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Entrando na materia das interpellações annunciadas, começarei por indica-las, e depois de ouvir as explicações do governo tomarei a palavra novamente.

Emquanto á mais importante, que é a relativa ao estado calamitoso em que se acha Cabo Verde, sendo os seus habitantes flagellados pela fome, eu, sr. presidente, começarei por dizer que não tive em vista censurar o governo, nem mesmo processar a sua actividade, visto que seria injusto, eu que sei o que se tem feito, se não reconhecesse que até hoje nada mais havia - a fazer do que aquillo que se tem feito. O governo tem adoptado as medidas mais convenientes para fazer frente ao mal, em relação á sua importancia, pelo que tem apparecido nas circumstancias apresenta das pelo estado da falta de subsistencias na provincia que tenho a honra de representar: o meu fim é chamar a attenção do parlamento sobre uma grande desgraça publica (apoiados).

Tive em vista fazer com que o governo desse conta ao parlamento do verdadeiro estado da fome em Cabo Verde, relatando as medidas já tomadas e indicando o que ha a esperar quanto ás propostas que o governo tem de trazer á camara, porque, sr. presidente, aquelle grande mal infelizmente apenas agora entrou no começo do seu mau periodo, e este periodo que será terrivel ha de durar até janeiro de 1865, em que terá logar a nova colheita (apoiados). E por isto se pôde colligir que até lá a situação se aggrava cada vez mais.

O governo já levantou um credito extraordinario de réis 12:000$000, já excedeu de 30:000$000 réis a esmola com que livremente têem concorrido de toda a parte as almas bem formadas; mas isso, que é sufficiente para combater a crise até agora, não pôde servir para evitar o mal futuro

E para isso é indispensavel que o governo traga ao parlamento largas propostas logo que tenha as necessarias informações.

É necessario alem dos soccorros aos famintos, que tambem se contemple a necessidade essencial de que durante esta crise terrivel continuem a ser feitos em dia os pagamentos aos funccionarios publico.

Se aquelles que têem de conservar e manter a ordem publica no meio d'aquellas terriveis crises e que não têem outros meios de subsistencia senão a retribuição do seu trabalho, têem de ficar tambem reduzidos á classe de famintos, não se espere boa ordem nem serviço regular (apoiados).

Peço pois ao governo que examine se as receitas terão de diminuir a ponto de se atrasarem os pagamentos, e nesse caso, estou certo que o governo não deixará de trazer á camara uma proposta de subvenção para auxiliar as despezas ordinarias durante este anno (apoiados).

Seria altamente injusto, se haviamos de estar todos os annos a votar grossas sommas para as despezas ordinarias de Angola, de Moçambique e de Timor, tendo-se já por muitos annos votado para Macau, e negar-se agora uma verba de 20:000$000 ou 30:000$000 réis ou quanto for necessario por um anno tão sómente, para livrar da miseria e da fome aos servidores do estado em uma provincia que por tantos annos deu uma receita para a metropole tão valiosa como foi a do contrato da urzella (apoiados).

Não irei agora repetir aqui a pintura que já eu e o meu collega fizemos pela imprensa do que era o terrivel flagello da fome em Cabo Verde. Basta dizer que não é um caso de melhor ou peior bem estar, é um caso de vida ou de morte (apoiados); é um povo que vive quasi exclusivamente da agricultura e ao qual faltaram quasi completamente as colheitas. Confio nos sentimentos e na actividade do sr. ministro e por isso nada mais direi sobre este ponto.

Desejo ouvi lo e espero que os meus constituintes fiquem satisfeitos com a resposta que o governo der.

Passando agora á segunda parte da minha interpellação, eu direi unicamente que desde que tomei assento n'esta casa pugnei constantemente pela abolição dos vinculos em Cabo Verde, onde a sua existencia é não só um erro economico, porém uma situação que muito influe na moralidade dos povos (apoiados). Apresentei mais de um projecto de lei para essa abolição, e quando vi aqui votar uma lei geral de abolição de vinculos que abrangia toda a monarchia, e que expressamente se diz extensiva ás provincias ultramarinas, não continuei mais a pugnar; porém vendo que se têem passado tantos mezes sem que esta lei tão benefica seja posta em vigor em Cabo Verde, entendi do meu dever vir novamente aqui pugnar pela adopção de tão importante medida na provincia que tenho a honra de representar no parlamento; limito-me pois a perguntar ao governo se já se acha em situação de poder modificar a lei no que for essencial, ou de de tomar as providencias necessarias para ser posta em vigor em Cabo Verde a liberdade da terra.

