma zona neutra, era que se misturam accidentalmente e reúnem os combatentes de um e outro lado. É esta a situação, que as circunstancias nos recommendam. Pelo menos, assim as interpreta o governo.
O meu bom amigo, o sr. Adolpho Pimentel, chamou a minha attenção para a questão, que resuscita, de se garantir a authenticidade dos vinhos do Douro destinados a exportação, por meio de apertadas providencias fiscaes o restrictivas.
A questão é muito grave. (Apoiados.) Não ha duvida de que o commercio de vinhos do Douro, já tão abalado pela phylloxera, soffre muito com as fraudes que desacreditam nos mercados estrangeiros esses vinhos.
Resta saber, se as providencias restrictivas não irão ferir outros interesses igualmente legítimos, e talvez mais valiosos. (Apoiados.)
Resta ainda saber se essas providencias não produzirão effeitos contraproducentes. (Apoiados.)
Não é impunemente, que se tem caminhado no desenvolvimento da agricultura, no arroteamento de collinas e ladeiras escarpadas, e na multiplicação de vias de communicação de toda a ordem. As providencias, que no tempo do marquez de Pombal, e ainda muito depois delle, seriam possíveis, embora fossem injustificaveis, tornam-se hoje absolutamente impraticáveis, sobre serem mais vexatórias e oppressivas. (Apoiados.)
Fechar hoje a barra do Porto aos vinhos de outra procedência e qualidade, que não os do Alto Douro, seria um vexame odioso. (Apoiados.) Supponho que ninguém póde advogar tal idéa.
Providencias restrictivas de outra ordem não podem dar grande resultado.
A zona da cultura da vinha tem-se alargado enormemente. Os meios de communicação tambem augmentaram consideravelmente. Tudo isto quer dizer, que essas providencias restrictivas só poderiam tentar-se com apoio numa fiscalisação extraordinariamente despendiosa e vexatória, e que a final não produziria resultados efficazes.
A marca tambem me não parece que resolva a difficuldade. Essa garantia já existe na lei. Não é preciso invocal-a. Na lei de marcas de fabrica, cuja data agora me não occorre, inseriu se uma disposição, precisamente por causa dos vinhos do Douro. Fui eu, que propuz essa emenda, a qual foi acceita pelo governo de então e inserida na lei. Não obstante, os interessados não têem recorrido a essa garantia.
È julgo que têem feito bem. A garantia é inefficaz para o mal de que os vinicultores do Douro se queixam. A marca da fabrica, nó estado actual das cousas, não servirá para authenticar a genuinidade do género, e sim para sanccionar a fraude. (Apoiados.) A marca será o passaporte commodo pára o commercio fraudulento.
O desenvolvimento do progresso, em todas as suas manifestações, tem grandíssimos benefícios, mas produz tambem alguns inconvenientes. A difficuldade em assegurar para a exportação a genuinidade dos vinhos do Douro resulta fatalmente do progresso nas liberdades commerciaes, do alargamento das zonas de producção vinicola e do desenvolvimento e facilidade das vias de communicação e transporte. (Apoiados.)
Creia o illustre deputado que eu reconheço quanto é precária a situação dos viticultores do Douro; mas não posso esquivar-me a reconhecer tambem o peso destas rasões, que hão de influir igualmente no animo do illustre deputado. É por isso, que eu digo, que a questão é muito grave, e que precisa de ser muito meditada.
O governo tenciona dar começo, immediatamente, ou muito brevemente, ao inquérito agrícola. Será essa uma das questões, a que haverá que attender em primeiro logar. E nessa occasião melhor poderão ser ponderadas as differentes faces do assumpto.
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É isto o que se me offerece dizer ao illustre deputado.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, ainda bem que as tempestades da sessão anterior serenaram! ainda bem que as coleras desencadeadas ha dois dias n'esta casa já caíram como que por encanto! ainda bem! pois eu, sr. presidente, que não tendo motivo algum para variar a minha conducta, ou para sentir perturbado o meu animo, prefiro antes a serenidade n'esta assembléa, que me permitta tambem, com toda a serenidade, apreciar as circumstancias em que o novo governo acaba de se apresentar ao parlamento.
Sr. presidente, eu não venho fazer um discurso e muito menos na presente occasião virei fazer um discurso apaixonado! Nem pertenço aos vencedores do dia, nem tão pouco sou do numero dos vencidos de hontem: quero dizer, estou exactamente em situação tal que as minhas palavras devem ser consideradas pela camara e pelo governo, como absolutamente insuspeitas, não as inspirando outro intuito senão aquelle que constantemente n'este mesmo logar tem sido a norma do meu procedimento politico.
Sr. presidente, caíu a situação regeneradora presidida pelo sr. Fontes Pereira de Mello, e caíu, digam o que disserem, porque o paiz no pleito que estava travado entre o governo e a nação se resolveu a final a intervir com o seu veto. (Apoiados.)
Folgo que assim tenha acontecido, porque na modesta posição que n'esta camara occupei durante a gerencia do gabinete demissionario, contribui quanto pude para esse resultado, que apenas sinto ter-se demorado tanto tempo!
No entretanto, sr. presidente, comprehende v. exa., e comprehendem todos aquelles que me escutara, que não foi para me occupar do governo regenerador, que eu n'este momento pedi a palavra.
Seria uma falta de boa cortezia, seria uma falta de cavalheirismo e de generosidade para com um adversario que está caído por terra, o vibrar-lhe n'esta occasião mais golpes.
Creio que estas palavras, proferidas por quem durante dois annos, nem um instante só deixou de hostilisar, com toda a vehemencia, a situação que saiu d'aquellas cadeiras, serão apreciadas pela camara e especialmente pelos srs. deputados da antiga maioria na sua verdadeira significação.
Não venho, portanto, hoje discutir quaesquer actos da gerencia regeneradora, nem mesmo os ultimos, que se prendem com a demissão do ministerio.
Esses actos pertencem já á historia. Alem d'isso mais de uma vez haverá occasião de a elles nos referirmos, ao ter de apreciar-lhes as funestas consequencias.
Mas não é para agora essa tarefa ingrata.
Tambem não pretenderei definir a minha posição politica n'esta casa, em frente do novo governo, porque demasiado definida está ella, na attitude de todos bem conhecida; no entretanto, para que o meu silencio não fosse erradamente interpretado, para que quaesquer equivocos, se os pode haver, immediatamente se dissipassem perante a lealdade das minhas declarações, pedi a palavra, quando aliás talvez não tivesse sido necessario fazel-o.
A minha situação politica em presença do governo progressista continua a ser absolutamente a mesma, que foi em presença do governo regenerador; quer dizer, politicamente, sou opposição declarada embora leal, mas aberta, decidida e franca ao gabinete; e esta opposição não será sómente ao actual governo, assim como não foi só ao governo transacto; mas ha de pela minha parte continuar systematicamente a todos os governos que n'aquellas cadeiras se sentem, e que para mina consubstanciem principios politicos, que julgo serem a principal causa da nossa melindrosissima situação economica, social e financeira!
Pelo que diz respeito aos actos meramente administrativos do governo, aguardo esses actos, que por ora desconheço, para depois, sobre elles, me pronunciar, na certeza (e d'isso podem estar seguros os srs. ministros, meus companheiros de hontem na opposição) de que eu hei de combater esses actos, se porventura os julgar contrarios aos interesses do meu paiz, com a mesma serenidade e com a mesma energia com que combati os do governo regenerador.
Creio que a declaração não póde ser, nem mais categorica, nem mais formal.
Definida assim a minha posição, ou antes assentada assim qual vae ser a minha attitude nos poucos dias, ou muitos, que esta camara ainda se conservar aberta, eu poderia sentar-me e poupar ao governo as palavras que vou dirigir-lhe.
Talvez mesmo que tal deliberação devesse ser a por mim preferida.
No entretanto, como não costumo unica e simplesmente consultar os meus interesses politicos proprios ou os interesses do meu partido quando tomo n'este recinto a palavra, e como acima de tudo, sempre que fallo, me lembro de que sou representante da nação, entendo que ao paiz devo as palavras que voz dirigir ao novo governo, palavras que elle attenderá ou não, é me isso indifferente, do momento em que a minha consciencia tique tranquilla e que a todo o tempo as responsabilidades de cada um de nós possam ser liquidadas.
Comtudo, seria bom que os não desprezasse, para que ao menos, dentro d'estes velhos moldes politicos em que vae ser chamado a administrar o paiz, não só este governo, mas todos os que lhe succederem no poder (até que sejam uma realidade as instituições que eu desejo e por cujo advento trabalho) houvessem de melhor corresponder ás necessidades e ás aspirações publicas, evitando-se desde já muitas das calamidades que infelizmente estão depauperando as melhores fontes de riqueza da nossa terra, e preparando para nós todos, innocentes e culpados, um futuro de tremendissimos desastres!
