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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 20 DE FEVEREIRO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 64 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Abilio, Soares de Moraes, Carlos da Maia, Quaresma, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazzioti, Mello Breyner, Pinheiro Osorio, Zeferino Rodrigues, Freitas Soares, Almeida e Azevedo, Almeida Pessanha, Cesario, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Bivar, Barroso, Coelho do Amaral, Fernandes Costa, Ignacio Lopes, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Guilhermino de Barros, Henrique de Castro, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Sepulveda Teixeira, Matos Correia, Mello e Mendonça, Neutel, José da Gama, Infante Pessanha, Fernandes Vaz, José Guedes, Alves Chaves, D. José de Alarcão, Costa e Silva, Frasão, Sieuve de Menezes, Menezes Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Batalhós, Camara Falcão, Camara Leme, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, R. Lobo d'Avila, Simão de Almeida e Thomás Ribeiro.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Ayres de Gouveia, A. B. Ferreira, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Arrobas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Barão de Santos, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Albuquerque e Amaral, Abranches, Beirão, Carlos Bento, Ferreri, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Torre, Poças Falcão, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Gaspar Pereira, Medeiros, Blanc, Gomes de Castro, João Chrysostomo, J. da Costa Xavier, Aragão Mascarenhas, Calça e Pina, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, J. Coelho de Carvalho, Rodrigues Camara, J. Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, Galvão, Sette, Luciano de Castro, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Silveira e Menezes, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Freitas Branco, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Mendes Leite, Pinto de Araujo, Vaz Preto, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães, Moraes; Soares, Fernandes Thomás, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Antonio Eleuterio, Seixas, Fontes, David, Palmeirim, Barão das Lages, Barão do Vallado, Garcez, Oliveira e Castro, Conde da Azambuja, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Izidoro Vianna, Gavicho, Bicudo, Pulido, Chamiço, Cadabal, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Silveira da Mota, Fonseca Coutinho, Albuquerque Caldeira, Ferreira de Mello, Simas, Faria Guimarães, Silva

Cabral, Figueiredo de Faria, Latino Coelho, Alvares da Guerra, Rojão, Levy Maria Jordão, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Sousa Feio, Placido de Abreu; Charters e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Um officio do ministerio das obras publicas, acompanhando cento e quarenta exemplares da conta da gerencia d'este ministerio, relativa ao anno de 1862-1863, e a do exercicio de 1861-18.62. — Mandaram-se distribuir.

2.° Do ministerio da marinha, devolvendo informado o requerimento do capitão tenente João Euzebio de Oliveira. — Á commissão de marinha.

3.º Do juiz ordinario de Penalva do Castello, acompanhando os autos de querella publica, em que se acha indiciado o sr. deputado da nação, Antonio de Gouveia Osorio, pelo crime de desobediencia á auctoridade superior. — Á commissão de legislação.

4.º Uma representação dos parochos do arciprestado de Monsanto, no bispado de Castello Branco, pedindo que se dê andamento ao projecto sobre a dotação do clero. — Á commissão ecclesiastica.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.º Renovo os seguintes requerimentos, que ainda não foram satisfeitos:

I Requerimento sobre a verba abonada sob qualquer titulo ao encarregado de confeccionar o regulamento da lei do credito hypothecario, apresentado em sessão de 18 de janeiro ultimo.

II Requerimento pedindo copia do decreto de 31 de dezembro ultimo, pelo qual foram aposentados quatro empregados da bibliotheca nacional, e os processos instaurados para estas aposentações, apresentado em sessão de 19 de janeiro.

III Requerimento pedindo a relação nominal e 08 vencimentos dos actuaes empregados do contrato do tabaco, apresentado em sessão de. 25 de janeiro. = J. M. de Abreu.

2.º Requeiro que o governo, pelo ministerio do reino, remetta a esta camara:

I Uma relação nominal de todos os empregados do real archivo da torre do tombo, declarando as gratificações, de qualquer natureza, que são abonadas a cada um dos mesmos empregados; e a lei, ordem ou despacho que as auctorisou.

II A conta da repartição dos emolumentos do mesmo archivo, designando a parte que coube a cada um dos empregados no anno findo em 31 de dezembro de 1863.

III A conta da applicação que, durante o mesmo anno, teve a verba de 1:800$000 réis, destinada para pagamento de gratificações e mais despezas pela remessa de documentos dos archivos ou cartorios de todas as igrejas e corporações religiosas para a torre do tombo; declarando-se as gratificações e as pessoas a quem ellas foram abonadas para esse serviço. = J. M. de Abreu.

3.º Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se remettam a esta camara, com urgencia, copia de todos os officios do actual governador civil de Angra do Heroismo, em que pede a remessa da moeda de cobre para aquella ilha, e as respostas que lhe têem sido dadas pelo mesmo ministerio. = Sieuve de Menezes.

4.º Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se remettam a esta camara os seguintes documentos, depois de colhidos os necessarios esclarecimentos:

I Uma nota numerica de todos os estabelecimentos das ilhas dos Açores e Madeira, onde presentemente se vendia tabaco, com designação dos que são nas cidades e fóra d'ellas.

II Uma nota da quantidade de tabaco entrado nas alfandegas dos Açores e Madeira nos ultimos cinco annos, com designação de cada anno, e qualidade de tabaco entrado.

III Uma nota do consumo provavel de tabaco nas mesmas ilhas e no mesmo tempo, tambem com designação das differentes especies em que este genero é consumido. =

O deputado, Sieuve de Menezes. Foram remettidos ao governo.

O sr. Monteiro Castello Branco: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente que se publique no Diario de Lisboa a representação que hontem apresentei dos parochos do arciprestado de Monsanto, á maneira do que tenho visto praticar com relação a outras identicas representações.

Assim se resolveu.

O sr. Quaresma: — Mando para a mesa uma representação dos povos da freguezia de Tapens, que actualmente pertence ao concelho do Pombal, d'onde dista tres leguas, pedindo para irem para q concelho de Soure, d'onde dista sómente uma legua.

Estes povos têem toda a rasão pedindo isto; porque é com Soure que elles têem todo o commercio e onde vão quasi todos os dias; emquanto que para Pombal têem de andar tres leguas, e a não ser para pagarem as contribuições ou para outros fins judiciaes ou administrativos, não têem nenhum outro objecto que os chame a Pombal.

Alem d'isso ha a grande rasão de que esta freguezia está cercada por todos os lados por freguezias do concelho de Soure, de maneira que quando se quer executar uma diligencia, ou algum particular quer ir a Soure, ha de passar por esta freguezia. Isto é uma das anomalias da actual divisão territorial, que não se concebe!

Portanto mando para a mesa esta representação, e em occasião opportuna farei sobre ella as reflexões que julgar convenientes, e peço a V. ex.ª que tenha a bondade de a remetter á coro missão de estatistica, para dar sobre ella o seu parecer.

O sr. J. A. de Sousa: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Presidente: — Como está presente o sr. ministro da marinha vou dar a palavra aquelles srs. deputados que a tinham pedido para quando s. ex.ª estivesse presente.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Como tive a honra de annunciar hontem á camara estou prompto para responder ás interpellações que me têem sido annunciadas; peço portanto a v. ex.ª queira convidar os srs. deputados que tiverem de me fazer algumas interpellações a apresenta-las.

O sr. Camara Leme (por parte da commissão de guerra): — Mando para a mesa trezentos e nove requerimento dos officiaes inferiores do exercito, que foram apresentados no outro dia por um illustre deputado, os quaes foram enviados á commissão de guerra, e que esta commissão pede que sejam enviados á commissão de fazenda, para sobre elles dar o seu parecer, antes da commissão de guerra dar o seu parecer definitivo.

Por esta occasião cumpre me dizer que estes officiaes inferiores têem um pret tão diminuto que é impossivel poderem viver, e portanto já a commissão de fazenda vê que este importante objecto deve merecer a sua attenção.

Remetto todos os requerimentos para a mesa, limitando-me apenas a estas observações.

Por esta occasião remetto tambem para a mesa quatro requerimentos de alguns capitães graduados de infanteria n.° 8, que pedem que para a sua antiguidade se lhes conte o tempo em que estiveram preteridos, para serem considerados capitães de 1.ª classe.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Pedi a palavra para dizer ao illustre deputado que a commissão de fazenda ha de olhar com toda a solicitude pelos requerimentos que lhe são agora enviados; e aproveito a occasião para pedir ao illustre deputado, como membro da commissão de guerra, que excite d'ella a sua reciprocidade, com relação aos outros sargentos, ácerca dos quaes já mandei ha dias um projecto de lei para a mesa.

Estou convencido de que esse projecto de lei já está na commissão de guerra; e parecia-me que seria agora occasião de serem attendidos não só os segundos sargentos que serviram na junta do Porto, mas os outros officiaes inferiores, como furrieis, etc. etc. e que se acham era identicas circumstancias. Desde o momento em que nós queremos apagar os vestigios das nossas lutas intestinas, desde o momento que todos têem igual direito, nós devemos fazer justiça a todas estas classes.

Aproveito tambem a occasião para mandar para a mesa um requerimento do sr. José Felix de Moura e Lima, alferes que foi do regimento de infanteria n.° 4, pedindo á camara dos senhores deputados ser contemplado nas disposições do decreto de 23 de outubro de 1851.

Aproveito tambem a occasião, embora não esteja presente o sr. ministro da justiça, para pedir a p. ex.ª que olhe, com a solicitude que costuma, para o estado em que se acha o clero na ilha da Madeira, que novamente soffreu uma interrupção bastante sensivel no pagamento dos seus vencimentos.

O sr. ministro, como disse, não está presente, mas s. ex.ª ha de ler estas minhas palavras no Diario de Lisboa, e espero que fará 0 que estiver ao seu alcance.

Consta-me que a causa d'isto não é o dinheiro que falta no cofre central do districto do Funchal, mas sim a falta de credito, e sem elle não se pôde pagar aquelles servidores do estado. Estou convencido de que s. ex.ª apenas lhe conste isto que acabo de dizer, empregará os meios necessarios para restabelecer o credito, para pagar aquelles servidores do estado.

O sr. Camara Leme: — Tenho a dizer ao illustre deputado que s. ex.ª já em uma das proximas sessões apresentou o projecto a respeito dos segundos sargentos que serviram a junta do Porto, e pediu a solicitude da commissão a favor do seu projecto. Eu já tive occasião de dizer a este respeito que não podia responder pela opinião dos meus collegas da commissão, mas que com o meu voto podia s. ex.ª contar, e que tinha toda a esperança de que a commissão havia de attender, como era devido, á situação dos segundos sargentos, a que se refere o illustre deputado.

O projecto foi para a commissão ha dois dias, e na primeira reunião que houver na commissão, serei o primeiro a solicitar d'ella uma resolução ácerca do objecto sobre que s. ex.ª chamou a attenção da commissão de guerra.

O sr. Sieuve de Menezes: — A minha interpellação tem por fim chamar a attenção do nobre ministro da marinha sobre a falta de juiz de direito nas duas comarcas de Benguella e Timor.

Sei muito bem que, segundo a constituição do estado, a nomeação de todos os empregados é da privativa attribuição do poder executivo, e até as provincias ultramarinas são regidas por actos do mesmo poder com caracter de legislativo na ausencia das côrtes, ouvido e consultado o conselho ultramarino, segundo prescreve o acto addicional á carta.

Mas sendo a administração da justiça muito necessaria era todas as comarcas, porque os empregados que occupam logares tão elevados na sociedade têem de julgar da honra, vida, liberdade e propriedade dos cidadãos, convem que seja confiada a pessoas devidamente habilitadas, e que as comarcas sejam providas sem perda de tempo, observadas todas as formalidades legaes.

Eu tenho todo o empenho e desejo que s. ex.ª, com a promptidão que lhe for compativel, despache, e com justiça, juizes para aquellas duas comarcas, uma das quaes foi creada até por s. ex.ª

Fazendo estas observações, agradeço ao sr. ministro da

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marinha o prompto andamento que deu á minha interpellação, prestando assim preito e homenagem ao principio constitucional, e ao direito que os deputados têem de pedirem n'esta casa o cumprimento das leis do seu paiz.