Quanto á terceira parte da minha interpellação, limito-me a pedir ao governo que esclareça o parlamento sobre os motivos por que não está ainda em vigor em Cabo Verde a carta de lei de 6 de julho de 1855, que regula o modo ide nomear os presidentes das camaras municipaes.

A legislação ultramarina deve, quanto possivel, assimilhar-se á da metropole, e aquella carta de lei assim o determina expressamente quanto a este ponto.

Em Cabo Verde está em vigor o codigo administrativo, mas é só n'aquelle ponto da monarchia e suas possessões, em que os administradores dos concelhos são os presidentes das camaras.

Os administradores são fiscaes do procedimento das camaras, representam o estado nas questões com as camaras; e os presidentes das camaras representam estas nas questões com «estado. Não será incompativel ser ao mesmo tempo fiscal e fiscalisado, autor e réu?

O presidente é o executor das resoluções das camaras, e por isso devem ser pessoas de confiança dos camaristas; mas pôde dizer-se que é da confiança da camara o nomeado pelo governo ou o nomeado pela camara? D'aqui pôde colligir-se quantos conflictos e embaraços haverá na administração. E preciso que isto acabe, e estou certo que o governo o fará acabar, pondo em execução a lei.

O sr. Ministro da Marinha: — Tres pontos distinctos fizera o objecto da interpellação do illustre deputado.

1.º A crise das subsistencias em Cabo Verde, e as providencias adoptadas pelo governo a esse respeito.

2.º A applicação n'aquella provincia da lei que desvinculou a propriedade.

3.º A execução ali da lei de 6 de junho de 1855. Procurarei reduzir quanto, possa as minhas explicações.

Mas a camara comprehenderá que não posso deixar de as dar, e muito convem que nos occupemos, sempre que podermos e a camara lhes preste a sua attenção, dos negocios ultramarinos (apoiados). Por muitas rasões. Principalmente para se não arreigarem preconceitos frequentemente errados ácerca da administração do ultramar, e para que ninguem se prevaleça do silencio do governo e da camara para os propagar. Em segundo logar para que saibam aquelles povos que o parlamento não descura as suas necessidades, e toma a peito os seus progressos (apoiados).

Agradeço a benevolencia e modo urbano com que o illustre deputado verificou a sua interpellação. E respondendo a ella com relação á crise das subsistencias que ali se manifestara, devo dizer que — essa crise de subsistencias já se tinha manifestado em 1862, particularmente na ilha de Maio. Já então as chuvas haviam faltado n'aquella ilha, e as subsistencias escasseado tambem.

Em 2 de setembro de 1863 vieram -as participações de que tinham n'esse anno faltado as chuvas no tempo competente, e pedia o governador geral ao governo da metropole algumas providencias, entre ellas a da entrada dos generos alimenticios livres de direitos.

No 1.° de outubro participou o governador que havia começado a crise, e subia extraordinariamente o preço dos generos. As primeiras providencias que se deram foram o augmento de 10 réis para rancho aos soldados da guarnição, que padeceriam horrivelmente se não fosse este augmento, e a livre admissão dos generos alimenticios que se importassem. Foram estas as primeiras providencias tomadas no sentido de baratear as subsistencias e combater a escassez. Seguidamente foi o governador auctorisado a sacar 6:000$000 réis sobre o cofre dos orphãos, a fim de os applicar logo á attenuação, da crise. -

Em 5 de novembro foi creada uma commissão de soccorros em Lisboa. E seja-me permittido dizer, que poucas vezes neste paiz se tem manifestado tamanho zêlo, tanta dedicação, tanta actividade, e tão verdadeira caridade como -a que se tem patenteado por parte d'esta commissão e de todas as outras que a coadjuvam. Cumpre-me acrescentar que entendeu tambem o governo que a commissão de soccorros de Lisboa era a que devia centralisar no seu cofre todos os subsidios mandados pelas outras commissões, que têem rivalisado com ella em zêlo de beneficencia e caridade, e devia empregar esses subsidios na acquisição de generos para soccorrer aquella provincia, o que a mesma commissão tem desempenhado com fervor exemplar.

