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SESSÃO DE 29 DE FEVEREIRO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmo. srs.

Francisco José de Medeiros

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá se conta de um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, declarando que não podiam ser remettidos á camara os documentos requeridos pelo sr José de Azevedo Castello Branco, ácerca das .... Do Tejo, por haver negociações pendentes a este respeito. - O sr. Ribeiro Ferreira apresenta um requerimento, pedindo varios esclarecimentos, pelo ministerio da guerra - Os srs. Figueiredo Mascarenhas e Avellar Machado apresentam requerimentos de interesse particular - O sr. Ferreira de Almeida alludiu a um trecho, ou parte de uma correspondencia, que se ha n'um jornal, e censurou os termos em que esse trecho estava concebido, escripto por um deputado, referindo s4 aos acontecimentos que se tinham dado da esquerda da camara na sessão de 25 de fevereiro - O sr. Franco Castello Branco pediu ao sr. ministro da fazenda explicações sobre a affirmação que fizera na sessão anterior o sr. Moraes Carvalho, referindo-se á cobrança da contribuição industrial em Lisboa e Porto e nas provincias, pelo projecto que hontem fôra votado. O sr. ministro da fazenda dá as explicações pedidas - O sr. Moraes Carvalho reforça os augmentos que tinha apresentado na ultima sessão, ..... que o projecto havia de voltar á camara, e que então talvez as suas considerações sejam attendidas - O sr. Franco Castello Branco pede que a declaração do sr. ministro da fazenda seja lançada na acta. O sr. ministro não se oppõe, porque deseja que as suas opiniões sejam bem conhecidas. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros dá se por habilitado para responder ao sr. Consiglieri Pedroso. - O sr. José Novaes chama a attenção do sr. ministro do reino para a noticia que lera n'um jornal, de terem partido forças de Chaves com o fim de reprimirem tumultos que se esperam em Montalegre, e para o facto de serem premiados com o habito de Christo, sem pagamento de direitos de mercê, dois individuos da fabrica Taxa que, em tempo, de resolver em punho, tinham impedido a reunião de um comicio em Braga. Responde o sr. presidente do conselho, mostrando, por um telegramma que recebêra, que a ordem estava estabelecida em Montalegre, quanto aos habitos de Christo, concedidos a dois operarios distinctos da fabrica Taxa, tinham sido dados por El-Rei por occasião de visitar aquella fabrica, a ultima vez que esteve em Braga, e não por motivos de politica. - Approva se a ultima redacção do projecto n.º 6 - Justificam as suas faltas os srs. Julio de Abreu e Pires Villar

Na ordem do dia (discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa) usam da palavra os srs. Dias Ferreira, ministro da fazenda e Lopo Vaz, que ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte. - Tinham pedido a palavra para antes de se fechar a sessão os srs. João Arroyo, que se referiu a telegrammas publicados nos jornaes de hoje, em que se diz que se tratava de adquirir, por compra, o caminho de ferro de Lourenço Marques. Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros - O sr. Serpa Pinto refere-se á provincia de Lourenço Marques, á sua colonisação e aos melhoramentos importantes que ella necessita. Responde lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros - O sr. Francisco Machado, referindo-se ás observações do sr. Ferreira de Almeida no principio da sessão, diz que é o auctor da correspondencia......., mas que, como deputado, responde pelos seus actos na camara, e como jornalista responde pelos seus actos lá fóra. Replica o sr. Ferreira de Almeida que não admitte a distincção de deputado e jornalista, quando este se refere d'aquelle modo a actos praticados na camara. - O sr. José de Azevedo Castello Branco pede ao sr. presidente que interponha a sua auctoridade perante o sr. presidente do conselho, a fim de que s. exa. compareça ás sessões antes da ordem do dia, para os deputados lhe poderem dirigir algumas perguntas sobre negocios de administração publica - O sr. ministro das obras publicas apresenta uma proposta, assignada tambem pelo sr. ministro da fazenda, auctorisando o governo a applicar directamente aos serviços agricolas e dotação dos respectivos estabelecimentos, o bem assim á dotação de estabelecimentos de ensino industrial, a importancia dos depositos perdidos em favor da fazenda nacional, como garantia de concessões effectuadas pelo ministerio das obras publicas, e não cumpridas.

Abertura da sessão - ÁS tres horas da tarde.

Presentes á chamada 51 srs. deputados:

São os seguintes: - Moraes Carvalho, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Augusto Ribeiro, Eduardo de Abreu, Madeira Pinto, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Francisco Machado, Guilherme de Abreu, Franco de Castello Branco, Souto Rodrigues, Dias Gallas, João Arroyo, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Vieira Lisboa, Pôças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Miguel Dantas, Pedro Victor e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs. - Albano de Mello, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Villaça, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Hintze Ribeiro, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Mattoso Santos, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Sant'Anna e Vasconcellos, Candido da Silva, João Pina, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Menezes Parreira, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Alves de Moura, Avellar Machado, José Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Vicente Monteiro, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Pereira, Antonio Ennes, Barros e Sá, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Fernando Vaz, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Baima de Basto, Pires Villar, Santiago Gouveia, Joaquim Maria Leite, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Barbosa Colen, Guilherme Pacheco, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Manuel Espregueira, Pinheiro Chagas, Pedro de Lencastre (D.), Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio dos estrangeiros, participando não ser possivel satisfazer ao requerimento do sr. deputado José de

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Azevedo Castello Branco, relativo á concessão das ostreiras do Tejo, por haver negociações pendentes a tal respeito.

Á secretaria.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam enviados com urgencia, a esta camara, os seguintes esclarecimentos:

1.º Quaes os corpos do exercito, que durante o anno de 1887 receberam rações de pão e forragens;

2.º Quaes os preços por que saíram essas rações;

3.° Quantas arrematações de trigos e farinhas se fizeram durante o mesmo praso;

4.° Quantos litros ou kilogrammas de trigo rijo ou molle se compraram em cada uma d'essas arrematações, e a quem;

5.° Quantos kilogrammas de farinha, e de que qualidade, foram adquiridos no mesmo tempo;

6.° Copia do contrato effectuado para o arrendamento de uma fabrica de moagens contígua, á padaria militar;

7.° Nota de todos os edificios que a padaria militar occupa com a designação dos que não pertencem ao estado e rendas respectivas. = O deputado pelo Cartaxo, Ribeiro Ferreira.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Thomás José Xavier ajudante de praça reformado, pedindo lhe seja dada a graduação de capitão.

Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de guerra.

Do sr. José Gabriel Cabral Calheiros, general de brigada reformado, pedindo lhe seja pago o seu soldo de reforma pela tarifa de 1865, e a approvação do projecto de lei do sr. deputado Dantas Baracho.

Apresentado pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de guerra.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro a v. exa. que por motivo justificado não compareci á sessão de hontem, 28 de fevereiro. = Julio de Abreu e Sousa.

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que o nosso digno collega e meu particular amigo, o exmo. sr. J. A. Pires Villar tem faltado a algumas sessões da camara e faltará a mais algumas por incommodo de saude. = Sebastião da Nobrega.

Para a secretaria.

O sr. José de Amorim Novaes: - Sr. presidente, eu desejava fazer algumas perguntas ao sr. ministro do reino; mas, como não está presente, peço a v exa. que me reserve a palavra para quando s. exa. comparecer na camara.

O sr Ribeiro Ferreira: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento, pedindo documentos, pelo ministerio da guerra.

(Leu.)

Eu desejava fazer algumas considerações; mas, como o sr. ministro da guerra não está presente, reservo me para quando s. exa. compareça na sessão.

O sr Julio Pires: - Sr presidente, eu tinha pedido a palavra para fazer algumas considerações; mas, como o sr. ministro da guerra não está presente, reservo me para outra occasião em que s exa. esteja na camara

O sr. Ferreira de Almeida: - (Quando o sr. deputado restituir o seu discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão).

O sr. Franco Castello Branco: - Disse que o sr. presidente devia estar lembrado de que no final da sessão de hontem pedira ao sr. ministro da fazenda para comparecer hoje n'esta camara antes da ordem do dia, a fim de s. exa. responder e dar as explicações que considerava necessarias e indispensaveis a algumas observações que tinham sido feitas pelo seu collega e dedicado amigo o sr. Moraes Carvalho.

Que este discurso fez uma profunda impressão em toda a assembléa, tanto na minoria como na maioria e em todas as pessoas que o ouviram.

Era possivel que as considerações e ponderações feitas por aquelle illustre deputado, distincto ornamento da camara, (Apoiados) postam soffrer refutação, era possivel que esteja em erro, mas o que era necessario e indispensavel era que em uma questão tão melindrosa como é esta. - de se ir pedir aos contribuintes aquillo que elles têem obrigação de pagar ao estado, mas sómente o que têem obrigação de pagar e nem mais 5 reis, não podesse ficar no espirito de ninguem nem a mais pequena duvida, nem suspeitas sobre quaes eram os processos que a administração publica emprega para fazer a cobrança dos tributos votados pela camara.

Foi discipulo e era amigo do illustre membro da maioria que se encarregou, na sua ordem da palavra, de responder ao sr. Moraes Carvalho

Escusava dizer, que não havia com toda a certeza quem mais desejasse ser agradavel a s. exa., o quem mais o respeite pelo seu talento e pelo seu caracter, que o tornam digno do respeito de todos os homens de bem.

Fazia esta declaração franca e sincera, como todas as que costuma fazer na camara, e muito mais, esta que tinha um caracter pessoal, porque não podia, já não dizia injuriar, mas nem mesmo melindrar s exa. dizendo que no seu discurso s. exa. não respondêra parte importante do discurso do sr. Moraes Carvalho, que produziu mais profunda impressão na camara.

Demais sabe s exa. sabe toda a camara, como correram os debates, e que seguindo-se no uso da palavra ao sr dr. Laranjo o seu illustre amigo o sr Arroyo, fôra sobre a sua palavra ardente e calorosa encerrado o debate, ficando absolutamente sem resposta as asserções principaes feitas no discurso do sr Moraes Carvalho.

O motivo por que pedira ao sr. ministro da fazenda que comparecesse á sessão de hoje, foi para pedir a s. exa. que desse explicação cabal e completa sobre as informações dadas pelo sr. Moraes Carvalho, e que reduz n'estes termos.

O sr. Moraes Carvalho dissera que pela alteração feita nas epochas do pagamento da contribuição industrial, que estão marcadas no parecer que mereceu a approvavão da camara, resultava que os contribuintes tinham de pagar, não só a contribuição relativa ao anno de 1889 mas ainda mais a relativa a um semestre de 1888. Fóra de Lisboa e Porto este encargo é ainda maior, por isso mesmo que no anno de 1889 os contribuintes se viam obrigados a pagar, não só a contribuição d'aquelle anno, mas ainda a d'este.

Era sobre este ponto, que produziu uma profunda impressão na assembléa, que precisava de uma explicação do sr. Marianno de Carvalho, que satisfizesse, não só aos seus amigos da maioria, mas ainda aos seus adversarios da opposição e a todos aquelles que têem interesse nas medidas que se discutem, como são as que se referem a uma tributação qualquer.

Por agora é o que tinha a dizer, e esperava que s exa. lhe concedesse a palavra depois de ouvir a resposta do sr. Marianno de Carvalho ou concedel-a ao seu collega o sr. Moraes Carvalho, a quem não queria roubar o direito que incontestavelmente lhe assistia de responder a quaesquer explicações dadas pelo sr. ministro da fazenda.

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O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - (Quando o sr. ministro restituir o seu discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão.)

O sr. Presidente: - Não sei se o sr. deputado Franco Castello Branco quer que se consulte a camara, para poder usar agora da palavra.

O sr. Franco Castello Branco: - Como já declarei ainda agora, concordo em que v. exa. dê agora a palavra ao illustre deputado sr. Moraes Carvalho, por ser s exa. o auctor do argumento que se está discutindo.

O sr. Presidente: - N'esse caso tem a palavra o sr. Moraes Carvalho.

O sr. Moraes Carvalho: - (Quando o sr. deputado restituir o seu discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, pelo illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso foi annunciado em tempo á camara que s exa. desejava interpellar o meu collega do reino ácerca dos motivos que teriam levado o governo portuguez a abster se de fazer representar o paiz officialmente no grande concurso internacional aberto em Paris.

Pelo meu collega do reino foi dito que este negocio tinha corrido mais especialmente pelas pastas dos negocios estrangeiros e das obras publicas.

N'estes termos declaro a v. exa. e ao illustre deputado, que me considero habilitado para responder a s. exa. logo que v. exa. entenda que os trabalhos da camara permittem que a interpellação d'aquelle illustre membro d'esta casa se verifique.

O sr. Presidente: - O sr. Franco Castello Branco insiste no requerimento que fez para usar da palavra?