Aguardo as explicações de s. ex.ª e peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para agradecer provavelmente a s. ex.ª a resposta que me der, com respeito a esta minha interpellação.;:

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Permitta-me V. ex.ª que principie por agradecer ao illustre deputado a benevolencia das suas observações, e a occasião que me proporcionou de provar á camara que o governo não se descuida da administração das provincias ultramarinas.

Na sua nota de interpellação disse o illustre deputado que = as comarcas de Benguella e Timor estavam vagas havia seis mezes =.

Effectivamente a primeira, a de Benguella, foi declarada vaga pela transferencia do juiz de direito d'aquella comarca para a de S. Thomé, mas em realidade não ficou tal comarca privada do seu juiz durante esse periodo, porquanto o magistrado que desempenhava aquelle cargo só no ultimo paquete foi tomar posse do novo logar, e só então se deu realmente vacatura (apoiados).

Quanto á demora no provimento das comarcas, que deve parecer longa ás pessoas que não conhecem de perto o modo por que são providos estes logares, bastará expor esse modo para tudo ficar logo explicado. Posso certificar a s. ex.ª que não está na mão do executivo, como se lhe figurou, o proceder á immediata nomeação dos respectivos funccionarios para as comarcas vagas. E preciso cumprir a lei de 5 de novembro de 1856, § unico do artigo 1.°, que regula o concurso para taes provimentos, e que determina a esse concurso o praso de sessenta dias. Aqui tem portanto s. ex.ª já dois mezes necessariamente empregados.

Findo o praso ha de o conselho ultramarino examinar os titulos e documentos dos concorrentes, e para ver a quem compete a preferencia entre os candidatos, de certo ha de consumir tempo n'um acto tão importante como é o de comparar aquelles documentos em repetidas occasiões, e exercendo as graves faculdades de julgador dos meritos, aptidões e direitos dos mesmos candidatos.

A comarca de Benguella foi declarada vaga por transferencia do respectivo juiz em 7 de agosto de 1863.

Viu-se já que não se tornou effectiva esta vaga senão muito tempo depois, em rasão da transportação das ordens correspondentes, o que já affasta a idéa de um damno prolongado, como á primeira vista pareceria.

Determinou-se ao conselho ultramarino que fizesse proceder ao concurso, por portaria de 25 do mesmo mez de agosto. Já se vê tambem que se não desbaratou o tempo. O concurso foi annunciado nos Diarios de 11, 12 e 14 de setembro, como é igualmente de lei. O praso de sessenta dias findou só em 14 de novembro. A consulta respectiva é datada de 22 de dezembro seguinte, e entrou na secretaria a 23. D'aqui se torna evidente, que não houve demora alem da indispensavel.

Quanto á comarca de Timor não se podia reputar em vacatura, porquanto não existia, e foi ultimamente creada, como s. ex.ª muito bem reconheceu. Foi com effeito creada esta comarca pelo artigo 4.° do decreto de 17 de setembro de 1863, d'onde resulta não estar por prover ha seis mezes. A 26 do mesmo mez mandou-se proceder ao concurso competente. Terminou o praso a 26 de novembro. A 22 de dezembro subiu a consulta.

Na mesma portaria porém em que se ordenára o concurso do juiz d'esta comarca se ordenou o do respectivo delegado, sem o que não poderia funccionar ali a nova administração judicial. Alguns dos candidatos são concorrentes simultaneamente a estes tres logares. A consulta concernente ao delegado não subiu ainda; e a rasão é manifesta na necessidade de compulsar e comparar muitos documentos em concursos repetidos. Espero unicamente esta ultima consulta para designar de entre os propostos pelo conselho os que deverem ser providos em cada um d'estes logares. S. ex.ª comprehende certamente que havendo tres escolhas a fazer entre candidatos simultâneos a logares diversos, é prudente e conveniente esperar as indicações competentes com relação a todos tres, para graduar a escolha em presença dos direitos dos propostos e da conveniencia do serviço.

Estas demoras, como se vê, provem unicamente do processo legal do provimento, e anda inherente a elle (apoiados). Dessa demora resultam inconvenientes graves na administração da justiça, que fica muitas vezes entregue, segundo a legislação vigente, a pessoas leigas, ou a mãos menos convenientes; mas é este um mal que não está ao alcance do governo remediar nem evitar (apoiados). Sinto o mais do que ninguem, porque lhe palpo as consequencias; mas, como disse, deriva da legislação. E se é um mal traz comsigo tambem as suas compensações, porque assegura aos magistrados judiciaes garantias que têem tambem o seu valor e utilidade (apoiados), e que no nosso regimen difficilmente se poderiam eliminar (apoiados).

Observarei ainda que não só do longo processo dos concursos procedem os transtornos e interrupções que na administração da justiça muitas vezes se notam, e eu bem quizera evitar. Outra causa frequente de taes interrupções são as licenças concedidas pelas juntas de saude. Aos que se arruinam no serviço ultramarino não pôde porém o governo absolutamente impedir o regresso para so tratarem. Seria inutil e perniciosa deshumanidade (apoiados). N'esta parte, e é o que faço rigorosamente, o governo só pôde limitar-se a difficultar e impedir quaesquer abusos (apoiados).

Julgo ter dado todas as explicações que o illustre deputado mostrou desejar, estimo corresponder a esses desejos, e ainda mais estimarei que taes explicações o satisfaçam.

Se mais algumas julgar necessarias, terei o maior prazer em as dar.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Sieuve de Menezes: — Agradeço a resposta que me deu o nobre ministro da marinha; e estou convencido de que s. ex.ª despachará com brevidade e com toda a justiça os dois magistrados para as duas comarcas de Benguella e Timor....

O Sr. Julio do Carvalhal (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª mande publicar no Diario, de Lisboa os quatro documentos que vou mandar para á mesa, aos quaes alludi no discurso que hontem conclui. Desejo que sejam publicados, pela ordem por que vão numerados.

O sr. Presidente: — Mandam-se publicar.

O sr. Faria Blanc: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda, um sobre o requerimento dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Lisboa, e outro sobre igual requerimento dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Portalegre, Estes empregados pedem augmento de vencimento para assim poderem occorrer ao seu sustento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Francisco Luiz Gomes para verificar a interpellação que annunciou ao sr. ministro da marinha.

O sr. Francisco Luiz Gomes: — A camara já sabe os tristes e deploraveis acontecimentos que tiveram logar em Timor, dos quaes deu conhecimento á camara o meu nobre amigo, o Sr. Henrique de Castro.

Esses factos são de tanta gravidade, e produziram tão desagradavel impressão em todos os animos, que eu não posso deixar de perguntar ao sr. ministro da marinha se tem noticia d'esses factos, e quaes são as providencias que tem dado.

Eu não sei até que ponto são verdadeiros todos esses factos; mas o que me parece indubitavel é que o governador de Timor exorbitou das suas attribuições e procedeu de um modo pouco constitucional, pouco portuguez e pouco conveniente, no meu entender, para a segurança d'aquella provincia. Essas medidas empregavam-se convenientemente em outros tempos, e eram o unico e exclusivo systema de manter o dominio sobre aquelles povos; curava-se então a barbaria com barbaria. Hoje esta homoepathia está abandonada. Hoje cura-se a barbaria com a civilisação, a tyrannia com a moralisação e as trevas com a luz (apoiados).

Aproveito esta occasião para chamar a attenção do sr. ministro da marinha sobre um facto que occorreu na India portugueza.

Dos documentos publicados n'um jornal de Bombaim deprehende-se que, o tenente do exercito de Portugal, Gouveia, seguindo viagem para Diu em uma gallia com algumas praças europeas, estivera a ponto de ser assassinado por ellas; e que a tentativa de assassinio se pronunciára de um modo tão claro e assustador, que o mesmo official se vira obrigado a embarcar em uma lancha, e demandar o porto de Bombaim, aonde se acolheu á protecção do governo inglez.

Poucos dias depois o nosso vice-consul n'aquella cidade intimou ao official a ordem do sr. conde de Torres Novas para voltar, quanto antes, para Goa; o official recusou-se a obedecer a esta ordem, allegando que o assassinio tentado a bordo da gallia era premeditado de longa data, e um remate da longa perseguição que soffrêra em Goa como redactor de um jornal, e da qual só se julgava livre continuando a ficar em Bombaim á sombra da bandeira ingleza.

.Eu tenho censurado alguns actos do governador geral da India, e em tempo elogiei alguns, sempre de accordo com a minha consciencia e com os interesses das provincias que represento n'esta casa, aos quaes nunca hei de antepor as affeições pessoaes. Ha infelizmente poucos deveres que não exigem sacrificios. Devo porém declarar, que não acredito, nem posso acreditar, que o governador geral da India, nem mesmo com o seu silencio, auctorisasse similhante attentado. É esta uma accusação de tal natureza que nenhum homem de bem deve pronunciar ácerca d'ella o seu juizo sem provas, e provas evidentíssimas.

Entretanto o negocio é de certa gravidade, e espero que o sr. ministro da marinha mandará proceder ácerca d'elle ás mais escrupulosas indagações, e sustentará a liberdade da imprensa na India, se achar que foi offendida.

O sr. Ministro da Marinha: — Respondendo ás perguntas do illustre deputado, tratarei de cada uma de per sr.

Sobre os factos succedidos em Timor, tive já occasião de explicar na outra casa do parlamento quaes as providencias que tinha dado a este respeito, quaes as intenções do governo, e quaes as communicações que se tinham recebido.

Até esse momento o governo havia só recebido uma participação oral dada por um official, que servia em commissão no governo de Timor, e que trazendo alguns documentos officiaes, julgou mais a proposito enviar esses documentos para um jornal antes de os apresentar ao governo, que seria o caminho regular; podendo qualquer membro do parlamento, se o julgasse conveniente, exigi-los para serem presentes n'uma ou n'outra casa do corpo legislativo, o que promptamente seria satisfeito, e aos documentos seria dada publicidade pelos meios legaes.

Alem d'isto, aquelle official apresentou-se em Lisboa sem licença, o que é tambem irregularidade, que constitue uma especial responsabilidade.

Depois o governo ordenou a esse official que fizesse um relatorio de taes acontecimentos, o que effectivamente o official cumpriu. Em seguida á apresentação d'esse relatorio, recebeu-se participação official da India em que ao mesmo tempo que ao governador geral da India se dava conhecimento dos factos arguidos, vinha tambem uma representação do ex-Governador de Timor, contendo queixas contra o mesmo official que o accusava.

Effectivamente ha n'esta ultima representação queixas graves contra o mencionado official. O unico meio legal de apurar a verdade é responder cada um d'estes officiaes perante os tribunaes competentes, nem de outro modo o governo podia nem devia proceder.

Posso asseverar ao illustre deputado que o governo será inexoravel em manter as leis. Tem-se empenhado constantemente n'este cumprimento do seu dever. Não seria certamente n'esta occasião, quando á camara; se apresentou um projecto para a abolição dá pena de morte, que tal pena havia de ter execução nas provincias ultramarinas (muitos apoiados); e muito mais applicada, como no caso de que se trata, com a circumstancia aggravantissima de não ter precedido processo legal (muitos apoiados).

O governo em todas as instrucções, em todos os documentos de qualquer natureza que tenha expedido, tem sempre recommendado que no ultramar sé trate de illustrar, de carear, de attrahir, de exercer uma tutela paternal e amoravel, sem excluir a energia necessaria, para manter a força legal da auctoridade, e a segurança e a tranquilidade d'aquellas provincias.

Estes são os principios do governo.

Com relação ao ex-Governador de Timor, direi que em 27 de outubro era já ex-Governador, porque o governo tinha julgado que devia retirar-lhe a sua confiança, mas não por este facto, que ainda não tinha chegado ao seu conhecimento.

N'este negocio podem haver differentes graus de culpabilidade, e por consequencia é preciso instaurar differentes processos (apoiados). Cada um responda pelas culpas que commetteu. Se o governador de Timor delinquiu, ha de responder pelos seus actos, assim como hão de responder pelos seus quaesquer outros que devam responder. Os tribunaes os julgarão; e o governo ha de ser inflexível para com os culpados.