Em todos os paquetes, e por todas as formas, têem ido sempre para Cabo Verde quantiosas porções de generos, sem fallar no auxilio recebido de uma digna commissão portugueza do Rio de Janeiro que para ali mandou immediatamente um navio carregado de generos, tornando mais uma vez evidente o acrisolado amor da patria dos nossos concidadãos residentes no Brazil.

Aconteceu tambem que, tendo se mandado comprará provincia de S. Thomé e Principe generos alimenticios para Cabo Verde, não sómente o preço dos mesmos generos não foi aceito, mas nem mesmo se fez a despeza do frete, porque a provincia os mandou por sua conta, e alem d'isso mais uma subscripção em dinheiro; o que prova tambem que o patriotismo aquece tanto aquelles corações como os dos nossos irmãos residentes no Brazil.

No dia 6 de novembro, por officio dirigido ao sr. ministro do reino, solicitei de s. ex.ª que fizesse nomear commissões em todos os districtos e concelhos do continente e ilhas, as quaes commissões tem de toda a parte affuido com rara espontaneidade para promoverem suscripções. No dia 12 de novembro abriu se um credito extraordinario de 12:000$000 réis, dos quaes estão gastos réis, 6:500$000, afóra o que importaram 220 moios de milho, dos quaes uns se mandaram comprar á ilha do Fayal, outros se remetteram de Lisboa para soccorrer aquella provincia. Parte d'este credito foi destinado tambem a restituir ao cofre dos orphãos aquillo que se tinha ido lá buscar, porque era justo que quem tinha acudido ao momento do perigo não deixasse de ser reembolsado, principalmente reputando o estado aquelle cofre um patrimonio sagrado.

Em 13 de novembro participou o governador que mandava fazer estudos para desenvolver os trabalhos publicos na provincia, e pedia pessoal e material. O material já foi todo enviado pelo ultimo paquete; eram instrumentos de trabalho, alviões, pás e enxadas; e alem d'isso caldeiras para rancho, das quaes se enviaram dez. Podem estes parecer particulares insignificantes: ali não serão assim reputados, porque são muito uteis (apoiados). Quanto ao pessoal, requesitei logo conductores de trabalhos, para os derramar pelas differentes ilhas, porque era uma provincia que tem uma situação toda insular, e attentas as mais especialidades da sua posição, esses conductores de trabalhos eram sobretudo uteis. Apresentou-se um, foi despachado e mandei-o partir. Viu elle depois que tinha estudos a concluir e resignou.

O governo carecendo da sua/presença lá quanto antes, não podia esperar que elle acabasse os estudos. Ha o requerimento de outro, o qual já foi a informar; logo que a informação venha, que de certo não se fará esperar muito, se estiver nas circumstancias, vae. O pessoal não está na mão do governo acha lo tão depressa como se deseja, porquanto é preciso que seja habilitado; se não for habilitado não serve. E preciso que a despeza que; se afizer com o pessoal seja productiva.

No dia 2 de dezembro foi nomeada uma commissão de soccorros no Porto, que tem da sua parte manifestado igualmente o mais abalisado e catholico zêlo. Todos os seus membros repartiram entre si o encargo que se lhes commetteu, e têem andado de porta em porta pedindo soccorros. Essa commissão já mandou 3:000$000 réis, que o governo fez entrar no cofre da commissão central, assim como 675 libras esterlinas que foram mandadas do Rio de Janeiro tambem com a mesma applicação.

Repito, alem destes soccorros solicitados da caridade publica, mandou o governo só em dinheiro 6:500$000 réis, e tem ainda em reserva, para ir proporcionando soccorro á crise.

Em 26 de dezembro foi lavrada uma portaria, que tenho presente, e que não lerei para -não tomar o tempo e porque está impressa na folha official, a qual comprehende não sómente a fórma de regular as commissões de soccorros dos concelhos e freguezias em Cabo Verde, mas tambem a maneira mais proficua de aproveitar esses mesmos soccorros, desenvolvendo os trabalhos e promovendo a arborisação, a qual tanto ha de concorrer para evitar estas deploraveis calamidades; sem fallar nas mais instrucções minuciosas, que se podem ver do Diario de Lisboa.

