638 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
comquanto as interpelações n'esta casa quasi sempre sejam preteridas pela discussão de outros assumptos, ás vezes de bem menos importancia, porque ninguem interessa em que se demore apreciação de uma questão, cuja liquidação definitiva a todos é precisa.
Discutindo, pois, unicamente a resposta ao discurso da corôa, considerarei especialmente no debate a questão financeira, com ella póde ser tratada na resposta á falla do throno, sem todavia a destacar da questão politica e da questão economica, com as quaes se acha indissoluvelmente ligada.
A situação financeira, conjunctamente com a situação economica e politica, das quaes não póde desprender-se, é a grande questão nacional.
Todos os outros assumptos, que eu por ahi vejo discutir, serão importantes, servirão mesmo para intreter a curiosidade publica, mas são de inferior interesse para o paiz. Quantas vezes tenho ouvido aos amigos do governo, que os srs. ministros vivem n'uma situação regular e constitucional, porque contam só n'esta casa com noventa votos.
Mas este argumento é perfeitamente impertinente.
Mesmo que o governo contasse com mais de noventa votos, e que em volta d'elle se reunissem, em vez de noventa, a totalidade da camara, ou cento e setenta proximamente, a situação do governo era do mesmo mudo desgraçada debaixo do ponto de vista dos interesses do paiz
Aggravaram por tal fórma os interesses publicos, que hoje não bastam votos para ser governo.
Já não basta ter maioria assombrosa n'uma e n'outra casa do parlamento.
Já não basta saber fazer eleições, saber alargar os quadros do funccionalismo, e saber constituir parado com o despacho de amigos e afilhados, em prejuizo da fazenda publica.
Hoje é preciso saber governar para ser governo.
Ha largos annos que se vive de esgotar todos os dias as forças dos contribuintes, de augmentar as despezas e de contrahir emprestimos para occorrer aos encargos, com que o contribuinte já não póde de momento, e este modo de administrar a fortuna publica ha de conduzir-nos a resultados fataes.
Que importa que o governo tenha noventa votos de maioria n'esta casa? Que importa que a opposição regeneradora esteja dividida em tres ou quatro grupos? Todos esses factos, importantes que sejam sob o ponto de vista politico, são secundarios em presença de crise gravissima que o paiz atravessa.
O que os srs. ministros tem de preferencia que averiguar é se o paiz está satisfeito, se os povos podem pagar sem sacrificio o que o risco lhes pede, e se aos impostos que a nação paga correspondem os confortos, reclamados por um paiz civilisado
Ora os srs. ministros não viram ainda que, no meio da sua grande prosperidade politica que consiste unicamente em se verem acompanhados de maiorias assombrosas n'uma e n'outra casa do parlamento, a indignação popular, n'esta ou n'aquella localidade, já não póde ser comprimida, e rompe em explosões violentas contra o governo?
Os srs. ministros não viram ainda que, sem embargo de terem muita gente comsigo, ou muitos votos nas assembléas legislativas, a nação inteira colloca em Lisboa um parlamento popular, que funcciona no salão da Trindade, ao lado do parlamento official, que funcciona em S. Bento?
Pois a reunião dos congressistas em Lisboa por iniciativa espontanea do paiz não significará que os povos já não confiam, já nada esperam, em seu beneficio, dos seus procuradores officiaes em côrtes?
A altitude do congresso, sobretudo nas suas duas primeiras sessões, é digna de ser estudada, e tanto mais que este parlamento, verdadeiramente nacional foi o primeiro e será o ultimo, que se ha de reunir no paiz.
Poderá a real associação de agricultura convocar mais assembléas de lavradores para velarem pelos seus interesses; mas os membros do poder executivo é que nunca mais serão indifferentes á escolha dos congressistas! As duas primeiras sessões do congresso bem deram a conhecer a importancia das assembléas populares, que sáem, não da copa do chapeu dos ministros, mas sim da vontade livro da nação.
As considerações, que ao congresso dispensaram os srs. ministros e outros personagens da mais elevada gerarchia, bem significam que ainda se conta para alguma cousa com a vontade popular, e que, quando esta quizer impor-se de uma maneira energica, todas essas maiorias artificiaes desapparecem.
O descontentamento publico manifesta se n'algumas localidades de uma maneira ruidosa; e o mais eloquente symptoma da gravidade da situação é o especial cuidado com que o governo esconde ás assembléas parlamentares quaesquer alterações de ordem publica, que se reproduzam no paiz
Pois não acabámos de ouvir o sr. presidente do conselho a affirmar a ignorancia de um facto que todos sabemos, isto é, que acaba de marchar uma força militar de Chaves para Montalegre, a fim de manter a ordem publica, e evitar que se lance fogo ás repartições publicas!
Essas confissões de ignorancia do que se passa pelo paiz não diminuem porém as responsabilidades do gabinete, porque era sua obrigação, ás primeiras noticias dos jornaes, perguntar aos seus delegados quaes as condições de ordem publica nas respectivas circumscripções.
Que impressão ha de produzir no paiz a declaração do governo de que desconhece os factos narrados pela imprensa, e sobretudo quando elles são de tão alta gravidade?
A Madeira está militarmente occupada; e os srs. ministros hão de dizer que reina plena tranquilidade n'aquella região.
Mas o que eu vejo é que já não basta para manter a ordem publica n'aquelle districto a força militar da localidade, que aliás é muito importante, porque da metropole foram para lá mais 250 soldados, que ainda não voltaram!!! (Apoiados.)
Quando em Pombal, em Cantanhede, e n'outros pontos do paiz se manifestou, de modo o mais ruidoso, o desgosto popular contra o governo, explicavam os srs. ministros essa inquietação publica por manejos da opposição, como se esses manejos pudessem determinar qualquer cidadão a ir procurar uma morte certa nas descargas de fusilaria! (Apoiados.)
Os srs. ministros não sabem, ou não querem comprehender, como póde ser indifferente a qualquer individuo largar a vida no campo á espingarda do soldado, ou cair extenuado pela fome no seio da familia. (Apoiados.)
Para estes factos de alteração da ordem publica e de desgosto popular, que não são isolados, e que indicam um profundo mau estar social, é que o governo devia dirigir as suas attenções. (Apoiados.)
Pois os srs. ministros, em vez de prestarem attenção a estes factos gravissimos alguns dos quaes eram já conhecidos quando se abriram as côrtes, e até foram referidos no discurso da corôa, limitam-se a annunciar uma serie de medidas, nenhuma das quaes serve senão para aggravar a situação difficil em que nos encontrâmos. (Apoiados.)
Já uma vez tive occasião de dizer â camara que bem podia este governo conservar-se no poder tres annos, isto é, até ao anno que vem, por me parecer que não havia n'isso grande prejuizo para o paiz, porque então nem pela cabeça me passava que os srs. ministros para se manterem no poder não poupariam nem o massacre de cidadãos inermes.
Já me resignava com que o governo desse cabo da pelle