Quanto ás providencias que o governo adoptou, direi a s. ex.ª que, alem da demissão, que já estava dada ao governador d'aquella provincia, o governo mandou que elle entregasse immediatamente o governo ao commandante da força armada; promptificou immediatamente um transporte do estado, no qual enviou artilheria, petrechos e armamento; enviou um contingente de tropa, officiaes, o novo governador e os funccionarios nomeados para aquella localidade. Portanto tratou de prover por todos os meios á segurança d'aquella possessão.

O navio partiu, acha-se em viagem, e o governador novo recebeu ordem para intimar o ex-Governador para se apresentar immediatamente a bordo, a fim de ser transportado para Lisboa e responder pelos seus actos perante os tribunaes.

Creio que era isto o que ao governo cumpria praticar, fazendo justiça inteira a todos, mandando averiguar dos factos criminosos de todos, provendo á segurança da provincia.

Pelo que respeita á India, o governo tem participações officiaes relativas ao procedimento do official a que se referiu o sr. deputado. Se s. ex.ª e a camara quizerem que venham aqui estas informações, o governo não tem duvida em as mandar. Devo porém observar que taes informações são pouco agradaveis a esse official. Parece que effectivamente a gallia abordou a Bombaim á força sendo compellido o commandante a isso, em vez de ir directamente á praça de Damão, praça para a qual o mesmo official ia em commissão.

Acrescem a esta circumstancia pouco conforme com as suas queixas, as queixas do commandante e officiaes da guarda municipal de Goa, que o arguem dos meios pouco delicados com que elle procurava desacredita-los. N'esta conjunctura o governo não podia fazer outra cousa senão averiguar os factos para ver onde está a culpa e fazer applicar as leis.

Não basta que um official accuse o seu superior, para o governo decidir. Haveria n'isso os mais graves inconvenientes para a disciplina e conservação da ordem. Pôde qualquer auctoridade abusar, mas pôde tambem qualquer official faltar aos seus deveres e recorrer a expedientes que á lei cumpre castigar. Eis o que importa averiguar, e o que se averiguará.

A insinuação feita pelo official, no escripto a que s. ex.ª se refere, é de tal ordem, que Deus me livre de acreditar que fosse verdadeira; e é a gravidade mesmo d'essa insinuação a primeira cousa que a torna suspeita (apoiados). Só pôde ser explicada pelo estado apaixonado em que se deve suppor esse official, porque a paixão é sempre má conselheira, e a mesma paixão parece ter inspirado todos os -seus actos. N'este caso o governo consultou para verificar se havia na participação fundamento legal para instaurar o processo contra esse official; e, com a resposta affirmativa, ordenou que o processo fosse instaurado de modo que elle podesse, desassombradamente, sem poder plausivelmente queixar-se e dar por suspeitas as auctoridades, sob a vigilancia e fiscalisação dos poderes publicos, apresentar a sua defeza ante os tribunaes que o julgarão.

Eis-aqui as explicações que tenho a dar á camara sobre este assumpto.

Como estão pendentes ainda outras interpellações, desejava que v. ex.ª me fizesse a honra de consentir que ellas se realisem, porque desejo manifestar, tanto ás pessoas dos interpellantes como ao parlamento, a consideração que tenho assim por s. ex.ª como pelo systema parlamentar. Se a camara me permittir, terei tambem occasião de me referir a algumas expressões, relativamente á nomeação do sr. bispo de Macau, proferidas hontem pelo sr. José de Moraes. Por agora não desejo cortar a palavra aos srs. deputados que quizerem fazer mais algumas observações.

(8. ex.ª não pôde corrigir este discurso nem os seguintes;

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e todos elles têem algumas omissões, porque s. ex.ª nem sempre pôde ser ouvido na mesa dos tachygraphos.)

O sr. F. L. Gomes: — Eu folgo com as explicações dadas pelo nobre ministro da marinha. Ouvi-as com muito prazer, mas sem surpreza. Eram as que eu esperava.

As garantias, e os direitos de que gosam as provincias ultramarinas tornar-se-iam inuteis e uma esteril decoração, se aquelles que attentam contra elles de um modo tão violento e tão insolito, como se diz que attentou o governador de Timor, não encontrassem uma severa e immediata punição.

Estou completamente de accordo com o nobre ministro, quando s. ex.ª diz que o governo seria contradictorio, se, emquanto no reino está acabando ou deseja acabar com a pena de morte, auctorisasse com o seu silencio, ou por outra qualquer fórma, as auctoridades do ultramar a attentarem de um modo tão insolito contra as vidas dos habitantes d'aquellas possessões. E uma verdade que eu folgo de ter ouvido n'esta casa. É necessario que se saiba, que se a nação não quer carrasco funccionario, tambem muito mais não quer funccionarios carrascos.

Disse s. ex.ª que as suas instrucções e as suas recommendações aos governadores do ultramar eram para que se exercesse uma especie de tutela paternal sobre aquelles povos. Este procedimento está era perfeita harmonia com aquelle que tiveram nas nossas possessões do ultramar alguns antigos capitães portuguezes. Ainda hoje muitos regulos vizinhos de Timor chamam a El-Rei de Portugal pae. Ora, este tratamento na bôca de um homem rude é para mim a pagina mais brilhante da historia, porque prova que a civilisação se planta principalmente com o amor, e não unicamente com força e com a espada.

Referiu-se s. ex.ª, ainda que de passagem, á questão de cumplicidade. Esta questão é-me estranha. Eu não sei quem é culpado, nem quem deixa de o ser, mas quem quer que seja eu o detesto, porque para mim o facto é detestavel em sr. Não quero accusar nem defender ninguem. A unica cousa que eu podia pedir ao parlamento é que zelasse a constituição do estado, e tornasse effectivos os direitos e as garantias dos habitantes do ultramar. Não podia nem de via levantar a questão das cumplicidades. Esta pertence aos tribunaes. Elles farão o que lhes compete e o que devem para punirem com rigor os delinquentes.

Quanto a Timor nada mais tenho a dizer, porque as providencias que s. ex.ª tomou para a segurança d'aquella provincia, para a punição dos delinquentes, excederam os meus desejos.

Emquanto ao facto que teve logar na India, não tive occasião de ler senão a correspondencia escripta pelo official Gouveia, e publicada n'um jornal de Bombaim. Não tive conhecimento do officio que o governador de Goa dirigiu a s. ex, o que era muito necessario para poder pronunciar sobre este negocio um juizo seguro e imparcial; mas como nas curtas considerações que fiz sobre este assumpto, tive unicamente em vista chamar a attenção de s. ex.ª para averiguar os factos, estou completamente satisfeito com a promessa solemne que s. ex.ª fez, de que havia de mandar examinar estes factos, e que havia de ser inexoravel na punição.

(Interrupção do sr. ministro da marinha que se não ouviu.)

Muito mais folgo com a certeza de que o sr. ministro da marinha me dá, de que as indagações já começaram. O meu empenho é que a verdade se averigue, para que se não repitam similhantes conflictos que prejudicam o regular andamento do serviço, e consequentemente o desenvolvimento d'aquella provincia.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. Ministro da Marinha: — (Usou da palavra para uma explicação, mas não foi ouvido na mesa dos tachygraphos).

O sr. Matos Correia: — Pedi a palavra para chamar a attenção do governo sobre alguns assumptos que dizem respeito á provincia que tenho a honra de representar n'esta casa, e que pela sua importancia carecem de ser seriamente meditados e devidamente attendidos.

Desejo em primeiro logar lembrar ao nobre ministro das colonias, a necessidade urgente de se empregarem os meios que forem conducentes a evitar a destruição successiva do porto de Macau, e melhorar quanto possivel as suas condições actuaes.

A cidade de Macau, como todos sabemos, é um bello e vastissimo estabelecimento commercial, fundado e engrandecido pelo commercio maritimo. A sua riqueza e importancia deve-a á posição geographica e ao porto em que se abrigam os navios que servem de vehiculos ao seu commercio. Do momento em que o porto se obstruir, as condições da existencia de Macau cessara, e esta cidade ha de necessariamente declinar e a final desapparecer.

Consta me que alguma cousa, não digo que se tenha feito, mas se tem pensado com relação a este objecto.

Os habitantes de Macau lembram com instancia a necessidade de se construir uma doca ou molhe que possa abrigar os navios da acção dos temporaes, que são ali frequentes, e não poucas vezes fataes; e solicitam igualmente que se façam melhoramentos geraes no porto, cujo fundo vêem com susto diminuir rapidamente.

A provincia tem hoje por chefe um cavalheiro que, a todas as qualidades de que é dotado e que o constituem um dos portuguezes mais distinctos que funccionam no ultramar, reune a circumstancia apreciavel e valiosa, com relação ao objecto de que me occupo, de ser um engenheiro formado na escola de pontes e calçadas de París, e de ter regido uma cadeira analoga na escola do exercito. Seria pois muito conveniente que se consultasse esta auctoridade sobre a possibilidade de se levarem a effeito os trabalhos e melhoramentos que ficam indicados, que importara a existencia da colonia, e que muito hão de concorrer para o desenvolvimento progressivo do seu commercio.

E natural que aquelle distincto governador já tenha dito ao governo alguma cousa com relação a estes assumptos, e que o nobre ministro das colonias que se acha presente, lhes tenha prestado a attenção que reclamam pela sua importancia transcendente.

Chamo igualmente a attenção de s. ex.ª sobre uma representação que diz respeito á organisação da policia de Macau; os habitantes d'aquella cidade pedem ao governo de Sua Magestade que nos regulamentos correspondentes se façam algumas alterações que julgam indispensaveis no interesse da segurança e liberdade individual. Consta-me que sobre a representação fóra ouvido o conselho ultramarino, e desejava saber se a consulta já havia subido.

É um assumpto grave que carece sem duvida de ser maduramente estudado, mas que no meu entender não pôde deixar de ser resolvido.

Em terceiro logar chamarei tambem a attenção de s. ex.ª sobre o estado da instrucção publica em Macau. Por mais de uma vez me tenho occupado d'este assumpto n'esta casa, e feito sentir quanto em mim cabe, as consequencias fataes da falta de escolas convenientemente organisadas e habilitadas para satisfazerem a todas as necessidades do ensino. Os habitantes de Macau cansados de esperar providencias da metropole, estabeleceram por meio de uma subscripção, e honra lhes seja feita, uma escola que se intitula «escola macaense», a qual já tem dado excellentes resultados. O governo contribuiu tambem, a pedido meu, com 2:000$000 réis para a subscripção, e o governador que então era, não menos solicito no interesse dos seus administrados, concedeu-lhe o producto de uma loteria annual, acto que foi logo approvado pelo governo.

O collegio de S. José, que é ou devo ser simultaneamente seminario e lyceu, chegou a não ter um só professor. Hoje acham-se melhoradas felizmente as suas condições, porque foram mandados para ali dois dignos ecclesiasticos educados no seminario de Sernache do Bomjardim, que, muito profecientes e muito zelosos no desempenho dos seus deveres, têem trabalhado bastante e com muito proveito dos estudantes, mas que não podem fazer tudo. E pois indispensavel completar-se o numero dos professores do seminario, e crearam-se n'elle cadeiras que lhe faltam para poder satisfazer ás condições do lyceu.

No ensino destinado ao sexo masculino existem ainda as faltas que acabo de mencionar, e a que é indispensavel attender. No que respeita á educação do sexo feminino não ha só faltas, ha carencia total de escolas. Ainda ha poucos annos as meninas eram ali educadas com esmero no convento de Santa Rosa de Lima, cuja regra é n'este ponto similhante á das Salecias de Lisboa; porém as freiras ou recolhidas d'este convento envelheceram ou morreram, não foram substituidas, e o convento deixou por esta causa de satisfazer ao preceito principal da sua instituição. Consta-me que se tencionou mandar para ali algumas oblatas, e que estas senhoras a isso se prestavam; mas esta idéa não se tem realisado. Tambem lembrei ao nobre ministro que se acha presente a utilidade de se educarem convenientemente algumas das meninas conhecidas com o nome de = orphãs da febre amarellas para serem enviadas como mestras, não só para Macau, mas tambem para todas as outras colonias. S. ex.ª concordou inteiramente com este pensamento, sentindo e ponderando desde logo algumas difficuldades praticas summamente attendiveis, mas que todavia me não parecem insupperaveis. Neste estado, cuja continuação não podia deixar de ser summamente prejudicial, os habitantes de Macau recorreram novamente á sua acção propria, e estabeleceram, auctorisados pelo governador, um collegio para educação de meninas, que já deverá ter começado a funccionar, e para o qual, na falta total de mestras portuguezas, convidaram algumas mestras francezas pertencentes ás instituições de educação feminina que existem em Hong Kong.