O sr. Franco Castello Branco: - Que não considerava o seu pedido como requerimento. Tinha pedido que se lhe concedesse a palavra, porque julgava e continua julgando que nas attribuições da presidencia estava conceder a palavra a qualquer deputado, que tendo feito quaesquer perguntas ao governo entendesse que devia fazer considerações ás respostas dadas pelo ministro. (Apoiados.)

Dando-se lhe a palavra reduzir-se-ía a muito pouco.

O sr Presidente: - Eu não posso dar a palavra aos srs. deputados senão pela ordem da inscripção; por consequencia tenho de a dar primeiro áquelles que estão inscriptos anteriormente.

O que posso fazer é consultar a camara sobre se permitte que eu conceda a palavra immediatamente ao sr. Franco Castello Branco

O sr. Franco Castello Branco: - Visto que. s. exa. entendia que não estava nas suas attribuições concede-lhe a palavra, pedia então que consultasse a camara, porque apenas levará, alguns minutos.

Consultada a camara, resolveu esta que se concedesse a palavra no sr Franco Castello Branco

O sr. Franco Castello Branco: - S. exa. comprehendia perfeitamente que da sua parte seria mais que vaidade e poderia chamar se loucura, querer voltar a tratar de um assumpto que o sr. Moraes Carvalho acabava de expor com uma lucidez, com um brilhantismo de deducção, (Apoiados) como nunca ouvira em questões technicas d'aquella ordem. (Apoiados.)

As palavras de s. exa. ficaram sem resposta. (Apoiados)

O sr. Marianno de Carvalho não era capaz de, perante a commissão e perante o conselho de ministros, que acabaram de ouvir o sr. Moraes Carvalho, levar por diante as ideas que apresentou na camara. (Apoiados.)

E por agora reduz-se a pedir ao sr. presidente, que na acta se lancem as declarações que, o sr. Marianno de Carvalho fez em resposta á pergunta que elle lhe dirigia e que depois provocaram as explicações do sr. Moraes, Carvalho (Apoiados)

Isto e só isto.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Por modo nenhum me opponho a que a declaração que fiz, e que não é mais do que o parecer do governo e da commissão sobre este assumpto, seja lançada na acta.

Se por acaso as provas tachygraphicas não reproduzirem fielmente as minhas palavras, eu terei o cuidado de as rever cautelosamente para que ellas sáíam com toda a clareza.

Vozes: - Muito bem.

O sr José Novaes: - Pedi a palavra para chamar a attenção do governo, para a noticia que li n'um jornal, de terem partido forças de Chaves para Montalegre com o fim de reprimirem tumultos que se esperavam, porque o povo ameaçava ir á séde do concelho queimar os papeis das repartições publicas.

Desejo ouvir algumas explicações a este respeito.

Parecia felizmente que se tinham acalmado um pouco no paiz os tumultos, mas de novo se tornam a levantar. O que é certo é que o povo, vendo os desatinos e os esbanjamentos do governo, está disposto a protestar por todos os meios, desde a representação até aos meios mais energicos, contra os actos do governo, não se prestando a fazer nenhuns outros sacrificios extraordinarios que o governo lhe exija. (Apoiados.)

Já ouvi n'esta casa, por um tour de force verdadeiramente partidario, considerar estas manifestações como um acto de adhesão ao governo. Não me parece que o governo assim o entenda, porque tem respondido a estas manifestações no Pombal, em Cantanhede, em Moncorvo, na Bairrada com os fuzilamentos. (Apoiados)

Quando apparece algum comicio para protestar contra a marcha do governo, o governo procura por todos os meios ou empolgal-o ou promover n'elle as arruaças.

V. exa. sabe o que aconteceu em Braga. Já que me referi a Braga permitia me v. exa. que eu cite á camara e faça constar ao sr. ministro do reino um facto extraordinario e sem classificação que o governo acaba de praticar.

V. exa. sabe que procurava realisar-se em Braga um comicio, e que os seus promotores contavam não poder realisal-o porque os agentes da auctoridade administrativa diziam que haviam de promover arruaças.

V. exa. sabe que o sr conselheiro Lopo Vaz, illustre leader da maioria, pediu ao sr ministro do reino que desse providencias e instrucções ao seu delegado de confiança, para que o direito de reunião fosse completamente mantido. V. exa. sabe qual fui o resultado. A camara ouviu, não só pela leitura do telegramma, mas por cartas particulares que foram presentes, que foram os operarios da fabrica de chapeus de Taxa, em Braga, que impediram, de resolver em punho a realisação d'aquelle comicio. Era natural que o sr. presidente do conselho e ministro do reino désse as suas ordens para que os individuos que não tinham respeitado as instrucções que s. exa. tinha dado ao sr. governador civil, e alem d'isso se tinham opposto a que o meeting se realisasse, como permitte a constituição do estado, fossem entregues ao poder judicial (Apoiados) Sabe v. exa. qual foi o castigo que elles tiveram? Vem no Diario do governo de 8 de fevereiro. (Leu.)

Aqui está o castigo que deu o sr. ministro do reino. (Apoiados.)

Antigamente as condecorações davam-se a quem praticava factos heroicos e hoje dão-se aos individuos que fazem arruaças. (Apoiados.)

Sr. José Luciano de Castro v. exa. ri-se?

É extraordinario que, tendo Sua Majestade visitado ha tanto tempo aquella fabrica, só agora, em 8 de fevereiro, o sr. ministro do reino se dignasse condecorar com o habito de Christo os individuos que, segundo os jornaes diziam, se tinham apresentado no comicio o theatro de S. Gerald para obstar a que elle se realisasse

Uma voz: - Isso parece que tambem quer condecoração.

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O Orador: - Talvez. Limito por aqui as minhas perguntas. Primeiro, desejo saber se o facto annunciado e verdade. Segundo, quaes as providencias que o governo tomou. Terceiro, se a paz já está restabelecida no concelho de Montalegre.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Responderei ao illustre deputado pela mesma ordem como s. exa. me dirigiu as suas perguntas.

S. exa. referiu-se primeiro a perturbações da ordem publica em Montalegre.

Devo dizer que já hontem recebi n'esta camara um telegramma do sr. governador civil de Villa Real, em que me diz o seguinte.

(Leu)

Este telegramma é de hontem, e eu não pedi informações nenhumas ao governador civil.

O sr. José Novaes: - É ou não verdade que para lá foi força?

O Orador: - Não posso dizer se foi ou não. Póde ser que fosse, por qualquer motivo, sem ser por necessidade de acudir á alteração na ordem publica.

O que posso dizer é que eu não pedi informações ao governador civil.

Este unicamente porque viu em alguns jornaes noticias de estar annunciada perturbação da ordem publica em Montalegre, dirigiu me este telegramma.

(Leu.)

Este telegramma está ás ordens do illustre deputado para o examinar se quizer.

Quanto aos acontecimentos de Braga, tenho a dizer que as minhas informações são diametralmento oppostas ás de s exa.

Eu fui prevenido n'esta camara, me parece, porque o facto já se passou ha muito tempo, de que se preparava alteração na ordem publica em Braga, para se evitar a realisação de um meeting promovido por agentes da opposição.

Telegraphei no mesmo dia ao sr governador civil recommendando lhe que tomasse as providencias necessarias para, evitar qualquer perturbação da ordem publica.

Effectivamente o meeting não pôde realisar-se, mas não porque os agentes da auctoridade perturbassem a ordem, mas porque varios cidadãos que se acharam no local do meeting travaram conflicto entre si e perturbaram a ordem de tal maneira, que os proprios individuos que tinham promovido o meeting combinaram com o commissario de policia que elle devia ser dissolvido.

Eu já dei largas explicações na outra camara, e fiz inserir com o meu discurso o extenso relatorio que o commissario de policia dirigiu ao sr. governador civil de Braga, no qual são minuciosamente expostos estes factos e se prova que a auctoridade procedeu legalmente e que se deram todas as ordens para que o socego não fosse perturbado.

O que não era possivel era a auctoridade evitar que alguns cidadãos, no uso plenissimo do seu direito, entrassem n'aquella casa, (Apoiados.) e que houvesse depois manifestações a ponto do que os proprios promotores do meeting concordaram em que elle não podia ter logar. (Apoiados.)

Referiu-se o illustre deputado tambem aos habitos de Christo concedidos a alguns operarios da fabrica do sr. Taxa, e suppoz que esses habitos tinham sido concedidos para remunerar serviços feitos por aquelles operarios aos amigos do governo, perturbando a ordem publica no meeting a que s. exa. se referiu.

Devo dizer simplesmente que estes habitos foram concedidos por occasião da estada de Suas Magestades em Braga, indo Sua Magestade El-Rei e a familia real visitar aquelle estabelecimento fabril, como visitou outros em Braga.

Foi n'essa occasião que Sua Magestade pediu ao dono d'aquelle estabelecimento que lhe indicasse quaes eram os operarios mais distinctos para os condecorar.

N'essa occasião o chefe d'aquelle estabelecimento ficou de indicar a Sua Magestade esses operarios, e ali mesmo Sua Magestade declarou que seriam condecorados.

Em virtude d'isto foi que mais tarde se deram estas condecorações. Se mais cedo não se deram, foi porque só muito tempo depois de Suas Majestades regressarem a Lisboa é que o governador civil de Braga remetteu ao ministerio do reino a relação dos nomes, mas não foi agraciado nenhum operario alem dos que Sua Magestade já tinha agraciado

Já vê o illustre deputado a injustiça com que, procedeu, quando attribuiu ao governo qualquer proposito de por esta fórma pagar quaesquer serviços politicos, que tivessem sido prestados por occasião das perturbações de ordem, pelos operarios agraciados. (Apoiados.)

Leu-se na mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 6.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, que é a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

(Pediram a palavra para antes de, se encerrar a sessão os srs José de Azevedo Castello Branco, Arroyo, Serpa Pinto e Francisco Machado.)

Leu-se na mesa o projecto n ° 9.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 9

Senhores: - Nos termos do decreto que acaba de ser lido cabo ao governo abrir em nome e por commissão de Sua Magestade El-Rei a presente sessão legislativa.

Inhibido de cumprir pessoalmente o preceito constitucional Sua Magestade congratula se por este meio com a reunião das côrtes, e formula a esperança de que sejam fecundas em beneficios para o paiz os trabalhos parlamentares que vão inaugurar-se.

Conservam o caracter de uma perfeita cordialidade as nossas relações com as potencias estrangeiras. O tratado recentemente firmado em Pekim veiu satisfazer a necessidade de ha muito sentida de regular nos termos consagrados do direito publico internacional a nossa situação politica e commercial com o imperio da China.

Com o intuito de ampliar as transacções mercantis sobre a bade do regimen convencional foi tambem celebrado com a Dinamarca um tratado de commercio, e acham-se entaboladas negociações para igual fim com o governo de Sua Magestade Catholica.

Senhor. - A camara dos deputados da nação portugueza, cumprindo um dos seus mais gratos deveres, associa se aos votos formulados em nome de Vossa Magestade pela prosperidade do paiz e pela utilidade dos trabalhos parlamentares na presente sessão legislativa.

Folga a camara que se tenham mantido cordiaes as nossas relações com as potencias estrangeiras, e que, em conformidade com a auctorisação concedida, haja sido ultimamente firmado em Pekim o tratado destinado a regular nos termos do direito publico internacional, a nossa situação politica e commercial com o imperio da China.

Com a devida attenção considerará a camara, o tratado do commercio celebrado com a Dinamarca, e o que vier a celebrar-se com a Hespanha, em virtude das negociações entaboladas para esse fim.

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No decurso das negociações para demarcação da fronteira norte da provincia de Moçambique, foi proposto por Sua Alteza o Sultão de Zanzibar o recurso á arbitragem. Entendeu o governo dever decimar essa proposta, e de accordo com o alvitre que então suggeriu está o assumpto sendo examinado em Lisboa com os representantes de Suas Magastades o Imperador da Allemanha e a Rainha da Gran-Bretanha.

Com excepção de alguns tumultos occorridos na ilha da Madeira manteve se inalteravel em todo o reino a tranquillidade publica Pôde assim realisar se nas condições mais gratas para o coração de Sua Magestade a viagem que ha pouco emprehendeu, em companhia de todos os membros da sua real familia, pelas provincias do norte do paiz.

Os testemunhos de entranhado amor, de respeito e sympathia geraes que assignalaram essa digressão, gravaram se no animo de El-Rei, e muito especialmente; ordenou Sua Magestade, que ficasse n'esta occasião e perante vós assignalada a reciprocidade do sentimento e do affecto que ligam de modo indissoluvel a dynastia e o povo.