Ouvi com toda a attenção as declarações dos srs. ministros nesta e na outra casa do parlamento, e como não desejo na presente occasião, que considero inopportuna, levantar um debate, mas unica e exclusivamente esclarecer-me e esclarecer o paiz, ou deixar consignada a minha maneira de ver, não dirigirei pergunta alguma ao sr. presidente do conselho com relação ao programma politico do governo, por isso que depois das declarações a que me referi, estou infelizmente inteirado de qual vae ser o destino d'esse programma.
Não discutirei mesmo hoje, nem levantarei phrase, asserção ou promessa alguma contida na exposição preambular que o sr. presidente do conselho fez no primeiro dia em que se apresentou a esta camara com o actual ministerio. Até nem agora tratarei da enunciada intenção do governo de desdobrar a pasta das obras publicas, manifestando apenas o mais profundo sentimento, por ver que um membro do governo, professor distincto e ao mesmo tempo vogal do conselho superior de instrucção publica, fosse o escolhido para fazer a apologia fervorosa de um ministerio do commercio e agricultura, quando no seio da corporação a que pertence se poderia ter informado das exigencias bem mais instantes e da necessidade bem mais inadiavel da creação de outro ministerio, que não é de certo esse por que agora veiu quebrar lanças!
Ha um ponto, porém, das declarações ministeriaes, sobre o qual terei de insistir.
Refiro-me á maneira peremptoria como os srs. presidente do conselho, ministro das obras publicas e ministro da fazenda affirmaram o proposito do governo de antepôr ás reformas políticas a reforma fazendaria.
Não pretendo eu levantar aqui uma pugna, mais ou menos subtil, mais ou menos especiosa, sobre a interpretação de palavras, que todos conhecem, e a respeito da fórma como devem entender-se as declarações feitas pelos srs. ministros de hoje, e as declarações feitas por esses mesmos
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cavalheiros quando sentados nos bancos da opposição. Não é esse o meu intento; e não o é porque, representante de um partido, que, politicamente, nada tem que ver com o partido que s. exas. representam n'aquellas cadeiras, eu não me reconheço com o direito de vir aqui exigir dos srs. ministros o cumprimento das promessas que tenham feito. N'este ponto estou perfeitamente de accordo com a doutrina do sr. presidente do conselho. O gabinete é o unico arbitro da opportunidade das medidas, que elle prometteu apresentar.
A questão de coherencia, do cumprimento ou não cumprimento de promessas, solemnemente feitas, é uma questão para ser liquidada entre os srs. ministros e o partido que elles representam no poder. Esse partido é que póde e deve pedir ao governo, que se desempenhe do seu compromisso.
Eu não! Não tenho que zelar, nem a honra politica, nem o bom nome do partido progressista.
Eu tenho unica e simplesmente de registar as consequencias da declaração do governo, e de dizer ao sr. presidente do conselho quaes os resultados graves que d'essa declaração hão de necessariamente provir, se acaso não mudar quanto antes o rumo, em que parece já lançar a politica do gabinete.
Não affirmaram, com effeito, os membros do partido progressista, que agora estão no poder, a instante necessidade de sinceras e largas reformas politicas, indispensaveis hoje mais do que nunca, para corrigir a estreita e acanhada reforma proposta no anno passado pelo governo regenerador?
Não disseram, e muito bem, e com o meu applauso, que, embora a questão financeira fosse a questão que mais difficeis tornava as condições de qualquer governo, essa questão, no entretanto, não era mais do que um symptoma sem duvida grave, mas que sobretudo importava fazer desapparecer a causa, e que essa causa era a imperfeição do nosso organismo politico?
Disse-se aqui, e eu presto inteira homenagem a similhante doutrina, pois a considero de todo o ponto verdadeira, que era mister, como condição previa de qualquer reforma financeira ou administrativa, expurgar o systema representativo e parlamentar de todos os vicios que inutilisavam fatalmente os esforços e a boa vontade dos ministros, por mais decidido que seja o empenho d'estes ministros em acertarem.
Esta é a boa doutrina, repito-o, sr. presidente, e por isso eu desejava, se as intenções do governo são sinceras, que a obra de reparação que diz vae emprehender podesse ser proficua e não tivesse de esterilisar-se por causa do anachronismo da nossa constituição politica, que ha de tornar, não só possivel, mas provavel, a repetição dos abusos que agora se pretendem cohibir! Pois não é verdade (e note v. exa., sr. presidente, que acceito ou antes escolho a melhor de todas as hypotheses, a melhor para o paiz, que bem necessita de ser conscienciosamente governado, e até a melhor para mim, porque eu não tenho interesse immediato em ver saír d'aquelles bancos desprestigiados todos os homens publicos que ali se sentam), pois não é verdade, pois não estão os srs. ministros perfeitamente convencidos de que não bastam os esforços que porventura possam consagrar á organisação das nossas finanças, e da nossa administração, para que de um modo definitivo as finanças se equilibrem e a administração se normalise?
Não se lembram já do que affirmaram antes de 1879, e do que repetiram com mais vigor logo após a sua quéda em 1881? Pois terão a tal ponto variado substancialmente as condições da nossa politica interna, que o partido progressista já se não veja obrigado a recorrer ao unico remedio, que julgava efficaz para libertar o paiz do governo das oligarchias e das facções? Porventura entre as palavras proferidas em 1881, e n'esta mesma camara em 1885 pelos deputados progressistas e as proferidas hoje pelo sr. presidente do conselho não haverá factos que tornaram muito mais instante a necessidade de profundas reformas na constituição actual dos poderes publicos?
Diz-se que a questão de fazenda é gravissima e cheia, para o governo, de terriveis responsabilidades. Não ha duvida que é das mais melindrosas a questão fazendaria na hora presente.
Mas é mais melindrosa do que ha cinco annos, porque desde então mais se têem aggravado as condições propriamente politicas, que já em 1879 o partido progressista promettêra remediar por meio de larguissimas reformas. Hoje a nossa situação financeira é mais perigosa, porque em 1879-1881 não se soube ou não se póde acautelar a volta de tempos ominosos que todos tinham promettido não mais volveriam a este desventurado paiz!
Não se recordam da dictadura assumida em 1884 pelo governo regenerador, quarenta e oito horas depois de encerrado o parlamento, dictadura que ao meu lado os actuaes srs. ministros combateram com toda a vehemencia?!
Pois não veiu esta dictadura mostrar bem que o grande mal, de que enfermou a nossa administração e a nossa fazenda, residia na constituição, que permittia taes attentados?!
Façam, pois, as reformas politicas, que a opportunidade é já, ou não será nunca, para este ministerio!
Façam essas reformas bem largas e bem profundas, se estão realmente dominados do desejo de traçarem uma nitida linha divisoria entre o passado e o futuro. Mas façam-nas quanto antes, porque ámanhã será tarde!
Para a propria existencia do governo, e por seu interesse, não é indifferente o começar por essas reformas.
Os srs. ministros demasiado sabem a historia dolorosa do ministerio de 1879-1881. Commetteram a fraqueza de adiar também, a pretexto da questão de fazenda, as reformas políticas para o dia seguinte. E depois, quando se lembraram d'ellas... já não era tempo!
Reflicta o governo no precedente que lhe aponto, e creia que é a voz leal de um adversario que o avisa dos escolhos em que irá breve perder-se, se não variar quanto antes o caminho errado, que pela segunda vez o levará a um crudelissimo mas merecido desengano!
É do interesse do governo começar pelas reformas politicas. N'este momento não discuto se o sr. presidente do conselho é ou não o arbitro da opportunidade da apresentação d'essas reformas. Acceito até tal doutrina.
O que digo porém, e o que affirmo, é que a opportunidade é agora ou não será nunca para o ministerio progressista. Ou o governo principia por essas reformas, cavando fundo e traçando uma verdadeira linha de separação entre a administração que começa e a que deixou o poder, ou, pelo contrario, os srs. ministros tergiversam, hesitam, e quando julgarem que podem recuperar o perdido ensejo, ver-se-hão impossibilitados de qualquer emprehendimento serio, por se acharem desprestigiados como em 1881!
E não é, sr. ministro das obras publicas, conservando, como uma espada de Damocles, essas reformas politicas sobre as facções mais ou menos irrequietas e ambiciosas de subir de novo ao poder, que o governo assegurará a sua existencia, porque, quando essa espada tiver de caír sobre os seus adversarios, já será tarde, porque faltará ao ministerio a confiança da corôa, como faltou agora ao sr. Fontes, e como aos actuaes ministros faltou em 1881, quando o governo de então pedia tambem um adiamento e uma recomposição, que o chefe do estado lhe negou!
É portanto, no interesse do governo, que eu lhe digo tambem que comece pelas reformas politicas; mas é principalmente no interesse do paiz que lhe peço que as faça, porque qualquer reforma fazendaria ou administrativa, por mais sincera que pareça, ha do fatalmente ficar esteril pela força das circumstancias.