Chamaria ainda a attenção do nobre ministro sobre outros assumptos de interesse da colonia que tenho a honra de representar, senão entendêra sufficiente tratar d'elles particularmente com s. ex.ª e não receiára cansar a attenção da camara, e roubar o tempo aos meus collegas que pediram a palavra para interpellações.

O sr. Ministro da Marinha: — Responderei ás observações do illustre deputado pela ordem por que as apresentou.

Quanto ao porto de Macau, posso dizer que estão já passadas as ordens para o governador de Macau mandar proceder aos necessarios estudos, tanto com respeito á doca, como aos melhoramentos do porto.

O illustre deputado sabe tão bem como eu, ou melhor do que eu, que sem estes estudos previos nada se pôde fazer; e que depois de apresentado o resultado dos estudos, é necessario proceder ao plano e orçamento das obras. Logo que estejam promptos esses estudos, o governo está firmemente resolvido a mandar proceder ás obras, para as quaes não faltam meios, pois tem hoje aquelle estabelecimento nos seus cofres, proveniente dos remanescentes das suas receitas, uma somma de 200:000$000 réis approximadamente.

E justo que este estabelecimento, como todo o paiz, concorra para as despezas publicas, em geral, quanto lhe for possivel; mas tambem é justo que o governo trate igualmente de melhorar as suas condições commerciaes, e n'esta conformidade está disposto a attender seriamente tanto ao melhoramento do porto como ao estabelecimento de uma doca em Macau.

Quanto á organisação da policia, é esta uma questão que se complicou com a quantidade de representações relativas ao assumpto. Todas estas representações estão affectas á corporação competente. Emquanto a similhante respeito se não apresentar parecer, não é possivel ultimar a organisação respectiva. Entretanto o serviço da policia tem-se feito sempre, como provam os proprios boletins de Macau, de que o illustre deputado de certo tem conhecimento.

Com relação á instrucção, escuso de acrescentar novas considerações ás que apresentou o mesmo illustre deputado, que está tanto ao facto do que se passa n'aquelle territorio.

Direi só que tenho procurado, por todos os modos, completar o quadro dos professores do seminario, o que não 6 facil levar a effeito, por não apparecerem com frequencia pessoas habilitadas que se prestem a ir para ali servir. Entretanto o seminario não tem deixado até hoje de funccionar. Parece que os professores têem dado satisfatorias provas da sua capacidade no ensino das diversas disciplinas, e que muitas familias, que tinham seus filhos nos collegios inglezes de Hong Kong, os têem tirado desses collegios e mandado para o seminario de Macau, que serve tambem de lyceu.

Quanto ao ensino para o sexo feminino, deve no Diario de Lisboa de hoje vir publicado um boletim do governo de Macau, onde se acha uma portaria do governador approvando os estatutos de uma escola de meninas, que será ali regida por mestras francezas, irmãs do instituto de S. Paulo.

Não sei bem ainda que instituto é este, e trato de proceder a informações a tal respeito. Este estabelecimento comtudo fica sujeito, como o declara a portaria do mesmo governador, e como não podia deixar de ser, na parte disciplinar á fiscalisação do governo, e as irmãs, na parte ecclesiastica, á obediencia do ordinario.

Aqui se vê pois que, devida á iniciativa dos habitantes de Macau, está já creada uma escola para o ensino do sexo feminino.

O governo mandou informar se sobre a conveniencia de encarregar o ensino feminino ás oblatas, e o resultado das informações que obteve mostrou lhe que essas senhoras não eram as mais competentes para tal ensino, e que seria melhor substitui-las pelas ursulinas, senhoras muito mais habituadas a ensinar. É todavia necessario que essas senhoras se queiram prestar a isso, porque o governo não pôde impor lhes a sua vontade.

O nobre deputado acabou por lembrar o que ha muito tempo é o pensamento do governo, mandar algumas meninas, debaixo da vigilancia de pessoas respeitaveis a fim de manter a necessaria pureza de costumes, para mestras não só em Macau, mas em todas as provincias ultramarinas, que tanto precisam d'ellas (apoiados). O governo não abandona este intento; mas é necessario que, por meio da instrucção adequada, se complete a educação para professorasse emquanto não funcciona a escola normal do sexo feminino, mal se podem preparar essas meninas para funcções tão importantes como são guiar a mocidade, que um dia dará mães e esposas, funcções -das mais melindrosas e das que precisam ser acompanhadas da maior vigilancia e solicitude (apoiados). Depois de educadas devidamente essas meninas professoras, convirá ainda dota-las para que achem estabelecimento e a protecção natural do consorcio. Nada d'isto se effectua sem tempo. Espero porém que esta organisação se completará do modo que s. ex.ª fique satisfeito.

O sr. Matos Correia: — Vejo pela declaração do nobre ministro que s. ex.ª tem era vista os objectos sobre que chamei a sua attenção, e que d'elles se occupa constantemente.

Vejo que o assumpto importantissimo do porto de Macau já foi attendido; porque s. ex.ª ordenou ao governador geral que procedesse aos estudos necessarios para effectuar este melhoramento.

Folgo tambem de ouvir a s. ex.ª que a instrucção publica occupou a sua mais séria attenção e que ha de empregar todos os meios possiveis de a melhorar.

Emquanto aos assumptos de que não tratei determinadamente, e entre os quaes avulta a organisação militar, estou convencido de que não serão desconsiderados como o exigem os interesses da colonia e a dignidade nacional.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia.

O sr. Ministro da Marinha: Peço perdão. Se v. ex.ª me permitte direi que poucas vezes nos occupâmos d'estes assumptos do ultramar, por isso peço a v. ex.ª, se a camara o consente, que nos permitta mais largueza para tratarmos de uma vez estes assumptos que interessam a uma parte importante da monarchia (muitos apoiados). Estão ainda pendentes duas interpellações, ás quaes tinha muita satisfação em responder, e que versam sobre assumptos muito ponderosos e urgentes.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que tinham annunciado estas interpellações não estavam presentes quando os chamei para as verificarem; mas como está presente o sr. Arrobas vou dar-lhe a palavra. Tem a palavra o sr. Arrobas.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, como v. ex.ª começou por declarar que eu não estava presente quando me deu a palavra para realisar a rainha interpellação, tenho a dizer o motivo por que só agora me foi possivel entrar na camara.

Começo por agradecer ao sr. ministro da marinha a prova de consideração que deu, não só aos deputados interpellantes, mas a toda a camara, pela promptidão com que se declarou habilitado para responder a todas as interpellações que lhe foram annunciadas, diligenciando, como diligenciou, para que fossem já realisadas (apoiados).

E seria bom, sr. presidente, que os collegas do Sr. ministro seguissem o seu exemplo, para que não acontecesse como tantas vezes se tem dado, de se annullar o direito dos deputados, ficando annos e annos sobre a mesa as notas de interpellação (apoiados). De algumas que nas sessões anteriores tinha annunciado já eu até estou esquecido.

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Entrando na materia das interpellações annunciadas, começarei por indica-las, e depois de ouvir as explicações do governo tomarei a palavra novamente.

Emquanto á mais importante, que é a relativa ao estado calamitoso em que se acha Cabo Verde, sendo os seus habitantes flagellados pela fome, eu, sr. presidente, começarei por dizer que não tive em vista censurar o governo, nem mesmo processar a sua actividade, visto que seria injusto, eu que sei o que se tem feito, se não reconhecesse que até hoje nada mais havia - a fazer do que aquillo que se tem feito. O governo tem adoptado as medidas mais convenientes para fazer frente ao mal, em relação á sua importancia, pelo que tem apparecido nas circumstancias apresenta das pelo estado da falta de subsistencias na provincia que tenho a honra de representar: o meu fim é chamar a attenção do parlamento sobre uma grande desgraça publica (apoiados).

Tive em vista fazer com que o governo desse conta ao parlamento do verdadeiro estado da fome em Cabo Verde, relatando as medidas já tomadas e indicando o que ha a esperar quanto ás propostas que o governo tem de trazer á camara, porque, sr. presidente, aquelle grande mal infelizmente apenas agora entrou no começo do seu mau periodo, e este periodo que será terrivel ha de durar até janeiro de 1865, em que terá logar a nova colheita (apoiados). E por isto se pôde colligir que até lá a situação se aggrava cada vez mais.

O governo já levantou um credito extraordinario de réis 12:000$000, já excedeu de 30:000$000 réis a esmola com que livremente têem concorrido de toda a parte as almas bem formadas; mas isso, que é sufficiente para combater a crise até agora, não pôde servir para evitar o mal futuro

E para isso é indispensavel que o governo traga ao parlamento largas propostas logo que tenha as necessarias informações.

É necessario alem dos soccorros aos famintos, que tambem se contemple a necessidade essencial de que durante esta crise terrivel continuem a ser feitos em dia os pagamentos aos funccionarios publico.

Se aquelles que têem de conservar e manter a ordem publica no meio d'aquellas terriveis crises e que não têem outros meios de subsistencia senão a retribuição do seu trabalho, têem de ficar tambem reduzidos á classe de famintos, não se espere boa ordem nem serviço regular (apoiados).

Peço pois ao governo que examine se as receitas terão de diminuir a ponto de se atrasarem os pagamentos, e nesse caso, estou certo que o governo não deixará de trazer á camara uma proposta de subvenção para auxiliar as despezas ordinarias durante este anno (apoiados).

Seria altamente injusto, se haviamos de estar todos os annos a votar grossas sommas para as despezas ordinarias de Angola, de Moçambique e de Timor, tendo-se já por muitos annos votado para Macau, e negar-se agora uma verba de 20:000$000 ou 30:000$000 réis ou quanto for necessario por um anno tão sómente, para livrar da miseria e da fome aos servidores do estado em uma provincia que por tantos annos deu uma receita para a metropole tão valiosa como foi a do contrato da urzella (apoiados).

Não irei agora repetir aqui a pintura que já eu e o meu collega fizemos pela imprensa do que era o terrivel flagello da fome em Cabo Verde. Basta dizer que não é um caso de melhor ou peior bem estar, é um caso de vida ou de morte (apoiados); é um povo que vive quasi exclusivamente da agricultura e ao qual faltaram quasi completamente as colheitas. Confio nos sentimentos e na actividade do sr. ministro e por isso nada mais direi sobre este ponto.

Desejo ouvi lo e espero que os meus constituintes fiquem satisfeitos com a resposta que o governo der.

Passando agora á segunda parte da minha interpellação, eu direi unicamente que desde que tomei assento n'esta casa pugnei constantemente pela abolição dos vinculos em Cabo Verde, onde a sua existencia é não só um erro economico, porém uma situação que muito influe na moralidade dos povos (apoiados). Apresentei mais de um projecto de lei para essa abolição, e quando vi aqui votar uma lei geral de abolição de vinculos que abrangia toda a monarchia, e que expressamente se diz extensiva ás provincias ultramarinas, não continuei mais a pugnar; porém vendo que se têem passado tantos mezes sem que esta lei tão benefica seja posta em vigor em Cabo Verde, entendi do meu dever vir novamente aqui pugnar pela adopção de tão importante medida na provincia que tenho a honra de representar no parlamento; limito-me pois a perguntar ao governo se já se acha em situação de poder modificar a lei no que for essencial, ou de de tomar as providencias necessarias para ser posta em vigor em Cabo Verde a liberdade da terra.

Quanto á terceira parte da minha interpellação, limito-me a pedir ao governo que esclareça o parlamento sobre os motivos por que não está ainda em vigor em Cabo Verde a carta de lei de 6 de julho de 1855, que regula o modo ide nomear os presidentes das camaras municipaes.