Em execução de uma das mais importantes disposições do codigo administrativo, e no uso da auctorisação que lhe foi conferida, fixou o governo as percentagens addicionaes ás contribuições directas e indirectas do estado para o lançamento dos impostos districtaes, municipaes e parochiaes, e decretou a pauta dos generos não sujeitos ao real de agua, que podem ser tributados pelas camaras municipaes.

Da limitação e regularisação das faculdades tributarias dos corpos administrativos proveniente d'estas providencias resultará incontestavel melhoramento assim para a gerencia financeira do estado, como para a administração local e para os contribuintes.

Alem das propostas pendentes da ultima sessão, sobre a eleição da parte electiva da camara dos dignos pares, ensino especial e instrucção secundaria do sexo feminino, o governo vos apresentará outras sobre a reforma da legislação eleitoral da camara dos senhores deputados, policia civil e beneficencia publica. Igualmente vos proporá uma providencia especial para tornar effectivo o pagamento dos vencimentos dos professores de instrucção primaria.

A reforma da legislação commercial e a nova organisação judiciaria devem muito especialmente fixar a vossa attenção. Ser-vos-hão tambem presentes pelo ministerio da justiça, alem da reforma do processo criminal, diversas providencias tendentes, umas á execução completa do regimen penitenciario e do registo predial, e outras á correcção de menores, repressão de vadiagem e diminuição das reincidencias.

Acham-se submettidas á vossa apreciação duas propostas de lei, que attendem a alguns dos mais arduos problemas da vida social moderna. O pensamento civilisador, que as inspirou, será completado com outras propostas, interessando igualmente ás relações entre o capital e o trabalho.

Facilitar, aperfeiçoar e baratear a producção é um dos modos mais efficazes de resolver esses problemas. O governo continuará, por isso, empenhando reiterados esforços para desenvolver a instrucção agricola e industrial, e alargar a area dos nossos mercados, e, como providencia encaminhada aos mesmos fins, ser-vos-ha apresentada uma proposta de lei para o adiantamento da rede geral da nossa viação accelerada.

É por todos reconhecida a necessidade de acudir aos males de que enferma a agricultura. Activando como o tem feito o inquerito agricola, o governo procura habilitar-se com os meios indispensaveis para vos propor a melhor solução de tão difficil problema.

É grato ao governo poder affirmar que será em breve praso distribuido aos exercitos de terra e de mar a excel-

A camara espera que do exame a que estão procedendo em Lisboa, e de accordo com o governo de Vossa Magestade, os representantes de Suas Magestades o Imperador da Allemanha e a Rainha da Gran-Bretanha, resultará uma solução satisfactoria para a questão relativa á demarcação da fronteira noite da provincia de Moçambique, ultimando se assim as negociações que a tal respeito tem havido.

A camara congratula se com Vossa Magestade por se ter mantido inalteravel em todo o reino, durante o interregno parlamentar, a tranquillidade publica, e com relação aos tumultos da Madeira, que deveras lamenta, a camara confia em que serão removidas as causas de tão deploravel agitação A camara regosija-se por se ter podido realisar a viagem de Vossa Magestade e da real familia ás provincias do norte, em condições tão gratas para o alevantado animo de Vossa Magestade como significativas da viva dedicação do povo portuguez pelo seu augusto soberano e por toda a real familia. O paiz acolherá certamente as palavras de reconhecimento de Vossa Magestade como uma nova prova da alliança indissoluvel que liga entre nós o povo e a dynastia.

Reconhecendo que da limitação e regularisação das faculdades tributarias dos corpos administrativos resultará incontestavel melhoramento, assim para a gerencia financeira do estado, como para a administração local e para os contribuintes, a camara regista com agrado que o governo, em conformidade com uma das mais importantes disposições do codigo administrativo e no uso da auctorisação que lhe fôra concedida, fixasse as percentagens ás contribuições directas e indirectas do estado para o lançamento dos impostos districtaes, municipaes e parochiaes, e decretasse a pauta dos generos não sujeitos ao real de agua, que podem ser tributados pelas camaras municipaes.

A camara estudará com a devida solicitude, não só as propostas pendentes da ultima sessão, sobre a eleição da parte electiva da camara dos dignos pares, ensino especial e instrucção do sexo feminino, mas tambem as que o governo lhe apresentar sobre a reforma da legislação eleitoral da camara dos deputados policia, civil e beneficencia publica, e sobre a melhor maneira de tornar effectivo o pagamento dos professores de instrucção primaria

A camara consagrará especial attenção ao exame da reforma da legislação commercial e da nova organisação judiciaria, e não descurará tão pouco os outros assumptos sobre que intenta exercer-se a iniciativa do governo, taes como a reforma do processo criminal, e varias providencias tendentes, umas á execução completa do regimen penitenciario e do registo predial, e outras á correcção de menores repressão de vadiagem e diminuição de reincidencias.

Compenetrada da fundamental importâancia de todas ha medidas destinadas a regular as relações entre o capital e o trabalho, a camara tomará na devida consideração as duas propostas de lei que se acham pendentes, e que attendem a alguns dos mais arduos problemas da vida social moderna.

Concordando em que facilitar, aperfeiçoar e baratear a producção é um dos modos mais efficazes de resolver esses problemas, a camara verá com satisfação todos os esforços que o governo empenhe n'esse sentido, e acolherá, como providencia destinada aos mesmos fins, a proposta de lei relativa ao adiantamento da rede geral da nossa viação accelerada.

Reconhecendo e lastimando os males de que enferma a agricultura portugueza, a camara folgará de que o inquerito agricola forneça ao governo os elementos indispensaveis para resolver tão difficil problema.

A camara recebeu com satisfação a noticia de que os exercitos de terra e mar receberão dentro em breve novo e aper-

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lente arma de repetição recentemente adquirida, achando-se as officinas do arsenal nas condições de terem já fornecido e poderem fornecer de futuro as munições para isso indispensaveis. A organisação das reservas e a diffusão do ensino no exercito merecem tambem ao governo attenção especial.

Alem das providencias relativas ao artilhamento das fortificações de Lisboa e seu porto e da construcção e melhoramentos dos quarteis e outros edificios militares, ordenou Sua Magestade que vos fossem presentes pelos ministerios da guerra e da marinha propostas, reformando o codigo de justiça militar e a escola do exercito, e bem assim melhorando o serviço de saude e administração militar, augmentando as comedorias aos officiaes de marinha, e estabelecendo as bases para a indispensavel organisação das nossas forças navaes.

Largos progressos assignalaram o anno decorrido no que respeita á administração e dominio coloniaes. Acha se concluida a linha ferrea de Mormugão. Em Angola proseguem activamente os trabalhos do caminho de ferro de Ambaca, estando em construcção muito adiantada os primeiros 65 kilometros, e já approvados os estudos relativos á terminação da linha. Tem corrido com felicidade notavel, em grande parte devida á affeição que os indígenas mantêem pelo nome portuguez, a installação do novo districto do Congo, onde seja acham organizados muitos ser viços, e concluidos alguns edificios importantes.

Na provincia de Moçambique sobresáem dois factos: a abertura do caminho de ferro de Lourenço Marques, e o exito feliz da recente e bem combinada expedição que, assignalando os brios das nossas forças militares, e radicando o dominio portuguez na Zambezia, destruiu finalmente os embaraços ali oppostos ao commercio e á civilisação

A crescente importancia e rapido desenvolvimento de Lourenço Marques, d'essa bahia importantissima cuja posso nos está solemnemente garantida pela sentença arbitral da França, exigiram providencias extraordinarias, que o governo não hesitou em decretar no uso das faculdades que lhe confere o primeiro acto addicional. Foi assim reformada e descentralisada a administração do districto, organisado um corpo policial europeu que deve brevemente partir para Africa, facilitadas a exploração agricola e a colonisação do districto. Procedeu-se a par d'isso á construcção de quarteis e de armazens para a alfandega, alem de outras obras e melhoramentos na cidade e seu porto.

Por effeito de occorrencias verificadas no Dahomey, e após um minucioso inquerito a que o governo procedeu, serviu-se Sua Magestade ordenar que se pozesse um termo ao protectorado ali exercido, o que foi devidamente communicado ás potencias signatarias do acto geral da conferencia de Berlim.

A elevação do credito publico e o progressivo crescimento das receitas testemunham a prosperidade do reino, e constituem garantia segura de uma definitiva reorganisação da fazenda nacional.

Embora na sessão passada houvessem sido votados importantes acrescimos de despeza, com o fim de regularisar os orçamentos districtaes, melhorar os soldos dos officiaes de terra e mar e os vencimentos do professorado, poderam ainda assim os orçamentos de receita e despeza ser organisados em condições relativamente muito satisfactorias.

Convindo no emtanto evitar a emissão de emprestimos externos, e occorrer por outro meio ás despezas extraordinarias do thesouro, ser vos-hão presentes para esse fim propostas modificando o contrato relativo ao porto de Leixões, e provendo á melhor exploração dos caminhos de ferro do Alemtejo e do Algarve, por fórma a tambem resolver parcialmente o importante problema da colonisação d'aquellas provincias.

No uso das auctorisações legislativas celebrou o governo com o banco de Portugal as necessarias convenções feiçoado armamento, e de que o governo consagra especial attenção á organisação das reservas e á diffusão do ensino no exercito.

A camara examinará com todo o interesse as propostas que o governo submetter ás suas deliberações, relativamente ao artilhamento das fortificações de Lisboa e seu porto, â construcção e melhoramentos dos quarteis e outros edificios militares, á reforma do codigo de justiça militar e da escola do exercito, e bem assim as que digam respeito ao melhoramento do serviço de saude e administração militar, ao augmento das comedorias aos officiaes de marinha, e ao estabelecimento das bases para a indispensavel organisação das nossas forças navaes.

A camara viu com jubilo os largos progressos que assignalaram, no que se refere á administração e dominios coloniaes, o anno decorrido, durante o qual se deram factos auspiciosos, taes como a conclusão do caminho de ferro de Morumgão, o adiantamento dos trabalhos do caminho de ferro de Ambaca, a installação do novo districto do Congo, a abertura do caminho de ferro de Lourenço Marques, e finalmente, o exito feliz da ultima expedição, que, honrando os brios das nossas forças militares, e radicando o dominio portuguez na Zambezia, destruiu os embaraços ali oppostos ao commercio e á civilisação.

A camara reconhece que a crescente importancia e rapido desenvolvimento de Lourenço Marques, d'essa bahia importantissima, cuja posse nos está solemnemente garantida pela, sentença arbitral da França, exigiam as providencias extraordinarias que o governo decretou no uso das faculdades que lhe confere o primeiro acto addicional.

A camara regista a deliberação do governo de pôr termo ao protectorado exercido no Dahomey, e a communicação que d'este facto foi dirigida ás potencias signatarias do acto geral da conferencia de Berlim.

A camara regosija-se profundamente com a elevação do credito publico e o progressivo crescimento das receitas, que testemunham a prosperidade do reino e constituem garantia segura de uma definitiva reorganisação da fazenda nacional. A camara estima igualmente que, apesar dos importantes acrescimos de despezas, os orçamentos de receita e despeza podessem ser organisados em condições relativamente muito satisfactorias.

Acceitando plenamente a doutrina de que convem evitar os emprestimos externos, e occorrer por outro meio ás despezas do thesouro, a, camara obedecerá a esta ordem de idéas no estudo e exame das providencias que o governo lhe apresentar referentes á modificação do contrato relativo ao porto de Leixões, e á melhor exploração dos caminhos de ferro do Alemtejo e do Algarve, por fórma a resolver tambem parcialmente o importante problema da colonisação d'aquellas provincias.

A camara, registando o uso que o governo fez das auctorisações legislativas com relação ao banco de Portugal,

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para aquelle estabelecimento de credito se converter em banco emissor e se encarregar dos pagamentos do thesouro Foram reformados os serviços da divida publica, das alfandegas é o da cobrança das contribuições na capital, e creada a agencia financial do Rio de Janeiro.

Muito confia o governo em que esta ultima instituição contribuirá para a consolidação do credito publico, melhor administração dos fundos confiados á gerencia dos consulados portugueses no Brazil, e desenvolvimento das relações commerciaes entre Portugal e o grande imperio americano.

No intuito de favorecer ás classes menos abastadas ser vos ha apresentadas uma proposta de lei, modificando a contribuição industrial; igualmente serão submettidas ao vosso exame alterações na legislação ácerca dos direitos do tonelagem e ancoradouro, e ainda na que tributa a aguardente Deve esta ultima proposta produzir uma receita valiosa sem detrimento dos interesses da agricultura e da industria dos Açores.

Para resolver a questão dos tabacos, que podem ser fonte de avultadas receitas para o thesouro, ser vos-ha submettida uma proposta estabelecendo a fabricação por conta do estado. As difficuldades sujeitadas na execução da lei vigente, e a convicção adquirida pelo governo, por effeito de esclarecimentos alcançados no intervallo da sessão legislativa indicam ser esse o meio de assegurar maior receita, sem prejuizo dos interesses diversas ligados a esta importante industria.