Para o desenvolvimento da industria que se pôde tirar do aproveitamento das argillas, mandaram se encommendar para Inglaterra as machinas necessarias.

Tambem já conferenciei com o digno administrador do pescado, a fim de enviar para aquella localidade linhas, apparelhos e barcos, para ali crear e aperfeiçoar a industria das pescarias, que não só pôde aproveitar como meio alimenticio na crise actual, mas tambem ha de ir introduzir para o futuro n'aquella ilha um principio de actividade e de riqueza, que a bem dizer ella não possuia ainda.

Providenciando o caso, que já se tem dado e nas mais deploraveis circumstancias muitas vezes, providenciando o caso, digo, de se manifestar a emigração, sobretudo para Demerara, o governo determinou que os emigrantes fossem transportados para as possessões portuguezas, onde ha necessidade de braços.

O governo ordenou mais que se fizesse a arrolação de todos aquelles que quizessem assentar praça na marinha ou no exercito, a fim de se utilisarem os seus serviços, abonando-se-lhes immediatamente as respectivas rações.

Ultimamente participou o governador, em 6 do mez passado, que na ilha de Santo Antão havia caído chuva por espaço de vinte e quatro horas, podendo ainda talvez esperar-se que ali ao menos o resultado das colheitas seria tal que chegariam para acudir ás subsistencias dos habitantes.

Em 26 do mez passado tive communicação directa do administrador do concelho da ilha do Sal, uma das que habitualmente mais soffrem, porque foram auctorisados os administradores dos concelhos a communicarem directamente com o governo, a fim de que o mesmo governo possa providenciar immediatamente ás necessidades que elles inculcarem; e essa communicação é de que as subsistencias estão seguras n'aquella ilha por algum tempo.

Creio que até este momento o governo tem feito o que podia fazer (apoiados). Tudo quanto podia contribuir para alliviar a sorte d'aquelles desgraçados, e para fazer desapparecer a crise, tem por elle sido posto em pratica (apoiados).

O illustre deputado prevê a progressão da crise, e a sua exacerbação em consequencia d'essa continuidade. A esse respeito o governo já mandou instrucções ao governador, para que elle informe quaes as verbas de que pôde precisar, e as peça, authenticando-as devidamente, porque o governo não deve querer soccorrer sem fiscalisar os soccorros, nem lhe compete pedir sacrificios ao paiz sem poder provar que applicação se lhes deu. N'este presupposto o governo passou instrucções minuciosas ao governador, para que envie as requisições das verbas necessarias para todos os effeitos, para soccorros e para pagamento de empregados, a fim de que nenhum dos serviços soffra. Se taes informações, que hão de necessariamente vir emquanto o parlamento funcciona, forem taes que indiquem que é preciso recorrer a meios extraordinarios, o governo não hesitará em appellar para o patriotismo da camara, e espera que ella ha de secundar em tudo a caridade publica. Todos os districtos têem contribuido pela sua parte para minorar aquelles males; mas se isto não é bastante, se é preciso acudir com soccorros mais copiosos, o governo pedi-los ha resolutamente, e confia que o parlamento, sem distincção de partidos, concorrerá tambem para fim tão justo (muitos apoiados).

No que toca á lei da desvinculação, devo dizer que no meu relatorio expuz o que entendia a esse respeito. Já no primeiro havia declarado = que reputava salvadora a medida da abolição dos vinculos em Cabo Verde =; mas é preciso que as medidas quando se applicam se appliquem em taes condições de credito que da sua applicação, tornada inefficaz, não provenha um mal. Nas circumstancias actuaes, na presença de uma crise alimenticia, não me parecia opportuno ir effectuar uma mudança de regime; e muito mais emquanto não houvesse estabelecimentos de credito que protegessem a industria local e a desenvolvessem em condições serias. Corria-se o risco de passar do dominio do privilegio da terra para o do privilegio da usura.

N'este presupposto esperei que as cousas se encaminhassem de modo que um estabelecimento de credito viesse a estabelecer-se nas provincias ultramarinas. E o nobre deputado sabe muito bem que está proposto para ali um estabe-