A legislação ultramarina deve, quanto possivel, assimilhar-se á da metropole, e aquella carta de lei assim o determina expressamente quanto a este ponto.

Em Cabo Verde está em vigor o codigo administrativo, mas é só n'aquelle ponto da monarchia e suas possessões, em que os administradores dos concelhos são os presidentes das camaras.

Os administradores são fiscaes do procedimento das camaras, representam o estado nas questões com as camaras; e os presidentes das camaras representam estas nas questões com «estado. Não será incompativel ser ao mesmo tempo fiscal e fiscalisado, autor e réu?

O presidente é o executor das resoluções das camaras, e por isso devem ser pessoas de confiança dos camaristas; mas pôde dizer-se que é da confiança da camara o nomeado pelo governo ou o nomeado pela camara? D'aqui pôde colligir-se quantos conflictos e embaraços haverá na administração. E preciso que isto acabe, e estou certo que o governo o fará acabar, pondo em execução a lei.

O sr. Ministro da Marinha: — Tres pontos distinctos fizera o objecto da interpellação do illustre deputado.

1.º A crise das subsistencias em Cabo Verde, e as providencias adoptadas pelo governo a esse respeito.

2.º A applicação n'aquella provincia da lei que desvinculou a propriedade.

3.º A execução ali da lei de 6 de junho de 1855. Procurarei reduzir quanto, possa as minhas explicações.

Mas a camara comprehenderá que não posso deixar de as dar, e muito convem que nos occupemos, sempre que podermos e a camara lhes preste a sua attenção, dos negocios ultramarinos (apoiados). Por muitas rasões. Principalmente para se não arreigarem preconceitos frequentemente errados ácerca da administração do ultramar, e para que ninguem se prevaleça do silencio do governo e da camara para os propagar. Em segundo logar para que saibam aquelles povos que o parlamento não descura as suas necessidades, e toma a peito os seus progressos (apoiados).

Agradeço a benevolencia e modo urbano com que o illustre deputado verificou a sua interpellação. E respondendo a ella com relação á crise das subsistencias que ali se manifestara, devo dizer que — essa crise de subsistencias já se tinha manifestado em 1862, particularmente na ilha de Maio. Já então as chuvas haviam faltado n'aquella ilha, e as subsistencias escasseado tambem.

Em 2 de setembro de 1863 vieram -as participações de que tinham n'esse anno faltado as chuvas no tempo competente, e pedia o governador geral ao governo da metropole algumas providencias, entre ellas a da entrada dos generos alimenticios livres de direitos.

No 1.° de outubro participou o governador que havia começado a crise, e subia extraordinariamente o preço dos generos. As primeiras providencias que se deram foram o augmento de 10 réis para rancho aos soldados da guarnição, que padeceriam horrivelmente se não fosse este augmento, e a livre admissão dos generos alimenticios que se importassem. Foram estas as primeiras providencias tomadas no sentido de baratear as subsistencias e combater a escassez. Seguidamente foi o governador auctorisado a sacar 6:000$000 réis sobre o cofre dos orphãos, a fim de os applicar logo á attenuação, da crise. -

Em 5 de novembro foi creada uma commissão de soccorros em Lisboa. E seja-me permittido dizer, que poucas vezes neste paiz se tem manifestado tamanho zêlo, tanta dedicação, tanta actividade, e tão verdadeira caridade como -a que se tem patenteado por parte d'esta commissão e de todas as outras que a coadjuvam. Cumpre-me acrescentar que entendeu tambem o governo que a commissão de soccorros de Lisboa era a que devia centralisar no seu cofre todos os subsidios mandados pelas outras commissões, que têem rivalisado com ella em zêlo de beneficencia e caridade, e devia empregar esses subsidios na acquisição de generos para soccorrer aquella provincia, o que a mesma commissão tem desempenhado com fervor exemplar.

Em todos os paquetes, e por todas as formas, têem ido sempre para Cabo Verde quantiosas porções de generos, sem fallar no auxilio recebido de uma digna commissão portugueza do Rio de Janeiro que para ali mandou immediatamente um navio carregado de generos, tornando mais uma vez evidente o acrisolado amor da patria dos nossos concidadãos residentes no Brazil.

Aconteceu tambem que, tendo se mandado comprará provincia de S. Thomé e Principe generos alimenticios para Cabo Verde, não sómente o preço dos mesmos generos não foi aceito, mas nem mesmo se fez a despeza do frete, porque a provincia os mandou por sua conta, e alem d'isso mais uma subscripção em dinheiro; o que prova tambem que o patriotismo aquece tanto aquelles corações como os dos nossos irmãos residentes no Brazil.

No dia 6 de novembro, por officio dirigido ao sr. ministro do reino, solicitei de s. ex.ª que fizesse nomear commissões em todos os districtos e concelhos do continente e ilhas, as quaes commissões tem de toda a parte affuido com rara espontaneidade para promoverem suscripções. No dia 12 de novembro abriu se um credito extraordinario de 12:000$000 réis, dos quaes estão gastos réis, 6:500$000, afóra o que importaram 220 moios de milho, dos quaes uns se mandaram comprar á ilha do Fayal, outros se remetteram de Lisboa para soccorrer aquella provincia. Parte d'este credito foi destinado tambem a restituir ao cofre dos orphãos aquillo que se tinha ido lá buscar, porque era justo que quem tinha acudido ao momento do perigo não deixasse de ser reembolsado, principalmente reputando o estado aquelle cofre um patrimonio sagrado.

Em 13 de novembro participou o governador que mandava fazer estudos para desenvolver os trabalhos publicos na provincia, e pedia pessoal e material. O material já foi todo enviado pelo ultimo paquete; eram instrumentos de trabalho, alviões, pás e enxadas; e alem d'isso caldeiras para rancho, das quaes se enviaram dez. Podem estes parecer particulares insignificantes: ali não serão assim reputados, porque são muito uteis (apoiados). Quanto ao pessoal, requesitei logo conductores de trabalhos, para os derramar pelas differentes ilhas, porque era uma provincia que tem uma situação toda insular, e attentas as mais especialidades da sua posição, esses conductores de trabalhos eram sobretudo uteis. Apresentou-se um, foi despachado e mandei-o partir. Viu elle depois que tinha estudos a concluir e resignou.

O governo carecendo da sua/presença lá quanto antes, não podia esperar que elle acabasse os estudos. Ha o requerimento de outro, o qual já foi a informar; logo que a informação venha, que de certo não se fará esperar muito, se estiver nas circumstancias, vae. O pessoal não está na mão do governo acha lo tão depressa como se deseja, porquanto é preciso que seja habilitado; se não for habilitado não serve. E preciso que a despeza que; se afizer com o pessoal seja productiva.

No dia 2 de dezembro foi nomeada uma commissão de soccorros no Porto, que tem da sua parte manifestado igualmente o mais abalisado e catholico zêlo. Todos os seus membros repartiram entre si o encargo que se lhes commetteu, e têem andado de porta em porta pedindo soccorros. Essa commissão já mandou 3:000$000 réis, que o governo fez entrar no cofre da commissão central, assim como 675 libras esterlinas que foram mandadas do Rio de Janeiro tambem com a mesma applicação.

Repito, alem destes soccorros solicitados da caridade publica, mandou o governo só em dinheiro 6:500$000 réis, e tem ainda em reserva, para ir proporcionando soccorro á crise.

Em 26 de dezembro foi lavrada uma portaria, que tenho presente, e que não lerei para -não tomar o tempo e porque está impressa na folha official, a qual comprehende não sómente a fórma de regular as commissões de soccorros dos concelhos e freguezias em Cabo Verde, mas tambem a maneira mais proficua de aproveitar esses mesmos soccorros, desenvolvendo os trabalhos e promovendo a arborisação, a qual tanto ha de concorrer para evitar estas deploraveis calamidades; sem fallar nas mais instrucções minuciosas, que se podem ver do Diario de Lisboa.

Para o desenvolvimento da industria que se pôde tirar do aproveitamento das argillas, mandaram se encommendar para Inglaterra as machinas necessarias.

Tambem já conferenciei com o digno administrador do pescado, a fim de enviar para aquella localidade linhas, apparelhos e barcos, para ali crear e aperfeiçoar a industria das pescarias, que não só pôde aproveitar como meio alimenticio na crise actual, mas tambem ha de ir introduzir para o futuro n'aquella ilha um principio de actividade e de riqueza, que a bem dizer ella não possuia ainda.

Providenciando o caso, que já se tem dado e nas mais deploraveis circumstancias muitas vezes, providenciando o caso, digo, de se manifestar a emigração, sobretudo para Demerara, o governo determinou que os emigrantes fossem transportados para as possessões portuguezas, onde ha necessidade de braços.

O governo ordenou mais que se fizesse a arrolação de todos aquelles que quizessem assentar praça na marinha ou no exercito, a fim de se utilisarem os seus serviços, abonando-se-lhes immediatamente as respectivas rações.

Ultimamente participou o governador, em 6 do mez passado, que na ilha de Santo Antão havia caído chuva por espaço de vinte e quatro horas, podendo ainda talvez esperar-se que ali ao menos o resultado das colheitas seria tal que chegariam para acudir ás subsistencias dos habitantes.

Em 26 do mez passado tive communicação directa do administrador do concelho da ilha do Sal, uma das que habitualmente mais soffrem, porque foram auctorisados os administradores dos concelhos a communicarem directamente com o governo, a fim de que o mesmo governo possa providenciar immediatamente ás necessidades que elles inculcarem; e essa communicação é de que as subsistencias estão seguras n'aquella ilha por algum tempo.

Creio que até este momento o governo tem feito o que podia fazer (apoiados). Tudo quanto podia contribuir para alliviar a sorte d'aquelles desgraçados, e para fazer desapparecer a crise, tem por elle sido posto em pratica (apoiados).

O illustre deputado prevê a progressão da crise, e a sua exacerbação em consequencia d'essa continuidade. A esse respeito o governo já mandou instrucções ao governador, para que elle informe quaes as verbas de que pôde precisar, e as peça, authenticando-as devidamente, porque o governo não deve querer soccorrer sem fiscalisar os soccorros, nem lhe compete pedir sacrificios ao paiz sem poder provar que applicação se lhes deu. N'este presupposto o governo passou instrucções minuciosas ao governador, para que envie as requisições das verbas necessarias para todos os effeitos, para soccorros e para pagamento de empregados, a fim de que nenhum dos serviços soffra. Se taes informações, que hão de necessariamente vir emquanto o parlamento funcciona, forem taes que indiquem que é preciso recorrer a meios extraordinarios, o governo não hesitará em appellar para o patriotismo da camara, e espera que ella ha de secundar em tudo a caridade publica. Todos os districtos têem contribuido pela sua parte para minorar aquelles males; mas se isto não é bastante, se é preciso acudir com soccorros mais copiosos, o governo pedi-los ha resolutamente, e confia que o parlamento, sem distincção de partidos, concorrerá tambem para fim tão justo (muitos apoiados).

No que toca á lei da desvinculação, devo dizer que no meu relatorio expuz o que entendia a esse respeito. Já no primeiro havia declarado = que reputava salvadora a medida da abolição dos vinculos em Cabo Verde =; mas é preciso que as medidas quando se applicam se appliquem em taes condições de credito que da sua applicação, tornada inefficaz, não provenha um mal. Nas circumstancias actuaes, na presença de uma crise alimenticia, não me parecia opportuno ir effectuar uma mudança de regime; e muito mais emquanto não houvesse estabelecimentos de credito que protegessem a industria local e a desenvolvessem em condições serias. Corria-se o risco de passar do dominio do privilegio da terra para o do privilegio da usura.

N'este presupposto esperei que as cousas se encaminhassem de modo que um estabelecimento de credito viesse a estabelecer-se nas provincias ultramarinas. E o nobre deputado sabe muito bem que está proposto para ali um estabe-

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lecimento do credito que, ajustadas as clausulas convenientes, a libertação da terra fica em condições inquestionavelmente mais vantajosas, porque esta poderá então ser explorada verdadeira e utilmente.