Senhores. - São em extremo ponderosos e importantes os assumptos que vos cumpre examinar Confiado, porém, na illustração e patriotismo dos dignos pares do reino e senhores deputados da nação, espera Sua Majestade El Rei que será sempre da maxima conveniencia para o paiz o resultado das vossas deliberações.

Está aberta a sessão.

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, vou mais uma vez discutir o parecer da commissão de resposta ao discurso da corôa, sem embargo de reconhecer que este debate já se acha um pouco gasto e desprestigiado n'uma grande parte da opinião.

Na situação a que chegámos, que é grave, por mais que se procure dessimulal-a, o paiz deseja antes de tudo providencias de governo e de administração, ou, permitta-se-me a expressão, mais obras e menos palavras; e a, discussão da resposta á falla do throno está considerada como uma especie de torneio rethorico em que nunca se chega a uma conclusão definitiva.

Esta opinião tem um grande fundo de verdade, quando se refere aos debates politicos, em que se trata de tudo, menos da responsabilidade do gabinete.

De resto considerei sempre como se considera em todos os parlamentos do mundo, a resposta ao discurso da corôa como o campo mais apto e mais apropriado aos debates politicos, para não se envolver a politica com a administração a proposito de cada projecto que viesse á téla do debate.

Em todo o caso, eu, não podendo emancipar-me de todo da influencia d'aquella opinião, já o anno passado escolhi para discutir, a proposito da apreciação do documento analogo ao que está agora sujeito ao nosso exame, uma questão especial, à da celebre concordata entre o governo e a Santa Sé, sobre o padroado portuguez no Oriente; e este anno cheguei a ter a idéa de destinar, pela minha parte, a discussão da falia do throno para o exame do procedimento do governo no execução da lei de 16 de julho de 1885 relativa aos melhoramentos do porto de Lisboa.

Mas, sabendo que mais alguns dos nossos collegas, a começar pelo cavalheiro que comigo assignou a nota de interpellação que mandei para a mesa, desejavam entrar n'aquelle e á reforma dos serviços da divida publica, das alfandegas e da cobrança das contribuições na capital, e á creação da agencia financial do Rio de Janeiro, confia muito em que esta ultima instituição contribuirá para á consolidação do credito publico, para á melhor administração dos fundos confiados á gerencia dos consulados portuguezes no Brazil, e para o desenvolvimento das relações commerciaes entre Portugal e o grande imperio americano.

Desejando sinceramente favorecer as classes menos abastadas, a camara apreciará, com todo o cuidado e com a maior urgencia, a proposta relativa á contribuição industrial; e, convicta de que o problema financeiro tem uma importancia capital no nosso paiz, contagiará a mais escrupulosa attenção a todas as propostas que tendam a resolvel-o, como são as que se referem ás alterações na legislação ácerca dos direitos de tonelagem e ancoradouro, e na que tributa a aguardente, e mormente a que diz respeito á resolução da questão dos tabacos, que póde influir de mancha tão poderosa nas receitas do thesouro.

Senhor. - São na verdade muito graves e ponderosos os assumptos que vão ser submettidos á nossa apreciação. Mas a camara confia em que ha de encontrar na sua dedicação pelo paiz as forças necessarias para corresponder á honrosa confiança que Vossa Magestade n'ella deposita.

Sala da commissão, 14 de janeiro de 1888. = José Maria Rodrigues de Carvalho = Antonio Ennes = J. Alves Matheus = Antonio Candido = Oliveira Martins = Carlos Lobo d'Avila, relator = Tem voto do sr: Alves da Fonseca.

debate, e reconhecendo por outro lado que as circumstancias economicas, financeiras e politicas do paiz, impunham a discussão do parecer sujeito ao nosso exame, destinei para assumpto especial a questão sobre as responsabilidade do governo com respeito ás obras do porto de Lisboa

E apesar de estar correndo um processo judicial a respeito de factos graves, que se dizem praticados na adjudicação dos melhoramentos do porto de Lisboa, e de ter esta assembléa eleito uma commissão de inquerito parlamentar para examinar esse assumpto, não esperei para apresentar á camara a nota de interpellação pelo resultado do processo judicial, nem pelo inquerito parlamentar; (Apoiados} porque para a questão politica, unica de que pretendo occupar-me, não preciso nem do inquerito parlamentar, nem do processo judicial.

Talvez que possam aproveitar á questão politica, e que venham a ser bom elemento para apreciar a responsabilidade do governo n'este desgraçadissimo assumpto, tanto o processo judicial como o inquerito parlamentar.

Mas o que eu digo é que para mim são escusados esses elementos; e a consciencia popular só pelos documentos já publicados deve ter formado juizo definitivo ácerca da responsabilidade ministerial n'este incidente

Devo ainda ponderar a v. exa. e sobretudo ao sr. presidente do conselho, que a nota de interpellação, que mandei para a mesa, não se referia especialmente aos actos d'este ou d'aquelle ministro, mas ao governo todo, porque julgo esta questão uma questão de governo, e no terreno em que tenciono collocar a discussão mal poderei prescindir da presença do sr. presidente do conselho n'esse debate.

Tenho tambem a convicção de que não se prejudicará a brevidade no exame d'aquelle assumpto pela circumstancia de eu o ter reservado para interpellação especial,

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comquanto as interpelações n'esta casa quasi sempre sejam preteridas pela discussão de outros assumptos, ás vezes de bem menos importancia, porque ninguem interessa em que se demore apreciação de uma questão, cuja liquidação definitiva a todos é precisa.

Discutindo, pois, unicamente a resposta ao discurso da corôa, considerarei especialmente no debate a questão financeira, com ella póde ser tratada na resposta á falla do throno, sem todavia a destacar da questão politica e da questão economica, com as quaes se acha indissoluvelmente ligada.

A situação financeira, conjunctamente com a situação economica e politica, das quaes não póde desprender-se, é a grande questão nacional.

Todos os outros assumptos, que eu por ahi vejo discutir, serão importantes, servirão mesmo para intreter a curiosidade publica, mas são de inferior interesse para o paiz. Quantas vezes tenho ouvido aos amigos do governo, que os srs. ministros vivem n'uma situação regular e constitucional, porque contam só n'esta casa com noventa votos.

Mas este argumento é perfeitamente impertinente.

Mesmo que o governo contasse com mais de noventa votos, e que em volta d'elle se reunissem, em vez de noventa, a totalidade da camara, ou cento e setenta proximamente, a situação do governo era do mesmo mudo desgraçada debaixo do ponto de vista dos interesses do paiz

Aggravaram por tal fórma os interesses publicos, que hoje não bastam votos para ser governo.

Já não basta ter maioria assombrosa n'uma e n'outra casa do parlamento.

Já não basta saber fazer eleições, saber alargar os quadros do funccionalismo, e saber constituir parado com o despacho de amigos e afilhados, em prejuizo da fazenda publica.

Hoje é preciso saber governar para ser governo.

Ha largos annos que se vive de esgotar todos os dias as forças dos contribuintes, de augmentar as despezas e de contrahir emprestimos para occorrer aos encargos, com que o contribuinte já não póde de momento, e este modo de administrar a fortuna publica ha de conduzir-nos a resultados fataes.

Que importa que o governo tenha noventa votos de maioria n'esta casa? Que importa que a opposição regeneradora esteja dividida em tres ou quatro grupos? Todos esses factos, importantes que sejam sob o ponto de vista politico, são secundarios em presença de crise gravissima que o paiz atravessa.

O que os srs. ministros tem de preferencia que averiguar é se o paiz está satisfeito, se os povos podem pagar sem sacrificio o que o risco lhes pede, e se aos impostos que a nação paga correspondem os confortos, reclamados por um paiz civilisado

Ora os srs. ministros não viram ainda que, no meio da sua grande prosperidade politica que consiste unicamente em se verem acompanhados de maiorias assombrosas n'uma e n'outra casa do parlamento, a indignação popular, n'esta ou n'aquella localidade, já não póde ser comprimida, e rompe em explosões violentas contra o governo?

Os srs. ministros não viram ainda que, sem embargo de terem muita gente comsigo, ou muitos votos nas assembléas legislativas, a nação inteira colloca em Lisboa um parlamento popular, que funcciona no salão da Trindade, ao lado do parlamento official, que funcciona em S. Bento?

Pois a reunião dos congressistas em Lisboa por iniciativa espontanea do paiz não significará que os povos já não confiam, já nada esperam, em seu beneficio, dos seus procuradores officiaes em côrtes?

A altitude do congresso, sobretudo nas suas duas primeiras sessões, é digna de ser estudada, e tanto mais que este parlamento, verdadeiramente nacional foi o primeiro e será o ultimo, que se ha de reunir no paiz.

Poderá a real associação de agricultura convocar mais assembléas de lavradores para velarem pelos seus interesses; mas os membros do poder executivo é que nunca mais serão indifferentes á escolha dos congressistas! As duas primeiras sessões do congresso bem deram a conhecer a importancia das assembléas populares, que sáem, não da copa do chapeu dos ministros, mas sim da vontade livro da nação.

As considerações, que ao congresso dispensaram os srs. ministros e outros personagens da mais elevada gerarchia, bem significam que ainda se conta para alguma cousa com a vontade popular, e que, quando esta quizer impor-se de uma maneira energica, todas essas maiorias artificiaes desapparecem.

O descontentamento publico manifesta se n'algumas localidades de uma maneira ruidosa; e o mais eloquente symptoma da gravidade da situação é o especial cuidado com que o governo esconde ás assembléas parlamentares quaesquer alterações de ordem publica, que se reproduzam no paiz

Pois não acabámos de ouvir o sr. presidente do conselho a affirmar a ignorancia de um facto que todos sabemos, isto é, que acaba de marchar uma força militar de Chaves para Montalegre, a fim de manter a ordem publica, e evitar que se lance fogo ás repartições publicas!

Essas confissões de ignorancia do que se passa pelo paiz não diminuem porém as responsabilidades do gabinete, porque era sua obrigação, ás primeiras noticias dos jornaes, perguntar aos seus delegados quaes as condições de ordem publica nas respectivas circumscripções.

Que impressão ha de produzir no paiz a declaração do governo de que desconhece os factos narrados pela imprensa, e sobretudo quando elles são de tão alta gravidade?

A Madeira está militarmente occupada; e os srs. ministros hão de dizer que reina plena tranquilidade n'aquella região.

Mas o que eu vejo é que já não basta para manter a ordem publica n'aquelle districto a força militar da localidade, que aliás é muito importante, porque da metropole foram para lá mais 250 soldados, que ainda não voltaram!!! (Apoiados.)

Quando em Pombal, em Cantanhede, e n'outros pontos do paiz se manifestou, de modo o mais ruidoso, o desgosto popular contra o governo, explicavam os srs. ministros essa inquietação publica por manejos da opposição, como se esses manejos pudessem determinar qualquer cidadão a ir procurar uma morte certa nas descargas de fusilaria! (Apoiados.)

Os srs. ministros não sabem, ou não querem comprehender, como póde ser indifferente a qualquer individuo largar a vida no campo á espingarda do soldado, ou cair extenuado pela fome no seio da familia. (Apoiados.)

Para estes factos de alteração da ordem publica e de desgosto popular, que não são isolados, e que indicam um profundo mau estar social, é que o governo devia dirigir as suas attenções. (Apoiados.)

Pois os srs. ministros, em vez de prestarem attenção a estes factos gravissimos alguns dos quaes eram já conhecidos quando se abriram as côrtes, e até foram referidos no discurso da corôa, limitam-se a annunciar uma serie de medidas, nenhuma das quaes serve senão para aggravar a situação difficil em que nos encontrâmos. (Apoiados.)

Já uma vez tive occasião de dizer â camara que bem podia este governo conservar-se no poder tres annos, isto é, até ao anno que vem, por me parecer que não havia n'isso grande prejuizo para o paiz, porque então nem pela cabeça me passava que os srs. ministros para se manterem no poder não poupariam nem o massacre de cidadãos inermes.

Já me resignava com que o governo desse cabo da pelle

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do contribuinte, porque não espero de prompto remedio para esse mal, remedio aliás bem facil.

Mas que lhe não poupo a vida, unicamente para se sustentar no poder, é o cumulo da iniquidade para lhe dar o nome mais doce!

E cumpre me ainda acrescentar em honra do povo portuguez, que, segundo as narrações dos jornaes, unico meio de ter noticias, porque o governo nunca sabe nada a respeito dos gravissimos factos de ordem publica que occorrem no paiz, (Apoiados) em parte nenhuma houve desordens senão quando se apresentavam os delegados do governo escudados com a força armada! (Apoiados) Em quanto o povo estava só, em quanto a auctoridade publica, delegado directo do governo, se não apresentava nas reuniões populares, tudo corria pacificamente.