E depois, sr. presidente, custa a crer que os ministros que se sentam hoje n'aquellas cadeiras estejam resolvidos
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a figurar apenas de mientras vuelve, á espera de que uma nova restauração regeneradora venha dentro em pouco pôr termo á sua gerencia ephemera!
Seria ingenuidade de mais, em verdade!
O sr. José Dias Ferreira fallou-nos ha pouco da Inglaterra, e mais de uma vez se referiu aos salutares exemplos que nos vem d'essa nação. Seja-me pois licito, invocando tambem a historia contemporanea d'esse grande paiz, recordar ao governo uma pagina brilhantissima do partido liberal da Gran-Bretanha, pagina em que deviam inspirar-se todos os estadistas que acima de tudo prezam os principios a que um dia ligaram o seu nome.
Lembro ao sr. presidente do conselho de ministros o ultimo acto politico d'esse velho glorioso, Gladstone, hoje chefe do gabinete inglez, desse homem que nunca duvidou sacrificar as suas mais intimas relações partidarias, quando o bem da patria assim o exigiu, mostrando pelo proprio exemplo a quanto obriga a direcção de um governo que se intitula progressista!
As afinidades de Gladstone, as suas melhores tradições, e grande parte da sua força estavam entre os whigs mais ou menos moderados, entre os membros do grupo de Goschen e entre essa brilhante aristocracia que reconhece como seu chefe o marquez de Hartington. Pois com essa aristocracia poderosa o opulenta, com esses velhos amigos e com esses dedicados partidarios que tinham com elle feito moio seculo de carreira politica rompeu o grande patriota no dia em que se convenceu, que não era d'esse lado que estavam os mais caros interesses da Inglaterra! Mais ainda; teve de luctar com a má vontade declarada da propria Rainha Victoria, porque é bem conhecida a pouca affeição com que a soberana do reino unido olha para o chefe dos liberaes.
Pois bem! Gladstone, teve tanta confiança no poder da opinião publica, que apesar de todos os embaraços e arcando com todas as opposições levou a cabo uma das suas grandes reformas politicas e prepara-se para realisar a segunda, não obstante a celeuma que esta levanta nos arraiaes conservadores. A primeira das reformas a que acabo de alludir foi o alargamento do suffragio eleitoral. Esta questão era verdadeiramente constitucional na Inglaterra; mas Gladstone não hesitou. E sabe v. exa., sr. presidente, a recompensa que a nação ingleza deu á coragem e ao civismo do grande estadista liberal?
Foi o terem sido exactamente esses burgos libertados pela equitativa legislação de Gladstone os que deram agora mesmo a victoria ao chefe democrata no duello travado entre elle e o leader do partido conservador, lord Salisbury!
Actualmente Gladstone, arcando outra vez com as novas antipathias e mais tenaz opposição da aristocracia e da corte, vae dar o Home Rule á Irlanda, alliando-se para isso com os radicaes de Chamberlain e de Morley e com os nacionalistas de Parnell.
Terá novamente de romper com os seus amigos; terá de luctar com a Rainha, mas que importa isso a Gladstone, se elle por cada uma das antipathias ganhas nos salões dourados da aristocracia ingleza, colhe as bençãos do povo, que redime, e o agradecimento dos oppimidos, a quem restitue a dignidade de cidadãos?
Inspire-se n'estes nobres exemplos o gabinete; e sem fallar tanto na confiança da corôa, attenda mais á confiança que deve merecer á nação.
Corte fundo por todos os abusos; corte fundo nas escrescencias que se encontram no nosso depauperado orçamento; Se cavar verdadeiramente um abysmo entre o que tem sido até agora e aquillo que póde ser para o futuro, embora eu não possa estar a seu lado, porque são irreductivelmente antagonicos os nossos principios politicos, terá não raro o meu applauso e com elle o applauso do paiz.
Mas se o governo descer d'essa attitude, única que se póde exigir de um governo progressista, quizer deixar permanecer o statu quo, com todos os seus vicios e com todos os seus abusos; se illudido por umas falsas tréguas, que d'aquelle lado lhe promettem, (apontando para a antiga maioria) e que só illudem quem pretender deixar-se enganar, fraquejar mais uma vez no desempenho de coompromissos, que solemnemente tomou; então, eu lho prognostico, ha de caír em breve desprestigiado por este ultimo desengano, de que muitos se arreceiam e que muitos até já esperam!
Deixe-se pois de hesitações. Caminhe para a esquerda, que ahi está o seu proprio interesse. Senão, e vão ser estas as minhas ultimas palavras, já que alludimos á Inglaterra, lembre-se o sr. presidente do conselho da phrase derradeira de Strafford ao subir ao cadafalso, que lhe preparou a cegueira de Carlos I «Mal com o Rei por causa do povo, mal com o povo por causa do Rei!»
Parece-me que o actual ministerio, se tem os instinctos da propria conservação, não ha de querer seguir um caminho que a historia ha seculos nos diz que não leva ao capitolio da gloria.
Se as lições da historia, porém, não o ensinarem, o peior será desde já d'elle, e depois do paiz, que terá de empregar no futuro outros meios para fazer ouvir mais alto a sua voz!
Tenho dito.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Direi poucas palavras, apenas, em resposta ao illustre deputado, e meu amigo, o sr. Consiglieri Pedroso, e, digo, poucas palavras não por falta de consideração para com s. exa., porque o illustre deputado sabe bem quanta lhe tributo, mas porque s. exa. absteve-se de fazer perguntas ao governo, e limitou-se a expor considerações geraes, sobre que, por certo, não pretendia interpellar o governo.
Não era preciso para desvanecer qualquer equivoco que s. exa. declarasse qual era, em principio, a sua posição politica.
Todos quantos conhecem o illustre deputado fazem justiça á lealdade do seu caracter, (Apoiados.) e por isso todos sabem que a sua posição diante d'este governo, é a mesma, hoje, qual era hontem: em questão de principios, repito.
O governo, porém, toma nota dá declaração do illustre deputado de que, salva a questão de principios, e dentro dos moldes actuaes, espera os actos do governo, para os apoiar, se forem conformes ás regras que s. exa. entende deverem seguir-se.
O governo, repito, toma boa nota d'esta declaração do illustre deputado, e tem não só a legitima ambição, mas a fundada esperança de que n'este campo se ha de encontrar com s. exa. e de que elle ha de apoiar os actos do governo.
E, com effeito, que pretende o illustre deputado?
S. exa. entende que esta situação deve cavar um abysmo profundo entre o passado e presente. Nós não tomámos este encargo senão para este fim. E referindo-me ao abysmo, que separa a situação passada da situação presente, não faço senão reportar-me ao ideal politico do partido regenerador que é differente do do partido progressista. A maioria, pois, não levará a mal que eu me exprima assim, pois essa é a linha divisoria da politica que seguiram os nossos antecessores da que nós seguimos. O illustre deputado ou, mais, aconselha o governo a que faça todas as reducções e economias possiveis nas despezas. O governo, pela bôca do sr. presidente do conselho, já fez essa promessa, e demais o partido que representa no poder tem sustentado sempre este principio, e eu posso asseverar ao illustre deputado que tanto eu como todos os meus collegas estâmos dispostos a conservar-nos fieis a essa norma de proceder.
Chamou s. exa. a attenção do governo para as questões de instrucção publica; tambem por parte do governo foi
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já declarado que elle se ha de empenhar em dar á instrucção todo o desenvolvimento possivel.
Por ultimo, s. exa. referiu-se á questão das reformas politicas. O governo não renuncia a essas reformas, mas como todo o governo, considera-se juiz do momento opportuno em que ellas devam ser feitas.
E não ha contradição entre esta declaração e as declarações feitas pela opposição progressista anteriormente.
O illustre deputado sabe que o partido progressista sempre entendeu que era indispensável resolver a questão de fazenda; que por isso até pretendia que as reformas políticas ficassem effectuadas em 1884, para incessantemente e logo no anno seguinte, se resolver a questão de fazenda. Se em 1880, era grave o estado da fazenda publica, com muito mais rasão o é em 1886.
Portanto, o governo não renuncia às reformas politicas, repito, mas reserva se o direito de apreciar a sua opportunidade.
Também o governo aprecia os conselhos que lhe deu o illustre deputado e que são próprios da lealdade do seu caracter e do seu amor ao paiz; mas esteja certo s. exa. que o governo ha de manter-se emquanto tiver por si todos os elementos constitucionaes, e ha de saber defender a posição de um governo, livremente, constituído. Emquanto lhe não faltar nenhum dos elementos constitucionaes que o trouxeram aqui, ha de repito, manter-se no seu posto.