Por outro lado todos sabem a situação dos possuidores de vinculos em Cabo Verde, que não sendo, na maior parte, homens tão educados como os nossos, poderão facilmente ser illudidos.

Entendi portanto que era melhor esperar por este estabelecimento de: credito, pois que, favorecida pelo capital em condições rasoaveis, podia a industria da terra desenvolver-se, e a desvinculação acreditar-se. Não quiz prejudicar este grande principio com a precipitação. Preferi esperar; mas pôde a camara estar certa de que não podia ser minha intenção negar um beneficio tão importante aquella provincia, que ali não é só um beneficio economico, mas altamente moral.

Com relação ás camaras municipaes, direi que primeiramente a lei determinava que os presidentes das camaras fossem os mais votados. Depois veiu a lei de 6 de julho de 1855 que mandou que fossem presidentes das camaras aquelles que os vereadores escolhessem entre si por escrutinio secreto, determinando que este principio fosse estabelecido nas provincias ultramarinas, onde o codigo administrativo estivesse em vigor. Mas o codigo administrativo estava em vigor em Cabo Verde com a modificação de que = os presidentes das camaras fossem os administradores do concelho =. Portanto não era rigorosamente applicavel á provincia de Cabo Verde o artigo 2.° da lei de 6 de julho de 1855, visto que não vigorava ali propriamente a disposição do codigo administrativo, mas uma substituição a essa disposição.

Aconteceu porém o seguinte: por consulta do conselho ultramarino de 2 de setembro de 1859, ordenou-se a todos os governadores das provincias ultramarinas em portaria de 10 do mesmo mez, que fizessem dar execução á lei de 6 de julho de 1855, mas acrescentando que = podendo acontecer que em algumas partes occorressem inconvenientes na execução da mesma lei, o governador propuzesse as medidas que julgasse adequadas =. Já se vê que se deixava a apreciação da possibilidade de execução d'esta medida unicamente aos governadores.

O governador geral de Cabo Verde representou em 1859 contra esta disposição, declarando que não tinha nas localidades onde se haviam de eleger as camaras, pessoal assas solicito e completamente habilitado para dirigir os negocios do municipio em ordem a promover todo o bem desejavel; que era portanto necessario que os administradores guiassem e dirigissem os negocios da municipalidade.

Como bem se pôde inferir, o conselho ultramarino foi consultado a este respeito, e respondeu em 12 de junho de 1860, que era conveniente continuarem era Cabo Verde os administradores do concelho a ser os presidentes das respectivas camaras municipaes.

Achando o negocio n'estes termos, como havia de decidir em assumpto de tanta importancia ao contrario do que estava assim indicado? Por um lado tem rasão o illustre deputado, quando quer que se generalise e applique á provincia de Cabo Verde a disposição geral; por outro lado, dando se circumstancias locaes que podem fazer pôr em duvida a conveniencia d'essa disposição aquella provincia, eu não podia senão pedir novas informações a tal respeito para averiguar quando é tempo de adoptar esta providencia. Foi justamente o que fiz. Ordenei que ao governador de Cabo Verde se determinasse que informasse sobre o estado actual, porque este estado pôde variar de anno para anno, e se já era possivel pôr-se em pratica a disposição da lei de 6 de julho de 1855, e assim deixarem os administradores do concelho de ser os presidentes das camaras. Logo que receba informações e que estas sejam satisfactorias; isto é, logo que se prove que ha nas localidades o pessoal competente para plantar ali este systema, immediatamente darei ordem para que assim se faça.

Peço desculpa á camara de lhe ter tomado tanto tempo; mas, repito, entendo que o paiz não perde em ter informado a respeito dos negocios das provincias ultramarinas, e ellas ganham a certeza, de que o governo e o parlamento se occupam do seu progresso, e procuram attender ás suas necessidades (apoiados).

Agora permitta-me a camara que dê uma breve explicação com relação a outro assumpto.

Requereu o sr. deputado Sieuve de Menezes que, pela secretaria da marinha, fossem enviados á camara alguns documentos que têem «elação cora o transporte de libertos de Angola para S. Thomé.

Uma vos: — Isso não, está em discussão. O Orador: — O que está em discussão é informar a camara que me pediu informações (apoiados). Por isso digo: todos os papeis relativos a esse requerimento foram enviados á camara dos dignos pares porque ali um digno par tinha tambem feito requerimento, igual ao de s. ex.ª

O requerimento do nobre deputado era datado de 16 e o do digno par de 12. Entendi que devia satisfazer primeiro ao que tambem em primeiro logar tinha pedido os documentos (apoiados]. E julguei não dever mandar tirar copias, por duas rasões. A primeira porque estes papeis eram muito volumosos, e absorveriam um pessoal importante que teria necessariamente de ser distrahido das suas funcções; a segunda porque o governo é o primeiro interessado em que se não propaguem boatos e informações inexactas, quando tem a certeza de que fez n'aquelle assumpto o que era seu dever fazer, e desejava quanto antes dar os esclarecimentos pedidos.

Estimando muito que uma e outra camara se informem de todo o assumpto, mandei todos os originaes, sem reserva de nenhum documento. Logo que esses originaes tenham vindo da casa hereditaria, serão remettidos a esta, para que o illustre deputado os examine, e estou certo de que ha de fazer justiça.

- O sr. Sá Nogueira: — Peço a palavra para interpellar o nobre ministro sobre o trafico da escravatura em S. Thomé e em Moçambique;

O Orador: — Não duvidarei, e creio poder declarar-me habilitado para responder desde já ao illustre deputado.

Ha outro ponto que peço á camara que me permitta tocar, ainda que levemente.

Na sessão de hontem foram proferidas algumas palavras relativamente á nomeação do sr. bispo eleito de Macau.

Ponderou um illustre deputado que era este um assumpto grave, porque as dioceses do ultramar precisavam ser providas. Não ha duvida de que precisam ser providas. Tanto o governo se convenceu d'esta necessidade, que achando-as na maior parte vagas tratou de accudir a este mal provendo-as.

Se o sr. bispo eleito de Macau mereceu ainda a confiança dos seus constituintes para ser por elles mandado á camara, é questão entre s. ex.ª e os seus eleitores...

O sr. José de Moraes: — Peço a palavra.

O Orador: — Mas não se pôde deduzir como consequencia, que não vá aquelle prelado para o seu destino, logo que se ache confirmado, porque a eleição que recaíu sobre s. ex.ª diz respeito apenas á actual legislatura; e ainda que não fosse eleito deputado não podia ir para a sua diocese sem ser bispo confirmado.

Portanto a eleição actual em nada altera a ida do prelado para a sua diocese, porque logo que lhe chegue a confirmação, o que não poderá ser já senão mezes depois do consistorio de março, irá infallivelmente tomar posse e gerir a diocese onde a sua presença é tão necessaria.

Refiro-me a estas palavras do illustre deputado, porque n'ellas se estribou uma accusação formulada em um jornal da capital, publicado hoje, a qual, pela minha parte, repillo com todas as forças da mais vehemente indignação.

Diz-se n'aquelle jornal que =se encobre atrás d'esta nomeação um dos maiores escandalos: comprou-se um voto por uma mitra =. E isto dizem-o os que nos aconselham que não irritemos o debate (apoiados)! E com esta justiça nos julgam! Já se não pôde fazer a menor nomeação que não seja uma corrupção! Talvez seja um meio politico; mas se o é, deploro-o, não pelo governo, mas por quem o emprega (apoiados). Se ha motivo para accusar o governo, accusem-o; elle aqui está. Se entendem que fiz uma nomeação para comprar um voto, digam o claramente, digam-o aqui, porque quero ser julgado; mas não se accuse o ministro porque foi escolher ô sacerdote digno e experimentado, por isso que já tinha regido uma diocese do reino, para o apresentar n'uma diocese do ultramar que se achava vaga. Não se diga que se foi comprar uma consciencia! Comprar o que? Quem tinha sempre votado no mesmo sentido? Quem já votava com o ministerio porque assim entendia conforme á sua consciencia? Não sei se ha quem tenha promettido mitras por votos; talvez haja; mas não está aqui; não tem assento n'estes logares (os do ministerio).

A camara não pôde estranhar que o ministro da corôa, tendo conhecimento das palavras aqui proferidas, e da interpretação dada a taes palavras, levante a insinuação como quem a não teme, e convide os seus adversarios a formularem no parlamento a accusação correspondente á que se lhe fez fóra d'elle.

O governo não viu nem o deputado nem o voto; viu só, n'uma classe e para um logar em que não é facil a escolha, um sacerdote competente, e esse sacerdote ha de ir para o seu destino, ha de ir reger a sua diocese; e a eleição que d'elle fizeram os seus constituintes não prova senão que tinham confiança no seu caracter.

É necessario que acabemos com estas ciladas e embuscadas: quem quizer accusar accuse francamente (apoiados). Provas francas e claras: declare se se taes accusações têem fundamento ou te alguma cousa as auctorisa. Se nada as auctorisa, que direito ha para fazer injurias ao caracter de um cavalheiro que hontem era nosso collega, e que hoje o torna a ser. Triste modo de julgar, e mais triste seria se algum dia fosse retribuido.

Achei tres dioceses vagas, repito, e tratei de as prover em ecclesiasticos diversos, segundo as suas qualidades e segundo as condições necessarias. Para as duas dioceses de Africa, procurei pastores, parochos illustrados; para a diocese de Macau procurei um canonista já experiente na gerencia dos negocios ecclesiasticos. Escolhi como devia escolher. Não olhei aos individuos, sim ao interesse das dioceses. Se tal provimento merece desapprovação á opposição, manifeste-o claramente, mas não se sirva de insinuações...

Uma voz: — Isso não é para aqui.

O Orador: — E para aqui e muito para aqui, porque o ministro está aqui, e aqui se proferiram as palavras de que se tirou o pretexto da insinuação.

O sr. Mártens Ferrão: — D'este lado não saíu a mais pequena arguição ao sr. ministro, no sentido em que s. ex.ª falla.

O Orador: — D'esse lado da camara ou da parte dos cavalheiros que n'elle se sentam não saíu nem uma palavra, mas de um jornal que representa a sua politica, sim.

O sr. Mártens Ferrão: — Mas V. ex.ª responde pelo que dizem os jornaes que defendem a politica do governo?

O Orador: — A missão do governo não é responder por nenhum jornal. O governo mantem a liberdade de imprensa a todos, como lhe cumpre, e nada mais. Quando porém é accusado pelo que n'esta casa se diz, responde aqui, responde perante o parlamento, e n'isto tributa a mais solemne, verdadeira, sincera e franca homenagem ao systema parlamentar! (Apoiados.)

Insisito, o governo nomeou quem entendeu que devia nomear; e da reeleição do ecclesiastico nomeado não resulta transtorno algum á diocese respectiva, porquanto, ainda que não tivesse sido reeleito deputado para o resto da legislatura, não tinha partido para a sua diocese, porque não estava confirmado (apoiados).

A camara desculpará se aproveitei a occasião para dar estas explicações; mas eram necessarias, mas eram urgentes, mas eram indispensaveis, porque não entendo que, quando se fazem taes accusações ao governo como as que a proposito deste incidente se fizeram, elle possa ficar silencioso; e aqui é o logar de se explicar, pois que é o legar em que podem accusa-lo os que o quizerem accusar.

O sr. Sá Nogueira: — Eu tinha pedido a V. ex.ª que me inscrevesse para interpellar o Sr. ministro da marinha sobre a exportação de alguns africanos para S. Thomé, e sobre a escravatura de Moçambique. Mando para a mesa a, minha proposta, porque quero vir munido de algumas arguições que se fizeram, que são as que me obrigam a fazer esta interpellação ao sr. ministro, a quem já n'outro dia fallei sobre este assumpto. E negocio muito serio, e é preciso que eu traga aqui as accusações que se, fizeram, ás nossas auctoridades, para o sr. ministro poder informar a camara e dizer o que ha de verdade a este respeito.