Eram as ostentações de força e as provocações da auctoridade, que promoviam os tumultos, para a mesma auctoridade praticar depois actos de repressão que envergonham a nossa civilisação, e nos inculcam á Europa, como povo selvagem, e não como povo pacifico e laborioso, que apenas precisa de governo que faça economias e boa administração. (Apoiados).

Póde a opinião ser mais benevolente com ministros que não andaram a solicitar o a reclamar o poder, e que por força das evoluções naturaes da politica se viram forçados a exercel-o.

Mas os actuaes ministros não têem direito ao mais pequeno favor da opinião.

Elles julgavam-se os unicos capazes de bem governar, e, sem escolha de meios, nem de caminho, o que queriam era empolgar as cadeiras do poder.

Cumpria lhes, portanto, em vez de cargas de bayoneta e de descargas de fusilaria sobre o povo, resolver pacificamente as graves questões, que estão assoberbando a fazenda publica. (Apoiados.)

Não quero passar adiante sem dizer á camara a rasão por que não fui ao congresso apesar de ter recebido a honra, do convite para esse fim.

Para mim é ponto capital na administração dos negocios publicos que o paiz não póde pagar mais, e que o estado deve gastar menos. (Apoiados.)

Por isso, sem discutir n'este momento a vantagem ou desvantagem de uma providencia fiscal, economica e financeira, para onerar o trigo estrangeiro por fórma que o lavrador portuguez possa vender o seu genero por 600 réis o alqueire, devo declarar do modo mais terminante que me é indifferente vender o alqueire de trigo por 600 réis, se a cultura me consumir 300 réis, e as contribuições para o estado, para o districto, para o municipio, e para a parochia, me levarem e resto!

Não discuto pois agora a vantagem ou desvantagem de qualquer alteração na pauta, relativamente aos cereaes, que me pareceu ser a preoccupação espacial do congresso. De mais eu estou persuadido de que a questão financeira não se resolve sem a questão politica, e ás questões de politica entre os diversos agrupamentos, que ahi ha constituidos, era, e devia ser estranho o congresso, porque para a politica já nós temos duas assembléas, a camara dos deputados e a camara dos pares.

Não sei mesmo o que produzirão os congressos de natureza do que tem estado a funccionar em Lisboa, sem o paiz começar por eleger representantes, que venham advogar os interesses dos povos, e só os interesses dos povos, d'onde sáiam ministros, que prestem homenagem ao sentimento publico, e cuidem apenas da prosperidade nacional.

Mas a mim não me surprehendem estas manifestações de desgosto da parte dos povos contra a administração do governo. (Apoiados.) Esperava-as. Vieram todavia mais cedo do que eu contava.

Pois que querem que faça o povo, todos os annos vexado com elevadissimos impostos, a que não escapam nem os generos mais necessarios á vida, sendo a agricultura a final de contas que principalmente paga todas estas custas e caprichos da governação e que na occasião em que devem reputar-se quasi exgotadas as faculdades tributarias. É esmagado com uma carga de addicionaes como não ha memoria no paiz! (Apoiados).
Transforma o governo os beneficios economicos, que ao povo promettêra, n'um saque á bolsa do contribuinte, e ainda estranha que o paiz revele por isso os seus justos resentimentos) (Apoiados.)

Sr. Presidente, v. exa. que vive n'uma região agricola, e onde predomina a cultura dos cerceaes, sabe de certo as difficuldades com que estavam lictando os lavradores, e que elles mal podem com as contribuições que já os oneram, quanto mais com a nova e pesadissima carga dos addicionaes.

Não discuto agora se os addicionaes foram bem ou mal lançados, nem se a lei, que os decretou, obedeceu ou não não aos bons principios de direito.

Limito me n'este momento a descrever a importancia dos addicionaes lançados ao paiz, para a camara apreciar os effeitos d'esta nova imposição, principalmente a algumas localidades, que já não podem nem com a contribuição predial que actualmente pagam.

Não sei se o governo sabe, ou se se importa com saber que a agricultura está definhando por fórma, que n'algumas partes estão os rendeiros pedindo diminuição nas rendas, sob pena de entregarem as terras aos senhores, e que os proprietarios já preferem deixar algumas terras deposto a cultival-as por sua conta. (Apoiados.)

Esta é que é a triste realidade dos factos (Apoiados.}

Os srs. ministros vivem tão enganados ácerca d'este assumpto, têem tão falsa idéa da situação em que se acha a industria agricola no paiz, que no seu relatorio de fazenda, tanto do anno passado, como d'este anno, declaram do modo mais positivo que é da contribuição predial que esperam o necessario para todos os imprevistos!

Pois creiam que não ha dinheiro mais mal empregado do que esses 115:000$000 réis, ou o que é, descriptos no orçamento do futuro anno econimico para a continuação das matrizes, porque se o governo as não inutilizar pacifica e legalmente, hão de inutilisal-as tumultuaria e revolucionariamente os povos. (Apoiados.)

A revisto das matrizes tem obedecido, não só á necessidade de explorar o contribuinte, mas tambem a fins eleitoraes. (Apoiados.}

Aproveitou-se, até o logar de secretario das commissões das matrizes e o cargo de louvado para grangear votos nas ultimas eleições de deputados (Apoiados.) Um serviço de matrizes assim feito, não ha paiz, por maio pacifico, que o acceite.

Eu esperava, pois, a agitação popular na Madeira, em Pombal, em Cautanhede, e em quasi todos os pontos do paiz, mas mais tarde; vem mais cedo do que eu contava.

Está marcada pela natureza das cousas uma insurreição geral, para a abertura dos cofres em virtude das novas matrizes que n'alguns pontos accusam um valor collectavel quatro ou cinco. vezes superior ao producto bruto.

Ora contra essa manifestação gravissima que mais cedo ou mais tarde ha de chegar, é que não valerão, nem as cargas de bayoneta, nem as desgraças de fusilaria, porque não ha armas efficazes para abafar a voz da fome (Apoiadas.)

Os srs. ministros deviam saber que o povo portuguez ainda se resigna com as más praticas administrativas, com os augmentos de despeza, e mesmo com esbanjamentos, mas que diante de impostos, que possam pôr em perigo a sua subsistencia, se insurge immediatamente, sendo-lhe indifferente cair varado pelas bayonetas dos soldados, ou ex-extenuado pela penuria e pela fome!

Por isso o governo, com o augmento exorbitante dos impostos, não organisa a fazenda, organisar a anarchia; e

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a desordem e o descontentamento popular nunca foram elementos para a organisação da fazenda publica. (Apoiados.)

A agitação, que hoje havia no paiz, representa apenas os primeiros symtomas de uma manifestação geral, que fatalmente ha de vir, quando se pedirem as contribuições em virtude das novas matrizes das quaes o sr. ministro da fazenda espera rendimentos para todos os imprevistos! Pois espere por elles. (Apoiados.)

E tão grande e tão variada a carga dos addiconaes, que não é facil fazer a somma d'elles. (Apoiados.)

O sr. presidente do conselho não tem remedio senão alterar o seu codigo administrativo, principalmente no que lhe introduziu de novo.

Sustentava o sr. presidente do conselho que para justificar a sua dictadura, lhe bastava o ter attendido as reclamações dos povos contra a anarchia que lavrava nas administrações locaes em materia tributaria.

Mas em primeiro logar essa anarchia que lavra nas administrações locaes não se remedeia com decretos de dictadores, Lavra a anarchia nas administrações locaes, porque vae cá de cima (Apoiados) Mesmo com a legislação vigente, havendo governo que queira e saiba cumprir os seus deveres, não póde haver anarchia nas corporações inferiores (apoiados) A questão é que essas corporações estão aprendendo com o governo. (Apoiados.)

Assim como o governo se julga auctorisado a organisar legiões de empregados publicos para seu uso, a camara municipal de Freixo de Espada á Cinta, ou de Barrancos, quer tambem fazer uma reforma para utilidade da sua clientela!

Seguem os exemplos que lhes vão ab alto. (Apoiado.)

N'este paiz, como em quasi todos os paizes, os exemplos bons ou maus vem de cima.

Ponha o governo os olhos na Belgica, e siga os exemplos d'aquelle nobre paiz em materia financeira. Hoje publicam os jornaes um telegramma, annunciando que o ministro da fazenda da Belgica na sua exposição financeira ás camaras declarára que o excedente das receitas, tanto no presente, como no futuro exercicio, será representado por milhões de francos!

E porque a Belgica administra se como se deve administrar qualquer paiz ou individuo que, apesar de rico não deve deixar ir as suas despezas alem das suas receitas.

Se o povo portuguez olhasse pelos negocios do estado como o povo belga, e se désse aos nossos governantes lição igual á que a Belgica deu ha pouco ao partido liberal, para o qual me chamam aliás todas as minhas sympathias e affinidades, não teriamos hoje uma divida publica que absorve mais de ametade da receita do thesouro.

Os governos podem ser liberaes sem fazer saques sobre a bolsa do contribuinte. (Apoiados.)

Ser liberal é respeitar as liberdades individuaes, e manter cada um na posição que lhe compete, e não gastar á larga.

Os encargos lançados aos povos pelo partido liberal da Belgica, n'um intuito aliás completamente justificado debaixo do ponto de vista politico, creou-lhe taes indisposições, que nas ultimas eleições soffreu uma derrota, que deu ao partido catholico, hoje no poder, as tres quartas partes dos votos das assembléas parlamentarem, facto sem exemplo desde que a Belgica é paiz independente.

Em nenhumas das eleições anteriores a urna estabelecêra tão grande desequilibrio entre as forças relativas dos dois partidos!

E porque?!

Porque estando na Belgica, em quasi toda a parte, as escolas nas mãos do partido catholico, o que lhe dava uma influencia decidida na educação da mocidade, pretendeu o governo liberal organisar ao lado d'aquellas escolas outras sustentadas pelos municipios, em que não predominasse a influencia politica dos catholicos.

Mas tal resistencia creou no paiz este aggravamento de despeza, que nas ultimas eleições geraes a derrota do partido liberal foi completa

Mas aos nossos governos, e principalmente ao actual, dão-lhes pouco cuidado as manifestações da vontade popular, emquanto lhes não põem em risco a existencia.

E é por isso que mm luctâmos com um deficit assombroso, deficit permanente, que aggrava todos os dias a situação da fazenda publica, que ficou peior em 1887 do que era em 1886, que é peior em 1888 do que era em 1887, e que ha de ser peior em 1889 do que é este anno.

E porque? Porque a situação da fazenda publica de pende essencialmente da situação economica do paiz, e esta todos os dias se aggrava até que ha de chegar, seguindo-se n'este caminho, a uma solução fatal!

Todos os annos se levantam emprestimos debaixo de varias fórmas, ou por meio de divida fluctuante, ou por titulos de divida fundada, ou amortisavel, ou por contratos especiaes com estabelecimentos de credito E para occorrer aos novos encargos, creados pelos emprestimos, todos os annos se lançam impostos enfraquecendo-se e esgotando-se todos os dias as forças tributarias do contribuinte, que não são elasticas!

Pois não será um symptoma do estado perigoso da fazenda publica, a ameaça de venda, sob uma fórma mais ou menos disfarçada, do caminho de feiro do sul, tirando assim ao estado uma riqueza importante, que podo servir-lhe de salvaterio n'alguma crise angustiosa?

Não esteve tambem, no anno passado, suspensa entre a vida e a morte a, venda dos caminhos de ferro do Minho o Douro? Pois se este anno nos desfizermos do caminho de ferro do sul e sueste, e para o anno do caminho de ferro do Minho e Douro, que nos fica d'aqui a dois annos, não só para pagar estes luxos de administração, mas para necessidades urgentissimas? (Apoiados.) Taes expedientes significam já pouca confiança nos haveres do contribuinte, e mesmo este já declarou no congresso, de uma maneira mais ou menos clara, que não estava disposto a pagar mais para tanta extravagancia.

Hoje não póde manter-se governo algum em Portugal a contento publico, sem reduzir em vez de augmentar a despeza do estado.

Os governos têem usado e abusado, quanto possivel, das forças do contribuinte, pedindo lhe mais do que elle pode dar, e agora é preciso que os poderes publicos considerem uma situação em que o paiz declara que não quer pagar mais porque não póde pagar mais!

Mas vejâmos o que são esses addicionaes, que por toda a parte levantam a resistencia publica. Só os addicionaes, que para as suas despezas gera es podem lançar os districtos, os municipios e as parochias, se elevam á quantia de 100 por cento! O meio que ao governo occorreu de organizar os finanças na parochia, no municipio e no districto, foi permittir lhes lançar contribuição igual á que os povos pagam para o estado!