Aprecio, repito, os conselhos que o illustre deputado deu ao ministério, e esteja s. exa. certo de que o governo fará por não merecer a censura a que o distincto orador se referiu no final do seu discurso.
O sr. Costa Pinto: - Pedi a palavra para dirigir duas perguntas ao governo, mas primeiro desejo cumprir um dever de cortezia felicitando os illustres cavalheiros que estão sentados nas cadeiras do poder, pela sua elevação áquelles logares. Entre os srs. ministros ha alguns que são meus amigos particulares, e que eu estou ha muito tempo acostumado a respeitar pelo seu talento.
A minha posição nesta casa actualmente seria escusado dizer qual é. Pertenço ao partido regenerador, e, por consequência, sou opposição ao governo, mas opposição franca, aberta e clara, sem comtudo ser facciosa, nem nesta camara, nem lá fora, porque o meu desejo é que o governo trate da questão de fazenda.
Neste assumpto a minha opinião é igual á do sr. ministro das obras publicas, que ha poucos dias dizia, estando na opposição, que desejava o accordo de todos os partidos para se resolver a questão de fazenda.
E pois desta questão que devemos tratar, e eu desde já declaro que, se este governo ou outro qualquer a que eu faça opposição, apresentar boas medidas de fazenda, hei de, collocar-me a seu lado, e defendel-as como souber e poder.
Trate o governo das questões de fazenda, trate das questões de agricultura, que ha de encontrar a seu lado todos os homens que prezam o seu paiz.
Fallo como proprietário, e como deputado da nação, que acima de tudo deseja o desenvolvimento da riqueza publica.
Tem-se fallado aqui no desdobramento do ministerio das obras publicas, creando-se um ministerio de agricultura, que na presente conjunctura só traria aggravamento nas despezas.
Está porém provado que o sr. Emygdio Navarro, que é um rapaz trabalhador...
Uma voz: - Rapaz!
O Orador: - Empreguei intencionalmente a palavra rapaz, para significar um homem novo, porque é dos homens novos que eu espero trabalho aturado.
Ia eu dizendo que o sr. Emygdio Navarro, se quizer, póde fazer muito em favor da agricultura, sem que seja preciso abandonar o ramo das obras publicas; e ainda ha pouco confirmou as previsões da camara, de que póde ser um óptimo ministro da agricultura, na prompta resposta que deu às perguntas que lhe foram dirigidas pelo meu collega e amigo o sr. Adolpho Pimentel, (Apoiados.)
Felicito o illustre ministro das obras publicas por desejar fazer um inquérito agrícola, e peço a s. exa. que, faça esse inquérito sem política.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Apoiado.
O Orador: - Ouvindo todos os homens competentes e que o possam esclarecer. Registo o apoiado do illustre ministro.
(Interrupção que não se ouviu na mesa dos tachygraphos.)
Certamente e é por me lembrar das eleições de 1879, em que me bati contra o governo progressista, perdendo a eleição por 80 votos, que registei o apoiado. Ainda me recordo dessa eleição, em que o governo empregou contra mim todas as prepotencias, conseguindo vencer-me por 80 votos apenas num circulo importante, em que eu tinha a opinião publica do meu lado. Fica assim respondido o aparte do illustre deputado.
Li algures, num jornal, que o sr. ministro das obras publicas era o enfant gâté da maioria. Olhe s. exa. para a agricultura, trabalhe para o seu desenvolvimento, e será não só o enfant gâté da maioria, mas de todo o paiz. (Apoiados.)
Feitas estas declarações vou fazer as minhas perguntas ao governo.
Todos conhecem os trabalhos apresentados ao parlamento pelo talentoso ministro da fazenda demissionário, o sr. Hintze Ribeiro.
Nesses trabalhos vem incluída a reforma das pautas, que foi largamente discutida no conselho superior das alfândegas, composto de homens de todos os partidos, e ao qual pertence um dos homens eminentes da política portugueza que mais serviços tem prestado às industrias do paiz; refiro-me ao sr. António Augusto de Aguiar, meu particular amigo. (Muitos apoiados.)
Por indicação deste cavalheiro foram ouvidos os industriaes, e parece-me que essa reforma deve ser boa, porque contra ella apenas VI apresentar uma representação dos fabricantes de malha de algodão, e creio que ha algumas reclamações por parte dos agricultores.
Desejo, portanto, saber se o sr. ministro da fazenda, acceita essa reforma tal qual foi apresentada pelo sr. Hintze Ribeiro.
Agora a segunda pergunta: Sabe a camara e sabe o paiz que eu, apesar de ser regenerador e apoiar o governo transacto, entendi que numa questão de administração me devia afastar delle, e assim o fiz.
Impugnei uma medida apresentada pelo ministerio regenerador, e combati a tanto na camara, como nas commissões por entender que ella ia aggravar as classes pobres, que muito me honro de representar nesta casa, e as industrias do paiz.
Refiro-me ao imposto do sal. Ao meu lado combateram essa medida alguns dos nossos collegas, e entre elles o sr. Mariano de Carvalho, actual ministro da fazenda.
S. exa., em nome do partido progressista, disse do seu logar de deputado da opposição que quando o seu partido subisse ao poder, havia de acabar com o imposto do sal.
Se tal fizer, louval o hei por esse acto, porque vae alliviar de um imposto vexatório as classes pobres, e proteger muitas industrias importantes do paiz.
Pergunto, pois, categoricamente ao sr. ministro da fazenda, se o governo está disposto a cumprir as declarações que fez na opposição. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Começo por agradecer ao illustre deputado as palavras amaveis que dirigiu a todos os ministros.
Unicamente sinto que não podesse considerar-me rapaz, como considerou o sr. Emygdio Navarro, (Riso.) mas devo
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dizer que, alem de todos os privilegios de intelligencia e de estudo que distinguem o illustre deputado, ha um que eu quasi lhe invejo, é o da idade.
As suas perguntas, quanto às questões que especialmente me dizem respeito responderei com toda a clareza.
Lembra-se s. exa. de certo de que eu na camara sempre sustentei a necessidade urgentíssima de uma reforma pautal.
Pois não me encarreguei da pasta da fazenda para renegar as minhas opiniões a respeito dos assumptos económicos e financeiros ou de quaesquer outros.
Portanto hei de tratar seriamente da reforma da pauta.
Posso dizer com toda a lealdade que me conformo com muitas das disposições do projecto da nova pauta, que discordo de poucas, e que tenho duvidas a respeito de algumas.
Nem o illustre deputado nem a camara devem ficar surprehendidos por eu declarar que tenho duvidas a respeito de algumas disposições do projecto da nova pauta. Quando estava na opposição, não tinha todos os elementos de estudo sobre a questão pautai, e alem d'isso essa questão da nossa pauta prende-se com a pauta do paiz vizinho, com os interesses do thesouro, e com os interesses económicos da nação. (Apoiados.) Ahi está a sua difficuldade.
Creio que neste ponto estou quasi de accordo com o illustre deputado.
O sr. Costa Pinto: - Apoiado.
O Orador: - Ha um assumpto em que o accordo se póde com certeza dizer completo; é o que se refere á consideração e respeito pelas altas qualidades, e pelos talentos e saber do sr. António Augusto de Aguiar. (Apoiados.)
Quanto ao imposto do sal, s. exa. fez uma pergunta peremptória, e eu responderei tão peremptoriamente como s. exa. poderia desejar: o governo progressista não mau terá o imposto sobre o sal.
O sr. Costa Pinto: - Satisfaz-me a resposta.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Sr. presidente, teria uma plena justificação o uso da palavra pela minha parte na sessão anterior, isto é, na primeira sessão de apresentação do gabinete progressista.
Então, se me coubesse a palavra, dirigir-me-ia em especial ao sr. ministro das obras publicas para lhe fazer uma pergunta sobre um assumpto a que ligo o maior interesse, como natural dá província de Traz os Montes, e especialmente como filho do districto de Villa Real.
A resposta, porém, dada pelo illustre ministro na outra casa do parlamento, ao meu excellente amigo o sr. Lopo Vaz, que tanto interesse e desvelo tem mostrado na questão da via férrea do valle do Corgo, dispensa-me de renovar a pergunta e satisfaz-me plenamente.
Mas já que o acaso da inscripção me permitte hoje o uso da palavra, usarei d'ella para honrar assim a concessão que, em nome da camara, v. exa. me faz.
Hoje comprehende v. exa. que é inutil, que é perfeitamente escusado que eu defina a minha situação na camara desde que, pela voz eloquentíssima e brilhante do sr. Pinheiro Chagas, aqui foi definida claramente a attitude do partido regenerador em frente do novo gabinete.
E descontando na palavra brilhantíssima e quente de s. exa. quanto seja necessario para se harmonisar com o tom da minha palavra fria e despida de atavios, eu terei justamente definido a minha attitude, que, como a de s. exa., é de opposição franca, com benevolência, mas não facciosa e reservada.