O sr. Ministro da Marinha: — Sinto que o illustre deputado não queira verificar desde já a sua interpellação, porque desde já, penso, poderia responder; mas como diz que tem documentos em casa, que precisa trazer para a camara, esperarei que s. ex.ª os traga e então responderei.

Com relação propriamente a S. Thomé e Principe, os documentos, como já disse, foram pedidos por um digno» par do reino, e mandei-os para a outra camara, para evitar demora de copias. Mandei os originaes; por consequencia não é possivel apresentar os mesmos documentos em duas partes simultaneamente. Logo que estejam desembaraçados na outra camara nenhuma duvida tenho em os mandar para esta, e as mesas de ambas podem entender-se para que os srs. deputados os consultem tambem quando queiram.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, folguei de ouvir as explicações do governo, é que fossem tão explicitas como foram. Nada mais tenho a dizer quanto á fome de Cabo Verde, senão que merecem approvação e mesmo louvor as diligencias feitas pelo governo para minorar o mal que a provincia de Cabo Verde está soffrendo. Tenho confiança no governo e estou certo que virá ao parlamenta com as necessarias propostas, não só para acudir á crise actual, porém para providenciar de modo que se modifiquem as condições climatericas por meio da arborisação, e desenvolvendo ao mesmo tempo as industrias independentes das chuvas.

Pelo que respeita á liberdade da terra, só direi que sinto que não podesse ter sido posta em Cabo Verde em vigor a lei da abolição dos vinculos antes de começar a fome, e peço, ao governo que a ponha em vigor o mais brevemente possivel.

A respeito das presidencias das Camaras discordo completamente de quaesquer motivos allegados pelas auctoridades locaes para evitar a execução d'esta lei tão justa. Se o governo esperar que haja um governador que approve que os administradores não sejam presidentes das camaras nunca terá de ver chegar esse momento. Todos os partidos querem ter na camara os seus candidatos, e não ha de ser o governador civil que ha de dizer que lhe tirem do mais, influente logar de camarista o seu delegado, o homem que é outro elle em politica.

É notavel que não só na metropole porém em todo o ultramar, ainda mesmo em pontos muito menos adiantados em civilisação do que Cabo Verde, possam ser presidentes das camaras os proprios camaristas, e só o não possam ser em Cabo Verde.

Os governadores geraes no ultramar, bem como os civis no reino não podem deixar de ser considerados como partes interessadas neste ponto, e por isso suspeitos.

Lembre-se o governo d'isto e de que Cabo Verde é, depois da India, o ponto mais civilisado do ultramar, e espero que logo que receba os esclarecimentos pedidos porá a lei em vigor.

O sr. José de Moraes: — Não fazia tenção de entrar na discussão d'este objecto, mas já que s. ex.ª o sr. ministro da marinha e ultramar mencionou o meu nome, não posso deixar de dizer duas palavras.

Hontem quando se tratou aqui da questão da eleição da sr. deputado Feijó, não fiz insinuação alguma, nem insultei a sua pessoa, e isto mesmo constará das notas tachygraphicas, que não costumo emendar, e que hão de ser publicadas no Diario de Lisboa. Nada disse do sr. Feijó, nem sobre a sua eleição, nem sobre as suas qualidades pessoaes ou moraes. Não disse uma unica palavra com relação a este sr. deputado, nem costumo insultar, nem o sr. Feijó, nem os meus collegas, com quem estou em perfeita paz (apoiados).

S. ex.ª disse; que entrando para o ministerio e achando tres bispados por prover no ultramar, se tratou logo do despachar tres individuos, que sendo confirmados bispos, foram para aquellas dioceses. Merece s. ex.ª os meus louvores procedendo d'esse modo.

S. ex.ª diz que a questão eleitoral nada tem com a sagração ou com a ida do sr. bispo para Macau, e que logo que esteja confirmado pela santa sé, o que não pôde ser senão para março, necessariamente elle ha de recolher se á sua diocese. Folgo muito que isso succeda e que não aconteça a respeito d'elle o que tem tido logar com relação aos, outros bispos, que a despeito das promessas que se têem feito não têem ido para o ultramar. Quero crer que este cavalheiro depois de ter aceitado o bispado de Macau ha de ir para casa diocese, mas emquanto não vir que sáe a barra

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tenho receio de que aconteça o mesmo que já por outras vezes tem acontecido.

S. ex.ª tambem disse que tinha sido insultada, e que sé lhe tinha feito uma accusação grave n'um jornal que se publica n'esta capital. Pela minha parte declaro que hão fiz accusação, nem aqui nem nos jornaes. Por consequencia nada tenho a responder a esse respeito. O que quero é que fique bem constatado que não dirigi uma unica insinuação (Apoiados), nem uma unica palavra em desabono do sr. Feijó.

O sr. Mártens Ferrão: — Sr. presidente, não tinha tenção de tomar parte n'este incidente, mas na maneira por que o nobre ministro da marinha acaba de fallar parece-me ter feito a este lado da camara uma insinuação menos bem cabida com relação á apresentação do sr. deputado Feijó para bispo de Macau.

Não vi que d'este lado da camara se tivesse dito uma só palavra a similhante respeito, mas as palavras do nobre ministro manifestamente se referiram aos homens, que se sentam nos bancos da opposição. Provoquei n'um: áparte explicação do sr. ministro, e se esta tivesse sido dada com franqueza, não usaria agora da palavra. Não o foi, e eu devo levantar as phrases do ministro.

O sr. ministro declarou com admiração rainha que essas insinuações, se insinuações houve, a que se referiu, não foram feitas aqui no parlamento, mas que eram da responsabilidade dá opposição, porque eram feitas pela imprensa opposicionista! Perguntei logo a s. ex.ª se respondia pelos seus jornaes, e os seus jornaes não envolvem pequena responsabilidade moral para quem a quizer tomar! Respondeu-me que não! Esta resposta dispensaria qualquer comentário. Eu, não discuto, sr. presidente, o sr. bispo eleito de Macau, porque não discuto aqui pessoas, não são estes os meus habitos (apoiados). Creio que se podem tratar dos negocios publicos sem discutir pessoas. Mas tão pouco discuto aqui a imprensa! Se o governo não quer responder pela que o apoia como exige da opposição uma solidariedade que para si recusa?

Sr. presidente, a imprensa tem um campo e o parlamento tem outro (apoiado). O parlamento responde pelos seus actos, discute os negocios publicos, e não pôde nem deve invadir a imprensa. A imprensa tem outro parlamento. Ahi responde, ahi discute, e se commette demasias, ahi é que devem ser corrigidas pela imprensa que se lhe oppõe, e mais que tudo pela opinião publica que nos julga a todos superiormente. Que responsabilidade é esta que se exige nos adversarios, e se recusa nos amigos? Como é que a opposição parlamentar é responsavel pelos jornaes que combatem o governo, e os srs. ministros não o são pelos seus orgãos semi-officiaes e officiosos? Como ainda aqui se segue o systema da irresponsabilidade tão notavel n'esta administração! Se o sr. ministro foi aggredido, podia vir aqui levantar qualquer insinuação que lhe fosse feita, mas não lança-las sobre os seus adversarios politicos n'esta casa (muitos apoiados). S. ex.ª sabe que elles têem a franqueza necessaria para dizerem a s. ex.ª ou a todo o gabinete tudo quanto julgarem parlamentarmente conveniente (apoiados).

Os homens que estão aqui não occultara a sua opinião para irem lança-la nos jornaes por uma maneira que seja menos digna.

Usam da palavra, discutem, arguem o governo com desassombro no pleno uso do seu direito, mas não vão calumniar ninguem: a calumnia tem outra sede (apoiados).

Deixe-se o sr. ministro de querer d'aqui regular a imprensa que não o apoia, visto que não regula nem responde pela que o apoia. Separe bem os campos, discuta na imprensa com a imprensa, e no parlamento com o parlamento. Por que não quer s. ex.ª tomar a responsabilidade do que a sua imprensa diz todos os dias dos homens que se sentam do lado d'esta camara, e quer que nós a tomemos do que se diz contra s. ex.ª? (Apoiados.)

O governo não pôde vir discutir n'este campo, que lhe não é vantajoso!

S. ex.ª que fazer insinuações á imprensa, faça quantas quizer, ella responderá; mas vir lança-las sobre a opposição parlamentar, que costuma e sabe sempre levanta-las; é um mau precedente, que não póde partir dos bancos dos ministros.

Deixemos as cousas no campo em que devem estar, não façamos leis reguladoras para o exercicio da palavra escripta. A imprensa é livre e discute como quer e entende; se exorbita, se se excede, o mal é d'ella e do paiz, porque perde em força moral tanta quanta ganha em excesso, mas a restricção é um peior remedio.

O parlamento discute as leis e pede a responsabilidade aos ministros pelos actos da administração, cada um discute no seu campo. Não façamos pois regra para regular o uso da palavra, e não venham lançar aos homens que costumam ser convenientes na phrase, insinuações menos convenientes (apoiados) e mal cabidas (apoiados) a proposito de uma questão em que nada se tinha dito da parte da opposição (apoiados). É o que tinha a dizer.

(Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Vão ser expedidos para a outra camara os projectos n.ºs 13 e 14 a que a commissão de redacção não fez alteração alguma.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha: — Pedi a palavra unicamente para manifestar ao illustre deputado que houve da parte de s. ex.ª um verdadeiro equivoco. Equivocou se com effeito, e muito quando suppoz que eu tinha feito uma insinuação aos seus amigos que fazem parte da opposição. Não fiz uma insinuação; apresentei uma proposição sem a menor ambiguidade. «Não discutamos aqui a imprensa», diz s. ex.ª Alguns dos seus amigos a têem discutido. Mas não a discuti, nem discuto eu. Não discuti a imprensa; convidei apenas a opposição parlamentar a que fizesse suas as insinuações da opposição jornalistica. S. ex.ª recusou-se em nome dos seus amigos. N'este ponto os meus desejos estão satisfeitos com o discurso de s. Ex.ª. O nobre deputado disse que se houvesse motivo para accusar teria elle ou os seus amigos a coragem de o fazer; mas s. ex.ª declinando este facto, prova que não esposa, nem, os seus collegas, a doutrina que em tal assumpto tinha sido proclamada na imprensa. Nada mais pergunto nem preciso.

Disse mais s. ex.ª: «Deixemos á imprensa o que é da imprensa, e ao parlamento o que é do parlamento». Aceito esta doutrina, e desejava que todos a aceitassem sempre e do mesmo modo, quizera que não houvesse quem contrariando esse principio e essa theoria, tivesse dado exemplos absolutamente contrarios. Adoptemos essa doutrina, ou outra, mas a mesma, mas sempre, mas para todos tanto com applicação aos membros da opposição, como com applicação ao governo e á maioria (apoiados).

Aqui pôde haver adversarios, antagonistas em questões de principios, mas não inimigos, não homens que deixem mutuamente de se respeitar e se estimar (apoiados). Por muitas vezes tenho tido occasião de fazer plena justiça ao merecimento, aos actos, ao caracter e condições das pessoas que professam sentimentos politicos ou principios diversos dos do governo; tenho feito essa justiça sem me arrepender, e s. ex.ª já o reconheceu.

Continuarei a proceder do mesmo modo; folgarei de ser n'isto acompanhado pelos meus adversarios; mas se o não for nem por isso mudarei. Esta urbanidade reciproca não pôde porém impedir que, offendido o decoro do poder, eu procure no seio do parlamento o desaggravo de insinuações levantadas sobre palavras aqui proferidas; e s. ex.ª será o primeiro a reconhecer que me seria impossivel permanecer silencioso havendo sido victima de uma insinuação tão injusta e tão descabida como-a que se fez (apoiados).

O sr. Presidente: — Este incidente tem feito com que só agora possamos entrar na ordem do dia. Se alguns srs. deputados têem a mandar algumas representações ou requerimentos para a mesa podem faze-lo, tendo em conta que a hora está adiantadissima.

O sr. Infante Pessanha: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal da Vidigueira ia para a construcção da estrada que ligue aquelle concelho com a estação do caminho de ferro da Cuba.

Já n'outra occasião submetti este negocio á consideração da camara, que o recommendou ao governo, julgando o digno de toda a attenção.