Pelas medidas salvadoras do governo póde o districto lançar até 15 por cento, o municipio até 50 por cento, e a parochia até 35 por cento.

Até as parochias já são magnates! Até as parochias já podem onerar os povos com addicionaes! Em Lisboa algumas parochias estão organisando os seus serviços, como se foram uma repartição do estado!

Explica-se este procedimento das juntas de parochia pela falta de governo.

Se houvesse ministros não veriamos em scena esta anarchia mansa, bem mais perigosa, do que a da praça publica.

Lá fóra não ha tanto perigo de abuso por parte d'estas corporações, porque os povos, que pagam, não se resignam facilmente a tirar dinheiro da sua algibeira para gratificações ao regedor, e vencimentos a continuos.

Mas em Lisboa; terra patriarchal, onde tudo se tolera, e

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de cujo governo vão os maus exemplos para toda a parte não é facil evitar as extorsões pelas corporações administrativas sem a intervenção efficaz dos altos poderes do estado.

Ora é preciso que um governo seja muito extravagante, para n'um paiz, nas condições do nosso, permittir a todas as juntas de parochias lançar até 30 por cento!

Porém o direito, que o governo deu ás corporações administrativas de lançar addicionaes, não para nos 100 por cento.

Podem ainda lançar mais 21 por cento para occorrer aos encargos com a instrucção primaria, pois que o districto para as despezas especiaes com a instrucção primaria póde lançar mais 5 por cento, a parochia mais 3 por cento, e o municipio mais 15 por cento.

Não param ainda em 121 por cento os addicionaes que podem ser lançados pelas corporações.

Ellas podem votar as percentagens actuaes, ainda que superiores á quota marcada, quando essas percentagens estejam obrigadas como garantia ao pagamento de juro e amortisação de emprestimos legalmente contratados.

Portanto as corporações estão auctorisadas a lançar addicionaes na importancia de 121 por cento, e de mais que for!

Alem d'isso os addicionaes, com que são vexados os povos, não são unicamente os lançados pelas corporações administrativas.

Alem dos 121 por cento e o mais que for, que as corporações administrativas podem lançar, tambem o governo sobrecarrega os povos com addicionaes para o thesouro a pretexto de haver tomado a si despezas dos districtos!

E, o que é mais, distribuiu-os a capricho pelos differentes districtos! Não sabemos por isso se os addicionaes, em algum concelho ou parochia, irão alem de 200 ou 300 por cento. O que sabemos é que, alem dos 121 por cento, taxativamente marcados, podem as corporações elevar as percentagens alem d'essa taxa para occorrer a emprestimos contrahidos, e póde, o governo estabelecer tambem percentagens, as quaes effectivamente estabeleceu, e repartiu arbitrariamente!

Ora eu pergunto aos meus collegas, e principalmente aos que de mais perto conhecem a situação agraria, se o paiz pôde com tanta extravagancia!

A despeza do thesouro que no orçamento de 1852 a 1853 era computada em 12.000:000$000 réis, já vae hoje muito além de 40.000:000$000 réis! Mas está é só a despeza da estado:

A camara não sabe, porque o governo lh'o não diz, até onde chegara os sacrificios do contribuinte para occorrer aos encargos com os districtos, com os municipios e com as parochias.

Não o sabemos porque o governo o não diz, se a despeza districtal, municipal e parochial, toda junta, subirá a somma igual é despeza do estado!

E subiu porventura na mesma proporção, a riqueza do paiz? Ninguem de certo o dirá.

Mas o governo, sempre na doce illusão de que, o paiz nada em prosperidade; não se limitou a auctorisar addicionaes ás contribuições directas, e sobre outros rendimentos. Atirou-se tambem, e com a mesma valentia, á contribuição indirecta! Auctorisou os municipios á lançar até 100 por cento do imposto na pauta do estado sobre os generos sujeitos ao real de agua!

Mas como ha generos de consumo, que não estão sujeitos ao real de agua, é o governo não ficava descansado, não estando auctorisadas as camaras municipaes a lançar tambem uma carga de impostos sobre aquelles generos qual é o preço do tributo que as camaras municipaes podem lançar sobre os objectos de consumo não sujeitos ao real de agua? Será 3 por cento ou 4 por cento ou 5 por cento? E 25 por cento do preço corrente!

O dono do genero ha de dar logo a quarta parte do preço ao fisco municipal!

Sr. presidente, muita paciencia terá este paiz para supportar resignado tão violentas extorsões!

Mas o peior é que, ainda vexados e esmagados com impostos os povos, difficilmente a receita publica dará para todas as extravagancias governamentaes.

Alem dos encargos do orçamento com a metropole, havemos de pagar o deficit das provincias ultramarinas, onde os luxos da administração excedem tambem tudo o que ha de justo e rasoavel.

Creio que esse deficit vem calculando em l.200.000$000 réis o que significa que não ha de ser inferior a 1.500.000$000 ou 1.600.000$000 réis. Não sei agora se é a provincia de Moçambique se a de Angola, que já gosa a consolação de possuir um deficit de 500:000$000 réis! Creio que duas provincias, Cabo Verde e India é que n'esta data ainda não têem deficit, mas lá hão de chegar porque os nossos
Governantes, se virem, que ellas não entram desassombradamente no caminho do esbanjamento, são capazes de as excluir do quadro das possessões pertencentes á corôa portugueza! (Riso)

Alem d'isso estão á porta despezas ainda não descriptas no orçamento do estado, como são os encargos com os caminhos de ferro de Mirandella, de Vizeu, de Alfarellos, da Beira Baixa e de Ambaca, e mil outras, que não posso enumerar n'este momento, porque não chega para tanto a minha memoria!

E no meio de todos estes embaraços financeiros sustenta o governo que o deficit é pequeno, porque não computa no deficit a parte do desequilibrio orçamental, coberta pelos emprestimos!

Calculado por este modo, o deficit, ainda não tivemos deficit desde 1852; (Apoiados.} porque desde essa data que os pagamentos do estado se fazem em dia!

Mas quem computar os emprestimos como rendimentos, ha de acabar por se arruinar!

A administração politica vae ainda peior, se é possivel, do que a administração financeira.

Por isso eu convido amavelmente os srs. ministros a retirarem-se quanto antes, e pelo menos antes do interregno parlamentar. (Apoiados.)

Se s. exas. têem ainda alguma providencia a tomar, providencia que de certo será inspirada no interesse publico, tratem de prorogar a sessão, mas não fiquem á frente do governo no interregno parlamentar que póde isso occasionar graves desastres ao paiz.

O cuidado com que os srs. ministros procuram mostrar se ignorantes de acontecimentos gravissimos, a ponto de ser necessario que os deputados da opposição dêem noticia publica dos massacres feitos em cidadãos inermes á ordem dos delegados do governo, convence-me de que o governo, occorra o que occorrer, pretende manter-se no poder em quanto a violencia para isso lhes servir. (Apoiados,)

Não é este ministerio que abdica diante das manifestações do paiz: só sairá do seu logar quando for expulso do poder.

Por isso eu reputo um, perigo para o paiz a conservação dos srs. ministros no poder durante o interregno parlamentar.

Por agora está o paiz em tranquillidade apparente, na convicção de que o governo abdique diante das côrtes. Quando o povo perder essa, esperança por ver encerradas as côrtes, e que o governo livre dos obstaculos parlamentares persista na cobrança dos addicionaes, em que agora tem recuado, ninguem póde calcular o que irá por esse paiz fóra. (Apoiados.)

Desde que o governo possa evitar uma solução parlamentar, não recitará diante de quaesquer demonstrações populares, que pela violencia possa abafar.

Só gravissimos acontecimentos o poderão compellir a de

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por as pastas nas mãos do augusto chefe do estado. (Apoiados)

Nenhum interesse pessoal me inspira ao aconselhar o governo a abdicar o poder, nem me parece que possam advir graves perigos á ordem publica de se conservarem no poder os srs. ministros emquanto estiverem abertas as côrtes

Mas a sua permanencia no poder, depois de encerrado o parlamento, é uma provocação sempre aberta á ordem publica e á liberdade. (Apoiados.)

A situação do governo é fraquissima, ou antes sem rasão de ser, e por isso prejudicial á marcha dos negocios publicos.

Em Portugal chama-se situação forte á que pretende durar muito tempo, e que tem muita gente ao seu lado.

Mas em toda a parte do mundo civilisado, onde vigora o regimen parlamentar, só se considera forte a situação que é rigorosamente logica, isto é, que tem um programma de principios definidos, a que obedece invariavelmente, e que, ainda transigindo com as circumstancias, como é obrigação de todos os homens publicos, não perde de vista o seu ideal, nem sacrifica aos seus caprichos ou ás suas conveniencias, o seu partido e a fortuna da nação. (Apoiados)

Ora os srs. ministros rasgaram um a um, no seu interesse ou no interesse do seu partido, todos os artigos d programma que desenrolaram perante as côrtes no dia do seu advento ao poder.

Vou ler alguns d'esses artigos, e não quero ser eu o seu julgador.

Entrego esse julgamento á consciencia publica, ou antes á consciencia do proprio governo.

Profiram os srs. ministros o veredictum, e declarem com as mãos na consciencia se cumpriram o mandato de que a corôa os investiu, e se desempenharam honrada e correctamente o compromisso que tomaram perante as côrtes e perante o paiz. Contento me com que os srs. ministros declarem e confessem, que cumpriram pontualmente o programma que desenvolveram no seio da representação nacional, e pelo qual se comprometteram á face da nação.

Não quero mal aos srs. ministros, como não quero mal a ninguem. É a necessidade politica, é a obrigação de mandatario do povo, que me obriga a dizer ao governo que largue essas cadeiras, visto que não póde realisar o programma a que se comprometeu quando tomou posse do poder. (Apoiados) Ninguém é obrigado a ser ministro. Não se prende ninguem para ministro. O cargo de cabo do policia e de regedor é obrigatorio, mas o de ministro d'estado não. (Apoiados.)

Comprehendo perfeitamente que os homens publicos, depois de entrarem no governo, não possam cumprir o seu programma; mas, se não podem cumpril-o, a sua obrigação é abandonar as cadeiras do poder. (Apoiados.)

Podem tambem difficuldades insuperaveis obstar a que um governo cumpra integralmente todos os capitulos do seu systema.

Mas o que não se desculpa a um ministro é que infrinja uma a uma todas as linhas do seu programma, porque desde esse momento perdeu a confiança publica, e não póde mais sustentar se diante da nação. (Apoiadas.)

Por isso eu disse ha pouco que nada vale aos ministros terem por si a maioria ou a unanimidade nas assembléas parlamentares, e mesmo a confiança da corôa, se não podem contar com a confiança da nação. (Apoiados.)

E a verdade é, com sentimento o digo, porque tenho sempre pena de dizer cousas desagradaveis a quem quer que seja, que os srs. ministros perderam absolutamente a confiança da nação. (Apoiados.)

Se ainda conservam o apoio das assembléas parlamentares é por um erro de interpretação politica, em que desgraçadamente têem caído, n'estes ultimos annos, ainda os mais patriotas e mais talentosos homens publicos, de confundirem a lealdade aos homens com a lealdade nos principios (Apoiados.) Se não fora esta errada comprehensão dos partidos politicos, se as assembléas parlamentares, quando os governos se desviassem do seu programma, lhes intimassem a abdicação, saíndo o novo governo da votação parlamentar, outra seria a nossa situação politica, e outro o estado da fazenda publica. (Apoiados.)

Mas cá succede agora exactamente o contrario.

As assembléas parlamentares, em logar de serem os juizes severos, inflexiveis, e imparciaes dos governos, em vez de proferirem os interesses da nação aos caprichos doa ministro?, são uma especie de conselho aulico do poder executivo. (Apoiados.)

Nos nossos processos politicos tem-se invertido todas as regras do regimen parlamentar.

Por isso quando os ministerios são forçados a abdicar pela intimação da opinião publica, morrem com elles os parlamentos, como se os representantes da nação fossem simples delegados do poder executivo!

Ouvi ha tempos n'esta casa a um dos homens, por quem tenho mais sympathia, e a quem não faço elogio, porque no momento critico, que atravessâmos, não faço elogios a ninguem, que com camaras abertas, ou com camaras, fechadas, temos vivido quasi sempre em dictadura.

É uma verdade infelizmente.

Mas a culpa é dos ministros, e só dos ministros.

Deixem o paiz pronnunciar-se livremente em vez de fazerem aos recenseados uma monteria eleitoral. (Apoiado.) Deixem os cidadãos fazer as eleições em liberdade, e teremos governo á altura das necessidades publicas

Nas ultimas eleições a montem eleitoral (Apoiados.) excedeu tudo quanto até ahi se linha feito. (Apoiados.) Não se contentou o governo em pôr ao serviço das eleições o administrador do concelho e todos os delegados do poder executivo. Em nome das eleições até os escrivães de direito ficaram sem garantias! (Apoiados.)