Para manter-me nesta resolução não influe pouco o prazer com que tenho de registar as declarações de tolerância do governo, declarações que são para mim o primeiro pretexto, nunca da minha adhesão, mas da minha reserva em frente do partido cujo representante é o gabinete. Refiro-me às palavras de paz que o governo veiu trazer a esta casa sobre a risonha forma de uma esperança de manter em toda a sua política futura um regimen de brandura.
As lições da experiência devem ter sido bem duras para o governo progressista, que cheio do favor popular, cheio de auctoridade moral, subiu ao poder em 1879, e só pela sua intolerância, por uma satisfação, completa de mais, dos appetites rancorosos e estreitamente jacobinos ao espirito de facciosismo das províncias, derivou num caminho de desordenada intolerância, que o levou ao desprestigio no paiz e á perda da força governativa, que inutilisou com os seus erros.
As lições da experiência devem ter sido bastante amargas para que hoje possa entrar em condições mais desaffogadas e mais em harmonia com a satisfação da interesses públicos.
A epocha não vae para grandes luctas; impõe-se por bastante a situação da fazenda publica e a situação do paiz, para que nós não pensemos por forma nenhuma em atear as paixões, mas amortecei-as. A epocha hoje é de paz e só de paz! (Apoiados.)
Registando esta declaração, e mantendo-me ainda nos limites da mais estricta reserva que me tracei, permitta-me v. exa. que eu felicite os ministros que pela primeira vez tomam assento n'aquelles logares.
Sem querer apreciar desde já o programma do gabinete, sem querer entrar na discussão da conveniência ou não conveniência do desdobramento do ministerio das obras publicas, limito-me a felicitar os novos ministros de cujo patriotismo e alta intelligencia o paiz tanto espera.
E se fosse permittido á minha admiração ou amizade pessoaes especialisar, especialisaria o nobre ministro da fazenda. Dos seus talentos, quer como orador, quer como parlamentar, quer como professor, quer como jornalista, tem dado a mais completa e a mais cabal prova, de que ha muito a esperar.
E dirigindo-me especialmente ao sr. ministro das obras publicas, faço sinceros votos para que a sua vigorosa inteligência esteja sempre ao serviço da causa publica, por forma a não se inutilisar o cidadão pelo adiamento na resolução dos problemas sociaes em que possa influir, nem como ministro preterindo o interesse publico em pró do espirito estricto do seu partido. (Apoiados.)
Mas não imaginem s. exas., que quando assim expresso os meus sentimentos de amisade pessoal, faço um programma de benevolência para um ou outro dos seus collegas. Não? Combatel-os-hei sem facciosismo, mas com tenacidade, e estes sentimentos, que exprimi, servirão apenas para corrigir os impetos do meu temperamento ardente.
O futuro dirá de mim. (Apoiados.)
O sr. Franco Frazão: - Sr. presidente, comprimento cortezmente os illustres cavalheiros que acabam do assumir as pastas da governação do estado. Aos srs. ministros, porém, cumpre-me dizer-lhes, em harmonia com as declarações feitas pelo digno par do reino, o sr. Vaz Preto, na outra casa do parlamento, que a nossa posição para com o gabinete é do franca e leal opposição.
É lógica esta nossa posição, e justificada pelos nossos precedentes, pelas nossas tradições políticas, sempre era opposição com as do partido progressista; o que indica divergência de programma, ou de modo de ver em política e administração.
A nossa opposição será graduada pelos actos do governo, que esperámos, e terá por alvo a defeza dos legítimos interesses do paiz. Se os srs. ministros procederem com prudência e tolerância, e, em harmonia com os interesses do paiz, resolverem os grandes problemas da governação publica, a nossa opposição seguramente será o mais benévola possível.
Se os srs. ministros se lançarem no caminho de rasgadas e bem entendidas economias, não deixaremos de collocar-nos ao seu lado; por onde se vê, que a nossa opposição não é acintosa nem intransigente, só o será, quando caminharem em sentido opposto do que estou apontando.
Ouvi expor o programma do gabinete, e na sua
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ralidade concisa, como todos os programmas, não desagradará aos que ainda crêem em programmas; eu porém careço de ver os factos.
Res non verba, como disse ha pouco o sr. presidente do conselho.
Falla-se n'esse programma em prudência, tolerância, moralidade e economia nos actos do governo, resolução da questão de fazenda sem pedir maiores sacrifícios ao contribuinte, e simplesmente pela remodelação do systema de lançamento e cobrança dos impostos; economias! E um programma perfeitamente adorável, se os srs. ministros o cumprirem.
Eu, porém, descreio do programma do governo, na parte que diz respeito á resolução da questão de fazenda pela simples remodelação no lançamento e cobrança dos impôs tos actuaes, por isso que me parece que isso só não póde dar uma receita que concorra poderosamente para conjurar o estado verdadeiramente grave da fazenda publica. Dirão talvez os illustres ministros; mas as economias, os cortes profundos nas despezas publicas desnecessárias e inúteis, nos esbanjamentos, que vamos fazer, darão o mais, e por fim recorreremos a novos impostos.
N'esta ultima parte é que eu creio.
Ainda não ouvi annunciar ao ministerio quaes sejam essas economias; ouvi apenas dizer ao sr. ministro da fazenda que tínhamos empregados de mais, que careciamos de ter menos, mas melhor remunerados.
Declaro que não comprehendo como d'aqui possa vir uma grande diminuição na despeza publica; porque em primeiro logar é difficil, de momento, pôr fora dos quadros os empregados públicos existentes ; em segundo logar, ainda que se ponham fora alguns, como tem de se remunerar melhor os que ficarem, não vejo que essa economia possa dar grande resultado para conjurar a situação financeira.
Mas eu não procuro discutir agora o programma do ministério, e apenas faço uma pergunta ao governo, esperando que me dê uma resposta categórica.
Durante o tempo em que os srs. ministros actuaes militaram na opposição, muitas vezes os acompanhei em uma questão que é palpitante na opinião publica. S. exas. tinham então uma opinião que creio, hão de sustentar ainda hoje nos conselhos da coroa. Quero referir-me á verba de 2.000:000$000 réis que se gasta com reformas, aposentações e jubilações. S. exas., e nomeadamente o sr. ministro da fazenda, mais de uma vez disseram, que esta verba era enorme, immoral e injustificável, e posso affiançar que a opinião publica os applaudia, porque é esta uma das verbas sempre crescente, que o estado despende, que mais repugnancia offerece ao contribuinte.
Pergunto, pois, ao governo se está resolvido a apresentar alguma proposta de lei, tendente a reduzir consideravelmente essa verba, por meio de uma reforma justa, equitativa e prudente.
Os actuaes srs. ministros toem contraindo para com o paiz compromissos importantes e solemnes, não só durante o tempo em que estiveram na opposição, pelas suas affirmações, mas porque os seus talentos e gravidade dizem ao paiz que elles hão de ser cumpridos de uma maneira seria e completa.
Espero que s. exa. me darão occasião de os acompanhar quando entrarem no caminho de reformas verdadeiramente uteis para o paiz, quando reduzirem, por meio de medidas económicas bem pensadas, as despezas publicas, e resolverem satisfatoriamente o problema fazendario, porque lhe não negarei o apoio que todo o bom cidadão deve aos salvadores da pátria, porque acima de tudo está o bem do meu paiz.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Sr. presidente, tardo e muito tarde me cabe a palavra neste debate; e esta circumstancia, para mira muito desagradável, impõe-me o dever de cortezia de ser breve e de resumir, quanto me seja possível, as considerações que tenho a apresentar ao elevado critério da camara e á justa e merecida consideração do governo.
São de diversa natureza as considerações que tenho a fazer: umas referem-se a assumptos de interesse publico, e para elles terei de solicitar a attenção dos srs. ministros da fazenda e das obras publicas; outras consubstanciam-se numa declaração inteiramente pessoal, e que serve para eu definir clara e nitidamente qual a minha attitude política em frente do novo ministério.
Sr. presidente, soldado humilde, mas leal e dedicado do partido regenerador, não posso, nem devo, desertar da bandeira a que estou abraçado, e a cuja sombra me acolhi, como sendo ella a que melhormente representa e symbolisa as glorias da nação e os seus mais elevados interesses.
Soldado de um partido que está hoje na desgraça, que está hoje fora do poder, não recuarei...
(Interrupção.)
Na desgraça, sim, porque constitucionalmente, ao menos, devemos suppor, que a resolução da crise se operou pela convicção que alguém tinha, de que o partido regenerador, neste momento, não era sustentado e apoiado pela maioria do paiz.
(Interrupção.)
Esta é a verdadeira doutrina constitucional. (Apoiados.)
