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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

resultando d'ahi, alem de grave prejuizo para as partes, grande desprestigio para as instituições judiciarias.

A culpa não é, salvo rarissimas excepções, dos magistrados. A magistratura judicial portuguesa tem sempre timbrado em cumprir devotadamente com as suas obrigações, e este amor pelo cumprimento dos seus deveres cada vez é mais fervoroso e mais digno de justa admiração e respeito.

A magistratura portuguesa, pode dizer-se bem alto e sem receio de um desmentido, honra o país e não a ha melhor, nem mais dedicada ao serviço, noutra qualquer nação.

Mas os recursos são muitos, pois é raro o pleito em que não sejam admissiveis, e o numero de julgadores é pequeno, não esquecendo que estes, relativamente velhos, se teem a sciencia e experiencia que falta aos novos e que tão conveniente é para o desempenho da sua elevada missão, não teem a saude e robustez destes, para poderem gastar horas e horas consecutivas no trabalho extenuante de estudar processos e de applicar leis sempre novas e cada vez mais imperfeitas.

Cumpre ainda acrescentar que a decisão dos pleitos nos tribunaes superiores, em que ha quasi sempre questões intrincadas e de difficil resolução, exige maduro exame, sendo erro palmar agglornerar muitos processos em poder do julgador, pois a diligencia em lhes dar pronto e rápido andamento, dentro dos prazos que a lei determina, pode trazer o grave perigo da precipitação nas decisões, perigo muito maior que a demora d'estas.

Onde a facto se torna mais frisante, revelando a desproporcional differença entre o grande numero de recursos e o limitadissimo numero de juizes, é na Relação do Porto.

O numero de juizes na Relação do Porto é o mesmo que na de Lisboa, dizendo as estatisticas officiaes que o movimento dos processos naquella relação é quasi três vezes superior ao d'esta.

Basta dizer que as comarcas da Relação do Porto são em numero de 100, sendo as da Relação de Lisboa apenas 78, incluindo as o do ultramar.

Alem desta desproporção entre o numero das comarcas d'estas duas relações, é necessario attender que, sendo incomparavelmente mais densa a população do norte e muito mais dividida a propriedade immobiliaria, estes dois factores ainda mais aumentam o numero de pleitos.

Esta desproporção é tão frisante que para a attenuar, equilibrando o serviço das duas Relações, o notavel estadista Conselheiro Francisco Antonio da Veiga Beirão, na sua proposta de lei n.° 162-A, sobre organização judicial, apresentada ao Parlamento em 9 de julho de 1887, propunha que as comarcas do districto administrativo de Coimbra passassem para a Relação de Lisboa, sendo este alvitre approvado pela commissão de legislação civil da Camara dos Senhores Deputados, no seu parecer de 10 de março do anno seguinte.

Se este alvitre tivesse tido realidade legal, não ha duvida que se tinha conseguido maior igualdade na divisão do trabalho entre as duas Relações e mais equitativa proporcionalidade de proventos.

Mas o mal apenas se atteriuava.

Sendo a media annual dos processos, nas duas. Relações, de 5:500, comprehende-se bem ser absolutamente impossivel, embora este numero se dividisse igualmente entre ellas, exigir a juizes, no declinar da vida, o julgamento de tantos e tão variados pleitos, com a celeridade que a lei e o interesse das partes exige, e com o estudo e reflexão detida para que justiça se faça,, dando-se a cada um o que o seu.

A par deste extraordinario e extenuante serviço que impossibilita os juizes das Relações do continente do reino, especialmente da do Porto, de cumprir em dia com os seus deveres, mesmo com sacrificio da sua saude e vida e os juizes da Relação de Ponta Delgada quasi nada teem que fazer.

Ha sessões e sessões em que se não distribue um processo e passam-se dias e dias em que os juizes não vêem uma folha de papel sellado.

É uma Relação apenas de luxo, sem razão alguma de existir, especialmente hoje em que os transportes maritimos entre a metropole e ilhas e vice-versa se fazem com a máxima regularidade e frequencia.

Constitue um desperdicio para o Thesouro, que tem gasto avultadas sommas nas viagens dos juizes do continente para a Relação de Ponta Delgada, alem de impor aos magistrados um sacrificio inutil, obrigando-os, no fim de uma vida trabalhosa, cheios de achaques proprios da idade, a deixar o conchego e cuidados da familia.

A extinccão d'esta Relação impõe-se até como medida de moralidade.
Não ha juiz que aos sessenta e tantos, annos, no fim da vida, não olhe com horror a travessia para Ponta Delgada, e especialmente a estada ahi de dois annos, em media.

Q mais digno não tem escrupulos em empregar os ultimos esforços para evitar ir, e, se tem influencia, consegue o seu fim arranjando uma commissão ou fazendo-se eleger Deputado.

O que não dispõe de influencia tem de ir fatalmente, sentindo, alem da amargura do exilio, a revolta justissima de ser tratado desigualmente.

Ninguem deixará de reconhecer que esta desigualdade com que são tratados membros da mesma classe constitue quasi uma immoralidade.

Acresce que os districtos insulares, com excepção do de Ponta Delgada, lucram, em comniodidades e economia, com a extinccão d'esta relação.

Sendo as communicaçoes com o continente do reino tão frequentes se não mais do que as que teem com Ponta Delgada, é obvia a vantagem era os recursos serem decididos em Lisboa, pois ahi os mesmos advogados e procuradores, depois de tratarem dos processos na Relação, acompanham-os ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando-se, assim, importantes incommodos aos interessados e resultando d'ahi altas vantagens pecuniarias para estes.

Mas, extinguindo-se a Relação de Ponta Delgada, como proponho, julgo de toda a justiça que se dê a esta importantissima cidade a compensação a que tem direito.

As cidades gozam de direitos tão sagrados como os individuos. Se os interesses geraes impõem a extinccão da Relação de Ponta Delgada, é justo que esta cidade seja indemnizada, dando-se-lhe qualquer melhoramento de que precise e que, sem duvida, lhe servirá de mais utilidade do que a conservação de uma Relação com um diminuto pessoal e sem ter quasi que fazer.

Extincta a Relação de Ponta Delgada, e verificado como está que o numero de juizes das Relações de Lisboa e Porto é insufficiente para as necessidades do serviço, dois caminhos ha a seguir. Ou aumentar o numero de juizes destas relações ou criar mais uma Relação no continente do reino.

Adopto este ultimo alvitre, porque assim melhor se satisfazem as commodidades dos povos, alvo que nunca se deve perder de vista em qualquer circunscrição judicial, e cumpre-se quanto possivel a Carta Constitucional, tantas vezes citada e ainda mais vezes desprezada, que no artigo 30.° promette a criação de uma Relação em cada provincia do continente do reino.

Demonstrada a necessidade de se criar uma Relação no continente do reino, eu digo afoitamente, sem receio da menor impugnação, que a sua sede deve ser Coimbra.

Razões poderosas a isso me levam. Razões poderosas levaram tambem a illustre commissão da reforma judicial nomeada por decreto de 20 do janeiro de 1908 a decidir-se no mesmo sentido.

Alem do voto favoravel d'esta commissão, ainda me