Então o dinheiro para estradas, e para as igrejas, (Apoiados.) e para todos os actos de corrupção não faltava. (Apoiados.) Com estes processos eleitoraes um paiz, como o nosso, não póde resistir á guerra do governo.

Entre nós as eleições não representam a lucta entre os partidos politicos, que têem raizes nas forças vivas da nação.

Representam pelo contrario uma lucta aberta entre o governo e a nação, a guerra implacavel e sem treguas do governo e dos seus agentes contra a liberdade e independencia do cidadão recenseado.

Os governos em Portugal abusam da indole pacifica do povo. Haviam de ser mais prudentes, se o povo portuguez fosse um povo de paixões ardentes, como o francez ou o italiano.

Ainda assim alguns actos praticaram os srs. ministros no correr do anno de 1887, que, se o povo portuguez de 1887 fosse o povo portuguez de 1836, de 1846, e mesmo de 1851, haviam de lhes custar caro os attentados contra as regalias populares. (Apoiados )

Não servem de nada as maiorias, quando não têem do seu lado a rasão e o voto do paiz.

Famosas maiorias coutava em ambas as camaras Costa Cabral em 1851, e todavia foi obrigado a abdicar, não só por uma revolução militar, mas tambem, e principalmente, pelo voto quasi unanime do paiz.

As difficuldades de uma situação só as póde vencer, quaesquer que sejam os apoios das côrtes, o governo que for fiel ao seu programma. (Apoiados )

Vou reproduzir algumas palavras do programma dos srs. ministros, para ver se s. exas. lhes podem dar uma interpretação que sirva de consolação a esta maioria que vota, mas que não anda contente, (Riso.) e que possa justificar os actos do gabinete perante o paiz.

Dizia o sr. presidente do conselho: «o governo será tolerante com todas as opiniões». Este era o primeiro man-

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damento do programma ministerial. Não gasto, tempo a analysar este ponto.

Descanso na consciencia do sr. presidente do conselho!

Direi apenas para prova da tolerancia do governo com todas as opiniões, que um cidadão miguelista de Braga, que não conheço, e cujos escriptos não li, o que pouco importa para o caso, foi obrigado, no consulado d'este gabinete, sob ameaças de morte, a dar vivas ao rei e á familia real!

Exactamente como no tempo dos Migueis, que eram obrigados os malhados a dar vivas ao rei absoluto, são agora obrigados os miguelistas a dar vivas ao rei constitucional!

Este acto de vandalismo praticava-se com a circumstancia aggravante do se achar então em Braga o primeiro ministro da corôa, que tinha por principal dever poupar ao rei este desgosto e á nação esta vergonha.

É um facto sem precedente na nossa historia constitucional. Levantar-se a populaça, espontaneamente, ou por instigarão de quem quer que fosse, na terceira cidade do reino, se não com o apoio, pelo menos com a cumplicidade da auctoridade publica, que não dou um passo para garantir a liberdade individual, e ir queimar um jornal, cujos abusos são regulados pela lei da liberdade de imprensa, e obrigar o jornalista, sob ameça de morte, a dar vivas ao rei e á familia real, é um facto que não tem parallelo, nem no tempo dos Cabraes.

Só no tempo de D. Miguel é que se arrancava a fita azul e branca ao cidadão constitucional, e se obrigavam os liberaes a dar vivas a D. Miguel. (Apoiados.)

Este facto é uma amostra eloquente da tolerancia do sr. presidente do conselho com todas as opiniões. (Riso.)

Não terá o sr. presidente do conselho a responsabilidade de haver inspirado estes actos, que são condemnaveis até n'um paiz selvagem.

Mas a auctoridade local é que os não tolerava, se não contasse com o apoio do sr. presidente do conselho para sanccionar estas affrontas á liberdade e á civilisação. (Apoiados.)

Dizia mais o sr. presidente do conselho na exposição do seu programma governativo: Não deverá o governo praticar actos de intolerancia, indignos do nosso tempo e da sua elevada missão.

Não quero resuscitar pleitos findos, nem contribuir para que no parlamento se levantem questões irritantes e desagradaveis. Mas o procedimento do governo com os representantes do povo na sessão passada dispensa-me de qualquer explicação. (Apoiados.}

Dizia ainda o sr. presidente do conselho:

- «A minha preoccupação é a fazenda publica». - Realmente a preoccupação do governo, é a fazenda publica. (Riso.) Bem se vê. (Riso - Apoiados.)

Nunca vi um jubileu tão esplendido, e tão prolongado, e continuar-se-ha. (Riso - Apoiados)

Para o ministerio da guerra augmentaram se os encargos do orçamento na sessão passada em muitas centenas de contos. Pois ainda não estão contentes. (Riso.) Parece que não ha nada melhor do que ser do ministerio da guerra (Riso.)

A maioria votou no anno passado, Deus sabe com que vontade, uma despeza, menos para o exercito, do que para o ministerio da guerra, que ninguem sabe ao certo o que é (Apoiados.), mas que representa centenas de contos.

Pois perguntando-se este anno n'esta casa ao sr. ministro da guerra se concorda com mais alguma despeza, elle declara logo que pela sua parte está prompto, que o seu receio é que haja duvidas da parte da commissão de fazenda, sendo assim menos justo com uma commissão, que acaba sempre por entrar no bom caminho! (Riso.)

N'outros ministerios, como nos da fazenda e das obras publicas, nem necessario é fallar! Ahi vae tudo á grande. (Riso.)

Era tal a preoccupação do sr. presidente do conselho pela fazenda publica, que, encontrando reintegra aquella memoravel lei dos melhoramentos do porto de Lisboa, em vez de fazer estudar primeiro quaes os necessarios e urgentes, e quaes os adiaveis, optou por mandar executar logo tudo sem distincção entre o urgente e o luxuoso! (Apoiados.)

Nem o governo se limitou a lançar estes addicionaes. Temos tido uma rede varredora de impostos, devendo merecer especial menção os lançados não para a instrucção publica, mas sobre a instrucção publica.

O sr. presidente do conselho nunca se esquece da instrucção publica para augmentar as propinas de exames, de matriculas o de cartas! (Apoiados.)

Ora isto n'um paiz pobre em que a maior parte dos paes, que destinam filhos para a instrucção superior, se empenham para elles poderem completar o curso, chega a ser barbaridade! (Apoiados )

Dizia tambem o sr. ministro da fazenda que - economia é ter poucos e bons empregados (Riso.) porque mal vae á machina que não tem perfeitas è simples peças, e pagar-lhes bem.

Ora não sei se são bons, e bem pagos os nossos empregados.

O que sei é que, guardadas as devidas proporções, poucos paizes têem a consolação de possuir um funccionalismo tão numeroso como nós.

sta parte do programma, que queria poucos empregados, nenhum dos ministros a desempenhou melhor que o sr. ministro da fazenda. (Apoiados - Riso.)

A camará ri-se, e talvez com rasão.

Pois é por estes e outros factos identicos que o paiz está cansado do governo. (Apoiados )

Estes actos successivos de organisação de serviços, a pretexto do bem publico, para augmentar a clientela á custa do contribuinte é que geram a anarchia do paiz. (Apoiados.}

Acrescentava o sr. ministro da fazenda que era necessario um ministerio de agricultura para fomentar as forças da producção e para velar pela sorte dos trabalhadores e dos operarios.

Ora, se os operarios não tomassem uma altitude energica e ameaçadora, veriamos quem é que velava por elles? (Apoiados.)

Emquanto elles se conservaram em pleno socego, e não pozeram em risco a situação do governo, o que lhes davam os srs. ministros?

Davam-lhes as licenças (Apoiados.) com a promessa jubilosa de um processo judicial e de cadeia, se as não não tirassem! (Apoiados.)

Davam-lhe nas pautas o augmento do imposto nos generos necessarios á vida, (Apoiados.) e davam-lhes os addicionaes! (Apoiados.)

E ultimamente, os remedios que receitavam para todos, operarios e não operarios, eram os que foram ultimamente applicados em Pombal e em Cantanhede. (Muitos apoiados.)

Não devo deixar no esquecimento o que dizia o sr. ministro das obras publicas, que principiou por declarar que não queria senão economias, que já tinha começado a fazel-as, suspendendo a classificação da engenheria civil.

Na suspensão talvez houvesse economia; mas o peor foi a resurreição, que levou todas as economias e as tranformou em augmentos de despeza.

No seu furor de ministro o mais economico do gabinete, dizia o sr. ministro das obras publicas que, manietado no natural empenho de vincular o seu nome a algum d'esses grandes melhoramentos, se dava por feliz se os recursos do thesouro e as economias lhe permittissem realisar melhoramentos já votados, ainda que o seu trabalho ficasse no escuro.

Pois o sr. ministro das obras publicas, depois de nos ter dado todas estas esperanças, entendendo depois que o que dá nome são as grandes obras, começou de projectar obras

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novas em toda a parte, e já o discurso, da corôa annuncia novos caminhos de ferro, que, segundo as noticias da imprensa, devem medir centos de kilometros e reclamar excessivos despendios.

Esteja, portanto, descansado o sr. ministro das obras publicas que o seu nome não ficará esquecido no paiz.

Aqui têem v. exas. as rasões porque o governo está em situação impossivel perante a nação; é porque deixou de satisfazer, talvez na melhor intenção, ao programma que apresentára na camara.

Como quero fechar com chave de oiro esta exposição devo reproduzir ainda algumas das palavras do sr. presidente do conselho.

S exa., que foi sempre um distincto orador, e que agora se tem feito timido n'aquelle logar, quando falla á antiga portugueza ainda é um homem de lucta, (Riso.) como eu ha bom poucos dias tive occasião de presencear na outra camara do parlamento.

Pois no dia da apresentação do gabinete, estimulado por algumas phrases da opposição, fallou á antiga portugueza nos seguintes termos: Aqui ha um governo com pensamento claro e definido; aqui não se hesita diante de responsabilidades; aqui não se recua diante de uma idéa!

Agora os factos.

Quem recuou diante das licenças, foi a opposição? (Apoiados.)

Quem anda a recuar, sem se saber até onde chegará o recuo, diante da questão dos tabacos, é a opposição?

Porque o governo não tem pensamento claro o definido, e recua em tudo e por tudo, é que não póde manter-se perante o paiz; e a sua conservação nos concelhos da corôa fechadas as côrtes, poderá ser um grave perigo para a ordem publica.

Proroguem as côrtes até quando quizerem, mas não se conservem no poder depois de fechado o parlamento.

Bem sei, que, o governo, perfeitamente, accorde no desejo de ficar, declara que não sáe do ministerio por não haver um partido sufficientemente forte a quem entregar o poder, considerando assim a transmissão das funcções do poder executivo, como negocio de familia.

Ora os srs. ministros não têem que preoccupar-se com a entrega do poder.

Desde que o governo, interrogando a sua consciencia, se convença de que não póde governar com proveito para a nação, de que a sua permanencia á frente dos negocios publicos é prejudicial a causa publica, deve entregar as pastas na mão de quem lh'as deu, sem necessidade de verificar as condições da successão.

Creio que é o parlamento portuguez o unico, onde se ouve a doutrina excepcional e estravagante, de que o ministerio não póde sair per falta de successor competente, talvez, porque o nosso parlamento é dos poucos que andam fóra das regras normaes do regimen representativo.

Se o ministerio desse ámanhã a sua demissão por entender que não podia continuar á frente dos negocios publicos com vantagem para a causa publica, e entregasse, nas mãos do rei as pastas que o soberano lhe confiou, não significava isso que o governo estava demittido, mas sim que reconhecia a necessidade de ser entregue o poder a quem com mais vantagem podesse gerir ou negocios publicos.

A corôa, recebendo a communicação do governo, e chamando para ouvir sobre a formação do novo gabinete os homens publicos, que julgasse mais competente, se não podesse conseguir a formação de governo que inspirasse confiança de bem servir a causa publica, reconduzia o ministro demissionario.

Estas é que são as verdadeiras normas de transmissão de governo no regimen parlamentar.

Nenhum governo póde á priori dizer que não larga o poer porque as opposições estão divididas.

E quem assegura ao governo que as opposições não estão unidas ou que o não estarão ámanhã? (Apoiados.)

Mas seja como for, juntos ou desunidas os differentes elementos de opposição, é certo que a transmissão do poder não póde ser considerada negocio de familia, nem acto de direito particular sujeito a contribuição de registo. (Riso.)

Então as duzias de ministerios, que têem sido derrubados pela assembléa franceza, preoccuparam-se alguma vez com a substituição?

N'aquelle paiz os governos desde que reconhecem a impossibilidade de desempenhar a sua missão politica entregam sem mais exame o poder nas mãos do presidente da republica.