E eu, pelo menos, não posso, nem quero crer que o augusto chefe do estado chamasse ao poder o partido progressista, se entendesse que elle tinha contra si a antipathia, os ódios e a malquerença da opinião publica. (Apoiados.)
(Interrupção.)
O illustre deputado está no direito de pensar de modo diverso, tanto mais que me fallece auctoridade para impor a quem quer que seja as minhas idéas e os meus princípios.
O governo regenerador abandonou o poder, porque lhe faltou a confiança da coroa; a corôa retirou-lhe a sua adhesão e o seu apoio, porque julgou assim acompanhar e obedecer às indicações da opinião publica.
Esta é que é, a meu ver, a legitima e constitucional interpretação da crise.
Agora, o que desejo que fique bem accentuado, e bem esclarecido, de modo a não admittir duvidas no espirito do ninguem, é a minha constante e dedicada fidelidade ao nobre e glorioso partido regenerador.
Sr. presidente, embora occupe nesse partido um posto humilde, e certo que estou firmemente resolvido a não me afastar delle, recuando, nem uma linha, porque isso seria fraqueza e cobardia; assim como estou resolvido a não avançar urna linha sequer para a frente, porque não julgo que isso seja, neste momento, conveniente aos interesses do paiz.
Seria realmente extraordinário que recebessemos nas pontas das bayonetas um ministerio que acaba de subir ao poder, por uma legitima rotação dos partidos constitucionaes, e que tem deveres sereissimos a cumprir.
Os homens que se sentam n'aquellas cadeiras têem todos dotes intellectuaes tão elevados, como elevadas são as responsabilidades que sobre elles pesam.
É justo portanto que esperemos para os julgarmos depois com a serenidade e justiça que são próprios de um partido que tem sabido sempre inspirar-se no bem do paiz.
Mas, passemos adiante, e demoremo-nos um pouco na celebre declaração com que o sr. José Luciano de Castro abriu o seu discurso programma; não julgo que seja tempo perdido o demorar-me em lembrar á camara e ao paiz o valor e a importância dessa declaração, que eu desejo não seja esquecida, nem pela camara nem pelo paiz, a fim de se averiguar se ella tem destino diverso daquelle que
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idêntica declaração, feita com a mesma solemnidade e pelo mesmo indivíduo, teve em 1879.
Essa declaração é a que se refere ao principio de tolerancia politica, consignado no programma do governo.
Sr. presidente, é singular que, neste tempo de progresso e de civilisação o principio da tolerância política faca parte principal do programma de um governo que se diz avançado e radical!
Essa declaração não devia estar no programma, devia estar antes nos costumes, (Apoiados) na índole, nas tendências e nos propósitos do partido progressista. (Apoiados.)
Essa declaração devia virtualmente conter-se dentro dos princípios e das tradições de um partido que se jacta de ser o mais liberal do paiz.
Mas o nobre presidente do conselho collocou essa declaração na frente do seu programma de governo, e s. exa. bem sabe a rasão por que o fez. (Apoiados.)
S. exa. bem sabia que, no momento em que os seus partidários, disseminados por todo o paiz, se rejubilavam por verem nas alturas do poder os instrumentos da sua vingança, ao mesmo tempo, e parallelamente, se havia de manifestar em muitíssimos espíritos gravíssimos receios, enormes sobressaltos, por verem pesar sobre elles o peso brutal das vinganças cobardes e das perseguições tão inauditas, como inconvenientes, postas em pratica pelo partido progressista em 1879.
Teve ao menos o partido progressista a attenuar-lhe as responsabilidades, o ardor e o desespero da paixão politica que a tantos perturba e desvaira?
Não.
É necessario que o governo e esta camara saibam que muitas perseguições se commetteram e muitas vinganças se realisaram sem que ao menos se podessem acobertar com o mais leve e o mais insignificante interesse político.
É preciso que se saiba que os centros das províncias, com que o partido progressista tanto se orgulha e lisongeia, julgando serem elles o pedestal forte e valioso da sua auctoridade no paiz, são apenas conventiculos que se constituíram e fundaram unicamente, para á sombra de uma bandeira politica, poderem tirar desforra de competencias pequenas e mesquinhas e exercerem vinganças de longe premeditadas.
Esta é que é a verdade dos factos, que o testemunho de muitos confirma e que ninguem póde contestar.
Isto é bom que se saiba, para que um partido, que blasona de honesto e de moral, e que tem hoje á sua frente cavalheiros, tão distinctos pela elevação de caracter, e tão notáveis pelo prestigio e pela grandeza das suas faculdades, não commettam de novo, por fraqueza ou imprevidência injustificável, faltas e erros que a todos indignam e que lhes são exigidas impudicamente por aquelles que nenhum direito têem a serem attendidos.
É necessario que esta monção que o ministerio encontrou no seio de um mar, cujos ventos era de receiar lhes fossem contrários, se estenda e alargue por todo paiz; é necessario que esta doce tranquillidade de que aqui gosâmos, sem quebra da nossa dignidade, e sem aggravo para os nossos brios, seja gosada por todos os adversários em todos os pontos do paiz, seguindo e obedecendo às tradições generosas e tolerantissimas do partido que inaugurou a sua vida politica pela tregua de 1802.
É por isso que é legitimo e meu reparo de apparecer como uma novidade politica, na bandeira do partido progressista, um principio que o partido regenerador gravou na sua em 1852.
É inacreditável que o partido que devia, ser o mais generoso, o mais liberal, o mais alto nas suas aspirações de justiça, tivesse necessidade, para acalmar os justos sobresaltos do paiz, de dizer, pela boca do seu chefe, que o governo havia de ser tolerante para, com todas as opiniões políticas, para com todas as idéas, quando ellas se manifestem dentro da orbita legal.
S. exa. concedeu-nos a tolerancia politica, como um presente, como um mimo de generosidade do governo a que s. exa. preside; pois bem acceitámol-o.
É certo que este beneficio devia dimanar directamente do progresso e do desenvolvimento da natureza moral da sociedade portugueza; mas s. exa., desconfiado de si próprio, procura tranquillisar o paiz, brindando-o com o primeiro mimo da magnificência governamental. (Riso.) Pois bom, o paiz acceita a offerta e faz por que o gomo mais tarde se não arrependa. (Apoiados.)
Agora, sr. presidente, vou entrar na segunda parte das minhas considerações.
Representante do paiz n'esta casa do parlamento, sou igualmente representante directo de um dos mais valiosos ramos da actividade nacional, e que, decerto pelas circumstancias especiaes, é aquelle que, hoje, mais deve prender a attenção e solicitar os cuidados dos poderes públicos.
Refiro-me ao estado lastimoso em que se encontra a agricultura, e a que é urgente accudir com remédios seguros e bem aconselhados, para que ella, pouco a pouco se levante da prostração perigosa em que jaz actualmente.
Pelo programma governativo, vê se que o talentoso ministro das obras publicas pensa encontrar remédio prompto para todos os males, desdobrando a sua pasta em duas e mimoseando o paiz com mais uma pasta, com mais um ministro e com mais uma economia naturalmente!
Ora, isto, para programma de governo, que tanto promette fazer em favor da agricultura, acho pouco, muito pouco.
É verdade que o governo, por causa da pasta, faz largas promessas de favor aos interesses agricolas do paiz, chegando até o sr. Marciano de Carvalho, na primeira sessão em que se tratou desta questão, a declarar que, se o governo de que fazia parte não tivesse mostrado sincero empenho em melhorar as condições em que se acha a agricultura, elle por sua parte, não teria entrado para o ministério.
Estes desejos, tão francamente manifestados, são sobremodo louváveis; mas, por ora, o que a agricultura sabe, é que vae ter a honra de possuir uma pasta, um ministro e uma despeza de mais alguns contos de réis. (Apoiados.)
Mas os fundamentos em que assenta a creação do novo ministério, são curiosos e peregrinos, e, pelo menos, a mim não me satisfazem de modo algum.
S. exas. dizem: é necessario fazer inquéritos, é necessario organisar estatísticas; como se ha de fazer isto tudo sem uma pasta da agricultura?
Rasões desta ordem provam apenas que á pasta é para o ministro, e para a agricultura fica reservado apenas o encargo de o sustentar.
Esta é que é a realidade dos factos.
Querem um inquerito?
O inquérito está feito de ha muito; nem no paiz a diversidade da sua cultura é tão variada que, o que se interessa medianamente pelas cousas agricolas não possa saber sem grande esforço qual o seu estado em todas as regiões do paiz.
Emquanto às estatisticas sabem todos como ellas são feitas.
Eu não posso, nem devo ir alem do espirito largo e esclarecido do illustre ministro das obras publicas, prevendo quaes sejam as boas ou más condições em que as estatísticas agricolas e commerciaes serão organisadas pelo talentoso ministro; mas desconfio que não poderá obter um trabalho perfeito e que mereça confiança.
