DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cendo-lhe duas primaveras - Cintra é uma terra unica no seu genero, não sendo facilmente previvel na aridez da Estremadura e a duas leguas do Atlantico.
Por sua parte, com vida propria e modo de ser diverso, Cascaes, com os seus dois I£storis, devendo formar amanhã uma grande unidade de vida moderna, não é menos para celebrar-se: de um lado a immensidade dos mares, do outro, os humbraes do mais grandioso dos afamados portos europeus; ladeando, o semi-circulo da sua encantadora bahia, que como que forma no Oceano um lago rivalizando com os da Suissa, e em contraste com tudo isto, a completar-lhe o scenario original, a grande serra que a domina - throno de verdura e de flores, que quando se topeia de nuvens chega a dar parecenças de que o ceu desceu á terra a continuar-se com ella.
Não sabemos, senhores, se nestas palavras se pode ver hyperbole; mas o que nellas ha de verdade é a admiração crescente que os dois formosos arrabaldes de Lisboa nos conquistam. Admiração crescente, porque ella se arreiga pela comparação de estações similares, que o estrangeiro canta, decanta, reclama, e de facto sabe explorar!
Sair de manhã cedo por Cascaes, e de Cascaes ir a Cintra por Collares, ou vice-versa, principiando por Cintra, é o passeio mais encantador de um completo que se pode arranjar no expediente da vida, quando se abre um parenthesis ao trabalho e á luta.
A região de Cascaes de setembro a fevereiro e a de Cintra de março a agosto completam um anno ideal para ser gozado pelos felizes da vida é da fortuna.
A excepcional temperatura de Cascaes no referido periodo, que comprehende as estações de inverno e outono, é já um facto reconhecido e registado com evidencia no mais considerado jornalismo medico do estrangeiro. As bellezas de Cintra passam consagradas com a tradição que lhes ficou dos grandes poetas immortaes, que se chamaram Luis de Camões e Lord Byron.
Ainda hoje, salvas raras excepções, touriste que venhc a Lisboa vae a Cintra e vae a Cascaes.
Em taes condições, essas duas terras podem e devem, nas suas respectivas épocas, prender uma multidão consideravel em volta da capital do reino, multidão que depois, consequentemente, a completar a visita do pais, irradia pela Serra da Estrella, por Coimbra, Bussaco, Porto, Braga, Batalha, Alcobaça, Leiria, Bom Jesus, Vianna, Santa Luzia, Setubal, Arrabida, Evora e Algarve.
Onde é que Londres, onde é que Paris, onde é que Roma, onde é que Bruxellas, onde é que Madrid possuem ás suas portas, a pouco mais de meia hora de jornada, e em contraste com a barafunda mundana, industrial, politica e commercial, estações de competencia com Cintra no verão e na primavera e com a região de Cascaes durante o inverno e outomno?
Mas não basta a natureza. Ella é a radical, mas precisa de uma terminação que a valorize: a terminação da arte no muito que ella influe nas exigencias da vida moderna. É necessario que ao forasteiro se facilitem as commodidades que elle pode e "quer pagar", mas que o português, pelos modos, não quer vender-lhes, deixando de ganhar muito, ganhando com elle o Estado, ganhando as localidades em garantias que lhes assegurem, o seu desenvolvimento progressivo!
Mas como ?
Respostas á interrogação, por diversas formas e processos, todas as teem, mas nem por isso deixa de ser difficil e até melindroso formulá-las.
Inveterados todos nos do vicio do opposicionismo, quan tas vezas se combate, desvirtua e malsina o que em consciencia se considera bom e util!
É necessario....
É necessario que se assegure a vida de socialibilidade,
a vida mundana, durante a noite. Por outra: que haja musica, dança, comedia e... jogo.
A palavra custou nos a escrever, mas saiu.
É necessario prender o estrangeiro pelos grandes casinos, a que elles estão acostumados, sem os quaes não passam, e estes casinos não se podem improvisar; por outra, não se podem construir e sustentar sem o jogo a liberto das ameaças, continuando essa instabilidade de regime e attitudes, que teem assumido feições ridiculas e deprimentes.
O jogo é um vicio, um mal, um grande mal. Está dito, redito, repisado, e insistir neste ponto com quaesquer philosophias é fazer philosophias á semelhança d'aquelle sujeito da anecdota, que citava Plinio para mostrar que o mel era doce.
Mas se o jogo é um grande vicio, um grande mal, o que é certo é que nunca se conseguiu extingui-lo.
Tornou-se uma epidemia economica permanente, que vae multiplicando, de processos, inclusivamente explorados pela imprensa, no altivo exercido do seu sacerdocio... de senhas!
Joga-se tanto com preseguição como se joga com a tolerancia; mas não ha duvida, porem, de que se passaria a jogar com menos inconvenientes moraes e com muito maior utilidade geral, passando a jogar-se nos termos da lei.
Mas como o Estado, por effeito de um conjunto de principios e preconceitos, nunca regulamentará executivamente ou legislativamente o jogo como medida geral e definitiva, por mais que se apresentem projectos razoaveis e se façam propostas tentadoras, é sensatamente necessario que o deixe regulamentar restrictamente, fora da sua responsabilidade directa.
E este o fira do presente projecto de lei que, mirando principalmente a tirar das regiões de Cascaes e de Cintra tudo quanto ellas podem dar em seu proprio beneficio, da cidade de Lisboa e do pais, tem igualmente por fim o intento de collocar um ponto final na situação deprimente e vexatoria que se criou, de completa relaxação de costumes, tendo, os Governos somente conseguido criar o regime que bem se pode chamar da maçonaria dos jogadores.
Aqui vinham, talvez, a pêlo muitas considerações moraes, sociaes, economicas, financeiras, politicas, etc.; mas não é preciso fazê-las.
Estamos vivendo num tempo (o português é sagacissimo por natureza) em que a parte conscientemente lida do pais, assimiladora como é, tem a comprehensão rapida e a noção exacta das cousas, embora muitas vezes, a maior parte das vezes infelizmente, prejudicada pelo espirito sectarista, que não é uma resultante, como alguns entendem, de uma limitação de criterio, mas sim de um excesso de impressionavel sensibilidade.
E é para ajusta comprehensão de um projecto desta natureza que nós nos arreceamos d'esse espirito, não tendo duvida em registar que a este trabalho apenas attribuimos o alcance de fazermos com que circule uma ideia, que lá vá comsigo a esperança de que em breve se torne realidade com maiores ou menores modificações.
A verdade é que Cascaes e Cintra, por suas condições e natureza, são como que duas grandes salas de recepção em Portugal. E onde quasi exclusivamente, fora de Lisboa, damos rendez-vous aos estrangeiros, ou elles sejam Principes ou artistas, homens ricos, commerciantes, industriaes, caixeiros viajantes tão somente!
Mas, para uma recepção condigna, ainda que a principio modesta, os municipios, pelas suas forças, nada podem.
Forçosamente, para ella se garantir, o Estado tem de ir ao encontro desses municipios, tornando-se inicialmente seu auxiliar, para que tambem elles, permanentemente, se tornem factores importantissimos da sua riqueza crescente.