É-me indifferente, repito, que o governo continue á frente dos negocios publicos mais dois, tres ou quatro mezes, com tanto que conserve abertas as camaras, como sentinella vigilante das liberdades populares.

Mas a continuação do ministerio no poder durante o interregno parlamentar será um grande perigo para o paiz.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados)

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - (Quando o sr. ministro restituir o seu discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Mando para a mesa uma proposta de lei, que vae tambem assignada pelo sr. ministro da fazenda.

É a seguinte:

Proposta de lei n.º 14-N

Senhores. - Tem se ultimamente adoptado no ministerio das obras publicas, commercio e industria, a pratica de se exigir deposito em dinheiro ou valores do estado como garantia de varias concessões, especialmente de viação, solicitadas por esse ministerio. Com essa exigencia tem-se principalmente por fim assegurar a seriedade das emprezas, que solicitam essas concessões.

Podendo, porém, acontecer que, não obstante essa precaução, e por motivos estranhos á seriedade das respectivas emprezas, as concessões não vão por diante, e sendo conveniente auxiliar o desenvolvimento dos estabelecimentos agricolas e industriaes, aproveitando para isso uma fonte eventual de receita, temos a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º E o governo auctorisado a applicar directamente aos serviços agricolas e dotação dos respectivos estabelecimentos, e bem assim á dotação dos estabelecimentos de ensino industrial, a importancia dos depositos, perdidos em favor da fazenda nacional, como garantia de concessões effectuadas pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, e não cumpridas.

Art 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 29 de fevereiro de 1888. = Marianno Cyrillo de Carvalho = Emygdio Julio Navarro.

O sr. Lopo Vaz: - (Quando o sr. deputado restituir o seu discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão.)

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Pedi a palavra para fazer a v. exa. um pedido em meu nome, e creio que em nome de toda a opposição regeneradora, senão em nome de toda a minoria, e vem a ser, para que v. exa. interponha a sua auctoridade de presidente d'esta camara junto do sr. presidente do conselho, para que s. exa. esteja presente ás sessões quando ellas começam.

Ha muito tempo que alguns membros d'esta casa se cansam a pedir a palavra para quando o sr. presidente do conselho estiver presente.

S. exa. vem aqui ordinariamente dez minutos antes de se entrar na ordem do dia, leva o tempo em abrimentos de bôca, (Riso.) e nós não podemos occupar-nos dos assumptos que temos a tratar.

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SESSÃO DE 29 DE FEVEREIRO DE 1888 645

Solicito, pois, de v. exa. o favor de fazer este pedido ao, sr. presidente do conselho.

O sr. Arroyo: - Disse que desejava dirigir algumas perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, motivadas no que se lia em alguns telegrammas, publicados nos jornaes de hoje.

Diziam estes telegranmas que no parlamento inglez fôra chamada a attenção do governo para o caminho de ferro de Lourenço Marques e para a conveniencia de se adquirir por compra esse caminho; esses telegrammas, publicados pela agencia Havas, eram importantes.

Parecia lhe que o sr. ministro dos negocios estrangeiros devia ter recebido informações do nosso ministro ali, e por isso perguntava-lhe se recebeu alguma communicação do nosso ministro em Londres ácerca d'este assumpto, e, no caso de a ter recebido, se tinha duvida em dar d'ella conhecimento á camara.

(Quando o sr. deputado restituir o seu discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão)

O sr Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Recebi effectivamente do nosso ministro de Londres a continuação do que se passára na camara dos lords e que foi fielmente noticiado pela agencia Havas.

É certo que lord Rosebory, em tempo ministro dos negocios estrangeiros no gabinete Giadstone, perguntou o que havia com respeito a Lourenço Marques, e que o conde de Onslow, snb secretario d'estado do ministerio das colonias, affirmou nos termos os mais correctos, que era de um grandissimo interesse para o conmercio d'aquella região africana, tão importante pela sua riqueza mineira, agricola e industrial, o caminho de ferro de Lourenço Marques; mas que a Inglaterra, respeitadora, como sempre o tem mostrado os seus governos, da sentença arbitral que nos garante á face do mundo a posse legitima de toda a bahia de Lourenço Marques e conhecedora, como estava por mais de uma via, que era intenção firme de Portugal não ceder de parte alguma do territorio a que tem direito, não pensam nem podia pensar na adopção de qualquer dos alvitres que tenham apparecido manifestados em órgãos importantes da imprensa inglesa, no sentido de adquirir qualquer territorio n'aquella região, por meio de pressão, ou sequer de accordo a exercer ou negociar com Portugal.

Acrescentou tambem que se tinha examinado a possibilidade de adquirir o caminho de ferro pela forma unica por que se podia adquirir.

O raminho de ferro está hoje nas mãos de uma companhia portugueza essa companhia representa o valor da linha por acções de obrigações, essas acções são transimissiveis e podem ser adquiridas por toda e qualquer corporação ou individuo que tenha para isso os recursos necessarios, os meios de pagar pelo preço que os actuaes proprietarios exigirem, e dentro dos termos e condições da constituição da mesma companhia, tal qual foi creada pelo governo portuguez, e v. exa. sabe perfeitamente os termos em que a companhia foi creada Mas esse mesmo meio de acquisição da linha repugnou ao governo inglez. Que aliás adoptaria um expediente sinilhante com respeito ao canal de Suez, porque não havia precedentes desse adquirir para o estado uma linha ferrea que estava toda em territorio estrangeiro, e destinada a servir em paiz estrangeiro.

Acrescentou lord Onslow, e isto não me diz o ministro de Sua Majestade em Londres, mas dil-o o telegramma da agencia Havas, que as colonias do Natal e do Cabo estarão estudando alguma proposta similhante de acquisição de acções.

Em tudo isto, o que é certo e posso affirmar ao illustre deputado, é que na camara dos lords como nas communicações de governo para governo, o procedimento do governo inglez ácerca d'esta questão tem sido sempre perfeitamente correcto e digno d'aquella grande nação e de uma potencia amiga e alliada de Portugal (Apoiados.)

É o que posso affirmar ao illustre deputado, e isto tem para nós toda a importancia O governo inglez nem um só instante tem hesitado em reconhecer e confessar a obrigação que mais do que a nenhum governo lhe assiste de respeitar os resultados da sentença Arbitrai do marechal Mac-Mahon.

N'estes termos, e de certo com estes principios se apresentam as declarações do sub secretario de estado perante a camara dos lords não me parece, portanto, haver motivo para quaesquer reparos da parte do governo português. (Apoiados) As relações officiaes com o governo inglez são aquellas que a lealdade sempre inspira, e os actos do governo que preside áquella grande nação, e á frente do qual se encontra um estadista tão recto e vavalheiroso como o é lord Salisbury, garantem-nos que serão devidamente respeitadas as colonias de um paiz amigo e alliado.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Os srs deputados Francisco José Machado e Serpa Pinto tinham pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, e como deu a hora, vou consultar a camara.

Foi lhes concedida a palavra.

O sr. Francisco José Machado: - V. Ex.a. e a camara ouviram as palavras que o sr. Ferreira de Almeida pronunciou n'esta casa antes de se encerrar a sessão. S. exa. referiu-se a um membro d'esta casa, e a um correspondente de um jornal A provincia. Esse correspondente sou eu, e esse deputado sou eu. Preciso dizer a v. exa. que eu n'esta casa respondo unicamente pelos actos praticados como deputado, e como jornalista e como homem respondo pelos meus actos lá fóra. (Apoiados.) Estou prompto a dar inteira e cabal satisfação a todos os meus collegas. (Apoiados) Preciso dizer também a v. exa. que, tendo sido sempre esta a praxe segunda a esta casa, não desejo afastar-me d«ella nem um momento.

Em 1881 com o governo progressista e subiu o governo de uma situação regeneradora. A camara de então queria votar a ler de meios para habilitar o governo a cobrar os impostos. O governo d'essa epocha não acceitou.

Um jornalista dos mais distinctos n'este paiz, um dos homens cuja perda o paiz mais lamenta, dizia n«um jornal com respeito á camara d'esse tempo, que ella era uma camara avinhada.

A camara de então era das mais serias, das mais illustradas que têem vindo ao parlamento, e nenhum dos seus membros se lembrou de n'ella levantar essa phrase.

Eu respeito por igual todos os meus collegas; tenho por elles a mais subida consideração; e não foi meu intuito desconsiderar ninguem. Preciso de levantar outra phrase que pesa sobre mim com bastante mágua.

O sr. deputado Ferreira de Almeida duvidou da legalidade do meu diploma.

Creia v. exa. sr. Ferreira de Almeida, que eu tenho a hombridade necessita e a dignidade precisa para que, se me conveniente de que não estava aqui legalmente, não pozesse aqui os pés.

Não desejo alargar essa ordem de considerações, mas não podia deixar terminar a sessão sem levantar de sobre mim accusações que reputo immerecidas.

Eu serei n'esta casa o membro mais infimo dos que aqui estão, em illustração e saber; mas d'isso não tenho eu culpa, mas em dignidade posso pôr-me a par dos mais dignos.

Repito a v. exa. dentro d'esta casa só respondo pelos meus actos como deputado, fôra d'aqui estou pronto a responder pelos outros actos lá fõra praticados.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Serpa Pinto - (quando o sr. deputado restituir o seu discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão).

O sr. Ministro do Negocios Estrangeiros (Barros Gomes) - Creio o illustre deputado que nas suas preocupações não é desacompanhado pelo governo que tem n'este momento a responsabilidade do poder.

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646 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A situação de Lourenço Marques impõe-se á attenção dos poderes publicos. E são já numerosos os documentos que attestam que nós estamos no firme proposto do organisar ali a administração, por fórma que torne seguro e independente o nosso dominio n'aquella região.

O illustre deputado não ignora, de certo, que se creou um corpo policial que vão ser enviado para aquella região; estava prompto para partir desde muito. Mas o governo recebeu indicações das auctoridades da colonia, e do proprio engenheiro Machado, de que não convinha que fossem antes de abril para ali militares europeus

Não ignora tambem o illustre deputado que se expediram ordens para se construirem quarteis e armazens na alfandega, que se têem dado ordens para se imprimir um desenvolvimento relativamente consideravel á obras publicas n'aquella região? Tudo isto representa sacrificios valiosos de dinheiro, diante dos quaes o governo não recuou nem recuará.

O governo nem por um instante renunciou a estabelecer ali por fórma alguma o seu dominio e a regularisar a sua administração Ignorará o illustre deputado que se têem feito as diligencias necessarias, para que, por meio de convenios amigaveis com os indigenas, possâmos estabelecer auctoridades por uma fórma pacifica ao sul da bahia de Lourenço Marque e na ilha de Inhará? Não o póde ignorar por feito.

E direi mais - quanto ao protectorado inglez, sobre o paiz dos amalongas, ou antes ao tratado fumado pela Inglaterra com a bahia d'aquelle paiz nenhuma d'essas cousas está esquecida, e apenas esse tratado for concluido, o governo procederá de fórma a esclarecer as clausulas d'esse tratado e a apressar a occupação dos terrenos que nos pertencem.

Mas não se póde fazer ao mesmo tempo e essas diligencias com que se está proseguindo ainda não chegaram a uma plena conclusão.

Tambem serem altamente conveniente, não o nego, que se podesse estabelecer um plano de colonisação, pela qual se conseguisse multiplicar ali a população portugueza; mas n'esse sentido está trabalhando já o meu collega da marinha.

Não quero censurar ninguem e muito menos um cavalheiro, por tantos titulos digno de apreço, a quem succedeu ha pouco uma desgraça que todos nós profundamente lamentâmos, (Muitos apoiados.) e que illustrava esta camara com os fulgores da sua intelligencia, a pureza do seu patriotismo e os lampejos da sua eloquencia privilegiada; mas, sem por fórma alguma o querer censurar, e tendo em vista para isso que as circumstancias de momento poderiam ter obrigado a proceder como procedeu, não posso deixar de dizer que, se aquelle caminho de ferro podesse ter sido construido pelo governo portuguez, as difficuldades que hoje se levantam e que têem innegavel gravidade não estariam agora occupando a attenção do parlamento.

Não seria facil hoje resgatar para o governo uma linha ferrea que elle concedêra com liberdade de tarifas e grandes cessões de terreno, a que se pretende hoje dar um valor sem parallelo possivel com os capitães gastos na construcção da mesma linha.

O sr. Presidente: - O sr deputado Ferreira de Almeida pediu a palavra, mas eu não lh'a posso dar sem consultar a camara.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem a palavra.

O sr. Ferreira de Almeida: (Quando o sr. deputado restituir o seu discurso, será publicado em appendice a esta mesma sessão)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões, e para sexta feira a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 12.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarda.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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