Mas voltemos ao inquerito. Comecemos pela industria de engorda do gado bovino, que foi a que mais rapidamente se desenvolveu no nosso paiz; por isso que era essa a que mais tortamente remunerava os lavradores que a ella se entregavam.
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Sobre este ramo do riqueza publica, o inquérito está feito. Vejamos: a exportação de gado bovino para Inglaterra em 1884, foi de 18:927 cabeças; em 1885, saíram apenas 8:797; ahi está um facto estatístico que represente una prejuízo para a agricultura, não só pela perda directa de importantes capitães, mas tambem pela influencia pernicios a que o abandono desta industria deve trazer á boa exploração das culturas cerealíferas.
Mas, consolêmo-nos um pouco. Cá temos a milagrosa pasta, que ha de vencer este mal e todos os que lhe forem contrários. (Riso.)
Mas, como o remédio póde vir de uma pasta antiga, peço ao illustre ministro dos negócios estrangeiros o favor de prestar toda a sua attenção ao que vou dizer:
Duas causas se attribuem a este phenomeno, que ao sr. Barros Gomes deve maguar muitíssimo, porque s. exa. disse já, nesta casa, em 1880, que havia dois géneros agrícolas que, pelas suas condições excepcionaes de prosperidade, deviam no futuro constituir os dois elementos mais poderosos da fortuna do paiz e eram ao sul a cortiça e ao norte a industria da engorda do gado bovino; assim, tenho já uma garantia da solicitude e zelo com que s. exa. tratará de patrocinar esta causa, se porventura ella depender da sua interferência.
Duas são as causas a que se attribue a decadência rápida e fatal desta industria, tão rica e tão remuneradora; a primeira prende-se com o transporte de carnes verdes de Montevideu, Estados Unidos e Canadá em vapores frigoriferos para a Inglaterra, e transportadas em condições tão vantajosas de preço que mata toda a exportação do nosso gado.
Eis uma causa que, se é verdadeira, resistirá bem á santa influencia da pasta nova. (Apoiados.)
Lembro-me, é verdade, que esta tentativa de exportação de carnes verdes, em frigoriferos, foi feita já ha seis ou sete annos, sem que ella tivesse dado resultados satisfactorios.
A segunda causa, e esta foi manifestada ao governo transacto por uma representação que lhe foi dirigida pela associação commercial do Porto, refere-se ao facto gravissimo, accusado nessa representação, da desigualdade de condições e de favor com que os gados importados em Inglaterra da Noruega, da Suécia e da Dinamarca eram ali tratados e recebidos em relação aos nossos.
É esta, por ventura, a verdadeira causa da decadência deste ramo valiosissimo da nossa industria e do nosso commercio, como se afigura á digna associação commercial do Porto; então espero do elevado critério e sincero patriotismo do illustre ministro dos negócios estrangeiros toda a solicitude e empenho para o total e completo desapparecimento desta causa.
Mais inquérito. Toda a gente sabe quão decadente é a cultura cerealífera entre nós, e que tende a aggravar-se e a definhar pela intervenção de vários factores, sendo os principaes a diminuição dos estrumes, proveniente da paralysação da engorda do gado, a falta de estrumes commerciaes, a falta de braços e o preço baixíssimo por que elles são vendidos no mercado, e a carência absoluta de instrucção apropriada e ministrada em boas condições de aproveitamento!
Mas, para destruir tantos males, para prover de remédio a necessidades tão urgentes, o novo ministerio dá-nos a decantada pasta, os inquéritos e as estatísticas; é pouco, já o disse; é pouco, muito pouco. (Apoiados.)
E necessario procurar capitães baratos ao agricultor, é necessario na revisão das pautas dar á agricultura uma protecção equivalente á que é concedida às outras industrias nacionaes, é necessario que a distribuição do imposto seja equitativo na sua incidência e na sua distribuição, é necessario fornecer adubos e indicações para que se eleve a producção, é necessario que a producção se eleve á percentagem de 20 a 30 hectolitros como era França, ou de 30 a 40 como em Inglaterra, e não se conserve por muito tempo na de 8 a 11, como desgraçadamente acontece entre nos; é necessario promover por todos os modos o arroteamento e saneamento dos terrenos baldios e alagadiços, para que se não mantenha a desproporção que actualmente existe entre nós e a França, desproporção que só desapparecerá quando tivermos arroteado e sujeitos á cultura regular 1.600:000 hectares; é necessario remodelar o ensino agrícola, acabando com as quintas districtaes, que só servem para absorver grossas quantias sem proveito e sem utilidade; é necessario e urgente substituir essas quintas por missões scientificas (Apoiados.), onde os homens com uma pratica apurada pelo estudo theorico, vão junto dos lavradores aconselhal-os, dirigil-os e ensinar-lhes as melhores praticas agrícolas e convencel-os, pela observação experimental, dos bons resultados da adopção dos novos processos.
Pertenço ao districto do Porto, e isto serve-me para dar um exemplo frisante do que valem as quintas districtaes; ha ali uma, onde se tem gasto dezenas de contos, sem que della se tenha tirado a mais remota utilidade; pelo contrario, os resultados teem sido de tal natureza e tão ao avesso do que se esperava, que ella só tem contribuído para despertar nos poucos que a tem visto um santo horror e um sentido desprezo pelos novos processos agrícolas. (Apoiados.)
Ha uma única industria que nella tem prosperado, é a do fabrico da manteiga; mas se o exercício desta industria póde ser lucrativo para a quinta, não é vantajosa, como ensino, como propaganda, numa região onde se engorda, mas onde não ha centros de creação.
D'aqui resulta que esta industria se não propaga, porque lhe faltam as condições de expansão. Se formos, porém, às regiões onde existem os solares das nossas melhores raças bovinas, e onde o leito é bom, barato e abundantíssimo, ahi de certo não só encontra quem saiba manipulal-o convenientemente e transformal-o num producto valiosissimo, que nos libertaria da concorrência estrangeira que invade os nossos mercados de margarina e que lançaria no nosso movimento industrial alguns milhares de contos que pagámos às nações estrangeiras, por um género quasi sempre falsificado. (Apoiados.)
Pois, se em vez de quintas districtaes, se estabelecessem as missões cientificas, estes reparos não teriam rasão de ser e a riqueza nacional ha muito possuiria mais um elemento de prosperidade, e a agricultura mais uma força de engrandecimento e de prosperidade. (Apoiados.)
Já vê o illustre ministro que o inquérito está feito, o que a pasta da agricultura não nos vem dar novidades sobre os males que a affligem.
Agora vou apresentar á consideração do governo um facto gravíssimo e abusivo que se dá nas ilhas adjacentes, por mera arbitrariedade dos governadores civis e que muito tem contribuído para o abaixamento rápido e extraordinário do preço dos nossos milhos.
Pela carta de lei de 24 de março de 1884, é permittida a entrada do milho das nossas possessões ultramarinas em todos os portos do continente e ilhas adjacentes; este milho é empregado nos Açores para a distillação da aguardente, e daqui nenhum mal nos vem. Mas os srs. governadores civis entenderam que deviam alargar os favores desta lei aos cereaes estrangeiros, e estes que têem entrada livre nos nossos portos, vem fazer ao milho do continente uma concorrência illegal, condemnavel e ruinosa, fazendo ao mesmo tempo diminuir de um modo notável as receitas das alfândegas.
Hoje já não entra na barra do Porto, e estou disto informado com segurança, milho da America, mas procedente das nossas ilhas.
Isto não póde continuar, e eu peço ao illustre ministro da fazenda que ponha cobro a estes abusos. (Apoiados.)
Sinto não ver presente o sr. ministro da guerra, a quem
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desejava perguntar se está resolvido a cumprir o que está determinado na ultima organisação do exercito, na parte que manda que do regimento de artilheria n.° 2 se destaquem duas baterias para Amarante, duas para Almeida e duas para Faro.
Ha vinte dias já que o antigo ministro tinha dado ordem para o regimento a fim de prepararem as duas que tinham de partir para Amarante, e consta-me que ellas estão já organisadas; sobre isto é, que desejava chamar a attenção do ministro e sobre se s. exa. mantém ou não as determinações anteriores.
Esta questão parecerá, talvez pequena, para ser tratada no parlamento; mas em meu entender, não o é, porque envolve em si interesses de grande valia de uma terra que pelas suas tradições gloriosas, pelo seu trabalho e pelas suas virtudes cívicas, é digna de toda a consideração dos poderes públicos.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Marciano de Carvalho):- Respondo em primeiro logar ao illustre deputada, o sr. Franco Frazão, que o partido progressista tem em tal attenção o negocio das jubilações e aposentações, que s. exa. estará lembrado de que já em 1880 o sr. Barros Gomes, então ministro da fazenda, apresentou, um projecto sobre aposentações, o qual teve parecer da commissão de fazenda de que eu tinha a honra de ser presidente. Os acontecimentos politicos de então impediram a approvação desse projecto, mas não mostraram que o governo tivesse má vontade de tratar de tão grave assumpto.