As linhas ferreas seriam de pequena vantagem se fossem unicamente de utilidade ás povoações por onde passam; é mister pois que este poderoso meio de civilisação e progresso alargue a sua influencia e abranja maiores interesses.

D'aqui se vê a justiça e conveniencia da pretensão da camara que representa, porque importa não só a ligação facil dos povos da Vidigueira, Villa de Frades, Portel e Cuba, entre si, mas liga-os com a capital do paiz, grande centro de consumo dos muitos e variados generos que aquelles ricos e importantes concelhos produzem, e que precisam exportar.

Em occasião opportuna hei de requerer á camara que na distribuição de fundos para obras publicas applique igualmente uma verba para a estrada que deve ligar Alvito com a estação do caminho de ferro. A extensão é pequena e será para isso diminuta a despeza.

Peço a v. ex.ª que mande esta representação á commissão respectiva, para que dê o seu parecer.

O sr. Mazziotti: — Mando para a mesa duas notas de interpellação.

O sr. Vaz Preto: — Mando para a mesa uma representação do clero parochial de Penamacor, que insta pela discussão do projecto de lei sobre a dotação do clero; eu tenho por varias e repetidas vezes pedido a discussão d'esta interessante proposta, e insto de novo pedindo a v. ex.ª que, visto estar dada para ordem do dia, apresse esse debate, pois convem attender e remediar os males que está soffrendo essa respeitavel classe. Quando vier esse debate á téla da discussão, desde já declaro que hei de entrar n'elle com os meus fraquissimos recursos, que ainda que são diminutos são suppridos pela boa vontade, e por essa occasião mostrarei o que essa classe tem soffrido e está soffrendo, a missão elevada que tem a preencher na sociedade, e a consideração que se lhe deve dar, pois sem religião, sem ministros austeros e irrepreensíveis, a sociedade não pôde caminhar no caminho do progresso nem da civilisação; digo mais, que a sociedade deixava de existir porque a religião é essencial ao homem; portanto, sr. presidente, concluirei pedindo a v. ex.ª e á camara que com toda a brevidade tratem de attender a esta urgentissima necessidade, collocando o clero na posição que lhe compete.

Nada mais direi por agora n'este momentoso assumpto, que tratarei na occasião opportuna com aquella seriedade e attenção que elle merece.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO SOBRE a PROPOSTA DE ADIAMENTO, APRESENTADA PELO SR. SANT’ANNA E VASCONCELLOS, DA PROPOSTA DO SR. PINTO DE ARAUJO ACERCA DAS ELEIÇÕES MUNICIPAES DO DISTRICTO DE VILLA REAL.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Mártens Ferrão.

O sr. Mártens Ferrão: — Faltam apenas dez minutos para dar a hora; se eu fallar por mais de uma sessão já V. ex.ª vê que não é culpa minha nem desejo de protelar o debate. Não é de certo em dez minutos que posso concluir o que tenho a dizer sobre um assumpto tão importante (apoiados).

Começo por declarar á camara, para a tirar de sobresalto, que não tenho documentos a apresentar! Documentos ha já de sobejo para ser apreciada a questão que se ventila.

Sr. presidente, eu não venho discutir quem tem; ou não tem influencia no districto de Villa Real. Não venho discutir quem vence ou quem perde ali as eleições! A minha missão é mais modesta, mas é ao mesmo tempo mais parlamentar. Eu venho levantar uma questão de liberdade constitucional. Venho pedir a responsabilidade ao governo pelos factos graves praticados n'aquelle districto; pelos factos de pura administração, completamente documentados, que ali se deram, e que são por consequencia da responsabilidade do gabinete, como é principio incontestavel de administração nos governos constitucionaes (apoiados). Venho pedir ao governo providências para que estabeleça o imperio da lei onde só está estabelecido o imperio do arbitrio (apoiados).

Não venho tão pouco discutir se, os cavalheiros que se apresentaram ao governo, expondo-lhe queixas, representando contra violencias, reclamando contra factos illegaes, são ou não representantes de todo o districto, ou se representam só a sua individualidade. Para mim é isto uma cousa completamente estranha e indifferente. Podia ser que todos os membros de um districto representassem, e que a rasão e a lei não estivesse do seu lado. Pôde ser que um só levante a sua voz, e que essa voz seja a do opprimido, e a da rasão e da justiça que lhe foi negada. N'este campo é que as questões devem ser avaliadas nos parlamentos, despidas de paixões, de orgulhos, de insinuações de quem tem maior ou menor influencia, que não vem aqui para cousa alguma, e que fóra do pequeno circulo, onde essas influencias se agitam são desconhecidas (apoiados).

Eu venho, sr. presidente, protestar aqui bem alto contra doutrinas subversivas, para que não achem echo no meu paiz, quando o partido progressista do reino vizinho não as quiz aceitar ha pouco (apoiados). Venho protestar contra a admissão de doutrinas destruidoras dos principios constitucionaes, que por toda a imprensa liberal foram censuradas ao gabinete hespanhol, e que apesar de todos os esforços d'elle, não poderam subsistir contra a opinião e em face dos principios (apoiados). Venho protestar contra essas doutrinas que vi sustentadas n'esta casa, em relação ás eleições de Villa Real. Não quero a fiscalisação junto da uma para impedir que o homem que é representante do seu paiz não possa approximar-se d'ella, e conhecer com a lei na mão, com a lei que lhe abre as portas das assembléas eleitoraes, se essa lei é executada, se os principios são respeitados, se ha violencia, se ha fraude, se quaesquer meios menos dignos são empregados para fazer com que a uma não seja a verdadeira, expressão do voto nacional (apoiados).

Contra isto é que eu protesto, contra esta doutrina que vi ha pouco baquear n'um grande reino, como reaccionaria, e que vejo, com assombro meu, apresentar no nosso paiz como doutrina partilhada pelo partido progressista (apoiados).

«Nós os progressistas (disse se) tinhamos, dois homens, não com armas (que me importa a mim se tinham armas ou não!) aporta da assembléa para impedir que entrassem lá os individuos que pertenciam á opposição; e que não votavam ali, mas que eram votantes no mesmo concelho, que eram votantes n'outra assembléa que concorria para o resultado geral donde havia de saír a eleição do municipio!»

Isto é que eu não queria ouvir (apoiados). Contra estes factos, é que eu protesto, porque são uma inversão dos principios e uma confusão de idéas. Até agora, todos nós julgavamos e eu considerei sempre esta doutrina como reaccionaria, assim a consideravam todos; e hoje vejo, com pasmo, apresenta la como credo do partido progressista. Protesto contra similhante abuso da palavra, porque tambem pertenço a este partido; protesto contra esta inversão dos principios, contra esta sophismação de idéas, que não se pôde sustentar perante um parlamento que, primeiro que tudo, é o guarda e sustentaculo da lei e dos principios constitucionaes, que são a base do nosso systema politico (apoiados).

Eu não discuto tão pouco as representações apresentadas a favor da auctoridade administrativa d'aquelle districto. Não tenho odio nem inimisade com aquelle cavalheiro, e quando a tivesse ficar-me-ia lá fóra da porta. Mas como funccionario publico que esse cavalheiro é, as representações a favor ou contra estão para mim nos seus actos, registados nos archivos publicos, apresentados á camara, confessados por elle e não contestados por pessoa alguma. Essas é que são as representações, esses é que são os documentos que devem ser presentes ao governo, para, segundo elles, se dirigir sobretudo quando se trata de dar socego e pacificação a um districto que, diga-se o que se disser, todos sentem que não está no estado normal (apoiados).

Eu poderia desde já referir-me a um documento ainda hontem publicado na folha official, insuspeito para a maioria, porque é do ministerio do reino, e assignado pelo nobre presidente do conselho, e que é uma mostra da imparcialidade e da regularidade com que correram os trabalhos, eleitoraes em Villa Real! E uma portaria estranhando altamente a maneira irregular por que estavam procedendo as auctoridades, o conselho de districto que devia julgar nas eleições de Montalegre; portaria assignada pelo presidente do conselho de ministros, publicada na folha official, e que por consequencia é de auctoridade insuspeita.

Eu com este documento official poderia responder, desde já, a quantas asserções graciosas se quizessem fazer em relação á grande regularidade e á grande imparcialidade com que ali correram os trabalhos eleitoraes.

Este documento, que os nobres deputados hão de ter lido, é importante por ser insuspeito, e porque revela as tendencias e qual a maneira regular e imparcial pela qual ainda

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agora, depois de agitada esta questão no parlamento, depois de por tanto tempo discutida na imprensa, e depois d'esta pressão que mão se pôde deixar de confessar que se exerce, quando por toda a parte a opinião publica se occupa dos factos, se está ali procedendo a respeito dos processos eleitoraes! Registe-o a camara como resposta insuspeita ao que disse o ilustre deputado (apoiados).

«Foi presenteia Sua Magestade El Rei o officio, em que o secretario geral, servindo de governador civil de Villa Real, dá conta dos motivos porque foi suspensa a posse da camara municipal de Montalegre, ultimamente eleita, suspensão de que se queixou João Antonio Ribeiro Guimarães.

«Sua Magestade viu/pelai informação do governador civil e pelos documentos por elle remettidos que, tendo se apresentado um protesto contra a validade das eleições de Montalegre, destituido de toda a prova testemunhal ou documental, o conselho de districto julgára dever por este motivo adiar o seu julgamento sobre a validade do acto, comquanto nenhuma nullidade Constasse das actas que lêem fé publica, até serem convencidas de falsas, e seja regra corrente que os tribunaes julgam pelas provas que lhes são presentes pelas partes, que devem vir a juizo com todos os meios de prova.

«Viu mais que, tendo a decisão do conselho sido proferida em 29 de dezembro, só em 12 de janeiro se expediu a ordem para se levantarem os autos de investigação, e que tendo decorrido quasi um mez, não havia ainda sido cumprida pela administração do concelho de Montalegre a ordem do governador civil.

«Estes factos podem dar motivo á suspeita de que se pretende procrastinar este negocio e tolher por meios indirectos aos eleitos o uso do seu direito politico; e Sua Magestade querendo que em assumpto tão melindroso se evitem todos os motivos de queixa, e que os actos da auctoridade não possam ser arguidos de parcialidade: manda que o governador civil de Villa Real exija immediatamente do administrador do concelho de Montalegre a informação e autos de investigação que lhe foram pedidos, e que recebidos elles, submetta logo a questão ao julgamento do conselho de districto, para que os interessados possam, querendo, interpor contra a decisão tomada, os recursos legaes. = (Assignado) Duque de Loulé.»

Isto é dito n'um documento official...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Ahi se prova a imparcialidade do governo.

O Orador: — Aqui tem v. ex.ª, sr. presidente, como a maneira porque aquelle districto ainda actualmente se está procedendo (e eu depois direi onde vae a imparcialidade do governo), não pôde deixar de ser estygmatisada e reprovada.

Querem louvor a respeito d'aquella portaria? Dou-lh'o (apoiados).

Agora o que eu desejava era que os outros actos correspondessem a este; o o que desejava, por conveniencia do governo do meu paiz e dos principios, era que o governo se tivesse desprendido da pressão politica que necessariamente o tem levado a conservar num estado tão irregular aquelle districto, como elle mesmo se vê obrigado a confirmar em documentos officiaes; se tivesse desprendido d'essa pressão estivesse tratado sempre de fazer justiça; tivesse acabado com essas questões, que de ordinario começam por muito pouco, tomam vulto e muito grande, de modo que quando se quer dar-lhe remedio é já tarde. Basta, sr. presidente, mostrar se que se vacilla e hesita, quando se tem de administrar justiça aos povos!

Deu a hora, e V. ex.ª comprehende que eu não poiso deixar de ficar coma palavra para segunda feira.

O sr Presidente: A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que vinha para hoje e mais os projectos n.° 176, do anno passado; n.° 1, de 1864; n.° 113, de 1863; e n.° 127, de 1862.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Peço a v. ex.ª que dê para a primeira parte a auctorisação para a cunhagem da moeda.

O sr. Presidente: — Foi hoje distribuido o respectivo parecer.

Está levantada a sessão. Eram quatro horas da tarde.

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