Portanto, o governo tem a questão das aposentações na maior conta, não só porque a nossa legislação é excepcional na Europa, mas tambem porque é uma das causas importantes da nossa má situação financeira. Isto não quer dizer que se não tenha em muita conta que os vencimentos dos funccionarios em Portugal são em regra inferiores aos dos funccionarios nos paizes estrangeiros, e que portanto deve haver mais attenção com o futuro dos empregados.
Esteja o illustre deputado certo de que é do interesse do governo resolver esta questão conforme os interesses públicos.
Agora respondo ao illustre deputado por Amarante, e respondo em muito poucas palavras, porque a hora está a dar, e porque uma parte do seu discurso foi applicada á questão agricola, que me parece não poder ser agora tratada desenvolvidamente. Tempo virá em que possamos discutir largamente este assumpto.
Associo-me aos desejos manifestados pelo illustre deputado quanto á tolerância política, e o que posso dizer a s. exa. é que na gerencia da pasta a meu cargo não estou disposto a tolerar, nem mau serviço, nem insubordinação, nem qualquer acto contrario ao interesse publico; mas, por outro lado, dentro do ministerio da fazenda nunca quererei saber qual é a opinião política deste ou d'aquelle empregado. A este respeito póde s. exa. estar completamente tranquillo.
De resto, não faltará occasião para discutir quem é ou tem sido intolerante, e nesse debate não creio que o partido do illustre deputado leve a vantagem.
Quanto às questões agrícolas, Deus me livre travar polemica com o illustre deputado, que com tanto talento e conhecimento de causa as tratou.
Mas veja s. exa. que, ao mesmo tempo que combate os inqueritos e as estatísticas, condemna os seus amigos politicos, e demonstra a necessidade desses inquéritos e dessas estatísticas.
Pois a agricultura agonisa? Lucta com uma crise gravissima? Os inquéritos estão feitos? As investigações terminadas? As estatísticas conhecidas? E depois de quatro annos de governo, onde estiveram alguns dos seus amigos mais distinctos, nada se ha feito a bem da agricultura? De duas uma, ou estão promptos todos os elementos de estudo para poder resolver a questão, e nesse caso o illustre deputado, vindo apresentar a agricultura no estado em que a descreveu, foi mais cruel para com os seus amigos politicos que ha pouco occuparam estes logares, do que talvez eu nunca o fosse, ou esses elementos e esses estudos não estão concluídos, e é preciso fazel-os. Mas s. exa. mesmo nas considerações muito sensatas que fez ácerca do estado da agricultura, encarregou-se de demonstrar a necessidade de fazer inquéritos e investigações.
Pois não se referiu s. exa. á decadência da industria da engorda do gado, dizendo ao mesmo tempo que se attribuia essa decadência a duas causas, inclinando-se uns para uma dessas causas e outros para a outra, o que talvez nenhuma dellas fosse verdadeira? Isto prova exactamente a necessidade da estatística, da averiguação e do inquérito.
Na Inglaterra varias vezes se têem creado difficuldades á importação do nosso gado naquelle paiz; mas essas difficuldades têem provindo, não da má vontade daquella nação para comnosco mas sim do receio da propagação de uma epizootia, que disseram grassar em Portugal. O dever do governo portuguez é por todos os meios diplomáticos tratar, de combater a propaganda que se tem feito na Inglaterra para obstar a importação do nosso gado. O que não podemos é obrigar a Inglaterra ao regimen dos tratados de commercio.
Quanto á questão dos cereaes não partilho os desejos de s. exa. relativamente á expansão da cultura do milho em Portugal numa parte importantíssima do reino, no sul, onde vejo na cortiça, na vinha e na oliveira a cultura mais lucrativa.
Também não estou convencido de que a cultura do trigo a que principalmente se referem as queixas, se possa manter em Portugal por largos annos, porque estamos nos confins da região agricola própria para essa cultura, e em que ella é sempre precária e difficil. Mas entendo ao mesmo tempo que é necessario preparar uma transição lenta, gradual e prudente. (Apoiados.) O futuro no sul de Portugal não é das culturas cerealíferas, mas no presente é mister defendel-as e protegel-as.
Ao norte do reino a questão é differente.
Ao norte do reino ha terrenos em condições climatéricas e geológicas perfeitamente próprias para a cultura do milho, e devemos contar com taes terrenos, empregando todos os esforços para evitar que o milho, que entra fios Açores às vezes sob pretexto de servir para a alimentação dos povos daquella parte da monarchia portugueza, venha entre nós fazer concorrência, prejudicando a agricultura no continente.
Estou perfeitamente de accordo com s. exa. neste ponto.
Toda a gente sabe que a producção do milho nos Estados Unidos chegou a tal estado de barateza que um alqueire deste cereal custa, no interior daquelle paiz, pouco mais ou menos, de 70 réis a 80 réis.
Não creio, por isso, que devemos banir a cultura do milho, antes, no momento actual, devemos sustentar a lucta que reputo possível.
O illustre deputado foi um pouco cruel com o sr. Hintze Ribeiro, meu illustre antecessor.
Por dever de lealdade para com aquelle cavalheiro, tenho obrigação de tomar a defeza de s. exa. contra o illustre deputado. É extraordinário, mas é assim.
O illustre deputado descreveu o pessimo estado da agricultura do paiz, dizendo a final: depois appellem para o contribuinte pedindo-lhe mais impostos, e verão a resposta que obteem.
Ora eu defendo o sr. Hintze Ribeiro n'esta parte.
(Aparte do sr. Teixeira de Vasconcellos.)
Repito, em defeza do illustre ex-ministro: o que é facto é que o sr. Hintze Ribeiro se deixou preoccupar mais pela questão propriamente do thesouro do que pela questão eco-
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nomica do paiz. Talvez lhe faltassem esclarecimentos estatísticos, no que está a sua defeza.
Nós preoccupâmo-nos com uma cousa e outra, com a questão económica, e com a questão financeira.
Por isso eu declarei logo no primeiro dia de apresentação do ministerio á camara, o seguinte, como programma de governo: redacção de todas as despezas que forem reductiveis, adiamento de gastos, mesmo uteis, tanto quanto a situação do thesouro o aconselhe, melhor fiscalisação das receitas publicas, melhor cobrança e com menos vexames para os contribuintes dos impostos existentes, e ao mesmo tempo estudo attento do estado do reino, inquérito agrícola e industrial, e esforços para melhorar o estado da industria e da agricultura.
Depois de tudo isto appellarei para o imposto, quando a reducção das despezas e o acrescimo da receita não possam equilibrar os despendios absolutamente indispensáveis com as receitas do paiz, augmentadas pela melhor fiscalisação e pela melhor cobrança.
O illustre deputado tem talvez pena neste ponto de não me poder conceder o seu voto, e estará, creio eu, arrependido de não votar contra o sr. Hintze Ribeiro.
Mas é esta uma situação que eu não creei, e não posso criticar.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - V. exa. não póde adivinhar o modo como eu votaria, nem as modificações que proporia.
O Orador: - Não, de certo, mas sou levado a suppôr, dando o valor devido á sua posição política, que o seu animo o impediria a votar, se não todas, pelo menos muitas das propostas do sr. Hintze Ribeiro. Hoje a sittuação mudou.
Em todo o caso creia o illustre deputado que sinto o maior prazer em estar, no fundo da questão, de accordo com s. exa..
Empregarei todos os esforços para que s. exa. esteja inteiramente de accordo commigo, ainda na forma.
Será para mim um dia de grande satisfação o dia em que obtiver o apoio largo e franco de tão esclarecido cavalheiro.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barros Gomes): - O meu collega da fazenda, precedendo-me no uso da palavra, já satisfez, por parte do governo, á necessidade de responder á pergunta que o illustre deputado o sr. Teixeira de Vasconcellos tinha dirigido ao governo ácerca das condições indispensáveis para II importação de gado em Inglaterra, devendo o governo na sua esphera de acção, adoptar as devidas providencias para que este ramo de commercio não ficasse em condições desfavoráveis relativamente aos outros paizes. (Apoiados.)
Por isso nada tenho a acrescentar.
O sr. Scarnichia: - Por parte da commissão de marinha, proponho que aquella commissão seja aggregado o sr. deputado Pinheiro Chagas.
Consultada a camara conveiu que fosse aggregado á commissão de marinha o sr. Pinheiro Chagas.
O sr. Presidente: - A hora está a dar e vou encerrar a sessão.
A ordem do dia para amanhã e trabalhos em commissões, e para sexta feira, o parecer n.° 9 sobre o orçamento rectificado e mais o parecer addicional, que se mandou imprimir e que será distribuído por casa dos srs. deputados.
Está encerrada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.